domingo, 30 de março de 2014

Numenéra Resenha parte 2/3 - Regras e Mecânica de Jogo


Seguindo em frente com a resenha completa do Livro Básico de Numenéra.

Eu gostei bastante da ambientação e do processo de criação dos personagens em Numenéra, mas o que dizer do sistema de regras criado pelo Monte Cook? Vamos falar a respeito dele, à seguir...

Não são poucas as vezes em que uma ambientação é muito bem produzida e incrivelmente atraente, mas acaba pecando no que diz respeito às regras. Isso tende a ser um tremendo balde de água fria, principalmente quando você depois de ler as descrições já começa mentalmente a imaginar as estórias que vai escrever. E a medida que eu lia as descrições do Nono Mundo, seus mistérios, perigos e maravilhas ia me dando aquela sensação de que não iam faltar ideias para costurar tudo aquilo em aventuras. Chegou um momento em que eu parei de ler e pensei comigo mesmo: "vou dar uma olhada no sistema e acabar com a curiosidade".

Comecei a ler devagar, absorvendo cada detalhe da mecânica de jogo, registrando os pormenores e procurando por regrinhas escondidas nas entrelinhas. Duas coisas que eu procuro em um novo RPG, que de fato, não abro mão são possibilidade de improviso e regras que ficam escondidas em meio a narrativa.

Na minha modesta opinião, um jogo que tem muitas regras ou pior, que não permite um certo grau de maleabilidade acaba amarrando as mãos do narrador e dos jogadores resultando em algo frustrante. A regra deve ser um referencial e não um limitador. Uma coisa que eu realmente não tolero nos jogos que escolho me tornar narrador, são regras que acabam influenciando diretamente a estória. Eu gosto de pensar que as regras são um acessório da estória, elas não podem ser mais importantes que o curso da narrativa ou a forma como a estória é contada. Por isso sou fã de sistemas mais simples que permitam o jogo fluir de forma rápida: o jogador diz o que quer fazer, dados são rolados, o narrador descreve o que aconteceu. Pronto! Rápido e fácil, sem firulas.

A boa notícia é que Numenéra prima pela agilidade e flexibilidade. As coisas correm bastante soltas e há espaço de sobra para que o narrador interprete com presteza o que aconteceu e com base nele improvise a descrição do resultado.

Mas vamos falar um pouco da ficha do personagem:




Existem três atributos básicos expressos na ficha; MIGHT ("Poder") que se relaciona a força, constituição e qualquer façanha física, SPEED ("Velocidade") que evoca rapidez, agilidade e coordenação e finalmente INTELECT ("Intelecto") que é a parte mental e exige raciocínio e astúcia).

Cada personagem quando criado possui um determinado número de pontos (pool) em cada atributo, variando de acordo com suas escolhas de TIPO, DESCRIÇÃO e FOCO durante a criação do personagem. É importante entender que esse pool irá variar enormemente no decorrer do jogo sendo gasto pelo próprio jogador para conseguir alguma manobra, para facilitar uma ação ou como decorrência de um fator externo (leia-se, dano).

Quando um pool é reduzido a zero o personagem é considerado ferido e sofre com redutores que dificultam suas ações, quando dois atributos são reduzidos a zero o personagem pode desabar pelo stress físico ou mental, quando três chegarem a zero, seu personagem está morto. E nas palavras do jogo, "morto é morto". Portanto, o importante no sistema é manter seu personagem com atributos positivos ao longo da aventura.

Numenéra utiliza apenas o d20 e mais raramente o d10 e o d6. É apenas deles que os jogadores vão precisar para fazer seus decidir seus resultados e conduzir o jogo. Exatamente isso que você leu: "Os jogadores" vão conduzir o jogo. Em Numenéra o narrador raramente vai rolar um dado para decidir o que aconteceu, os rolamentos TODOS ficam por conta dos jogadores.

Numenéra possui um sistema de Teste de Dificuldade. Cada ação corresponde a um grau de dificuldade manifestada em NÍVEIS DE DESAFIO que vão de 0 (o mais fácil que nem precisa ser testado) até 10 (o mais complexo e que dificilmente será atingido). Cabe ao narrador determinar qual a dificuldade de uma ação e estabelecer o Nível de Desafio. Escalar um muro baixo com vários pontos de apoio pode ter uma dificuldade pequena, digamos um 2. Já escalar um muro mais alto, com poucos pontos de apoio, durante uma chuva pode ter dificuldade 5.

Para fazer um Teste, o narrador determina o Nível e a partir dessa dificuldade se obtém qual o número alvo que precisa ser obtido no d20. O número alvo é sempre o nível de desafio vezes 3. Portanto, no primeiro exemplo, para escalar o muro mais baixo e com pontos de apoio bastaria um "6" no d20, ao passo que o muro mais alto, com poucos pontos de apoio, durante uma chuvarada exigiria um "15".

Essa é a mecânica básica do jogo, entender esse princípio simples já é meio caminho andado.

O leitor mais atento deve ter percebido que através dessa regra, rolando exclusivamente o D20 o máximo que se pode obter é "20". Portanto, Níveis de Dificuldade 7, 8, 9 e 10 não podem ser alcançados pois demandam somar 21, 24, 27 e 30 respectivamente.

Para isso, existem modificadores que o jogador pode empregar para que seu personagem tenha êxito num teste. Os modificadores reduzem o NÍVEL DE DESAFIO em um degrau e permitem que a dificuldade decresça até chegar a um grau aceitável. Há três modificadores que o jogador pode invocar para reduzir o Nível de Desafio de um Teste, são eles: Effort (Esforço), Skill (Habilidade) e Asset (Recursos).

O Effort diz respeito a "queimar pontos" de um dos seus atributos para facilitar uma ação, literalmente o personagem se esforça para superar uma dificuldade encontrada. Esse esforço pode ser físico ou mental e sempre se caracteriza pela redução de 3 pontos de seu pool (Might, Speed ou Intelect). Personagens em início de carreira podem usar Effort para reduzir um único nível de desafio (step no jargão do jogo), mas como tempo eles podem usar mais pontos para reduzir ainda mais o grau de dificuldade. No exemplo, um personagem que usa 3 pontos de seu Might reduz em um o Nível de Desafio para superar o obstáculo do muro. Cada personagem possui um Edge ("trunfo") que permite diminuir o custo de Effort e facilitar a vida do explorador. 

Ter uma Habilidade condizente com o que está sendo testado, também diminui em um o Nível de Desafio se o personagem tiver treinamento e em dois níveis se ele for um especialista naquela ação. Por exemplo, digamos que o personagem seja treinado em "Escalar", nesse caso sempre que for realizar uma escalada a dificuldade cai em um nível.

Finalmente um Asset engloba todos os recursos existentes que podem conceder um trunfo para o personagem naquele teste. No exemplo da escalada, ter uma corda pode ser considerado como um Asset, bem como conhecer o paredão ou estudar o melhor caminho.


Cada vez que o jogador conseguir empregar um fator para melhorar a sua performance, o Nível de Desafio irá diminuir em um grau e consequentemente o número que ele precisará obter no d20 será decrescido em 3 pontos. Ajustando suficientemente um nível de desafio permite que o personagem consiga realizar façanhas que normalmente seriam impossíveis.

Através desse princípio determina-se todos os testes do jogo. Parece complicado, mas na prática tudo se resolve muito rapidamente, sendo muito tranquilo pegar o jeito da coisa: estabelecer uma dificuldade, aplicar redutores e fazer o rolamento não leva mais do que alguns segundos.


Como foi mencionado, o jogador é quem faz todos os lançamentos de dado e determina o resultado, tanto para atacar, quanto para ser atacado. Uma grande sacada das regras é fazer com que ele tenha vários resultados críticos. Uma das coisas que sempre é comemorada na mesa são rolamentos decisivos, em Numenéra qualquer resultado natural entre 17 e 20 é considerado um crítico concedendo ao personagem um bônus. Longe de desbalancear o jogo, isso é um efeito que produz excitação e resposta da parte dos jogadores.

Mas você deve estar se perguntando, se o narrador não rola dados que tipo de controle ele exerce sobre a narrativa. Esse controle se dá através de uma prerrogativa chamada GM Intrusion. Basicamente o mestre tem a faculdade de atormentar os jogadores fazendo com que condições aleatórias se manifestem e tornem o jogo mais vibrante. Digamos que em meio ao combate ele acrescente um inimigo que aparece na última hora, que adicione um ataque especial, que faça com que uma arma quebre ou que um herói escorregue. Todas essas intrusões do narrador são acrescentadas para tornar as coisas mais interessantes. O narrador complica a vida dos jogadores, mas estes não saem de mão abanando. Cada vez que o narrador se intromete, o jogador diretamente afetado ganha 2 pontos de Experiência (XP), um para ele e outro para um de seus colegas. Basicamente, você pode se dar mal, mas ao menos ganha uma compensação. O único senão é que quando o jogador rola um "1" no D20, o narrador tem direito de fazer uma Intrusion e não precisa distribuir XP.

