sábado, 24 de abril de 2021

A Condessa de Sangue - A Vida e as Mortes de Elizabeth Bathory


Qual a forma mais frequente que o mal assume? Perversidade? Loucura? Crueldade?

Na maioria das vezes o mal se manifesta na forma de algo inumano, hediondo, nefasto... mas nem sempre o mal toma essa forma. Por vezes, o mal assume uma forma bela e angelical. No final do século XVI e início do século XVII, uma bela mulher escreveu seu nome com sangue, lado a lado aos mais cruéis seres humanos de que se tem notícia.

Elizabeth (ou "Erzsebet") Bathory era filha de George e Anna Bathory, nascida na atual Eslováquia no ano de 1560. Bathory passou a maior parte de sua infância no antigo Castelo de Cachtice. Embora o Castelo seja frequentemente situado na lendária região da Transilvânia, na verdade ele fica próximo à cidade de Vishine, a poucas milhas da atual Bratislava (onde Áustria, Hungria e a Eslováquia compartilham uma tríplice fronteira). Aquela era uma região escura, de escarpas rochosas e com superstições muito antigas entranhadas no coração dos camponeses. 

Bathory cresceu em uma época em que a maior parte da Hungria estava sob ataque do poderoso exército turco do Império Otomano. Os Hapsburgos enfrentavam o avanço Turco transformando a Áustria em um vasto campo de batalha. Massacres e atrocidades eram algo relativamente comum, praticado pelos dois lados que não perdiam a oportunidade de castigar as populações civis de seus inimigos e impingir a elas as mais horríveis punições. 

A região inteira era dividida por rivalidades religiosas que colocavam vilarejo contra vilarejo, vizinho contra vizinho. A Família Bathory havia se convertido ao Protestantismo que abertamente contestava o poder do Papa e do Catolicismo Romano. Elizabeth foi criada na propriedade da família, quando criança era afligida de surtos nervosos acompanhados de ira e comportamento incontrolável. Alguns suspeitavam que a menina, dada a gritos e crises histéricas era possessa e que demônios habitavam seu corpo de tempos em tempos.


Em 1571, o primo de Bathory, Stephen tornou-se Príncipe da Transilvânia e, no final daquela década assumiu o trono da Polônia. Ele foi um dos mais eficientes governantes de sua época. Entretanto, seus planos de unir a Europa contra os turcos fracassou pois ele teve de desviar sua atenção para a ameaça representada pelo Czar Ivan - que entrou para a história com o título "O Terrível". O governante russo tinha ambições sobre a Polônia e pretendia anexá-la ao seu império.

Apesar de restrita aos limites do castelo, Elizabeth ficou grávida como resultado de um breve romance com um camponês em 1574. Quando sua condição se tornou evidente, ela foi escondida da visão de todos para que o boato não chegasse ao Conde Ferenc Nadasdy a quem ela estava prometida. Pouco se sabe a respeito dessa criança, a lenda afirma que ela chegou a dar à luz a um menino. O pai de Elizabeth enfurecido teria atirado o recém nascido aos cães selvagens e forçado a filha a assistir enquanto ele era despedaçado. O amante de Elizabeth, por sua vez, foi morto na masmorra do castelo; seus gritos ecoaram pelos corredores por dias e noites, enquanto ele era torturado. Dizem que todos que sabiam do ocorrido também foram eliminados ou banidos, para que não falassem da indiscrição cometida. 

Em 1577, Elizabeth e o Conde Nadasdy finalmente se casaram e mudaram-se para as Terras deste na Polônia. Como o marido era um soldado, ele estava frequentemente longe de casa, o que deixava nas mãos de Elizabeth a responsabilidade de administrar as terras da Família Nadasdy. Diferente da maioria das mulheres de sua época, Elizabeth recebeu educação esmerada, sabia ler e escrever, dominava outros idiomas e era plenamente capaz de discutir política. A maioria dos nobres húngaros eram analfabetos e mesmo o Príncipe da Transilvânia conhecia pouco de livros. Ela provou ser uma governante eficiente, ainda que implacável. Encheu os cofres da Família a medida que aumentava impostos dos camponeses e os afundava cada vez mais na penúria. 

