terça-feira, 11 de março de 2014

Mata Hari - A vida da espiã que marcou o século XX

Mata Hari teve uma existência passional e enigmática, cheia de aventuras, repleta de intriga e mistério, onde ela era a protagonista. Embora nem sempre tenha sido assim. Como muitas mulheres da época, e de hoje, ela sofreu na própria pele os abusos desonestos e catastróficos de homens sem princípios que a maltrataram e humilharam sobretudo, seu próprio marido.

Desencantada com a própria vida, ela fugiu para Paris e se reinventou com uma nova identidade, sem pensar nas consequências de embarcar em uma aventura tão arriscada que a conduziria no final das contas a ser colocada diante de um pelotão de fuzilamento no ano de 1917.

Tudo começou em 7 de agosto de 1876 na tranquila e provinciana cidade holandesa de Leeuwarden. Ali, no centro da cidade, funcionava uma pequena loja onde eram vendidos chapéus femininos e gorros. O proprietário, Adam Zelle, e sua esposa, Antje Van der Meulen, se eram os pais de Margarita Gertrudis Van Zelle, uma menina que passaria para a história com o exótico nome de Mata Hari.



Até seus 14 anos, a jovem Margarita levou uma vida praticamente idêntica a de todas suas amigas. Nenhum indicio apontava que isso mudaria num futuro próximo. Tão próximo que que logo em 1891 sua vida mudaria dramaticamente para sempre. O negócio da família não estava nada bem e não havia outra solução a não ser fechar a loja e tentar outra coisa. Para piorar, a mãe de Margarita havia morrido naquele mesmo ano, deixando o marido com o duro fardo de alimentar quatro crianças.

Margarita sofreu bastante com a morte de sua mãe. Seu pai, embora aparentasse tristeza com a condição de viúvo, não tardou a buscar novas perspectivas: mudou-se para Amsterdam, conheceu uma nova mulher, casou com ela e internou a Margarita e seus outros filhos em Escolas Internas.

A menina era uma estudante mediana que jamais atingiu as expectativas de seus tutores que reconheciam nela grande potencial e inteligência. No segundo ano no colégio interno, Margarita recebeu a notícia de que seu pai havia morrido e que sua madrasta não tencionava pagar sua educação. Ela teria de deixar a Instituição, mas no último momento, o diretor da Escola Interna decidiu que ela poderia continuar tendo aulas, vivendo na Escola sob sua tutela. Mas ao invés de encontrar uma nova figura paterna, logo ficou claro que o diretor tinha ideias próprias de como Margarita deveria "pagar" pela sua benevolência. O assédio constante do diretor, que segundo alguns biógrafos chegou a incluir uma tentativa de estupro, obrigaram a jovem a fugir e se refugiar na casa de um tio distante chamado Taconis, que aceitou recebê-la por apenas alguns dias.

Enquanto tentava contemplar uma opção, a jovem leu uma notícia no jornal local, o  Fhet Nieuws van der Dag. Na página de contatos sociais, havia um anúncio colocado por Rudolf McLeod, um Capitão do Exército Holandês. Ele se anunciava como um homem bom e honrado, de 39 anos, que procurava uma esposa jovem que estivesse disposta a acompanhá-lo em sua nova função administrativa nas distantes Colônias da Índia. Com apenas 18 anos, Margarita ponderou como seria maravilhoso desposar um militar maduro que pudesse levá-la para longe.

Em sua inocência, ela ignorava que o anúncio havia sido colocado no jornal como uma brincadeira feita por colegas do Capitão que incansavelmente implicavam com ele por não ter ainda se casado. Margarita foi até a casa do Capitão e anunciou seu interesse na proposta e ele sem saber do que se tratava achou que a jovem devia ser louca. Apesar do estranhamento, ele a convidou a entrar e os dois conversaram por um bom tempo e descobriram algumas afinidadesApesar da maneira incomum como se conheceram, os dois decidiram se casar poucos dias depois em um cartório de Amsterdan.


Mas Mac Leod não era o príncipe encantado que Margarita esperava. Apesar de ser alto, bem apessoado e viril, ele era também um mulherengo e beberrão, com um fraco por jogatina. Margarita logo engravidou e teve seu primeiro filho, batizado Norman em 1896. Nessa altura, o marido havia se tornado Comandante de um Batalhão da Infantaria e viajava constantemente para Java e Sumatra, na Indonésia. Nos poucos momentos em que ficavam juntos, Margarita engravidou novamente e teve uma menina que chamou Joana.

Em 26 de junho de 1899, a família passaria por uma horrível tragédia. Norman de apenas três anos, havia quebrado um prato na cozinha e o Comandante que estava em casa repreendeu a criada por deixar o prato ao alcance do menino. Furiosa com o que havia acontecido, a mulher de ascendência filipina envenenou a criança. Interrogada pelas autoridades ela confessou que o fizera para se vingar do Comandante Mac Leod que nas suas palavras era muito severo com todos seus empregados. Depois dessa perda, Margarita entrou em desespero e um sentimento depressivo tomou conta de seu ser. Para fugir da tristeza ela usou láudano e ópio.