O uso de XP é mais funcional no jogo. É claro, ele pode ser usado no final da aventura para aumentar as capacidades do personagem, mas no decorrer da partida, XP é utilizado para re-rolar resultados desfavoráveis, para influir no desdobramento da narrativa ou para alterar algum fator na ficha do personagem. Em Numenéra não existem níveis de experiência, o equivalente seriam os Tiers (Graduações) que aumentam a medida que um devido conjunto de aprimoramentos são realizados. Num primeiro momento achei que 6 Tiers poderia ser pouco, mas o avanço entre um Tier e outro envolve algo em torno de 4-5 aventuras, isso com XP máximo a cada sequência, então no final das contas, atingir o sexto (e último) Tier demandaria um bom tempo.  

O sistema de combate também é bastante elegante e funcional. Basicamente as estatísticas de inimigos e oponentes se fixam em fornecer níveis de dificuldade que informam qual o Nível de Desafio exigido para desviar dos ataques ou para acertar o oponente. A ficha dos inimigos é incrivelmente simples com estatísticas básicas que tornam os combates incrivelmente ágeis. Essa rapidez permite ao narrador descrever as manobras e o que está acontecendo através de recursos narrativos, sem precisar de mapas, grids, miniaturas ou o que quer que seja. Para os fãs dos RPG old-school, em que a distribuição espacial dos combatentes ficava confinada na cabeça dos envolvidos, é uma bem vinda volta às origens.

O único porém (e estou sendo chato) do sistema de combate é o dano fixo das armas, coisa de que não sou muito fã (já que adoro rolar dados para determinar dano aleatório). Mas mesmo isso não chega a ser um problema, pois os rolamentos críticos ajudam a equacionar esse fator, alterando o montante infligido.

Numenéra obviamente possui mais algumas regras para customização e situações específicas, mas de um modo geral, a mecânica se concentra fundamentalmente no princípio de Nível de Desafio e seus ajustes. Entender com isso funciona permite que o jogador iniciante se situe e possa participar de uma partida em pé de igualdade com veteranos. Além de ser fácil assimilar a mecânica, o narrador também consegue se adaptar rapidamente e conduzir um jogo sem grandes questionamentos que o forcem a parar a aventura e consultar o livro em busca de uma nota de rodapé. Posso dizer sem medo de errar que esse sistema é uma excelente opção para iniciantes, sem entretanto se mostrar simplório para quem gosta de regras mais sólidas.

Ufa! Ficou imenso novamente!

Vou pedir a licença dos colegas e inserir mais uma parte nessa já imensa resenha que (juro!) conclui na próxima parte dedicada inteiramente ao livro em si e ao conteúdo dele. 

sexta-feira, 28 de março de 2014

RPG do Mês: Numenéra de Monte Cook - Aventura e Exploração no Ninth World


Numera, Nonera, Noumerera...

Muita gente ouviu falar desse fantástico novo RPG escrito pelo legendário game designer Monte Cook, mas a maioria ainda não sabe exatamente do se trata. Aqui vai uma resenha completa (que ficou um tanto longa, por isso foi dividida em duas partes) a respeito desse incrível jogo.

Leia, conheça e se prepare... Numenéra é um dos jogos mais fascinantes que eu já tive a oportunidade de ler e narrar. Algo realmente inovador que vale a pena ser conhecido, discutido e jogado pelos amantes do RPG.

*     *     *

Como parece ser uma tendência para alguns dos principais lançamentos de RPG atualmente, Numenéra surgiu através de uma campanha de Financiamento Coletivo, atraindo 4.658 pessoas que juntaram US$ 517.255 para que ele conseguisse o sinal verde. Sete meses depois do Kickstart ser bem sucedido, a desenvolvedora de games inXile Entertainment comprou os direitos intelectuais do jogo para um vídeo game batizado Torment: Tides of Numenera. A campanha arregimentou nada menos do que 74.405 pessoas e levantou 4,1 milhões de dólares.

Whow! Minha nossa!

Então, como se pode imaginar, existe um enorme interesse em torno de Numenéra e um público que só tende a crescer nos próximo anos.

Eu acabei abrindo mão do Financiamento Coletivo, uma vez que, francamente, os últimos trabalhos do Monte Cook não me deixaram muito empolgado. Eu não achei o colossal Ptolus muito legal e realmente detestei a interpretação equivocada que ele deu para o World of Darkness D20. Monte Cook é inegavelmente um dos grandes nomes da Indústria do RPG, mas ele tem seus altos e baixos. Muitas vezes ele acerta em cheio, mas em alguns casos dá foras  Além disso, havia outro porém que me afastou do projeto. Via de regra eu não sou um grande fã de Ficção Científica em RPG. Não que eu não goste do gênero (muito pelo contrário, adoro Sci-Fi), o problema é que descobri da pior maneira possível que não sou um narrador muito bom de jogos envolvendo armas de raios, naves espaciais e sere alienígenas.  

Dessa forma acabei preterindo o Numenéra, ainda que continuasse atento para os comentários que pipocavam aqui e ali.

Na minha cabeça, Numenéra parecia incrivelmente estranho. A forma como ele parecia um jogo de ficção sem na verdade parecer um, me deixaram intrigado. Na minha cabeça, eu pensava algo semelhante ao velho Dark Sun, um mundo decadente com magia esgotada e recursos limitados, onde os habitantes não sabiam exatamente como as coisas funcionavam e tentavam apenas sobreviver mais um dia diante de um ambiente hostil. A outra referência que eu tinha era o desenho "Thundar, o bárbaro" (e eu imagino que não serão muitos os que lembrarão dessa animação dos anos 80). Thundar era uma espécie de Conan que vagava por um mundo de magia misturada a tecnologia, um mundo que era na verdade a Terra num futuro distante, após a queda da civilização.


Há alguns meses atrás, tive meu primeiro gosto de Numenéra lendo uma estória curta intitulada "The Amber Monolith" que se passava no Nono Mundo. Foi um caso de amor à primeira vista, eu literalmente devorei o conto e consegui depois de alguma procura encontrar os outros dois que integram a coleção Tales of the Ninth World. Terminei de ler e li novamente para absorver cada pequeno detalhe. Era exatamente o que eu sempre desejei de um mundo de ficção com um estilo de escrita que fazia aquele mundo vir à tona. Eu fiquei bastante animado com aquilo, mas ainda estava com o proverbial pé atrás.

Três estórias curtas são algo bastante diferente de ter em mãos um Livro Básico de RPG com 400+ páginas. Já houve casos em que a ambientação de um jogo era nada menos do que sensacional, mas as regras acabavam sendo capengas, e vice-versa. O equilíbrio ideal entre ambientação (fluffy) e Mecânica de Jogo (Crunch) é algo difícil de ser atingido, algo que poucos jogos conseguem com maestria.

Ao invés de correr para comprar o livro, segurei o impulso inicial. Preferi me manter atento a toda e qualquer notícia a respeito de Numenéra. Li algumas resenhas, pesquisei informações aqui e ali, filtrei algumas reviews e comecei a perceber um padrão: quase todas as críticas eram favoráveis. Com base nisso acabei me rendendo. Fiz um pedido do livro (via Amazon) e recebi ele em tempo recorde (menos de quatro dias!) o que mostra que os "Deuses do RPG" quando querem nos convencer de algo movem montanhas nesse sentido.

Passei as duas semanas seguintes continuamente devorando o livro, levando ele para o trabalho, lendo nos momentos livres, folheando no final de semana e o resultado de minha leitura é essa resenha.

O que posso afirmar sem sombra de dúvida é que Monte Cook conseguiu criar algo incrível aqui. Algo que tem potencial para cativar jogadores e narradores deixando-os em estado de graça (assim como eu fiquei) por muito, muito tempo. É o tipo do livro que faz você ter vontade de jogar e explorar mais e mais esse mundo fantástico vasculhando suas infinitas possibilidades. 

Caras, não estou exagerando, em matéria de RPG é um dos livros que mais me impressionaram nos últimos anos.

Jogadores encontram um RPG cuja proposta central é trazer exploração, mistério e uma sensação onipresente de desconhecido para sua mesa. Narradores acham uma ambientação incrivelmente vasta onde as ideias são limitadas apenas pela sua criatividade. É o tipo de ambientação em que literalmente qualquer coisa pode acontecer, onde o céu é o limite em se tratando de possibilidades narrativas. O narrador tem a prerrogativa de criar estórias com elementos de intriga complexa que demandam um elevado grau de interpretação dos seus jogadores ou simplesmente lançá-los em uma boa e velha masmorra com dezenas de armadilhas e monstros bizarros para serem eliminados, na melhor acepção do conceito Hack n' Slash. Escolha qualquer opção e não tem como errar, os dois estilos são perfeitamente válidos.