Foi mais ou menos nessa época que a carreira maligna de Elizabeth teve início.

Quando menina, Elizabeth já havia dado sinal de um fascínio doentio pela dor e sofrimento. Ela fazia com que outras crianças torturassem e matassem animais domésticos para satisfazer sua curiosidade mórbida. Ainda adolescente se esgueirava pelos corredores da masmorra do Castelo de Cachtice, descendo até as partes mais profundas afim de assistir o medonho trabalho dos torturadores. Sozinha no escuro, ela se deliciava com os gritos e possivelmente descobriu-se excitada sexualmente por tais sons e visões. É provável que essas experiências solitárias tenham estabelecido em sua mente a noção de que dor e prazer andavam juntos, o que resultou numa personalidade extremamente sádica e absurdamente perversa.    
  

Em uma época em que crueldade era um instrumento empregado por aqueles em posição de poder, Elizabeth a usou como poucos. Ela não apenas punia aqueles que infringiam as leis, mas encontrava desculpas para castigar fisicamente seus serviçais, em especial jovens criadas, deliciando-se com a tortura e morte. A menor infração era motivo de punição e todos no castelo temiam a fúria avassaladora da Senhora. O repertório de atrocidades de Lady Bathory era tão vasto quanto medonho. Ela contratou à peso de ouro torturadores de toda Europa que tinham fama de manter suas vítimas vivas por dias, enquanto ministravam seu doloroso ofício. Elizabeth assistia extasiada as sessões e chegava ela própria a participar delas, aprendendo as técnicas usadas. 

Ela adorava enfiar agulhas em pontos sensíveis de suas vítimas, queimar a pele delas com ferros em brasa ou ainda usar o infame Gato de Nove Caudas, um chicote com nove pontas de couro curtido. No inverno, ordenava que os presos de sua masmorra fossem despidos e levados para a neve, onde eram encharcados até que congelassem totalmente. Elizabeth se divertia quando os corpos congelados como estátuas petrificadas eram então despedaçados a golpes de martelo. Ela era como uma criança perversa, com um sortimento infindável de brinquedos à sua disposição.

O Conde Ferenc partilhava do mesmo fascínio doentio da esposa pela dor e sofrimento. Durante sua campanha no Oriente, ele havia aprendido várias técnicas de suplício usadas pelos turcos em seus prisioneiros. Entre estas estava a cruel tortura do "favo de mel" empregada pelos otomanos para punir o Crime de Adultério. Nessa modalidade, a vítima era despida e coberta de mel, então era amarrada numa estaca e deixada ao relento para que abelhas a picassem até a morte. O sadismo era tamanho, que o casal assistia sessões de tortura - sobretudo o flagelamento - e inebriado pelo que viam, mantinham relações sexuais. Contudo, o Conde adoeceu e morreu em 1604. Elizabeth então se mudou para os arredores de Viena logo após o enterro. Ela se desfez de suas terras e adquiriu uma belíssima propriedade em Beckov, cheia de bosques e riachos. 

Mas a despeito da paisagem bucólica, seria lá que ela daria início aos seus mais famosos e cruéis crimes.


Nessa época, uma das grandes preocupações da Condessa Bathory (então com 44 anos) era com sua aparência física. Ela pretendia se casar novamente com um candidato que compartilhasse de seus gostos peculiares, mas para isso precisava se manter bela e sedutora. Elizabeth passava cada vez mais tempo diante de espelhos, examinando cuidadosamente qualquer mudança em sua fisionomia: o surgimento de rugas, marcas de idade e cabelos brancos que arruinassem sua perfeita imagem. Tudo isso lançava terror em seu coração de pedra. Em sua cólera, ela gritava enlouquecida e quebrava os espelhos. As criadas que tivessem atrativos se tornavam então suas vítimas prediletas, ela as açoitava para que a beleza delas ficasse para sempre imperfeita.