Dois anos depois, Mac Leod foi transferido permanentemente para Java e decidiu que a mulher e filha deviam acompanhá-lo. Na mesma época, insatisfeito com a transferência (que era um rebaixamento disfarçado) e devendo uma boa soma de dinheiro, perdido em mesas de jogo, Mac Leod começa a beber sem controle. A jovem esposa também começara a agir de forma estranha, evitando os poucos amigos e conhecidos do casal. O segredo que ela guardava é que o marido passara a ameaçá-la e a agredi-la de forma cada vez mais violenta.


Sabendo que seria questão de tempo até Mac Leod a machucar ou mesmo matar, ela tentou pedir o divórcio judicial. Quando soube disso, ele a perseguiu e quase a matou. A lei não conseguiu defendê-la do marido que ameaçou matar não apenas ela como a filha se ela mencionasse algum dia abandoná-lo. Margarite viveu mais alguns anos suportando a tirania do marido, mas planejando sua fuga.

A ideia para escapar veio de forma inesperada. Em um evento formal numa festividade, ela conheceu uma dançarina indonésia que se apresentou, escandalizando a maioria das mulheres dos oficiais presentes. Margarite, no entanto, ficou fascinada pela dança e os movimentos que ela executava. As duas secretamente se tornaram amigas e ela prometeu ajudá-la a escapar do marido quando Margarite revelou todos seus problemas matrimoniais.

Juntando dinheiro suficiente com a venda de jóias e contando com a ajuda da amiga indonésia, ela conseguiu reservar dois lugares em um vapor inglês que deixava Java com destino a Europa. No registro de viagem ela assinou o nome da amiga e passou a usar sua identidade dali em diante - assim nasceu "Mata Hari".

Em 1903, ela desembarcou em Amsterdan, deixou sua filha com um dos irmãos e partiu para Paris. Na capital francesa enterrou qualquer lembrança de Margarite Gertrudis Van Zelle e deu início a existência de Mata Hari, uma exótica dançarina de origem indonésia, iniciada em rituais sagrados de dança, ensinados por sacerdotes brâmanes.

Quando perguntaram sua origem, disse ter nascido na Costa de Malabar, no sul da Índia, filha de um militar holandês e de uma dançarina sagrada que morreu ao dar a luz. Segundo seu relato fantasioso, ela fora adotada por sacerdotes que a trancaram no porão de um Templo de Siva, onde ela aprendeu todos os sagrados rituais da dança religiosa. Repetindo a história várias e várias vezes, talvez ela própria tenha começado a acreditar nela como sendo verdadeira. 

Entre 1904 e 1909, Margarite, ou melhor, Mata Hari se converteu na bailarina mais famosa de sua época. Seus movimentos ritmados copiados da dança sensual que ela vira a Mata Hari verdadeira executar, era algo inédito nas casas de espetáculo parisienses. Um jornal de época escreveu que "homem algum em Paris, talvez no mundo inteiro, estava imune a maneira sedutora como a estrela maior de Paris se apresentava".

"Ela é uma verdadeira Deusa oriental" estampava outro jornal em letras garrafais. Os espetáculos eram concorridos e as casas onde ela se apresentava viviam lotadas.

Mais do que uma simples bailarina exótica, ela surpreendia os que escolhia para sentar à sua mesa com uma inteligência notável que lhe permitia discutir qualquer tema desde política a religião com discernimento. Os admiradores se sentiam atraídos não apenas pela sua beleza, mas por sua inteligência e a cortejavam com presentes e agrados. Até mesmo o Imperador Austríaco Francisco José se mostrou deslumbrado com seu talento e inteligência e a presenteou com jóias valiosas.

Tudo ia bem em sua vida regada a champanhe e caviar, meias de seda e plumas. Dizem que ela colecionava e descartava amantes, entre eles políticos, embaixadores e generais franceses.  Este novo mundo, cheio de glamour e exotismo, proporcionou a Mata Hari a oportunidade de viajar a muitos países e se apresentar diante de plateias fascinadas pela sua beleza. Ela conheceu a Espanha, Áustria, Suíça, Itália e Alemanha onde entrou em contato com membros do Alto Comando do Exército Prussiano. Encantados pelas suas apresentações, Mata Hari foi finalmente convencida a compartilhar com agentes da embaixada alemã em Paris, segredos que havia ouvido de homens em cargos de importância. Segredos de alcova extremamente valiosos. Foi esse o início de sua carreira como espiã.

Em meados de 1915, ela começou a utilizar sua carreira como dançarina como fachada. Mata Hari passou a trabalhar para o Serviço Secreto da Alemanha. Sua primeira missão, na Espanha, resultou em êxito quando ela repassou documentos secretos para a embaixada alemã em Madri. Por sinal, sua presença na Espanha arrebatou corações. Enrique Gómez Carrillo, famoso escritor casado com a artista Raquel Meller, Cambó, Eduardo Dato, o Conde de Romanones, o toureiro Vicente Pastor, foram apenas alguns dos personagens ilustres que sucumbiram aos encantos da dançarina durante sua estadia em Madri e Cataluña. Margarita ficou cerca de seis meses na Espanha, vivendo no requintado Hotel Ritz. Nesse período ela realizou outros pequenos trabalhos para o Governo Alemão, sobretudo analisando a instável situação política no país, situação essa que resultaria numa Sangrenta Guerra Civil anos mais tarde. 