E essa é a beleza de Numenéra! A ambientação permite que o narrador escolha o tipo de jogo que mais lhe agrade naquele momento e não impõe uma determinada conduta para o resto da campanha. Nesse sentido, ele é pura diversão com doses cavalares de excitação e aventura.

Mas vamos falar um pouco desse Universo para dar uma ideia do que ele trata.

O Mundo de Numenéra conhecido como "Ninth World" (Nono Mundo) é a boa e velha Terra, mas um planeta muitíssimo diferente do que conhecemos em um futuro muito, muito, mas muito mesmo, distante. Coloque aí algo em torno de um bilhão de anos para frente. O planeta nesse intervalo de tempo passou por inúmeras transformações e acabou se tornando algo totalmente diferente do que conhecemos. Continentes, mares, montanhas, para não dizer nações, povos e raças sumiram, se transformaram, foram conquistadas, extintas, renasceram de outras formas ou continuam por aí evoluindo e involuindo continuamente.

Pouco se sabe a respeito da vasta história do Nono Mundo. O que sabemos é que pelo menos oito grandes civilizações do passado dominaram nosso planeta em algum momento. Essas civilizações avançadíssimas surgiram, cresceram até experimentar seu apogeu e inevitavelmente ruíram ao longo das Eras. Pouco se sabe a respeito dessas civilizações, mas sabe-se que suas façanhas mudaram o planeta e suas conquistas se tornaram lendárias. Algumas dessas civilizações foram capazes de submeter a natureza à sua vontade, de reconstruir os continentes em uma nova configuração, de viajar pelo espaço ou através das dimensões, de gerar incalculáveis quantidades de energia que possibilitaram construir metrópoles e monumentos colossais, de manipular geneticamente animais e gerar vida do nada... nem todas essas civilizações eram humanas, algumas devem ter vindo das estrelas ou do espaço entre as realidades, algumas evoluíram de formas de vida mais simples e encontraram seu lugar no ápice da pirâmide evolutiva. Algumas dessas civilizações foram benevolentes, algumas escravizaram, guerrearam e corromperam, outras chegaram a um ponto de avanço científico e progresso tecnológico inacreditável, virtualmente impossível de ser sequer descrito. Em comum, o fato de que todas elas um dia chegaram ao fim.

As aventuras de Numenéra se passam no Nono Mundo, em um momento em que não existe uma Civilização suficientemente poderosa para submeter todo o planeta a sua vontade. Nesse panorama, o planeta é novamente dominado majoritariamente pela raça humana [Sabe-se lá como ou porque, talvez por modificação genética ou pela vontade dos últimos governantes terrestres que nos recriaram nessa configuração]. O fato é que os humanos que vivem no Nono Mundo são fisicamente idênticos a nós, e tem suas próprias ambições, aspirações e desejos.

O nível tecnológico do Nono Mundo apenas engatinha, sendo comparável ao da Era Medieval.


Existem cidades com casas de tijolos e alvenaria onde residem famílias de aldeões, há lojas e praças de comércio, além de, é claro, fazendas com áreas de plantio para alimentar as populações. Há nobres e governantes vivendo em castelos e palácios magníficos, todos se curvando diante de um Rei. Na principais cidades podem ser encontradas catedrais e sacerdotes devotados a uma religião devendo obediência aos seus preceitos e a um Papa. Fronteiras delimitam as Terras Civilizadas (chamadas de Steadfast) separando diferentes regiões em Reinos com suas próprias tradições, leis e costumes. Por vezes acontecem guerras entre reinos e disputas territoriais, os exércitos usam armaduras, escudos e lutam com espadas e machados. O Nono Mundo é um lugar cheio de disputas e intriga nos moldes de qualquer ambientação de fantasia convencional, tudo remete a um sistema Feudal.

Contudo, os habitantes do Nono Mundo tem uma noção de que as coisas um dia foram bem diferentes. Embora conheçam muito pouco a respeito dos oito "mundos anteriores" (leia-se das civilizações do passado), os humanos vivem em meio às ruínas deixadas por esses povos ancestrais e regularmente encontram artefatos ainda funcionais que foram criados por eles. Os habitantes de uma cidade, podem não saber para que serviram os túneis escavados há milênios sob a cidade, mas um dia, eles podem muito bem descobrir um sistema de transporte por trens flutuantes perfeitamente funcional lá embaixo. Uma aldeia pode não saber nada a respeito de armas de energia, até o dia em que alguém acidentalmente descobre o acesso a uma antiga indústria que fabricava armas laser. Da mesma forma, um camponês enquanto preparava os campos para a próxima lavoura, pode desenterrar uma máquina automática dotada de inteligência artificial que pode arar, plantar, colher, embora seja um mecha de combate.

O povo do Nono Mundo dão um nome para todos os artefatos estranhas, bizarros, incomuns, inexplicáveis que encontram... eles chamam essas coisas de Numenéra.

Numenéra são os tesouros dos mundos anteriores, das civilizações desconhecidas, das raças perdidas que um dia governaram a Terra. Absolutamente incompreensíveis, esses artefatos tecnológicos avançadíssimos vindos de um passado remoto, são considerados como objetos mágicos. Segundo Monte Cook, a grande inspiração para criar esse conceito foi o pensamento do genial Arthur C. Clark

"Para uma civilização que desconhece o básico da ciência, alta tecnologia nada mais é do que Magia".


E essa é a pedra fundamental de Numenéra. A maioria das pessoas desconhece totalmente como funcionam esses objetos estranhos ou qual a sua serventia. Alguns consideram que esses "objetos mágicos" são presentes dos Deuses do Passado ou artefatos abastecidos com energia espiritual. Um indivíduo que tem em seu poder um aparato incompreensível, capaz de sanar doenças simplesmente passando esse objeto sobre a cabeça, pode acreditar que aquilo é algo mágico da mesma forma que alguém tendo em seu poder uma arma de raios acredita que aquele artefato é um artefato oferecido pelos deuses para pulverizar seus inimigos. A própria religião que vigora no Nono Mundo foi construída ao redor das realizações do passado, os sacerdotes literalmente veneram tudo aquilo que foi construído e tentam decifrar sua função. Objetos desse tipo se tornam necessários para a sobrevivência da sociedade, comunidades grandes e pequenas vivem em torno da busca e utilização dos itens de Numenéra.

Nesse contexto, surge uma classe de indivíduos que se especializam em vasculhar o Nono Mundo. Seu principal objetivo é recuperar objetos de Numenéra, compreender seu funcionamento, determinar sua serventia e através deles conquistar poder, fama e riqueza sem fim. Estes indivíduos são os Exploradores, via de regra, os personagens dos jogadores na ambientação.

Um explorador pode ser um aventureiro, um herói, um estudioso, um vilão, um mercenário, um viajante... em essência é alguém que devota a sua vida a perseguir os segredos do Nono Mundo e se arrisca em perigosas buscas, emergindo algumas vezes com tesouros inacreditáveis. Exploradores trabalham para colecionadores, nobres ou sacerdotes que os contratam para seguir mapas e levantar rumores que os conduzem a Numenéra. Eles são especialistas em invadir as antigas ruínas de uma cidade perdida, em explorar complexos subterrâneos, vagar por túneis estreitos, ativar portais dimensionais, entrar em veículos improváveis e seguir caminhos jamais trilhados por pés humanos.

O que realmente importa em Numenéra é "EXPLORAR". O tema do jogo é a exploração de tudo aquilo que restou das civilizações antigas.


Além do Steadfast, existe uma terra selvagem e quase desconhecida, um território pouco explorado e apenas vagamente mapeado chamado genericamente "The Beyond" (O Além). Essas áreas  são abundantes em ruínas, cidades e sítios um dia habitados ou largamente utilizados pelas civilizações do passado. Aqui a Numenéra praticamente brota do chão em formas inesperadas e maravilhosas. Infelizmente, vasculhar esses lugares é um trabalho extremamente perigoso. Ao mesmo tempo que esses lugares transbordam com tesouros tecnológicos/mágicos, eles também oferecem todo tipo de risco aos exploradores. Predadores construídos geneticamente e monstruosidades modificadas pela exposição à própria Numenéra, vagam livremente. Criaturas desconhecidas com estranhas capacidades, tribos selvagens de mutantes, terríveis saqueadores  e bestas sedentas de sangue parecem atraídas pelas mesmas riquezas. Isso sem falar nos perigos oferecidos pelas próprias ruínas, algumas delas protegidas por guardiões, máquinas ancestrais ou armadilhas mortais.

Diante de todos esses sérios perigos e graves ameaças, os exploradores não poderiam ser pessoas ordinárias. Alguns deles são treinados em técnicas singulares, outros ganharam experiência estudando objetos de Numenéra que lhes garantem habilidades notáveis, enquanto outros, ainda, recebem dons e verdadeiros poderes que só podem ser descritos como sobrenaturais.

