terça-feira, 23 de abril de 2013

Máximo Poder de Fogo - E o diabo criou a Gatling Gun


Era um conceito simples. Concentrar um incrível poder de fogo em um único mecanismo, capaz de disparar continuamente, daria uma enorme vantagem em uma guerra.

Antes da diabólica Gatling Gun fazer sua estréia nos campos de batalha durante a Guerra Civil americana, vários outros inventores tentaram criar uma arma capaz de efetuar disparos consecutivos. Da Vinci foi um dos precursores, é claro; James Puckle, Billinghurst, e Ezra Ripley, também tentaram. Este último chegou a conceber o conceito de um grande tambor de revólver montado, mas não teve sucesso. Cada um deles tentou, mas os planos esbarravam em defeitos mecânicos causados pelas limitações técnicas e munição pouco adequada para esse tipo de armamento. Um dos principais problemas é que as armas travavam, engasgavam ou simplesmente negavam fogo quando se tentava fazer com que elas disparassem continuamente. Alguns protótipos até explodiram durante os testes!

A solução para o problema coube a um dentista americano chamado Richard J. Gatling que nas horas vagas gostava de inventar aparelhos mecânicos. É curioso, mas Gatling defendeu até o final de sua vida que sua arma tinha motivações pacifistas e até humanitárias. A sua esperança era que uma arma tão poderosa e com um poder destrutivo tão absurdo acabaria com as guerras tornando um suicídio insistir nelas. Na verdade, Gatling ficou tão rico após ter patenteado sua invenção e fechado contratos com as forças armadas de vários países que ele podia se dar ao luxo de dizer o que bem quisesse. Ele chegou a receber uma comenda pela sua invenção após a Guerra Civil, ocasião em que teria dito que "sua arma tornava possível um único homem cumprir seu dever, ao invés de centenas".    

Gatling posa ao lado de uma de suas armas em 1893.
Antes da Gatling Gun surgir, armas de repetição já existiam, contudo o atirador tinha de realizar a manobra para ejetar a munição usada e engatilhar uma nova. A agilidade do atirador e a prática se tornavam requisitos essenciais para a operação. Gatling resolveu o problema adicionando um tambor giratório no corpo da arma, como se ela fosse um grande revólver. Ele substituiu também a munição embalada em papel por cartuchos de pólvora distribuídos em um carregador vertical que ficava no topo da arma, diminuindo assim o risco dela engasgar.

As primeiras Gatlings tinham quatro tambores giratórios, as seguintes possuíam seis. A arma era operada com uma manivela que girava o tambor e fazia com que o cartucho fosse disparado. A cada movimento da manivela uma bala era disparada e outra entrava na câmara, permitindo que ela atirasse continuamente. Os primeiros modelos eram capazes de executar até 200 disparos por minuto, algo impensável para qualquer atirador.

Dizem que quando a arma de Gatling foi apresentada aos comandantes da União, eles ficaram sem palavras. Durante sua demonstração, a arma disparou uma rajada contínua de 150 balas contra dezenas de manequins e derrubou praticamente todos em menos de um minuto. Um dos oficiais presentes teria dito as proféticas palavras: "Só o diabo poderia ter permitido a criação de uma arma tão destrutiva".

Levada ao campo de batalha da Guerra Civil pela primeira vez em 1865, a Gatling Gun causou sensação na primeira vez que foi empregada em combate. Felizmente, ela não chegou a ser utilizada em muitas ocasiões uma vez que as tropas confederadas se renderam poucos meses depois dela começar a ser distribuída para os quartéis.

O modelo Bulldog com tripé
Mas em pelo menos uma oportunidade a Gatling Gun deixou a sua marca. Benjamin Butler foi General da União, opositor declarado de Lincoln e de muitos outros oficiais de carreira que consideravam seus métodos brutais. Butler obteve notoriedade na ocupação da Louisiana, recebendo o apelido de "A Beasta de New Orleans". Ele teria comprado doze armas Gatling pagando do próprio bolso a quantia de US$1,000.00 para equipar sua tropa o mais rápido possível. Há boatos que ele próprio fazia questão de testar as Gatlings de preferência contra alvos vivos. Dizem que Butler chegou a ordenar que rajadas fossem direcionadas contra a população civil e que prisioneiros fossem fuzilados com essas armas. O episódio causou um mal estar tão grande dentro dos Estados Unidos, que os políticos chegaram a considerar a possibilidade de proibir o uso do armamento e romper os contratos já estabelecidos. 

