quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Descrevendo os Horrores dos Mitos (Parte 2)

Audição

Eu lembro de uma cena do filme Frankenstein clássico de 1930. Nela o cientista maluco afirma que a criatura está se aproximando o monstro ainda não havia sido visto no filme. Antes dele aparecer entretanto, ouvimos o som de passos, ouvimos murmúrios, ouvimos a porta rangendo e ao se abrir ouvimos um grito. Só então vemos a criatura.

Tudo isso contribui para o suspense e para que a cena seja ainda mais impactante.

Ouvir o barulho produzido pela criatura pode ser tão assustador quanto vê-la. Pense quantas vezes você se assustou ao ouvir um estrondo, quantas vezes teve um sobresalto ao conectar um aparelho sem lembrar que o som estava ligado ou quantas vezes o ruído de giz sobre o quadro negro o deixou arrepiado.

Muitas criaturas e entidades dos Mitos revelam a sua aproximação através de algum tipo de som que pode ser captado previamente. Azathoth por exemplo é precedido pelo som de flautas diabólicas sopradas pelos seus serviçais. Uma das mais terríveis manifestações de Nyarlathotep, o Wailing Wither se manifesta com um uivo agudo e um uivo gutural envolvido pelo assovio dos ventos é a marca registrada de Ithaqua, o Wendigo.

Algumas criaturas produzem ruídos quando se movem. Como seria o som de um Shoggoth se aproximando? Seria como o derramar de uma substância oleosa? Como uma marola em uma plácida lagoa? As centenas de bocas iriam estalar? Murmurar? Gemer? Qual seria o som produzido pelos colossais passos de um Dark Young de Shub-Niggurath? O chão iria reverberar a cada avanço? Os passos ecoariam com um ribombar? Qual o som das asas de couro de um Byakhee? Seria como um enorme morcego?

Certas criaturas rosnam, gemem, gritam, suspiram, choram, engasgam, estalam... fica a critério do keeper definir qual o som adequado para cada criatura encontrada.

Por vezes é possível que um monstro esteja oculto pela escuridão. Poucas coisas podem ser mais assustadoras do que saber da presença de alguma coisa apenas através dos ruídos produzidos por ela quando a luz da fogueira ou das lanternas se apaga. Da mesma forma, algumas criaturas são invisíveis e sua presença só é captada por nossos sentidos quando um som é produzido por elas. O Star Vampire, por exemplo, produz um som semelhante a uma risada zombeteira e repetitiva quando se manifesta.

Em "Um Sussurro nas Trevas", Lovecraft descreve uma cena inteira sem mostrar nada, apenas narrando o que o estupefato Akeley ouve através da porta fechada de seu quarto. Um zumbido horrível, inumano e perturbador produzido pelos Mi-Go enquanto tentam se comunicar usando a língua dos homens. Em "Montanhas da Loucura", temos a ladainha medonha Ti-ki-li-li soada através de implementos de sopro no corpo das criaturas da velha cidade.

O que pode ser mais medonho do que uma entidade alienígena ou absolutamente inumana tentando se comunicar em uma língua terrestre? Seria a voz sibilante? Seria gutural? Soturna? Raspante? Sufocada? Imagine o som medonho de um Gug ou de um Ghast ao perseguir humanos em fuga.

E o que dizer da voz de alguém morto há séculos e que volta à vida através de magia negra. Como soariam as palavras em uma garganta descarnada e seca? O quão apavorante é o gemido de um zumbi? No filme "Hellraiser", temos o som semelhante ao de um bebê nascendo quando um personagem literalmente renasce do inferno por intermédio de sangue. Talvez os personagens tenham de fazer rolamentos até para compreender o que é dito.

Certos sons podem afetar aos investigadores. Imagine o troar titânico produzido por Yog-Sothoth ao se manifestar. Será que a audição humana poderia resistir a essa experiência? Imagine o ruído produzido por Tru´Nembra uma entidade feita de som vivo. Como seriam afetados os animais com audição superior a nós humanos? Em um conto, os ruídos de uma entidade não são ouvidos, contudo os cães em um raio de quilômetros ganem e uivam sem parar.

Em o "Quinto Elemento", a Sombra Maligna que ameaça a Terra fala com as pessoas provocando sangramento, náusea e confusão. Alguém duvida que uma conversa com Nyarlathotep poderia resultar em um efeito menos dantesco?
Sons contribuem para o clima e criam a ilusão da ameaça ou estabelecem a base para a visualização.

Tato

O tato talvez seja o sentido menos exporado ao se descrever os Mitos, afinal tocar em uma dessas criaturas não seria o mesmo que estar morto ou perto da morte? Nem sempre...

Por vezes os investigadores desarmados se vêem na detestável situação de ter de enfrentar os horrores que os acossam com as mãos nuas. E nesse momento temos o contato da pele com a superfície alienígena que compõe as criaturas. Certas criaturas como Abhoth ou Nyoghta tem o corpo fluídico como uma espécie de óleo ou líquido, outras parecem compostas de um miasma gasoso, de uma pele escorregadia, fria e lisa como uma foca ou com algo que parece carne, cabelo e sangue mas que ao toque é diferente.

O tato concede informações sensoriais bastante ricas que o cérebro busca traduzir para algo mais corriqueiro. Caminhar sobre a massa de um imenso Elder One pode ser como pisar em uma superfície esponjosa e escorregadia. As paredes de um templo dos Mi-Go pode ser recoberta de um líquido viscoso e pegajoso como melado. O toque do tentáculo de um Spawn of Cthulhu pode ser frio e molhado, transmitindo um sentimento de asco e repulsa semelhante ao despertado pelo contato com moluscos.

Em alguns momentos a sensação pode ser diferente de tudo. Quem poderia supor que o fogo vivo que compõe Tulzcha seria frio e não quente? Que a escuridão que compõe o corpo de Bug Shash é viva e sentiente? Qual a sensação que os espinhos de Glaaki produzem ao atravessar o corpo? Como seria ser envolvido por uma massa medonha que é um Shoggoth? A superfície seria cáustica? Abrasiva? Coreácea?

Terror dos terrores, certas criaturas buscam o contato com seres humanos de forma mais tenebrosa e íntima. Em "Dunwich Horror", Lovecraft deixa em aberto como se dá a união carnal entre Lavinia Whatley e Yog-Sothoth, união esta que gerou Wilbur e seu irmão ainda menos humano. Para os padrões puritanos de Lovecraft tal consumação seria inconcebível e ele jamais a descreveria, contudo seria possível extrapolar os parâmetros de horror e descrever essa situação?

E quanto aos Insetos de Shaggai ou Eihort, que se infiltram hospedeiros no corpo humano. O que sentiria alguém habitado por estes parasitas? Quais as informações sensoriais que o corpo transmitiria à mente relatando a invasão alienígena?

O tato permite uma exploração tenebrosa das sensações abrindo as portas para um horror exasperante que nenhuma visão poderia igualar.

Um comentário:

  1. Seu blog é simplesmente sensacional. Bem escrito e com ótimas dicas pra outros narradores de RPG.
    Obrigado e que tu continue o blog por muitos anos.

    ResponderExcluir