O Processo de Criação de personagens em Numenéra envolve a escolha de esterótipos que definem quem é o personagem e o que ele é capaz de fazer. O modelo estabelecido envolve definir três elementos centrais do personagem: o tipo, a descrição e o foco. Em termos de jogo, criar um personagem se resume a preencher três lacunas na seguinte sentença: 


Eu sou um (tipo), (descrição) que (foco
[Em inglês "I'm a (_____) (_____), who (_____)"]

A primeira coisa que o jogador precisa definir a respeito do seu personagem é que TIPO de Explorador ele está criando. Existem três tipos disponíveis que se distinguem pelas suas características gerais:

Os Glaive são treinados para enfrentar desafios físicos e ameaças demonstrando notável capacidade marcial, perícia com inúmeras armas e armaduras, além de conhecimento em táticas e estratégias combativas. Um Glaive é muito mais do que alguém que sabe erguer uma arma para auto-defesa, ele é um guerreiro habilidoso, uma verdadeira máquina de lutar e matar. Em geral, os Glaive são parte de uma tropa ou exército: guerreiros, soldados, guardiões, mercenários, espadachins, lutadores que se destacam quando a violência se faz necessária e que deixam atrás de si um rastro de sangue e morte.


Os Nano também são chamados de Magos, feiticeiros, místicos ou bruxos, eles estão entre os conhecedores mais profundos dos mistérios da Numenéra e empregam os poderes contidos nesses objetos para fulminar seus adversários com raios, descargas energéticas e poderes mentais. Os Nano aprendem a acessar a Numenéra a fim de gerar efeitos imprevisíveis e notáveis que assombram e aterrorizam as pessoa comuns. Um Nano é temido pelas suas habilidades sobrenaturais, por mais intimidador que seja um guerreiro com um machado de duas mãos, um Nano experiente é capaz de matar apenas erguendo uma sobrancelha.  

Os Jack (de Jack of All Trades) são intrépidos exploradores e aventureiros que focam em um vasto leque de habilidades. Eles são peritos em infiltração, furtividade, dissimulação e assassinato. Um Jack pode ser um ladrão, um contrabandista, um pirata, um caçador de tesouros, um matador ou um traficante de informações. Eles são capazes de se misturar e desaparecer no coração de cidades, de ganhar a confiança de aldeões e jogá-los contra seus inimigos, de improvisar defesas e ganhar uma luta se concentrando nos detalhes. Um Jack sabe como poucos usar os truques escondidos em sua manga para conseguir o que deseja e obter acesso a lugares onde mais ninguém seria capaz de ir.

Com base em um desses tipos de explorador, o jogador começa a criar o seu personagem. Cada "classe" concede algumas vantagens, poderes e habilidades únicas que podem ser escolhidas em listas a fim de individualizar seu personagem. O tipo também determina as armas e armaduras que o personagem pode utilizar, com que habilidades ele inicia o jogo e como será a sua progressão a medida que ele for ganhando experiência ao longo de suas aventuras.

O segundo fator a ser decidido pelo jogador envolve escolher uma DESCRIÇÃO para o personagem. Essa descrição é simplesmente uma palavra que serve para definir o personagem que você está construindo, concedendo a ele uma motivação a ser seguida dali em diante. Há uma lista de 12 descrições que podem ser escolhidas (por exemplo: Esperto, Inteligente, Forte, Rápido, Furtivo, etc) cada uma dando a acesso a um pacote de bônus, habilidades e vantagens cobertas por essa descrição. Um personagem Culto, por exemplo inicia o jogo com conhecimentos variados enquanto um com a descrição Místico recebe a habilidade de "sentir a presença de Numenéra". 

Algumas DESCRIÇÕES parecem se encaixar melhor para alguns TIPOS específicos de exploradores, como por exemplo um Jack Furtivo, um Glaive Forte ou ainda um Nano Inteligente, mas qualquer combinação é válida. Isso permite que um jogador conceda a um personagem características que fogem ao estereótipo geral, construindo um Jack que prima por ser especialmente Durão, um Nano Rápido ou um Glaive Gracioso.


O terceiro fator determinante do personagem é o seu FOCO e na minha opinião a parte mais divertida no processo de criação do personagem. O foco é aquilo que torna seu personagem especial e faz dele um indivíduo capaz de façanhas únicas. É o foco que define os poderes, capacidades e habilidades excepcionais que distinguem seu explorador de todas as outras pessoas no Nono Mundo.

O legal a respeito do foco é que ele pode ser basicamente qualquer coisa. O livro básico trás 29 focos prontos para construir seu explorador com habilidades especiais que vão de coisas simples como "Lutar com Elegância" e "Dispara com o Arco" até poderes mais estranhos como "Fundir Metal e Carne" e "Controlar a Gravidade". Cada foco permite ao personagem realizar alguma coisa notável dentro de sua especialidade e de maneira geral, cada foco é bem equilibrado em relação ao outro. Mesmo que em seu grupo haja alguém que "cace com grande habilidade", este será equivalente a outro jogador que escolheu "Comandar Poderes Mentais".

O Foco proporciona ao jogador uma base para interpretar o personagem criando relações com o resto do grupo. Cada vez que o personagem avança um Tier (graduação - o equivalente a um nível de experiência em Numenéra) ele aprende um novo uso para seu poder que vai tornando o personagem cada vez mais poderoso e polivalente. No início os poderes são discretos e não parecem grande coisa, mas as capacidades aumentam consideravelmente entre um Tier e outro, garantindo que lá pelas tantas o personagem seja capaz de feitos realmente impressionantes. Portanto não desanime, se no primeiro Tier o personagem que escolheu "Empregar Magnetismo" consegue apenas empurrar ou deslocar objetos de metal pelo ar, mais tarde ele vai ser capaz de destruir metal, criar campos magnéticos e moldar metal conforme bem desejar.


Esse processo de criação de personagem sem dúvida vai ser exaustivamente explorado em suplementos de Numenéra que vão expandir o leque de opções para seus personagens garantindo diferentes DESCRIÇÕES e FOCOS a fim de permitir a criação de diferentes personagens. Já é possível encontrar em páginas de fãs online várias opções para expandir os conceitos do Livro Básico e não é muito difícil criar os seus próprios, portanto o número restrito de opções não chega a ser um problema.

Eu confesso que gostei tanto do sistema de criação de personagens que aproveitei para construir vários como teste. Criar um personagem em Numenéra, se você tiver um conceito básico na cabeça, é rápido e bem fácil, não leva mais do que 20 minutos depois que você pega as manhas do processo. Tudo é bastante intuitivo e muito bem explicado.

Bom, para não ficar muito maior, vou cortar a resenha nesse ponto e continuar depois falando de regras e do sistema.

quarta-feira, 26 de março de 2014

As sete edições de Call of Cthulhu


Call of Cthulhu foi lançado originalmente em 1981 - dizem as lendas em uma sexta feira treze, desde então este que é considerado o primeiro e para muitos o melhor RPG de Horror conheceu outras cinco edições. A sétima está sendo preparada. Ao mesmo tempo, a sexta está chegando ao Brasil através de Financiamento Coletivo.

Enquanto esses livros não chegam às nossas mãos, que tal fazer uma viagem através das capas dos Livros Básicos de Call of Cthulhu?

O conceito original que serviu de modelo para Call of Cthulhu se chamava Dark Worlds, um jogo criado pela Chaosium que jamais foi publicado. O designer de jogos Sandy Petersen, conhecido pelo seu trabalho no game Doom, entrou em contato com a Chaosium apresentando um suplemento para o popular jogo de fantasia RuneQuest se passando no Mundo dos Sonhos concebido por H.P. Lovecraft. A partir desse conceito ele resolveu escrever uma ambientação que transportava a ação do jogo para o mundo real, usando elementos do Universo dos Mythos de Cthulhu.




Com base no esboço inicial, a Chaosium pediu a Petersen que expandisse o jogo e escrevesse a ambientação. A primeira edição de Call of Cthulhu foi lançada em 1981, utilizando uma versão simplificada do Basic Roleplaying (BRP), sistema que já era usado no RuneQuest.

A primeira edição foi lançada o formato de Boxed Set (Caixa) e continha dois livros de jogo, um mapa, fichas para os personagens e dados. Essa edição ganhou o prêmio Origins em 1982 como melhor RPG. É ela que está no alto do artigo. 

Em 1983, foi lançada a Segunda Edição, com algumas alterações mais estéticas do que conceituais. O jogo continuou muito parecido, mas o material foi reunido em um único volume que passou a ser o Livro Básico de Call of Cthulhu



O sucesso do jogo motivou o lançamento das primeiras campanhas e suplementos de jogo: Shadows of Yog-Sothoth (1982), Fungi from Yuggoth (1984) e Masks of Nyarlathotep (1984).

A Terceira Edição foi lançada em 1986. Novamente foram poucas as mudanças, a não ser a inclusão de arte e tabelas descritivas mais caprichadas. A capa também sofreu a sua primeira mudança.


