sábado, 25 de janeiro de 2014

True Detective - Nova série da HBO com pinceladas de horror cósmico

“De certas experiências você não sai incólume, você simplesmente deixa de existir, ainda que continue vivendo. Tudo o que aconteceu…ainda está acontecendo, a única diferença é que se passaram vinte anos, e o que aconteceu é apenas história, o que acontece agora... é presente.” 
— do romance Galveston por Nic Pizzolatto

“Estranha é a noite em que estrelas negras se erguem.” 
– The King In Yellow por Robert W. Chambers


Adaptado do artigo do Hollywood Entertaiment

A série True Detective é muitas coisas ao mesmo tempo — um profundo estudo de personagens, um competente mistério de investigação criminal, um panorama a respeito do conceito do anti-herói, uma atuação memorável de Woody Harrelson e Matthew McConaugheyMas de forma mais simples e completa, é uma estória a respeito de dois homens contando uma estória aterradora. 

Rust Cohle (McConaughey) é uma imagem fantasmagórica de um homem que trabalha quatro dias por semana e passa os outros dias bebendo até apagar em estupor. Martin Hart (Harrelson) é um Detetive Particular cujo comportamento de bom moço não esconde completamente a hipocrisia que é a sua vida. Os dois um dia foram detetives - e por sete anos, parceiros — e a estória que eles tem para relatar envolve uma jornada apavorante, que deixou marcas em suas almas e ainda os assombra. Quanto mais eles falam a respeito da experiência, mais descobrimos quem são eles, mesmo que não saibamos ao certo se o que eles estão relatando é verdade ou mentira. 
True Detective é uma série em oito episódios, similar a American Horror Story, na qual a cada temporada será apresentada uma trama diferente com um novo elenco. True Detective (algo como Detetive de Verdade) toma emprestado o título de uma revista pulp, "a mais famosa das Revistas de Olho-Vivo", responsável por criar o gênero "Crimes Reais" em meados de 1928, a era de ouro dos romances baratos. Mas o programa da HBO não é uma homenagem ao gênero. A principal característica desse tipo de estória era o sensacionalismo sobre a decadência e perversidade humana, o programa, ainda que perturbador, não faz sensacionalismo barato. Nas revistas as narrativas eram sobre casos reais, no programa tudo é ficção. Na revista tudo era bem dividido: o detetive era um herói, o criminoso um vilão detestável, já o programa desconstrói os heróis e lança um olhar incômodo de pura fascinação sobre o vilão. 

True Detective não é a respeito da consagração de homens que desejam fazer o que é certo, mas sobre anti-heróis cheios de defeitos que querem pegar um terrível assassino em série apenas porque esse é seu trabalho e eles são bons no que fazem. Não se trata de um programa de investigação criminal convencional como "Lei e Ordem", "Criminal Minds", "CSI" ou outros do gênero. Aqui o caso investigado tem repercussões e deixam cicatrizes profundas nos responsáveis por desvendá-lo. E há espaço de sobra para conversas existenciais sobre história, memória, identidade, religião, tempo, morte, a futilidade da existência humana, etc... No primeiro episódio, Cohle discursa a respeito do sentido de nossa existência e da "programação" que cada indivíduo carrega dentro de si, e opina que o melhor talvez fosse parar de procriar e aguardar a extinção de nossa espécie.


Criado pelo escritor e repórter investigativo Nic Pizzollatto, True Detective é um programa fluido, com uma narrativa cheia de camadas que vão sendo removidas lentamente. O ritmo intimista remete a um pesadelo sinistro do qual não se consegue despertar.  Em alguns momentos, a narrativa pode ser tão confusa quanto um sonho, e esse é o objetivo.

Felizmente o programa tem uma dupla de excelentes protagonistas que mantém o espectador grudado na televisão. Se fossem atores menos tarimbados, talvez fosse difícil acompanhar a série e levá-la à sério. Woody Harrelson e Matthew McConnaughey, cada um ao seu modo, mostram porque são dois dos mais prestigiados atores de sua geração (cada um com indicações ao Oscar e uma carreira de respeito). Lá pela metade do primeiro episódio você já lamenta o fato de que a série terá apenas oito capítulos com esses personagens.

Somos apresentados ao magrelo Cohle e ao inchado Hart em 2012, dois homens de meia idade, concedendo entrevistas em separado a uma dupla de detetives da polícia da Louisiana. Cada episódio é dividido entre as entrevistas e os acontecimentos em janeiro de 1995, no qual os dois detetives investigaram o suposto “assassinato oculto-ritualístico” de uma prostituta chamada Dora Lange. O objetivo das entrevistas? Essa é parte do mistério central. Os dois investigadores nos dias atuais revelam que um crime semelhante ao que foi investigado (e aparentemente resolvido) em 1995 aconteceu novamente. Estariam os detetives simplesmente em busca das pistas de seus antecessores ou eles suspeitam que eles esconderam alguma coisa nesses 17 anos? Será que Cohle e Hart estão contando a estória verdadeira ou planejam iludir a polícia? 

