quinta-feira, 25 de maio de 2017

A Casa em meio às Névoas - Uma lenda de Kingsport


Artigo originalmente publicado em 29/06/2012


O bom povo de Kingsport uma sonolenta cidade costeira da Nova Inglaterra conhece a casa por vários nomes. Eles a chamam de "A Casa no Alto da Colina" ou "A Casa Misteriosa de Kingsport Head", alguns já a chamaram de "A Casa Maldita" e de "Casa Inacessível". Pessoalmente, eu prefiro "A Casa em meio às Névoas".

A Casa em meio às Névoas coroa o alto da montanha conhecida como Kingsport Head, ela sempre esteve lá, ou pelo menos é nisso que os cidadãos acreditam. Seus pais e antes deles seus avôs eram unânimes em afirmar que a casa está lá há muito tempo, tanto tempo que ninguém sabe ao certo quando ela foi construída, por quem ou porque.

É o tipo do mistério que aparentemente ninguém é capaz de resolver, pois quem poderia saber à respeito já morreu ou prefere manter uma aura de segredo sobre a história dessa construção.

A casa em si é pequena, uma construção de um único cômodo sem um estilo definido mas com ângulos retos no formato de caixa e telhado em furta água. As paredes são de pedra e alvenaria cinzenta com uma chaminé de tijolos escalando pela lateral. Há janelas em cada um dos quatro lados da construção, mas estas janelas tem um incomum formato de losango e vidro de coloração azulada. A única porta está voltada para o leste, abrindo diretamente sobre um abismo com mais de 200 metros de altura. Os moradores de Kingsport já se acostumaram a ver luzes brilhando no interior da casa, mas ninguém se recorda de ter visto um ocupante se é que tal coisa existe. As luzes, segundo os moradores variam em intensidade e coloração. Às vezes a luz é tênue e azulada com o brilho filtrado através das janelas, em outras ocasiões ela é mais forte e amarela, tendendo a englobar toda a construção que mais parece um farol jogando um faixo na escuridão da noite.

Pergunte à respeito da casa em Kingsport e você receberá olhares atravessados. Muitos dos cidadãos, sobretudo os mais antigos moradores, preferem ignorar a casa e considerar que ela simplesmente não está lá. As pessoas se acostumaram com a construção, mas isso não significa que a aceitam. Alguns consideram que dá azar olhar para ela e que o mero ato de falar à respeito pode fazer um mau agouro cair sobre a pessoa. O folclore da Nova Inglaterra é rico em velhas estórias contadas por viúvas, mas poucas estórias são tão misteriosas quanto as que cercam a "Casa em meio às névoas".

"Em tempos coloniais a casa já estava lá", ou ao menos é isso que diz o Sr. Aarom Hart, curador da Sociedade Histórica de Kingsport e autoridade local à respeito da construção.

Suas pesquisas revelam que a casa já era citada em arquivos da Commonweath de Massachussetts, mais especificamente em um documento datado de 1648. A cidade de Kingsport foi fundada em 1639, mas é possível que nessa época a casa já existisse. O antigo documento comenta a existência de uma construção "sobre a qual nada se sabe, mas que parece habitada visto que uma luminosidade pode ser percebida em seu interior". 

Os primeiros colonos de Kingsport tentaram em vão atingir o topo onde desponta a casa. A primeira expedição de que se tem notícia data de 1657, mas a ausência de informações sobre o resultado da busca por um acesso ao alto da montanha sugere que ela não foi bem sucedida.

Documentos posteriores mencionam a casa em meio a histeria que assolou a região em meados de 1692. A Caça às Bruxas estava no auge, sobretudo em Salem, uma cidade vizinha a alguns quilômetros ao sul. Em Kingsport a "Casa em Meio às Névoas" era considerada um reduto de bruxas e local de realização de missas negras. A lógica era praticamente irrefutável para o povo da época: Quem além de bruxas seriam capazes de chegar ao alto da montanha? Quem além de feiticeiros poderiam voar nas costas de seus familiares ou do próprio diabo para chegar ao local?

No auge da loucura, ao menos quatro mulheres foram queimadas no povoado de Kingsport. Os autos dos processos ainda se encontram no arquivo do museu da Sociedade Histórica. No processo movido pela Commonwealth contra Victoria Peaslee, é citado que ela teria visitado a casa no alto da colina e que teria conversado com o próprio diabo que lá vivia. Peaslee acabou sendo condenada à morte apesar de jurar inocência.

Uma outra alegada feiticeira chamada Ellie Kaley, relatou que a casa era um lugar maldito. Ela teria sido levada até o lugar nas costas de um diabo negro e sem face que a fez assistir uma missa negra presidida no interior da casa. Ellie que foi poupada da fogueira após entregar outras bruxas, disse ter visto mulheres do povoado assinando um livro com o próprio sangue e dançando ao redor de um homem gigante de barba selvagem e olhos azulados.


