domingo, 13 de dezembro de 2009

A Trilha de Solomon Kane - Biografia do Puritano Vingador


Uma biografia informal de Solomon Kane por FRED BLOSSER

I. O Puritano de Cross Plains

Robert E. Howard, o criador de Conan, fez sua primeira venda de estória para a Revista Weird Tales em meados de 1920. Cerca de meia dúzia de contos escritos por Howard foram publicados na revista entre 1925 e 1928.

Estas eram narrativas competentes - todas elas profissionais o suficiente para serem republicadas em vários livros nas últimas décadas - mas faltavam a elas aquele algo mais que distingue as estórias memoráveis das meramente boas.

Então, em 1928, Howard produziu uma longa e excelente novela, que foi realmente memorável. Com essa estória, o bardo de Cross Plains, Texas, terminou seu aprendizado como contador de estórias, e deu seu passo decisivo em direção a um gênero que misturava ação de capa e espada e horror sobrenatural. Gênero esse que faria sua literatura famosa mundialmente.

Essa novela foi "Red Shadows", publicada na Weird Tales em Agosto de 1928. Seu protagonista foi o primeiro dos seus grandes heróis - Solomon Kane.

Ao contrário de Conan ou do Rei Kull, Kane era um aventureiro civilizado cujas explorações ocorriam sob uma moldura histórica. Ele era um andarilho britânico, um puritano nos tempos da Rainha Elizabeth I e de Sir Walter Raleigh, uma época há cerca de 400 anos atrás. Howard o descreveu da seguinte maneira em Red Shadows:

"(Kane era) um homem alto... vestido de negro dos pés a cabeça, trajando roupas sóbrias, que de algum modo assentavam bem em sua fisionomia taciturna. Braços longos e ombros largos ostentava o espadachim, portando uma rapier em suas mãos. A fisionomia do homem era saturnina e melancólica. Uma espécie de palidez sombria concedia a ele uma aparência fantasmagórica sob a luz, um efeito acentuado pela escuridão que ocultava sua fronte".

Este guerreiro de face amarga que suportava as transgressões do mundo em seus vigorosos ombros apareceu em sete narrativas da Weird Tales entre 1928 e 1932. Estas estórias possuem muitas das virtudes das obras primas de capa e espada escritas por Howard. Elas eram vívidas, vibrantes e cheias de atmosfera, com enormes doses de ação, lindas mulheres, nobres sádicos e uma infinidade de monstros. Nelas, Kane lembra um Conan, habitando uma outra época e agindo em diferentes papéis: soldado mercenário, bucaneiro, guerrilheiro, explorador, escravo de galés e caçador de fantasmas. Um herói com H maiúsculo!

Então, quando o poderoso cimério veio à tona, Howard deixou o puritano de lado, deixando incompletas ao menos quatro estórias sobre Solomon Kane que ele já havia começado. Após a morte de seu criador, Solomon Kane tornou-se um personagem esquecido, da ficção de Howard.


Foi em 1968 que o editor de fantasia, Donald M. Grant produziu a primeira coleção completa das estórias de Solomon Kane, intitulada "Red Shadows". A partir desse livro, Glenn Lord, executor legal de Howard, organizou as estórias em ordem cronológica e providenciou textos para cobrir as lacunas existentes na longa carreira de Solomon.

A saga no total inclui nove estórias completas, quatro fragmentos e três poemas.

[Nota: Todos incluídos no livro "The Savage Tales of Solomon Kane", sobre o qual eu falarei mais adiante.]

Para o leitor que só agora está conhecendo Solomon Kane, segue uma descrição de sua vida e de suas jornadas, que serão úteis para estabelecer tempo, lugar e personagens. A cronologia a seguir é baseada no que foi determinado por Glenn Lord.

II. O Nascimento de Kane

Vamos começar do início. Solomon Kane nasceu em Devonshire na escarpada costa oeste da Inglaterra - a terra natal de outros soldado da fortuna dos tempos Elizabetanos como Sir Frances Drake e Sir Francis Greenville com quem Solomon se associou por alguns anos. Ele teve ter nascido por volta de 1530.

Ele foi criado na ortodoxia puritana e - a julgar pela sua habilidade na esgrima - ele aparentemente recebeu treinamento no uso da espada.

Kane começou a vagar pelo mundo ainda jovem, provavelmente para escapar das perseguições religiosas pela qual os puritanos sofriam durante a regência dos Tudors na Inglaterra. Não existem registros de suas aventuras nesse período, mas ele pode ter servido como mercenário em algum exército estrangeiro no continente ou navegado em um navio na rota das Indias Ocidentais.

Ele retornava periodicamente para a Inglaterra, como fez durante toda a sua vida. (Em uma ocasião, muitos anos depois, ele disse: "Inglaterra! Eu acho difícil permanecer em minha terra natal, por mais de um mês. Mas embora eu tenha sido amaldiçoado pelo desejo de viajar, este é um nome que ainda traz um brilho a minha alma".