Lá pelas tantas, é impossível não pensar em "Os Suspeitos" e imaginar se no último episódio não teremos alguma reviravolta que irá subverter tudo o que vimos. É bem possível que isso aconteça, então desde já, é melhor não acreditar em tudo o que os dois estão contando (e não se apegar a nenhum deles). De qualquer maneira eu tenho a sensação de que terei de assistir True Detective mais uma vez depois que ele se encerrar para pescar as pequenas dicas nas entrelinhas. 
Incitados pelos detetives em 2012, Cohle e Hart narram os detalhes do caso que mudou para sempre as suas vidas e os transformou no que eles são hoje. Hart em 95 é um detetive simpático e de boa reputação, mas com sérios problemas pessoais; seu casamento com Meggie (Michelle Monaghan) está desmoronando, ele é um pai ausente e um cristão cheio de pecados varridos para de baixo do tapete. Como esses acontecimentos repercutem no Hart de 2012, ainda veremos. O Cohle de 95, já é uma alma perdida: divorciado, com uma filha tragicamente falecida, um passado cheio de traumas e horrores que o transformaram em um cínico inveterado, um pessimista irreparável. Seus colegas o evitam e ele recebe o apelido de "homem dos impostos" por carregar um enorme livro de contador onde faz suas anotações. Ele é o tipo do sujeito que tem em sua casa destituída de móveis e um crucifixo na parede, não por acreditar, mas para meditar a respeito de sacrifício.   
Esses dois caras, tão diferentes são unidos pelas circunstâncias. Apesar do "lugar comum" de mostrar parceiros que no início não se suportam e passam a admirar as técnicas um do outro, nem tudo é o que parece ser. 

Hart e Cohle são designados para o caso Dora Lange, um assassinato bizarro em que o criminoso parece ter dado asas a sua imaginação. O corpo da mulher é encontrado nu, vendado, esfaqueado e marcado com uma tatuagem em uma plantação de cana de açúcar no interior da Louisiana. Ela é colocada em uma posição estranha, ajoelhada, como se estivesse prestando respeito a uma enorme árvore na paisagem rural. Uma galhada de cervo é cuidadosamente posta sobre sua cabeça, "como uma coroa", segundo Cohle. Perto do corpo pálido e sem vida, são achadas pequenas armadilhas artesanais para capturar pássaros, feitas de gravetos, "redes do diabo", de acordo com um pastor local, usadas para afastar o demônio. As "redes do diabo" parecem ter uma importância central na trama, uma vez que os detetives encontram outras delas em suas andanças pela região enquanto tentam rastrear o assassino. O que elas representam ou porque foram deixadas pelo caminho, só saberemos no futuro.


Cohle e Hart analisam o corpo através de perspectivas diferentes: "Parece algo satânico", comenta Hart, um cristão impressionado pela morbidez da cena que remete aos supostos casos de magia negra e feitiçaria que foram explorados exaustivamente pela mídia nos anos 1980. Cohle por outro lado, encara a cena através de sua visão de especialista que leu inúmeros manuais sobre assassinatos em série. Ele sugere que a mulher cumpriu uma função, a de servir como peça central na fantasia do maníaco.  Cohle está convencido que Lange será a primeira vítima de uma série de assassinatos que estão por vir ou talvez seja o último de uma série que passou desapercebida até o momento. De qualquer maneira, a mente do assassino parece ter evoluído para outro nível, um em que a fantasia descamba no mundo real de forma violenta e imprevisível. A questão religiosa parece ter grande importância na trama: já na (excelente) abertura vemos ministros fazendo discursos a respeito do "fogo e enxofre" do diabo. Há ainda um indício de que o caso será tratado pela polícia como um crime ritualístico.  

Esse enfoque deixa as coisas ainda mais interessantes. O traço mais marcante na personalidade de Cohle é sua visão sombria do mundo. Ele lembra um Jó que sofreu todas as tragédias possíveis e imagináveis e que incapaz de manter  ou reafirmar a sua fé, passa a desacreditar a existência de qualquer bondade no universo. Para ele, a existência não passa de um vazio sem sentido que não pode ser preenchido por nada, a não ser pessimismo. Apesar de suas opiniões estranhas, Cohle só opina quando estimulado a fazê-lo. Hart pede sua opinião e imediatamente se arrepende. Para alguém como Hart, nascido e educado na região do "Cinturão Religioso" do Sul dos EUA, um discurso desse tipo não parece apenas estranho, mas herético.


Ao longo do segundo episódio, True Detective começa a abordar um tema ainda mais obscuro, correlacionando o horror que permeia a mente degenerada do assassino com fantasias bizarras. O diário de Dora Lange, encontrado pelos detetives em determinado momento em um bordel, não trata de acontecimentos corriqueiros do dia a dia, mas de divagações sobre Carcosa, um personagem chamado "Rei Amarelo" e linhas poéticas como “strange is the night where black stars rise.” (estranha é a noite em que estrelas negras se erguem). 