Mas já era tarde demais, a essa altura a arma de Gatling já estava ganhando o mundo. 

Ela foi vendida para exércitos de outros países. Ela foi empregada em 1879 pelo exército peruano que enfrentava inimigos chilenos. A célebre Batalha de Tacna (1880) foi vencida, nas palavras de oficiais peruanos, graças ao uso da arma dos gringos. Máquinas idênticas foram enviadas para o Exército Real do Canadá que as utilizou na revolta de Saskatchewan em 1885 em que os revoltosos Metis foram massacrados.  Mais de 2000 foram compradas pelas Forças Federais do México e chegaram a ser usadas na Guerra Civil. Na Rússia czarista nada menos do que quatrocentas Gatling Guns foram usadas para conter o avanço da até então invencível cavalaria turca. Ela esteve presente na Guerra dos Boxers (1904), na China, quando produziu inúmeras mortes, bem como no Egito e na Guerra de Unificação do Japão (quando ela foi utilizada contra os últimos samurais!).  


A Gatling, no entanto, ganhou fama como uma das mais eficazes ferramentas de Colonialismo no final do século XIX. Utilizada pelos britânicos nos levantes dos beduínos (na península arábica), contra as forças do Mahdi (no Sudão) e as tribos Zulu (na África Oriental), essas armas ganharam fama por abafar revoltas populares massacrando as forças opositoras com uma chuvas de projéteis mortais. O Coronel Percy Carnahan, um conhecido oficial britânico teria dito: "Deem-me 1000 dessas armas e eu prometo tomar de volta o Sudão e acabar com os homens do Mahdi de uma vez por todas".

A Gatling foi usada pelos britânicos contra os Zulus.
Mas apesar de sua inquestionável capacidade, a Gatling Gun não era perfeita. Um de seus grandes problemas era o super-aquecimento. Se o operador, chamado também de artilheiro, rodasse a manivela muito rápido ela podia aquecer de tal forma que o cano sofria uma deformação que impedia a passagem dos disparos. No pior dos casos a arma podia explodir. Para resolver o problema, muitas vezes o artilheiro contava com a ajuda de um indivíduo responsável por refrigerar a arma. O "sistema de refrigeração" (se é que pode-se chamar de tal coisa) era arcaico e consistia em molhar com uma concha de água a parte externa do barril. Posteriormente um fluido foi desenvolvido para prevenir o aquecimento, embora nem sempre ele funcionasse.

Outra complicação era o carregador de munição. Se as balas não fossem acondicionadas corretamente elas podiam ficar presas. Nesse caso a arma engasgava, e podia até estourar. Para sanar o problema, um terceiro indivíduo, chamado de municiador, ficava responsável por trocar os carregadores, recarregar a arma e manter a câmara limpa.

Portanto, para garantir uma utilização satisfatória, a Gatling carecia de uma equipe de três homens minimamente treinados em sua operação.

Outra questão incômoda era o deslocamento. Os primeiros modelos pesavam até 80 libras, aproximadamente 40 quilos e era difícil mover a arma de um ponto a outro para fazer mira. Modelos especiais foram adaptados sobre rodas e armações de cachões possibilitando puxá-los com carroças. Algumas Gatling, como o popular modelo Bulldog começaram a ser montadas sobre tripés móveis que permitia ao artilheiro girar a arma e atingir alvos em um ângulo muito mais amplo.

Apesar dos contratempos, a Gatling continuou em operação. 