Durante um desses vários retornos, a primeira aventura registrada de Solomon ocorreu. Viajando para o povoado de Torkertown, Kane encontrou e enfrentou um Fantasma dos Pântanos ("Skulls in the Stars").

Mais tarde, ainda nos arredores de Torkertown, ele testemunhou a vingança de um necromante contra o homem que o entregou para os soldados do Rei ("The Right hand of Doom")

Nesse conto ele menciona que o Rei em questão era Henrique VI - provavelmente em meados de 1553. Depois dessa segunda aventura ele parte uma vez mais. Suas maiores aventuras viriam em seguida.

III. África e de volta

Kane fez seu caminho até a França, onde serviu como capitão mercenário em uma das muitas guerras religiosas que assolaram aquele reino nos séculos XVI e XVII. Ele viu ação em ao menos uma grande batalha, eventualmente afastou-se da carreira militar, enojado pelos "muitos atos daninhos cometidos sob o manto de uma causa".

Subsequentemente, enquanto vagava solitariamente pelo interior rural da França, o puritano chegou a uma vila que havia sido pilhada pelo impiedoso chefe bandido Le Loup. Uma jovem que o rufião havia violado e esfaqueado morreu nos braços de Kane e o inglês jurou vingança.

Sozinho, Kane elimou os homens de Le Loup, e seguiu o líder dos bandidos em uma longa jornada que o levou a conhecer a Espanha e a Itália e através do mar até as selvas da África escravista. Lá, entre os fantasmas da morte, vodoo e barbarismo, Kane enfrentou seu inimigo em um duelo até a morte ("Red Shadows").

Solomon retornou a Europa em uma nau portuguesa e por algum tempo viajou pela Floresta Negra da Alemanha. Suas explorações nessa época são cobertas pelos contos "Death's Black Riders" e "Battle of Bones".

Nessa época ele se juntou a outro andarilho inglês, John Silent, e os dois levaram a justiça até o tirano Barão Von Staler ("The Castle of the Devil"). Em seguida seguiram para o Leste em direção a Transylvania (onde Kane encontrou um perigoso Conde morto vivo).

Kane e Silent então retornaram ao Ocidente para a cidade italiana de Genova onde se alistaram para enfrentar piratas turcos no Mediterrâneo. Capturado pelos turcos, o puritano passou vários meses como escravo nas galés. Ele finalmente escapou e regressou à Inglaterra e lá em um duelo assassinou um certo Sir John Taferel. Taferel antes de morrer, confessou ter vendido sua própria prima, Marylin a um corsário chamado El Gar, para assegurar uma herança.

Marylin era também prima de Sir Hildred Taferel um velho amigo de Kane. Então Kane decidiu partir uma vez mais em busca da jovem desaparecida. A busca o levou a sangrentas batalhas navais antes de levar o puritano uma vez mais a Costa Negra da África.

Kane descobriu que uma tribo costeira havia roubado Marylin de um caçador de escravos português e a enviado como tributo para um chefe. Seguindo essa trilha, o solitário aventureiro, encontrou a garota na cidade perdida de Negari - habitada por pelos sobreviventes de uma colonia de Atlântida. Ele chegou à tempo de salvar a garota de um sacrifício na Torre da Morte, nas mãos de Nakari, a bela rainha demônio que governava a cidade. ("The Moon of Skulls")

Solomon retornou com Marylin para a Inglaterra e em 1556 juntou-se a Sir Francis Drake pilhando galeões espanhóis no Caribe. Foi Drake quem chamou seu companheiro de armas de "O Rei de Espadas de Devon".

Entretanto, apesar de uma longa associação, os dois jamais se tornaram amigos, suas opiniões políticas divergiam enormemente. A Rainha Elizabeth de quem Drake se tornaria fiel seguidor, era tida nas palavras do puritano como uma governante que "mentiu e traiu as pessoas de minha fé".

Ainda assim, Solomon permaneceu com Drake por seis anos. Durante esse tempo, ele aprendeu alguma coisa sobre carpintaria e táticas de guerrilha, enfrentando nativos em Darien. Mais tarde, navegou com Drake ao redor do mundo e foi testemunha da execução de Sir Thomas Doughty na Patagonia, em 1578 ("The One Black Stain").

Deixando o serviço com Drake, o puritano juntou-se ao seu amigo de longa data, Sir Richard Grenville, para atacar embarcações espanholas, nas Índias, uma vez mais. Kane retornou à Inglaterra em mais uma missão de vingança, a filha de um amigo foi assassinada por piratas e Kane foi atrás dos assassinos.

Sua busca de dois anos o levou até uma propriedade na costa norte da Grã-Bretanha, onde ele envolveu-se numa luta de faca com o capitão Fishhawk, um bandido que ele havia conhecido há tempos ("Blade of the Brotherhood").