Foi na Áustria que Lady Bathory conheceu uma velha viúva chamada Anna Darvulia, acusada de assassinar o marido com veneno. As duas se tornaram boas amigas depois que Anna contou detalhes de como planejou dar cabo de seu odiado cônjuge. A mulher tinha fama de ser uma feiticeira e de conhecer dezenas de malefícios que praticava desde criança. Aquilo atraiu a atenção de Elizabeth que já havia flertado levemente com heresia, mas que conteve esse interesse por temer a reação do marido. Sem essa limitação, ela ordenou que Anna relatasse suas experiências com Magia Negra, contudo, o que realmente chamou sua atenção foi a promessa dela de arranjar uma maneira de preservar sua juventude para sempre. 

Na época, havia a crença de que o Sangue era a força por trás do vigor físico. Dessa forma, a maneira de preservar a tão almejada juventude envolvia usar o sangue de outras pessoas. Diz a lenda que Darvulia instruiu a Condessa a drenar o precioso líquido direto da veia das vítimas, na maioria moças e saudáveis, que uma vez assassinadas eram penduradas pelo pés de ponta cabeça com intuito de verter até a última gota. Bathory então mergulhava numa tina de sangue fresco cobrindo-se dos pés à cabeça.

Aquilo a satisfazia e ela via resultados em seu horrível tratamento de beleza - a pele estava cada vez mais alva, as bochechas rosadas, os olhos azuis faiscando e os cabelos cheios. Mas Lady Bathory precisava de cada vez mais vítimas e quando o sortimento de jovens em Viena diminuiu, ela passou a contratar mocinhas vindas de longe. Estas não haviam ouvido os estranhos rumores que já circulavam lá e cá. Os demais nobres de Viena se espantavam com a grande rotatividade de serviçais que chegavam e supostamente partiam da propriedade. Achavam que Lady Bathory era severa e que tratava os serviçais de maneira austera, mas não desconfiavam do que realmente acontecia. 

Em 1609, Darvulia ficou doente - supostamente contraiu uma doença degenerativa contagiosa - e Elizabeth a mandou embora. Ela então se associou a outra mulher misteriosa Erzsi Majorova, a viúva de um de seus oficiais que foi salva da execução pela Condessa.


Majorova também era conhecida como feiticeira e temida em toda Viena. Apesar de agradecida à sua Senhora, ela foi a principal responsável pela queda de Lady Bathory. Majorova havia aconselhado Elizabeth a matar jovens mulheres de berço nobre, garantindo que o sangue delas era muito mais potente e valioso do que o das simples camponesas. Elizabeth vinha tendo problemas em obter novas serviçais dispostas a trabalhar em sua propriedade depois dos boatos sobre mortes e punições se espalharem. Corriam rumores que lhe valeram o apelido de Condessa de Sangue e a suspeita de que a mulher praticava o vampirismo. Também era dito que Elizabeth mordia suas vítimas e bebia o sangue ainda quente em cálices de cristal da Bohemia.

Em 1609, as duas tramaram o assassinato de uma nobre austríaca. Mas apesar das suspeitas, a morte foi considerada suicídio. No verão de 1610, uma investigação oficial se iniciou a respeito das ações de Elizabeth. Entretanto não era o vasto número de vítimas que motivavam a investigação da justiça, mas questões econômicas. A coroa tinha uma enorme dívida em dinheiro contraída através de empréstimos feitos pelo Conde Ferenc e pretendia quitar a quantia e no processo confiscar as propriedades da viúva.

Em Dezembro do mesmo ano, promotores reais foram enviados para colher histórias à cerca de Lady Bathory. Os testemunhos de nobres e camponeses eram numerosos e sempre envolviam rumores a respeito de desaparecimento, crueldade e tortura acontecendo nos porões da mansão. Mais do que isso, o sangue era um componente citado à exaustão nas confusas narrativas. 


Com efeito, Elizabeh Bathory foi capturada e poucos dias depois levada à julgamento presidido por um Agente do Rei, o Conde Thurzo. Durante os trabalhos foi apresentado como evidência um diário recolhido na alcova da Condessa onde estava registrado detalhadamente, com a caligrafia de Elizabeth o assassinato de 650 pessoas. Os cúmplices da Condessa - vários guardas, torturadores profissionais e a própria Majorova, também foram presos e condenados à morte. Elizabeth recebeu uma pena branda e foi sentenciada a prisão perpétua na masmorra de seu próprio castelo.