O modelo usado na Guerra Hispano-Americana
Três delas foram utilizadas pelo exército norte-americano na Batalha de San Juan Hill, durante a Guerra Hispano-Americana em 1898. As três armas mantiveram as tropas espanholas acuadas disparando uma barragem de mais de 18.000 tiros em pouco menos de oito minutos, permitindo o avanço da tropa e a conquista da colina. Quando os soldados chegaram a posição ocupada pelos inimigos encontraram uma verdadeira carnificina com cadáveres retalhados e uns poucos homens horrivelmente feridos.

Mas no fim das contas, o reinado da Gatling Gun, considerada em um momento como a arma definitiva foi curto, durando apenas 45 anos. Em 1911, os modelos ainda em uso foram declarados obsoletos pelo exército americano e pararam de ser produzidos. Na Inglaterra e na Alemanha, armas mais leves, baratas e eficientes estavam sendo produzidas em massa, uma nova geração de armas automáticas chamadas de metralhadoras (machine guns). Equipadas com sistema de resfriamento à gás e funcionando com um gatilho mais estável, elas eram capazes de despejar até 1.000 balas por minuto. Na Grande Guerra de 1914-1918, metralhadoras inglesas Vickers e alemãs Maxim se tornariam as armas mais mortais no campo de batalha.

Curiosamente, o sistema da Gatling considerado antiquado ressurgiu muitos anos mais tarde, em meados de 1950 para equipar aviões. Transformados em verdadeiros canhões, uma nova geração de armamento inspirado pela tecnologia desenvolvida por Gatling, tornou-se top de linha para as forças aéreas mundiais e encontram-se em uso até hoje

As Gatling Guns também foram a base para duas das mais mortais armas da atualidade, usadas como artilharia de apoio de tropas, montadas em veículos leves, helicópteros ou carregadas por tropas especiais. A primeira é o canhão automático M-61 Vulcan (capaz de disparar até 6600 projéteis por minuto, quem assistiu ao primeiro filme da série Matrix pode levantar a mão) e a M-134 Mini-Gun (capaz de lançar 6000 balas por minuto, e vista no filme Predador).

Algumas imagens de Gatling Gun em ação:

Esta é uma Bulldog 1876:


Uma daquelas feiras de armas nos EUA onde todo mundo atira (inclusive a criançada):


E nessa aqui em mais ou menos 1:20 podemos ver o poder de fogo das Gatling demolindo um carro:

6 comentários:

  1. Ótimo post Luciano!

    Só como referência, acredito que aparece uma dessas no filme "O Último Samurai", com Tom Cruise, sendo usada justamente para eliminar samurais, he he...

    E saindo um pouco do lugar comum, tenho a lembrança de ter visto uma dessas num episódio do Anime Japonês Samurai X, no caso ela era derrotada com um shuriken que travava o mecanismo de giro.

    E como esquecer dela em Shelork Holmes, O Jogo das Sombras? Ele também a derrota colocando um cartucho falso que travou a arma, fazendo-a explodir!

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  2. Luciano, como já conversamos, nada é mais mortífero que um helicóptero Apache. Um helicóptero Apache tem metralhadoras e mísseis! É uma verdadeira máquina de matar! AHUHAUHUAHUAHUHUAUHAHUAHUHUA

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  3. Karaka!!!!! Esse post vai salvar a minha sessão de jogo nesse domingo!!!!!! Valeu pelo post!!!!

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  4. Segundo o JANEs Weapon Almanac, um helicóptero Apache carrega duas chain-guns laterais e um canhão automático Vulcan na frente. Além de plataformas de mísseis e lança foguetes. E sim, isso é mais poderoso que... o verdadeiro amor.

    Draconico - Em que sentido a Gatling se encaixa na sua sessão? Só por curiosidade...

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  5. Bem Luciano, acho que ele vai usá-la contra um grupo de Mi-Go!

    Não vejo um uso prático dela na mão dos jogadores, mas recebi o playteste de Soldiers of Pen and Ink da Pelgranepress para Rastro de Cthulhu que coloca os investigadores no meio da guerra civil espanhola. Acho que vou colocar algumas dessas disparando em fogo cruzado para assustá-los!

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