IV. Novas andanças

Com a missão cumprida, o aventureiro navegou uma vez mais com Grenville, como corsário. Em 1591, o navio de Grenville foi emboscado por inimigos espanhóis na costa de Portugal; Sir Richard foi morto em batalha e Kane feito prisioneiro. Ele foi aprisionado e torturado pela Inquisição Espanhola, e levou as cicatrizes dos instrumentos de tortura em seu corpo pelo resto da vida.

Solomon suportou maus tratos que poderiam ter matado um homem mais fraco. Mas quando a oportunidade de escapar surgiu ele a aproveitou. Algum tempo depois, retornou a África, onde encontrou o velho feiticeiro N'Longa, com quem havia feito amizade, durante a perseguição à Le Loup anos antes.


De N'Longa, o inglês recebeu um estranho presente: um cajado voodoo, incrivelmente antigo, com a cabeça de um gato entalhado. O cajado salvou a vida de Kane quando ele encontrou uma raça de vampiros habitando o interior do continente ("The Hills of the Dead").
Guiado por um "incessante desejo por aventuras", Solomon entrou ainda mais na selva. E numa localidade remota, encontrou outro inglês, um náufrago pirata chamado Jeremy Hawk. Hawk, a quem Kane conheceu em seus tempos ao lado de Grenville, estava tentando se tornar rei do povo perdido, os Khabasti. Ele tentou ganhar o apoio do puritano nessa empreitada ("Hawk of Basti").

Após essa aventura com Jeremy Hawk, Solomon prosseguiu em território habitado por canibais. Uma noite, a visita de um colega morto há tempos o salvou de ir parar no caldeirão da tribo ("The Return the Sir Richard Grenville"). Ainda na terra dos canibais, o andarilho ofereceu ajuda a uma tribo que vinha sendo atacada por horrenda bestas aladas, as últimas hárpias expulsas da Europa por Jasão séculos atrás ("Wings in the Night").

Muitos meses depois, na África Central, Kane combateu escravistas árabes. Um dos homens que ele ajudou informou que o cajado voodoo de N'Longa era um artefato antigo "utilizado por sacerdotes ancestrais". Em tempos bíblicos, o cajado havia sido usado por outro Salomão, dessa vez o Rei de Israel, para combater demônios das esferas exteriores. Da mesma forma, Kane empregou o cajado para combater um monstro amorfo que havia sido libertado de seu mausoléu ("The Footfalls Within").

A última aventura de Kane na África teve lugar em uma terra muitos quilômetros a leste. Uma vez mais ele encontro uma raça perdida no tempo - uma comunidade de antigos assírios ("The Children of Asshur"). Capturado por eles, ganhou a confiança dos nobres da cidade resgatando uma jovem das garras de um leão.

Como Solomon retornou à Europa e quais as aventuras ele viveu nesses anos, nós não sabemos. Sem dúvida, ele experimentou mais ação na África e Europa - e possivelmente no Novo Mundo e Ásia - mas essas aventuras jamais foram contadas.
V. O Fim da Trilha

Há ainda uma nota interessante sobre a vida épica de Kane. Em 1610, Solomon Kane, já muito velho, mas ainda "um andarilho na face da terra", retornou ao vilarejo onde nasceu, em Devon ("Solomon Kane's Homecoming"). O puritano contou ao povo da cidade: "meus pés estão cansado de vagar e a idade veio em tropel: eu anseio por ficar em Devon agora, para sempre o meu lugar".
Mas então, como se ele ouvisse as ondas do mar, Solomon abandonou sua decisão. Ele "deixou o povo de lado e partiu na noite", disposto a viver mais aventuras. Que seu destino jamais fosse revelado...

Assim foi melhor. Pois Solomon Kane, ainda mais do que Conan e o Rei Kull, é o arquétipo do heroi, nunca se retirando, nunca morrendo, mas sempre presente quando necessário. A própria explicação de Solomon Kane a respeito de si mesmo e de sua missão (em "Blades of Brotherhood") pode ser usada para definir sua longa jornada: "eu saio do por do sol e sigo para o nascer do sol... Se o mal floresce e cresce, se homens são perseguidos e mulheres são mal tratadas, não haverá descanso para mim sob esses céus, nem paz para repouso ou para uma cama".

4 comentários:

  1. Muito bom o artigo, fez um coletânea interessante, e mostrou um personagem invejável de ter na mesa de jogo, mesmo se for de outro colega!

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  2. Muito bom! Impressionante!
    Sou fan de carterinha do Putritano. muito bem organizado a trilha da vida desse grande herói.

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  3. Atravessei colinas vazias onde a noite só os mortos vagavam, contemplei um sem-número de crânios cortados espalhados pela terra tão árida e nua. E o vôo devasso de demônios alados ao clarão da pálida lua .

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