Lynn Willis assumiu o posto de Sandy Petersen como editor nessa edição, mas só na quinta edição ele passaria a ser creditado como co-autor.

Para essa edição, vários suplementos foram lançados: Spawn of Azathoth (1986), Dreamlands (1987), Terror Australis (1988), a segunda edição de Cthulhu by Gaslight (1988) e Cthulhu Now (1988), estes dois últimos transportavam o jogo para outras eras, no caso o período Victoriano (1890) e os dias atuais (no caso 1990).

A Quarta Edição saiu três anos depois em 1989 (e foi através dessa que conheci o jogo!).

Até então, foi essa edição que operou a maioria das alterações e mudanças, poucas é verdade no que diz respeito a regras. Mesmo assim ela foi considerada a melhor até então. 



Junto com a Quarta edição foram lançadas vários suplementos entre os quais um dos mais emblemáticos, a notável campanha Horror on the Orient Express (1990). Orient Express tinha um acabamento muito diferente, material de luxo que marcou época e que custava incríveis US 39,95, o que na época o tornava um dos livros de RPG mais caros.

Em 1990 também foram lançados os livros da série Lovecraftian Country, esses suplementos em geral produzidos por Keith Herber forneciam o background e cenários se passando nas cidades fictícias Arkham, Kingsport, Innsmouth, Dunwich e arredores. O objetivo era conceder aos investigadores um lugar para centrar as suas ações e motivações.

A Quinta Edição foi lançada em 1992. Essa é a edição que eu mais gosto, na minha opinião um excelente livro Para muitos ele marcou a continuidade da época de ouro de Call of Cthulhu, com vários suplementos e aventuras muito interessantes além, é claro, de muitos títulos dentro da coleção "Secrets of...".



Essa foi uma edição bastante duradoura, com seis anos. Houve uma edição corretiva, chamada de 5,5 (1998) e outra 5.6 (2000) ambas com o acréscimo de detalhes e de informações colhidas nos vários suplementos lançados no período.

Em 1998, o grande lançamento foi a mega-campanha Beyond the Mountains of Madness (1998) uma das maiores campanhas de RPG jamais lançadas com mais de 500 páginas.

Em 2001 a Chaosium lançou duas edições especiais, com capa dura em acabamento imitação de couro e Elder Sign em acabamento dourado. Essas duas edições eram comemorativas e ficaram conhecidas como Edição de Aniversário de 20 anos e a Edição Universidade Miskatonic. As duas tinham o mesmo interior em preto e branco e textos da 5.6.


Esses dois livros tiveram edições limitadas vendidas na época por 100 dólares e hoje são bastante raros.

A Sexta Edição foi publicada originalmente em 2004 e foi a edição que mais tempo ficou à venda, considerada por muita gente como  a Edição Definitiva de Call of Cthulhu. Mais completa, com uma boa quantidade de adendos e informações retiradas de vários suplementos. É nesse Livro que será baseada a Edição brasileira o que me parece uma boa escolha, já que se trata da Edição mais completa.


O livro mudou muito pouco nesse período, as regras do sistema BRP atravessaram os anos com um vigor invejável, dando ao sistema um status de cult que conquistou gerações de jogadores.

A Edição Comemorativa de 25 e 30 anos foi bem parecida, lançadas respectivamente em 2006 e 2011. Novamente com acabamento de imitação de couro marrom, páginas costuradas, detalhes dourados e capa dura essa é uma das edições mais legais lançadas até hoje.


O que nos leva a Sétima Edição.

O próximo lançamento ainda é um mistério, já que ela sinaliza com as primeiras alterações profundas no sistema BRP. Os dois autores pretendem realizar uma "modernização" nas regras, atualizando o jogo para os novos tempos, sem no entanto, abandonar o sistema clássico.

O sucesso do Financiamento Coletivo da sétima edição, sinaliza com um livro de visual impressionante. Dividido em dois volumes, um para o Guardião e outro para o Jogador, totalmente coloridos, com nova arte, capa dura e todos os elementos presentes nos livros básicos atuais (e nas publicações européias).  

Muita coisa aparentemente vai mudar nessa edição, mas se as regras vão ser melhores ou não, isso a gente só vai poder dizer quando a Chaosium começar a enviar os livros para os 3.668 patrocinadores que investiram no Kickstart.

E recentemente a capa da sétima edição foi apresentada:

Vamos ver o que nos reservam os próximos anos...

Longa vida ao Call of Cthulhu.

domingo, 23 de março de 2014

Lugares Estranhos: Kalkajaka - As Lendas da Montanha Maldita dos Aborígenes


Como uma ilha perdida em um mar verde, uma grande massa de pedras negras se destacam contra o céu do nordeste da Austrália, destoando de tudo a sua volta. Essa é a região das Black Mountains, conhecida pelo povo aborígene como "Kalkajaka" (A "Montanha da Morte" em dialeto aborígene). 

Segundo as tradições, trata-se do lugar mais assustador do mundo, localizado no território de Queensland, a apenas 25 quilômetros ao sul de Cooktown

Os aborígenes evitam esse lugar a todo custo, aludindo a antigas lendas repletas de horror e medo. Os homens brancos se surpreendem com a quantidade de pessoas que tentam explorar essa região e que jamais são vistos novamente, como se tivessem sido engolidos pela terra. Pássaros e animais também evitam essa área erma e silenciosa. Até mesmo aviões raramente cruzam o céu, uma vez que relatos sobre estranhas turbulências e perturbações magnéticas, já causaram inúmeros problemas a aeronaves. Em 1991, um avião à serviço do Bureau de Recursos Minerais voava sobre Black Mountain seguindo para o norte. Utilizando um magnetômetro de hélio e um espectrômetro, a tripulação conduzia testes para averiguar a presença de rochas magnéticas e fazer a medição dos níveis de radiação. Os resultados foram negativos, mas de repente uma repentina turbulência, surgida do nada, derrubou o avião. 

Os mistérios que cercam os desaparecimentos e ocorrências sobrenaturais continuam desafiando os céticos. As pessoas que habitam a região próxima alertam os exploradores: "Qualquer um disposto a explorar Kalkajaka deve estar bem equipado e preparado para enfrentar muitos perigos – desde deslizamentos, areia movediça e cânions, até se deparar com uma infinidade de serpentes venenosas."

As Black Mountains surgem abruptamente na paisagem, como se fosse um colossal monte de carvão, descarregado por milhares de caminhões no meio de uma vastidão de árvore verdejantes, em sua maioria eucaliptos. Essa montanha tem três quilômetros de comprimento, e o que parecem pedaços de carvão são na realidade grandes pedregulhos negros, alguns com até seis metros. Uma estrada tortuosa conduz até o topo. Lá no alto, existe uma parada para descanso com um mirante de onde se pode contemplar a paisagem selvagem. Segundo geólogos, essas montanhas se formaram há cerca de 250 milhões de anos atrás. Elas são o resultado da produção de magma endurecido que gradualmente sofreu erosão, atingindo uma altura máxima de 300 metros. Em face de fatores climáticos, os colossais blocos de basalto negro se deterioraram, esfacelando-se em milhares de peças individuais de todos os tamanho e formas.      


Mas os entusiastas de mistérios tem uma opinião diferente a respeito da formação de Kalkajaka. Embora o processo geológico seja um padrão reconhecido para a formação dessas montanhas, as Black Mountains apresentam características peculiares. É por isso que muitas pessoas afirmam que esse relevo parece ter sido de alguma forma construído por meios artificiais. Alguns vão mais longe, afirmando que restos de uma antiga civilização, datando da aurora da humanidade (ou talvez até mais antiga que o próprio homem) pontilham a região. Os recessos da montanha esconderiam segredos assombrosos: pinturas rupestres representando magníficas cidades e seres estranhos, haveriam ainda ruínas de reinos fantásticos com torres e cúpulas abobadadas, câmaras profundas repletas de artefatos desconhecidos e, é claro, riquezas incríveis.

Segundo os aborígenes, existe um caminho que conduz ao coração da montanha, mas ele é guardado pelos espíritos dos mortos, por demônios abomináveis e milhares de serpentes venenosas que agem como guardiões desses segredos. Lendas antigas e modernas mencionam um portão que leva a um império subterrâneo, um dia habitado por uma espécie de seres muito diferentes da raça humana. Outras estórias mencionam uma raça "reptiliana" servida por humanos degenerados transformados em escravos para servir às suas vontades. Fala-se ainda em tecnologia avançada, de magia utilizando cristais e de coisas desconhecidas que homem algum deveria conhecer.       

Nas tradições orais do povo aborígene, as Black Mountains sempre fizeram parte de narrativas aterrorizantes. Até os dias atuais, vigora um tabu a respeito de tudo que envolve essa região. Os poucos nativos que aceitam falar a respeito dela, afirmam que se trata de um lugar maldito, onde imprevisíveis eventos sobrenaturais tendem a ocorrer. Alguns mencionam presenças indescritíveis, uma sensação palpável de estar sendo observado e de sons misteriosos que não pertencem a nenhum animal conhecido. Comentam que objetos de metal se comportam de modo estranho, sendo atraídos por forças invisíveis, sente-se odores nauseantes e um ruído persistente e enervante no fundo da mente.