A sentença foi cumprida à risca: Bathroy foi aprisionada em uma cela sem janela e um muro foi erguido na porta, deixando-lhe apenas uma pequena passagem através da qual ela recebia água e comida. Elizabeth viveu em confinamento por pouco tempo e morreu em 21 de agosto de 1614. Seu corpo foi sepultado nas terras dos Bathory.

Posteriormente os registros a respeito da vida de Elizabeth Bathory foram selados por mais de um século após sua condenação e morte. Seu nome foi proibido de ser mencionado na Hungria e na Áustria. De fato, os húngaros se referiam a Condessa de Sangue usando o termo derrogatório "Csejthe" que pode ser traduzido como "Vadia".
 
A maioria dos historiadores acreditam que Lady Bathory sofria de um raro caso de distúrbio psicótico e esquizofrenia, condições graves potencializadas pelo meio violento em que vivia e que lhe permitia dar vazão aos seus impulsos homicidas impunemente. Muito se debate a respeito do número de vítimas e embora, lhe tenham sido atribuídas mais de 650 mortes, é provável que o número mais realista esteja na casa dos 30. Ainda assim, não há como precisar esse número ou atestar que ela não tenha sido vítima de uma conspiração para transformá-la em um monstro maior do que era. Inegável, no entanto é o fato dela ter sido uma pessoa caprichosa e extremamente cruel.


Apenas como nota adicional, todos sabemos que o romance Drácula, escrito pelo irlandês Bram Stoker, teve o personagem título inspirado pelo Príncipe romeno Vlad Tepes, que adentrou a história como, o Empalador. Entretanto, Raymond T. McNally, prestigiado crítico literário e estudioso da obra seminal acerca do vampirismo, escreveu quatro livros à respeito da figura histórica de Drácula. Ele acredita que Elizabeth Bathory tenha sido usado como base para o personagem fictício de Drácula tanto quanto sua contraparte masculina. 

McNally comenta que em vários trechos de sua obra, Stoker se vale de referências que se encaixam mais na biografia de Bathory do que do próprio Vlad. Por exemplo, Drácula no romance recebe o título nobiliário de Conde, que ele jamais teve. Além disso, as referências a respeito de ingestão de sangue fazem parte do conjunto de atrocidades cometidas por Elizabeth, não Vlad Dracul. Finalmente, o propósito da ingestão de sangue tanto para o personagem de Stoker quanto para a real Elizabeth Bathory era preservar a juventude eterna.

Seja lá qual for a verdade, o terror de Lady Elizabeth Bathory, a Condessa de Sangue, não se diluiu com o tempo e continua chocante e pavoroso após tantos séculos. De uma forma medonha, ela teve o que tanto desejava, obteve a imortalidade.

7 comentários:

  1. Às vezes eu fico impressionada com a crueldade das pessoas nessa época. Certas pessoas que existiram conseguem ser mais monstruosas do que criaturas da ficção.

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  2. Sim, o pessoal naquela época era muito criativo em matéria de inventar novas e cada vez mais horríveis formas de tortura.

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  3. Sou fã de pessoas criativas...
    Inteligentemente criativas, que com poucas palavras torturam seu psicológico com requinte de criatividade...!

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  4. A história foi perpetuada - como toda a história contada dessa época - pelos seguidores da igreja católica - entre o bem e o mal - e quem faz o papel de mau é a protagonista que tinha que ser protestante e suas amigas que tinham que ser praticantes de bruxaria e magia negra...rsssss... mas, o qual seria a razão da igreja se não existisse o mal.... criado por ela.

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    1. lol. espero que isso seja só um jerk e que vc não estivesse falando sério, mas não me surpreenderia se estivesse, pessoas falam besteira desse tipo o tempo todo.

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  5. Por que será que me lembra a rainha malvada do conto da Branca de neve ?

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  6. parece algo saído de game of thrones. brutal.

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