Os detetives não parecem entender o significado disso... mas nós sabemos.

Aqueles que podem consultar a internet - ou os fãs de literatura de horror cósmico - reconhecem claramente esses elementos pinçados da ficção de Robert W. Chambers. Ele é o autor de uma coleção de contos em que o Rei Amarelo tem papel central. Muitas dessas estórias fazem referência a uma peça teatral, chamada “The King In Yellow” — sobre uma cidade em ruínas; Carcosa, localizada em um mundo alienígena onde habita uma entidade maligna, Hastur, o Impronunciável. Todos aqueles que leem essa peça, a assistem ou dela participam acabam morrendo ou enlouquecendo. Chambers se inspirou em “Carcosa” e “Hastur” através da obra de Ambrose Bierce. Mas assim como ele tomou emprestado esses elementos para compor seus contos, outros se inspiraram em suas ideias, incorporando temas, imagens e trechos do Rei Amarelo. O mais notável dos autores inspirados pelos conceitos de entropia e horror idealizados por Chambers, sem dúvida foi H.P. Lovecraft que utilizou várias das suas ideias para construir os Mythos de Cthulhu.

Fica a questão: até que ponto a ficção de Robert Chambers a respeito do Rei Amarelo será importante para a trama?


Ao que tudo indica, True Detective é uma série com os pés no chão, não se trata de um programa a respeito de elementos paranormais e fantásticos. Ele não é um Arquivo X, por exemplo. Tudo leva a crer que o assassino e sua vítima foram de alguma forma afetados pela fantasia medonha contida nos mitos do Rei Amarelo e passaram a acreditar na sua existência factual, desempenhando um papel na sua mitologia. Por isso, a vítima é "coroada" em algum tipo de ritual que só faz sentido para os dois e que deixa todas as outras pessoas chocadas.

Quando de forma bem sutil o personagem do ex-marido de Dora conta que ela tinha entrado para uma igreja e "encontrado um Rei", é impossível para os que conhecem o mínimo a respeito do Mythos conter um arrepio. Pois sabemos o que isso significa. O mesmo arrepio ao relacionar a marca tatuada no ombro esquerdo da vítima com o Símbolo Amarelo o brasão que identifica o King in Yellow. E o que dizer do relato de uma menina que pouco ates de desaparecer descreveu um sujeito absolutamente estranho como sendo a figura que vivia na floresta e a deixava assustada?

Mais adiante, no segundo episódio, logo depois que o diário de Dora é achado, Cohle começa a ver coisas, sofrendo alucinações pela sua privação de sono e o coquetel de barbitúricos que ele engole para conseguir algumas horas de relaxamento. Sob o efeito, ele enxerga um levante de pássaros se erguer de um pântano e formar o símbolo em espiral antes de se dispersar. Ainda mais estranha é a descoberta de uma igreja abandonada em ruínas onde rituais bem estranhos aparentemente tiveram lugar.


As insinuações sutis a alucinações envolvendo o Rei Amarelo são muito bem sacadas, uma forma do detetive Cohle se infiltrar no mundo de fantasia do assassino e tentar entrar em sua mente para desvendar seus propósitos. No correr da trama descobriremos o papel do Rei Amarelo nesses crimes e se o Horror Cósmico fará uma visita a Louisiana.
Mas atenção, tudo indica que True Detective vai seguir um caminho diferente,não é um seriado a respeito de investigação criminal em que o espectador tenta descobrir quem é o bandido sendo muito mais, uma viagem surreal com destino a revelações medonhas no coração do pântano. Essa não é uma estória de mistério ou suspense convencional, é algo muito mais escuro e perturbador...

Vamos acompanhar e ver onde iremos parar.

Trailer:



9 comentários:

  1. Obrigado pelo post, o programa tem tudo que eu gosto...vou acompanhar de perto.

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  2. Até agora 2 episódios? Algum pode me dizer qual grupo faz as legendas?

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    1. Eu geralmente pego nesse site, as legendas deles são muitos boas, o terceiro episódio passou ontem nos EUA, então aparecer hj ou amanhã aí: http://www.seriesfree.biz/2014/01/true-detective/

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  3. Boa dica, passei batido nessa, vou dar uma conferida!!! Valeu!!!

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  4. Podemos esperar uma crítica de toda a temporada da série aqui no blog? ;)

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  5. Nova postagem a respeito de True Detective já no Blog.

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  6. Definitivamente uma das grandes séries da hbo, com um roteiro muito bem escrito e atores que fizeram uma grande história de proposta; divertido e cativante.

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  7. Queria uma análise comparativa entre o Mythos, True Detective e O Rei em Amarelo. Seria muito legal!

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  8. Eu amo essa série, os atores são espetaculares, tenho certeza que a segunda temporada de "True Detective" vai ser incrível.

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