terça-feira, 13 de abril de 2010

Revisitando o Horror de Red Hook - Referências e Lugares Assustadores


"O Horror em Red Hook" foi publicado em Janeiro de 1927 em uma edição da clássica revista Weird Tales. Ele foi escrito, segundo o próprio Lovecraft em meros dois dias de trabalho.

Para muitos é um conto menor na carreira de Lovecraft e um de seus trabalhos mais polêmicos. Ao retratar as condições de vida, costumes e tradições dos habitantes de Red Hook, Lovecraft deixa escapar arroubos claros de preconceito racial e xenofobia.

Vale lembrar que em 1924, época em que o conto foi escrito, ele e sua esposa, Sonia Greene, haviam recentemente se mudado para Nova York e Howard se mostrava constantemente incomodado pelo caldeirão étnico que compunha a população da metrópole. Sonia teria escrito em uma de suas correspondências: "Sempre que andamos pelas ruas apinhadas de gente com diferentes identidades étnicas, Howard fica lívido de raiva. Ele parece quase a ponto de perder as estribeiras!"

É provável que a mudança de panorama tenha causado uma reação adversa em Lovecraft. Providence sua amada terra natal era pequena e provinciana em comparação com Nova York. O barulho, a sujeira e o movimento constante irritavam Lovecraft e o deixavam incomodado.
Notavelmente "Red Hook" é um de seus único contos que se passa inteiramente em um ambiente urbano. As impressões de Lovecraft a respeito da vida na cidade teriam sido tão profundas que fizeram com que ele escrevesse um conto de horror claustrofóbico?

É possível que a resposta seja sim...

Desde que passou a viver na cidade grande, Lovecraft não escondia seu descontentamento. Seu desejo de retornar a Nova Inglaterra, pode ter sido uma das razões para o divórcio.

Mas não vamos desvirtuar do tema...

"O Horror em Red Hook" se passa na vizinhança de Red Hook (Gancho Vermelho) no Brooklyn, NY, onde Lovecraft residiu brevemente (de 1924 a 1926) no número 169 da Clinton Street. Red Hook foi estabelecido em 1636 por colonos holandeses, e as primeiras construções de frente para o mar, ajudaram a tornar a área um dos centros de comércio mercantil mais movimentados até o século XIX. O constante fluxo de mercadorias trazidas de terras distantes, atraía também estrangeiros que passaram a residir nos cortiços que compunham a vizinhança portuária.

Os residentes de Red Hook vinham de todas as partes do mundo: portugueses, italianos, espanhóis, poloneses, alemães e irlandeses, além de ocasionais habitantes de Barbados, Haiti e Guiné. Além dos idiomas, havia diferenças quanto a cor da pele, crenças religiosas e tradições.
Lovecraft reconhecidamente não aprovava o caos, e o movimento caótico de estrangeiros, com seus "costumes incomuns", causava nele uma profunda repulsa. A descrição dele dos hábitos dos estrangeiros nesse conto, é tudo menos simpática.

Praticamente todos os locais referidos em "O Horror em Red Hook" existem e são lugares com os quais Lovecraft estava bem familiarizado:

Pascoag e Chepatchet são dois vilarejos no norte de Rhode Island que o autor visitou em meados de 1923 e onde considerou residir.

Governor Island é uma ilha próxima da costa de Red Hook e a meio caminho de Ellis Island; ela serviu como residência oficial do governador colonial até 1698. Nos tempos de Lovecraft lá estava sendo construída uma base da Guarda Costeira que atualmente se encontra desativada. Ellis Island por muitos anos foi a porta de entrada para imigrantes nos Estados Unidos. O posto da autoridade alfandegária se encontrava nessa ilha que contava com um presídio e alojamentos para quarentena.

Borough Hall é o mais próximo da prefeitura do Brooklyn; trata-se de um impressionante prédio situado no número 209 da Joralemon Street. Lovecraft escreveu a respeito de sua arrojada arquitetura em uma carta a um amigo.