Segundo alguns relatos colhidos ao longo do século XVIII e XIX a casa sempre foi vista com apreensão, curiosidade e temor. Há várias narrativas sobre luzes estranhas observadas no alto de Kingsport Head mais frequentemente nas escuras noites do Halloween. Há ainda um confuso depoimento de um habitante de nome G. Campbell a respeito da observação de um vulto sobrevoando a casa em meados de 1760. Campbell teria disparado um mosquete que alvejou esse vulto e fez com que ele mergulhasse na ravina de Orange Point. Dias depois o corpo do heróico morador teria sido encontrado, com ossos quebrados como se tivesse caído de uma grande altura.

"As pessoas desconversam... mencionam velhas lendas e exageram" reconhece o curador Hart, "mas é inegável que existem várias estórias que são passadas de pai para filho".

Cidadãos excêntricos que ainda vivem em Kingsport têm suas próprias estórias para contar sobre a casa. O Capitão Richard Holt, residente no número 607 da Water Street é notoriamente um dos cidadãos mais folclóricos de Kingsport chamado por alguns de "O Velho mau". O capitão, que para alguns tem mais de 100 anos de idade e a vitalidade de um homem de 40, conta que certa vez a casa desapareceu em meio a um denso nevoeiro que durou três dias. Durante esse tempo, vultos gigantescos podiam ser vistos parcialmente quando a névoa se partia. O que seriam esses vultos o capitão não tentou explicar, se limitando a lançar um sorriso enigmático.

Granny Orne uma octagenária venerável de Kingsport também contou sobre figuras aladas que visitavam a casa frequentemente. "São eles os únicos que conseguem entrar na casa usando a porta que dá para o abismo. Minha avó viu essas formas mais de uma vez e ela contou que eles são esguios e com a pele escura como a própria noite".

O fato de ninguém jamais ter atingido o alto de Kingsport Head sem dúvida reforça a aura de mistério à respeito da casa.

Em janeiro de 1891, o Arkham Advertiser publicou um artigo sobre a tentativa de um certo Walter Hillard de chegar ao topo da montanha. O objetivo de Hillard era fazer um levantamento topográfico da área e se possível explorar a "Casa em meio as Névoas". Hillard, citado pelo jornal como um experiente montanhista partiu de Kingsport no dia 21 de Janeiro daquele ano, iniciando a escalada através da face Oeste do penhasco notoriamente menos íngreme. Seu plano era determinar a existência de uma trilha que conduzisse ao cume, por onde teria sido transportado o material usado na construção.

Transcorrida uma semana do início de sua aventura, grupos de busca foram despachados para determinar o paradeiro do montanhista e se ele teria sido vítima de algum acidente. Cães farejadores encontraram uma mochila com material apontado como pertencente a Hillard no trecho conhecido como Orange Point, uma área fora do caminho que o montanhista tencionava seguir rumo ao cume. As buscas, foram encerradas dois meses depois e Hillard dado como morto, embora seu corpo jamais tenha sido encontrado.

Mas os segredos da Casa podem estar próximos de serem revelados. Recentemente o Arkham Advertiser iniciou a construção de uma antena de ondas curtas em Kingsport Head. O objetivo é utilizar o ponto elevado como base para transmissões telegráficas sem fio, uma tecnologia inovadora que promete revolucionar os meios de comunicação. Contando com engenheiros da Universidade Miskatonic o ambicioso empreendimento permitirá o contato com a futura Expedição da Universidade que planeja explorar a Antártida. 

Utilizando um sistema de polias e de cabos, o equipamento foi instalado em um local cerca de 30 metros abaixo do topo. O caminho foi limpo pelos operários em um trabalho que consumiu mais de seis meses. Agora, os homens trabalham na construção de guindastes que facilitarão levar material pesado para o local de construção.

O Departamento de História Americana da Universidade Miskatonic manifestou enorme interesse de enviar observadores para o sítio de construção a fim de observar a antiga casa mais de perto. Segundo o Dr. Hamlin Hayes, engenheiro responsável pelo projeto, existe a possibilidade de que um acesso ao cume seja  construído permitindo atingir o local onde se encontra a casa. "É uma incomum cooperação entre os Departamentos de Engenharia e História da Universidade Miskatonic. Estamos curiosos para saber o que encontraremos lá.".

Talvez nos próximos meses tenhamos informações em primeira mão sobre a Casa em meio às Névoas.

-- Artigo do Arkham Advertiser - Junho de 1928


Escrevi no formato de artigo de jornal imaginando que alguém poderia usar o artigo como um único handout, como vários handouts ou como gancho de idéias para um cenário se passando em Kingsport.

6 comentários:

  1. Agora fiquei curioso, fala mais sobre ela Luciano ^^

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  2. Opa Pedro, sabe o que é... comentar muito sobre a casa pode estragar futuras estórias envolvendo a Casa. Mas acho que a High House merece algumas explicações. Vou ver se continuo depois esse artigo.

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  3. ótimo artigo....depois vc poderia mencionar as fontes....

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  4. Acabaram os textos sobre casos estranhos da Segunda Guerra Mundial ?

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  5. Bom dia pessoal!

    Para quem se vira no inglês, segue uma EXCELENTE quadrinização feita por Jason Bradley Thompson:

    http://mockman.com/category/comics-and-art/the-strange-high-house-in-the-mist/

    O cara é fera!

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