Se nada disso fosse suficiente para multiplicar os boatos, a própria natureza parece conspirar contra a presença de visitantes. Muitas das estórias sobre aventureiros que visitam as Black Mountains terminaram de forma trágica. Estima-se que centenas de pessoas simplesmente sumiram enquanto vagavam pelas montanhas. Os corpos de muitos foram resgatados, a maioria vítima de acidentes envolvendo quedas fatais, mas eventualmente circunstâncias mais estranhas. 

Ao menos é nisso que acreditam os frequentadores do Lion Den Inn, um dos pubs mais populares da Península de Cape York. O bar em Cooktown é o ponto de encontro de habitantes, de aborígenes, bem como dos ocasionais turistas que são atraídos pela aura de mistério que permeia a região. O Lion Den é um ótimo lugar para ouvir estórias contadas por pessoas como Pete Fitzgerald, que vive na cidade há mais de 40 anos.  

"Mesmo que você seja um cético, como eu me considero, é impossível descartar todas as coisas esquisitas que acontecem nas Black Mountains. Eu vi com meus próprios olhos gente sendo resgatada em completo desespero depois de se perder e passar alguns dias vagando sem rumo. Participei de pelo menos três grupos de busca, formados por voluntários para resgatar pessoas perdidas, e posso dizer que senti algo estranho ao visitar essa montanha" conta Fitzgerald para quem quiser ouvir, entre um gole de cerveja e outro. 

"Há estórias ainda mais antigas a respeito de uma tribo inteira de aborígenes que se escondeu para fugir de inimigos e que desapareceu sem deixar vestígios. Falam de animais que evitam a área... pois bem, eu vi cães usados por grupos de resgate ganindo e uivando, só de chegar perto do Kalkajaka. Um desses animais, chegou a atacar seu treinador e quando se soltou dele, correu para um despenhadeiro e saltou lá embaixo. E isso não é estória, eu vi acontecer!".

Segundo Fitzgerald e outros frequentadores do pub, os aborígenes temem a montanha por conhecer intimamente os seus segredos. "Mas boa sorte ao tentar tirar deles qualquer estória sobre o Kalkajaka. Eles evitam até falar esse nome, alguns sequer olham na direção das montanhas". 

Claro que muitas das estradas construídas e a infraestrutura assentada nos anos 1950 foi trabalho de nativos, mas estes se recusavam categoricamente a passar a noite nas proximidades da montanha. Mesmo hoje em dia, a população de aborígenes em Cooktown e arredores é pequena em comparação a outros territórios. Mesmo os nativos mais integrados a cultura britânica e afastados de suas próprias tradições, respeitam os costumes tribais no que tange às Black Mountais.          

Uma das únicas lendas compartilhadas pelos aborígenes a respeito do Kalkajaka, diz que quando o mundo ainda era jovem e a raça humana apenas engatinhava, viviam naquelas montanhas membros de uma tribo maligna conhecida como "Devoradores de Carne". Esta tribo praticava rituais terríveis, adoravam demônios que viviam no interior da montanha e ofereciam a eles sacrifícios em troca de conhecimento e magia. Tão grande era o terror que despertavam nas tribos vizinhas que estas concordaram em pagar um tributo aos feiticeiros, enviando-lhes mulheres e crianças para que estes satisfizessem seus apetites. Um dia, uma vítima escapou e não havendo ninguém para oferecer em seu lugar, as tribos falharam em fazer a sua oferta. Sentindo que sua autoridade estava sendo desafiada, os Devoradores desceram a montanha na direção de um vilarejo. Lá capturaram várias vítimas que encontraram adormecidas e os arrastaram consigo para seu refúgio. 

Sabendo que as tribos jamais teriam paz enquanto vivessem nas Montanhas Negras, elas decidiram deixar tudo para trás e partir. Apenas a fome poderia acabar com os Devoradores, a lógica é que se lhes fossem negado sacrifícios para aplacar o desejo dos Demônios, estes iriam se voltar contra eles. As tribos então partiram para longe, onde não poderiam ser alcançadas. Desde então, homens e animais passaram a evitavam o Kalkajaka e os Devoradores de Carne desapareceram. Mas ao contrário dos homens que podem morrer, os demônios que vivem dentro da montanha continuam vivos e não perdem a chance de agarrar vítimas.


        
Naturalmente tudo isso parece nada mais do que superstição, mas a maioria dos habitantes de Cooktown comenta que as montanhas realmente tem uma aura perturbadora. Eles citam os ruídos incomuns que são ouvidos à noite: o som de lamentos, choro, melodias alienígenas e tremores que parecem vir do chão. Eles dizem que esses sons abafados parecem exercer alguma influência sobre as enormes pítons, as traiçoeiras serpentes venenosas, únicos animais a habitar as Black Mountains. O consenso é que as montanhas são perigosas, melhor portanto, ficar longe delas.

Rob Neubarth, que é atualmente o Guarda Florestal de Cooktown já esteve em Kalkajaka muitas vezes e conta:

A maioria das pessoas que explora as montanhas, prefere fazê-lo durante o dia e são raros os que passam a noite por lá. Alguns contam que parece existir uma aura inquietante pesando sobre as montanhas, algo que causa uma angústia quase sobrenatural. Pessoas se queixam de dores de cabeça e náusea, apenas depois de ficar algumas horas por lá. Além disso, as trilhas são ingrimes e pedregosas, não havendo um único lugar adequado para montar acampamento. No topo, a única vegetação que proporciona alguma sombra são as árvores retorcidas e os arbustos cheios de espinhos. Os blocos de pedra lisa esquentam horrivelmente e esse calor fica retido durante a noite. É possível sentir através da sola dos sapatos o calor que vem do chão. Nos recessos escuros na montanha se ergue um fedor cáustico de enxofre que domina o lugar, e não há vento que o afaste. Mas o pior é a escuridão, quando a noite vai chegando e as sombras das montanhas se projetam nas pedras. Tudo fica muito escuro. Você não enxerga um palmo diante do nariz e mesmo as lanternas parecem não iluminar a escuridão.

Rob fez parte de diversos grupos de busca e resgate e sempre que encontra viajantes e turistas interessados em explorar as Montanhas tenta dissuadi-los de acampar no local:

Acampar em Kalakajaka é uma péssima ideia, mesmo para campistas experientes. Não há água, não há iluminação e o terreno é péssimo. Além disso há serpentes venenosa que não se intimidam com a luz das fogueiras. Se uma pessoa for mordida lá em cima, será muito difícil chegar à cidade à tempo de ser socorrida. Quem escala essa montanha disposto a passara noite, só vai conseguir sair de lá quando amanhecer. 


O guarda florestal diz que não acredita em histórias sobrenaturais, mas segundo ele, Kalkajaka oferece um terreno extremamente perigoso e desafiante. O tipo do lugar onde o menor descuido pode resultar em um acidente fatal.

Outro morador de Cooktown e um dos maiores pesquisadores a respeito das Montanhas Negras é Hans Lowel, que afirma ter explorado o local várias vezes. Hoje um sexagenário, Hans desistiu de suas aventuras e se dedica a compilar os mitos e lendas aborígenes sobre a região. Ele afirma que os mistérios das montanhas vão muito além de meros rumores espalhados por nativos supersticiosos e exploradores bêbados.

"Existem registros que mencionam eventos inexplicáveis por essas bandas", conta ele sorrindo enquanto mostra alguns antigos papéis amarelados cuidadosamente guardados em caixas de arquivo no seu apartamento. Um desses papéis é o relatório de um policial de Cooktown, o Sargento McGuillian, escrito há mais de 70 anos.

Segundo o relatório de McGuillian os casos estranhos começaram logo depois da chegada dos primeiros colonos que se estabeleceram na região. O primeiro acidente fatal reportado, data de 1877; a vítima foi um homem chamado Grayner, que estava explorando as montanhas e caiu em um fosso. Seu corpo foi encontrado dias depois, "a cabeça torcida em um ângulo estranho" segundo testemunhos da época e "seus ossos estavam todos partidos". Algum tempo depois, um ladrão de banco chamado Sugarfoot Jack e dois comparsas se esconderam nas Black Mountais, após um tiroteio. As autoridades procuraram pelos bandidos, mas tudo o que encontraram foi um acampamento arruinado que tinha sido abandonado. Na pressa, os bandidos haviam deixado para trás até o dinheiro do roubo e seus cantis de água. Os policiais encontraram sinais de luta e rastros de sangue que terminavam abruptamente num despenhadeiro. Treze anos depois, o delegado de Cooktown desapareceu nas montanhas enquanto procurava um prospector que também havia sumido. Grupos de busca encontraram rastros que conduziam para uma ravina e no fundo dela acharam uma mochila que pertencia ao policial, mas nada de seu paradeiro. Os rumores a respeito de ouro nas Black Mountains atraíram vários prospectores no começo do século e muitos deles simplesmente foram engolidos pela montanha. Os números não são oficiais, mas algo entre 25 e 70 pessoas teriam sumido durante esse período. 