Flatbush é outra região do Brooklyn, estabelecida em 1652; Lovecraft se mudou para essa vizinhança e viveu no 269 da Parkside Avenue depois que se separou de sua esposa. Curiosamente os dois dividiram o apartamento até que ele decidisse retornar a Providence, deixando a mulher com a escritura da casa.
As "lápides de holandeses" citadas por ele, se referem ao cemitério e igreja que serviram de inspiração para o conto entitulado "The Hound", e corresponde a uma Igreja Reformadora erguida pelos colonos holandeses em Flatbush. O lugar em escombros já na época parecia causar arrepios em Lovecraft que andava por ali repetidas vezes e que pode ter sido atraído pela aura decadente das ruínas.

A Rua Martense (do conto "Lurking Fear") se encontra a poucas quadras dali ao sul do Hospital Universitáro do Brooklyn, e nas proximidades de Prospect Park.

Gowanus é outra vizinhança do Brooklyn, notória pelo movimento de estrangeiros e pelo funcionamento de bares clandestinos, tavernas e prostíbulos sórdidos. Lovecraft se refere ao lugar em outra de suas cartas como um formigueiro humano de péssima reputação.

Diferente de outros contos de horror, Lovecraft aqui quase não se refere aos Grandes Antigos, focando o horror nas ações de um bando que se assemelha a um grupo de satanistas. Em uma correspondência que Lovecraft trocou com Clark Ashton Smith, ele afirmava que a idéia para "O Horror em Red Hook" surgiu de um questionamento à cerca da existência de velhos cultos e religiões que ainda seriam praticadas secretamente por homens e mulheres de terras distantes. Crenças essas que teriam sido trazidas para o novo mundo e que ainda encontrariam seguidores nos porões, longe de olhos curiosos.

É provável que Lovecraft tenha se inspirado em rumores sobre igrejas clandestinas frequentadas por estrangeiros na sua própria vizinhança. Ele era uma ateu convicto e a prática de ritos estranhos, com cantorias e tambores, por detrás de portas cerradas, foi aproveitado por ele em "O Horror em Red Hook".

O conto é também conhecido por conter diversas citações ao mundo do ocultismo e do sobrenatural. Lovecraft afirmava que empreendeu pesquisas sobre o tema na Biblioteca de Nova York onde encontrou a maior parte das referências usadas nesse conto. Para muitos a familiariadde com que Lovecraft usava esses termos demonstra que ele tinha um certo conhecimento de ocultismo. Conhecimento este que preferia manter em sigilo.

Contudo, é mais provável que ele meramente pesquisasse esses temas para utilizá-los em seus contos sem jamais levá-los a sério.

O livro "Culto das Bruxas na Europa Ocidental" escrito pela antropóloga Margaret Murray realmente existe e deve ter sido consultado pelo autor em suas pesquisas. Publicado em 1921, o livro destaca a existência de uma raça pré-Ariana expulsa da Europa em virtude de suas crenças profanas. Murray afirmava que as fadas do folclore europeu, seriam uma sub-cultura derivada dessa raça ancestral. A despeito de suas conjecturas improváveis, o livro serviu como base para doutrinas neo-paganistas décadas mais tarde.

A Kabbalah também é citada no conto. O sistema teosófico judaico é um método de interpretação das escrituras, envolvendo um complexo código numérico. Lovecraft faz alusão a Kabbalah, mas não se aprofunda no tema, talvez por não estar familiarizado com seu intrincado funcionamento.

Os nomes Sephiroth, Ashmodai e Samael pertencem a entidades judaicas presentes também na Kaballah. Sephiroth representa o atributo pelo qual o infinito se relaciona com o finito. Ashmodai é outro nome de Asmodeus, um espírito maligno. Na Grécia ele é conhecido como Astarte. Samael é a encarnação de Leviathan, o demônio que convenceu Eva a cometer o pecado original. Se Lovecraft sabia o significado desses nomes, não se sabe ao certo, contudo é mais provável que ele os tenha usado pela identificação oculta deles e pela sonoridade.

A "Lenda de Fausto" é uma fábula do século XVI a respeito do Dr. Johann Fausto, que vendeu sua alma ao diabo em troca de juventude, poder e conhecimento. O dramaturgo elizabetano Christoper Marlowe (1564-1593) adaptou Fausto em uma peça, assim como o alemão Goethe (1749-1832). Mais tarde a história do Dr. Fausto inspirou compositores como Schubert, Schumann, Berlioz, Mahler e Gounod, além do novelista Thomas Mann (1875-1955). Lovecraft era um entusiasta dessa peça, e lamentava jamais ter podido assistir sua execução.

Não se sabe ao certo a natureza do termo Gorgo, embora seja aceito que é uma variação do nome "Górgona", as fêmeas amaldiçoadas com cabelos em forma de serpentes, tão hediondas que a mera visão tornaria um homem em pedra. Das três, Medusa é a mais conhecida.

Mormo também se refere a uma figura extraída da Mitologia Grega. Esta entidade era uma espécie de carniçal que servia a Hécate perseguindo crianças, mordendo-as e deixando cicatrizes em seus corpos. A Hécate por sua vez é uma deusa grega que habita as encruzilhadas. Ela é normalmente representada com três faces distintas, representando as três idades da mulher: jovem, mãe, e anciã. Mais tarde na história, sua imagem foi transformada de deusa do destino para entidade do submundo, patrona da magia e associada na Mitologia de Cthulhu a Shub-Niggurath.

A Magna Mater é um aspecto de Cybele, uma deusa da fertilidade na antiga Frígia, também associada a Cabra Negra com 1000 crias. O culto dedicado a Cybele existiu por volta de 6000 anos até ser eliminado nos primeiros séculos da cristandade. Por volta do ano 200 A.C. a sagrada pedra negra de Cybele foi levada como prêmio para Roma, onde um culto se estabeleceu. Os seguidores de Cybele eram em geral mulheres, mas sacerdotes do culto eram homens que realizavam a própria castração diante da imagem da deusa. Apenas mulheres e eunucos podiam permancer nas celebrações mais importantes. O culto da Magna Mater também é citado em "The Rats in the Walls".

Lovecraft também usou outros elementos do antigo testamento em seu conto. Moloch é uma divindade dos amonitas. Ele era reverenciado através do sacrifício de crianças atiradas às chamas. Ele é mencionado no "Paraíso Perdido" de John Milton como "..um horrível rei, sujo pelo sangue dos inocentes e lágrimas de seus pais..." Historiadores sugerem que a divindade era glorificada na forma de uma estátua representando um boi de latão.

"Walpurgis" se refere a Walpurgisnacht, também chamada de Noite de Beltane. A data marca uma das mais importantes reuniões de bruxas, o Sabbath. Ele é mencionado várias vezes na obra de Lovecraft em especial "The Dunwich Horror" e "The Dreams in the Witch House".

Não foram poucas as citações colhidas por Lovecraft em "O Horror em Red Hook", o que o torna um dos contos com maior número de referências. Ainda que não faça parte dos Mitos de cthulhu, e que seja colocado em um segundo plano , sobretudo por aqueles que se ofendem pela visão precinceituosa, "Red Hook" continua sendo uma estória assustadora envolvendo fanatismo e loucura, temas sempre recorrentes na obra de Lovecraft.

2 comentários:

  1. Estava relendo este conto magnífico ontem, quando prestei mta atenção à maravilhosa descrição do ritual, juntamente com o cântico a Gorgo e Mormo.

    Diferente e contundente. Eu gosto mto desta narrativa, porém não tinha atentado ao fato que era 100% urbano.

    Mamedes

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  2. É um dos meus trabalhados favoritos dele, justamente por esse grande acervo de referências bem fundadas. É arrepiante, crua e insana!

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