Um dos casos mais famosos envolve um fazendeiro chamado Harry Owens, proprietário do Rancho Oakley Creek. Em 1924 ele subiu as montanhas à cavalo, em busca de um novilho que havia se desgarrado. Quando Owens não voltou, seu capataz, George Hawkins, alertou a polícia, e foi em busca do patrão. Quando as autoridades se juntaram a busca, Hawkins também havia desaparecido. Dois aborígenes que trabalhavam para a polícia como rastreadores encontraram rastros que conduziam a uma caverna natural. Os dois aborígenes entraram na caverna rochosa, mas apenas um voltou aterrorizado. Ele balbuciou coisas sem sentido e disse ter sido perseguido por monstros horríveis que viviam dentro da caverna. Em 1947, dois exploradores britânicos decidiram mapear essas cavernas a fim de determinar o que havia acontecido anos antes. Encontraram várias pinturas rupestres nas paredes e vestígios de que as cavernas haviam sido habitadas num passado remoto por nativos, mas não acharam nenhum sinal das pessoas que desapareceram em seu interior. Nas décadas seguintes os rumores continuaram, viajantes ocasionais sumiam ou morriam em Kalkajaka, o que ajudou a consolidar a sua fama de assombrada.

Os mistérios das Black Mountains, no entanto, podem ter uma explicação mais razoável: Aqueles que não conseguem encontrar a trilha através do labirinto de pedras, simplesmente não conseguem retornar. Se perder nesse terreno é especialmente perigoso já que não há comida ou água para garantir a sobrevivência por muito tempo. Além disso, as serpentes venenosas são um perigo constante. A paisagem escura e desolada pode desencadear a perda de orientação e qualquer descuido, como por exemplo cair em um recesso pode ser fatal. Uma vítima despencando em uma fissura natural, pode simplesmente desaparecer e jamais vir a ser achado. Os sons estranhos ouvidos podem ser decorrentes de rochas se partindo com o calor acachapante ou o assovio furioso do vento dentro das cavernas.

Mas diante de tantas estórias e lendas, é virtualmente impossível afastar o temor despertado por Kalkajaka. 

quinta-feira, 20 de março de 2014

Lista de Equipamentos para Agentes - Alguns truques do mundo da espionagem


Durante uma aventura envolvendo Espionagem e Intriga, os personagens estarão em busca de informações, terão de transmitir dados, obter planos secretos e decifrar códigos sigilosos. Um cenário de espionagem permite várias possibilidades para os jogadores e a chance de mergulhar em um mundo de intrigas, complôs e mistérios guardados à sete chaves. Adicionar os Mythos a esse caldeirão só aumenta o desafio e a sensação de perigo espreitando nas sombras.  

Em geral, agências governamentais de espionagem possuem os seus próprios equipamentos e fornecem esses items para serem utilizados como ferramentas pelos seus agentes em campo. Além das óbvias armas de fogo e automóveis, espiões podem se valer de vários outros itens específicos para seu perigosos ramo de atividade.

Na sua próxima aventura, procure seu Quartermaster (Q) - o responsável pelo equipamento dos agentes de campo, e pergunte a respeito de itens que podem garantir não apenas o sucesso de sua missão, mas a chave para a sobrevivência de seu agente. 

Objetos para Ocultação


No mundo da espionagem, quase tão importante quanto obter uma determinada informação é preservar essa informação em um lugar seguro e longe das mãos do inimigo. 

Desde que os primeiros agentes secretos entraram em ação, uma das preocupações centrais das agências de espionagem era conceber uma maneira deles esconderem as informações obtidas em algum lugar seguro que não fosse encontrado caso eles fossem capturados pelos inimigos e submetidos a uma revista. Dispor de um esconderijo seguro para ocultar documentos, microfilmes, filmes fotográficos ou planos roubados era essencial quando o agente precisava cruzar uma fronteira ou posto de vigilância.

Ao longo da história inúmeros objetos foram usados por espiões para facilitar a ocultação. Alguns destes itens eram absolutamente inocentes e dificilmente levantavam suspeita. Apenas os investigadores mais experientes e sagazes conseguiam encontrá-los durante uma revista.

Entre os itens de ocultação em exposição no Museu da Espionagem, existem roupas com bolsos secretos, barras de costura falsa, chapéus com compartimento oculto e sapatos com salto deslizante, passando por valises com alça oca, canetas, cachimbos e isqueiros zippos onde era possível esconder um microfilme ou micro-ponto em segurança. Mas havia outros objetos ainda mais incomuns usados para ocultação: latas de espuma para barbear, tubos de pasta de dente, cabides, garrafas de vinho e até moedas falsas (como essa no alto do tópico) ofereciam compartimentos secretos acessados apenas mediante uma determinada pressão em pontos específicos ou rotação em algum lugar.


Marcador Químico

A arte de seguir um alvo de forma discreta é algo que espiões precisam dominar.

Em certos casos no entanto, seguir um alvo pode ser algo extremamente complicado, sobretudo se a pessoa em questão estiver transitando em um lugar movimentado. Para auxiliar em missões dessa natureza, espiões utilizam meios para distinguir o alvo das outras pessoas. Ao longo da história da espionagem, sabe-se de agentes que usavam simples poeira de giz para marcar as costas de seu alvo até uma pequena quantidade de tinta fosforescente. Nos dia atuais, tinta invisível ou compostos químicos, detectáveis apenas com o uso de óculos especiais são o padrão empregado por várias agências de espionagem.

Marcadores químicos no início do século XX incluíam sprays que serviam para marcar o alvo visualmente ou com algum odor distinto que permitia ao espião especialmente treinado, rastreá-lo, mesmo em uma avenida movimentada.

Supressor de Arma (Silenciador)



Outro clássico da Guerra Fria, os Supressores para Armas de Fogo, ou como ficaram mais conhecidos Silenciadores, foram desenvolvidos bem no início do século. A primeira patente de que se tem notícia de um silenciador data de 1909 e foi desenvolvida por Hiram Maxim, um dos criadores da famosa metralhadora Maxim.

Em termos de praticidade armas de fogo não são muito úteis para agentes que primam pela discrição. Um único disparo pode colocar toda uma missão a perder e atrair seguranças ou guardas que o espião deseja evitar a todo custo. Ainda assim, espiões precisam se defender de seus inimigos, por isso não podem abrir mão de tais ferramentas. Assim sendo, um supressor para arma de fogo torna-se um item quase essencial.

Supressores são implementos cilíndricos de metal, fixados no cano da arma de fogo. O objetivo deles é capturar os gases que viajam a velocidade supersônica quando a bala é disparada. O supressor age como uma espécie de filtro, captando os gases e distribuindo em seu interior através de um sistema de deflexão sonora montada no interior. Quanto maior a quantidade de defletores, mais eficiente será o abafamento do som, em compensação o supressor pode diminuir a eficiência do disparo e retardar a velocidade da bala. Os supressores tem uma vida útil curta, após cerca de dez disparos, eles são danificados e deixam de funcionar satisfatoriamente. Armas de fogo automáticas de qualquer calibre aceitam supressores, desde pistolas calibre 22 até rifles .50, mas em algumas armas como espingardas e revólveres eles não são muito úteis pois a redução sonora é mínima.

De um modo geral, armas de menor calibre, como pistolas .32 se comportam melhor com supressores simples que não influem diretamente na eficiência do disparo. Armas desse calibre, em condições ideais produzem um ruído que atinge 140 decibéis, um supressor pode reduzir esse som a aceitáveis 14,5 decibéis uma melhoria considerável.

Um conhecedor de armas de fogo (ou um espião treinado) é plenamente capaz de improvisar um supressor usando para isso meios simples, como por exemplo atirar através de uma garrafa de plástico ou de um pano encharcado com leite comum. Esse tipo de "silenciador sujo" reduz o estampido do disparo a metade de seu ruído, mas afeta a trajetória e potência do disparo.     

Nas primeiras décadas do século XX, supressores são proibidos na maioria dos países, embora nos Estados Unidos, silenciadores fossem comercializados em lojas de material esportivo, principalmente para serem acoplados a rifles de caça. Se existe alguma verdade em filmes da franquia James Bond, é que agências de espionagem ofereciam como arma principal para seus agentes pistolas Walter PPK idênticas ao do espião com "licença para matar". A razão de ser é simples, a arma aceitava muito bem o acréscimo de supressores e tornava a vida dos espiões bem mais segura.

Mini-Câmera Fotográfica

Usadas para capturar imagens em detalhes, máquinas fotográficas sempre foram utilizadas por espiões com o objetivo de reunir evidências e pistas. E o velho ditado: "Uma imagem vale mais do que mil palavras", muitas vezes se provava correto.

Um dos requisitos para a utilização de máquinas fotográficas por espiões era que elas fossem pequenas, discretas e não fizessem barulho. O filme dessas máquinas também deveria ser pequeno, mas capaz de resultar em imagens suficientemente nítidas quando reveladas. As primeiras câmeras usadas por agências de espionagem empregavam os menores aparelhos disponíveis, mas mesmo estes eram grandes demais e acabavam chamando a atenção.

Câmeras de 35 mm se tornaram as máquinas padrão usadas pelas agências de espionagem mundiais. Seus componentes eram tão pequenos e sensíveis que em alguns casos eles eram montados por mestres relojoeiros. Apesar do tamanho, vários acessórios ampliavam a capacidade destas pequenas câmeras permitindo a inserção de lentes, flashes e dispositivos de controle remoto. Além disso, as pequenas câmeras de espionagem vinham disfarçadas em formatos inesperados, podendo ser colocadas dentro da manga de casacos ou sacolas (sendo um botão uma lente oculta), no interior de livros (bíblias mais volumosas eram perfeitas para esse fim) ou até em maços de cigarros.

O filme produzido por essas câmeras também era pequeno e podia ser facilmente escondido. Modelos construídos  na década de 1930 produziam microfilmes que além de serem flexíveis, tinham a largura de um palito de fósforo. A criação dos micro-pontos permitiu que fotogramas fossem miniaturizados até ficarem do tamanho da unha do dedo mínimo.

Uma típica máquina fotográfica usada pelos serviços de espionagem nos anos 1920-1930 tinha capacidade para no máximo 6 fotografias. A qualidade das fotos era baixa e em geral, uma vez que as câmeras eram disfarçadas em algum lugar, a qualidade de enquadramento também era sofrível. Máquinas pequenas no entanto, usadas para fotografar documentos se saiam muito bem, mesmo com iluminação comprometida.

Uma das máquinas mais famosas da Guerra Fria, a soviética Minox Riga (na foto ao lado) desenvolvida em 1932, era tão pequena que era considerada como uma subminiatura. No período ela era 3 vezes menor do que qualquer máquina usada pelas agências ocidentais. Suas dimensões eram de 8 cm x 2,7 cm x 1,6 cm, e pesava apenas 110 gramas. Seu filme flexível tinha apenas 9,2 cm de comprimento. A máquina era tão eficiente que ela foi cobiçada até por agentes inimigos.

Guarda Chuvas de Espião

Por estranho que possa parecer, guarda-chuvas são objetos intimamente relacionados ao mundo da espionagem.

Em primeiro lugar, um guarda chuvas funciona como uma maneira perfeita de sinalizar algo para um contato. Um guarda chuvas pode ser marcado com uma fita para que o agente saiba com quem deve se comunicar, pode ser usado como sinalizador para uma ação (o ato de abrir um guarda-chuvas no meio de uma multidão pode representar o sinal verde para um ataque) ou o guarda chuvas pode ser usado para ocultar uma ação (simplesmente abrindo o dispositivo no momento de passar por uma câmera).



Guarda Chuvas também são ótimos objetos para ocultação, um cabo oco pode ser perfeito para esconder um rolo de filme ou algumas páginas devidamente enroladas. Além disso, um guarda-chuvas pode se converter em uma arma de defesa e ataque. O cabo de um guarda-chuvas pode ser desprendido revelando uma lâmina oculta (estilo sword cane) ou quem sabe até o cano de uma arma de pequeno calibre acionada por um mecanismo ou gatilho oculto. Armas como essa foram usadas por agentes durante a Guerra Fria e eram capazes de um único e mortal disparo à queima roupa.

O mais famoso guarda chuvas usado durante o período da Guerra Fria foi empregado por espiões soviéticos para eliminar o dissidente búlgaro Georgi Markov em Londres. Um agente usando um guarda-chuvas com uma ponta afiada, conseguiu se aproximar de seu alvo e provocar um pequeno arranhão. Na ponta do guarda-chuvas havia uma quantidade microscópica de ricina, uma toxina letal que causou a morte do dissidente em três dias. O caso do assassino do guarda-chuvas se tornou um dos mais famosos da Guerra Fria.

Kit de Disfarce

Muito utilizado sobretudo por espiões utilizando identidades falsas ou que tem sua identidade conhecida pelos seus oponentes.

Um Kit de Disfarce consiste de perucas, grampos, apliques, cola usada em teatro, bigodes e barbas falsas, óculos, tinturas, próteses nasais, cicatrizes plásticas, marcas de idade em forma de decalque e até dentaduras falsas. Em kits mais completos havia ainda lentes de contato em cores diferentes que ajudavam a disfarçar o indivíduo.

Além de mudar a aparência, alguns kits incluíam também roupas e trajes que podiam ser empregados para que o indivíduo assumisse uma identidade ou ocupação totalmente distinta. Durante a Segunda Guerra, espiões aliados estudavam o básico de latim e dos costumes religiosos cristãos para assumir a identidade de padres.

Pílulas de Cianureto


A clássica última opção.

Vista em vários romances e filmes a respeito do lado menos romântico (e mais realista) da espionagem, as notórias pílulas de cianureto eram uma dura realidade. As primeiras pílulas venenosas (também chamadas de L-Pills ou Kill-Pills) eram feitas com uma dosagem microscópica, mas suficiente para causar a morte de um homem adulto em apenas 10-15 segundos. Uma dose maior poderia resultar em uma dor lancinante e prolongada, uma menor em coma ou danos nervosos severos, por esse motivo químicos desenvolviam dosagens específicas para cada espião, baseadas em seu peso. 

As primeiras pílulas foram criadas no início do século XX na Alemanha e foram distribuídas a espiões durante a Grande Guerra, cerca de 28 destes utilizaram suas pílulas. Elas eram guardadas em estojos de metal (semelhantes a uma bala de pequeno calibre) que podiam ser facilmente ocultados. As pílulas eram usadas por agentes capturados que preferiam uma "morte limpa" ou "honrada" ao invés de sofrerem tortura ou coação nas mãos de seus inimigos.

As pílulas de cianureto ficaram famosas durante a Segunda Guerra, sendo distribuídas aos montes no final da guerra para oficiais do alto escalão que buscavam uma morte rápida. Líderes nazistas como Herman Goering e Heinrich Himler usaram pílulas desse tipo para cometer suicídio. No período da Guerra Fria, alguns espiões mantinham escondidas pílulas venenosas, bem como astronautas que estiveram nas missões de longa duração da NASA.

Ao contrário do que se pode supor, as pílulas não eram engolidas. Para liberar a substância em seu interior, era necessário morder a pílula com os dentes. Inalando o vapor liberado causava a morte imediata.

Escuta Portátil


Um dos itens mais identificados com o trabalho de espionagem, a escuta telefônica portátil presente nas primeiras décadas do século XX era um dispositivo diretamente instalado no aparelho que o conectava a centrais móveis responsáveis por compartilhar a linha.

Em geral, esses aparelhos tinham de ser conectados a postes telefônicos através de fiação e eram difíceis de serem disfarçados. A eficácia deles também era discutível, já que espiões experientes eram capazes de perceber a existência de uma escuta abrindo um telefone ou meramente ouvindo estalos na ligação. Aparelhos de escuta mais modernos, as chamadas Caixas Bege, começaram a ser desenvolvidos em 1940. esta eram acopladas a gravadores automáticos que eram ligados assim que a ligação se completava. Contudo, foi na década de 50 que se deu o auge desse tipo de espionagem que revolucionou o trabalho de espião.

Na era de ouro da Guerra Fria, centrais de telefonia móvel eram montadas e usadas especialmente para interceptar ligações telefônicas analógicas. Estima-se que em Berlim existissem mais de 70 mil escutas ativas, isso em uma cidade que possuía cerca de 78 mil linhas. Um espião era capaz de instalar um grampo em pouco menos de 2 minutos. As centrais clandestinas também se devotavam a captar emissões de rádio e transmissão em ondas curtas. 

Para competir com as centrais de escuta, as principais nações emitiam sinais que visavam embaralhar suas transmissões e dificultar a captação. Centrais de contra-espionagem modificavam seus aparelhos a cada semana para atualizar sistemas e se precaver da ação de espiões e grupos de técnicos rastreavam as linhas em busca de grampos. Um único telefone público em um café de Berlim chegou a ter mais de 25 grampos. 

Na década de 1950, escutas instaladas em centrais eram uma enorme preocupação dos governos mundiais. Em 1955 durante a Caça às Bruxas do Macartismo, várias centrais telefônicas norte-americanas foram interditadas para que buscas por escutas fossem conduzidas por agentes do FBI. Supostamente após realizar as buscas, inúmeras linhas foram grampeadas para que os agentes do governo pudessem espionar civis (sem autorização, é claro). 

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