Mas durante sua estadia em Madri, o serviço de contra-Espionagem da Grã-Bretanha começa a desconfiar das visitas frequentes de Mata Hari a embaixada alemã. Eles passam a vigiar seus passos, e compartilham informações com seus colegas franceses. Ao desconfiar que está sendo seguida, Mata Hari retornou à Paris. Ela recebeu ordens de conseguir informações essenciais com o chefe de espionagem francês, Armand Ladoux. Utilizando sua maior arma, a beleza, ela o convenceu astutamente que poderia trabalhar para o Serviço Secreto francês espionando os alemães. Ladoux acabou convencido, e integrou Mata Hari na Agência de Inteligência.

Mata Hari recebeu treinamento e foi submetida a interrogatórios para atestar sua lealdade. Ela passou em todos os testes e afirmou disposição em trabalhar para os franceses. Secretamente ela se converteu em uma agente dupla, servindo aos interesses de duas poderosas potências europeias em um período especialmente conturbado, uma vez que a Primeira Guerra Mundial já varria o continente.

A primeira missão de Mata Hari envolviam obter documentos sobre a movimentação de tropas e abastecimento de linhas alemãs no Norte da Europa. Ela viajou para a Bélgica onde se encontrou com pessoas importantes e em segredo com um agente alemão que lhe passou informações falsas para suprir os franceses. Em meio a documentos falsos, ele acrescentou algumas informações menores. Mata Hari é saudada como uma agente valiosa. Alegadamente, as informações erradas passadas pela agente custariam a vida de 50 mil soldados franceses no front.

Enquanto mergulha no mundo da espionagem, Margarite continua realizando espetáculos concorridos. Embora continue dançando de forma hipnótica, o stress acaba cobrando um preço alto em sua disciplina artística. Mata Hari cancela algumas apresentações, alegando sofrer com dores nas costas decorrentes da grande quantidade de shows. Ela continua a fazer serviços de espionagem, reportando diretamente a Ladoux.

Em novembro de 1915, ela recebe outra missão importante dos franceses, novamente em Madri. O plano envolve passar aos alemães informações falsas, uma estratégia semelhante ao que ela desempenhou na Bélgica. Os documentos são enviados aos alemães, mas Mata Hari os adverte de que os papéis contém dados falsos. Na ocasião ela informa aos alemães o nome de cinco espiões franceses que estavam trabalhando naquele país.

Mas eventualmente Mata Hari acabaria se descuidando. Membros do Serviço Secreto britânico continuavam desconfiando da dançarina, acreditando que ela pudesse estar envolvida com os alemães apesar dos franceses confiarem plenamente nela. Secretamente agentes ingleses começam a seguir Mata Hari, descobrem em seu quarto de hotel tinta invisível (usada por espiões para passar mensagens) e um caderno com códigos secretos que são copiados. Ficam sabendo que ela visitava frequentemente uma livraria em Paris, onde mais tarde descobrem que espiões alemães eram instruídos de suas missões. 

No final de 1916, os agentes montam uma operação para provar a participação de Mata Hari num esquema de espionagem. Os ingleses tomam conhecimento de um espião identificado como H21 e passam a acreditar que esse é o nome usado por Mata Hari.

Conseguem interceptar uma mensagem cifrada para o agente H21, diz ela:

Regresse à Paris o quanto antes e continue sua missão a partir dali. Você receberá um cheque de 15,000 francos de Craemer, aguarde informações". 


Com base nessa mensagem, os britânicos e franceses preparam uma armadilha para Mata Hari e aguardam que ela tente descontar o cheque em uma agência bancária em Paris. Ela é detida em 13 de fevereiro de 1917, numa agência no Hotel Elyseé, tendo em sua bolsa um cheque no valor exato de 15 mil francos. Um interrogatório é realizado e ela acaba confessando, após 12 dias numa prisão, que vem trabalhando como agente-dupla para os alemães. 


A notícia de que Mata Hari estava presa, cai como uma bomba na França, a população parece incrédula e exige saber o motivo da prisão da dançarina. Pressionado, o governo acaba divulgando as transcrições do depoimento de Mata Hari na qual ela admite trabalhar para o inimigo.

Em 24 de julho se inicia o julgamento de Mata Hari por uma Junta do Conselho de Guerra da França e da Guarda Republicana. Como advogado de defesa constituído, atuou o Tenente Clunet, um antigo amante da dançarina que apelou ao juiz para que ela fosse poupada da pena máxima, a execução por traição, sentença cabível, uma vez que Margarite havia se tornado cidadã francesa anos antes.

Na prisão, enquanto aguardava o julgamento, ela transcreve suas memórias e conta a respeito de sua real identidade e de sua vida quando ainda usava o nome de Margarite Gertrudis Van Zelle. Parte de sua estória acaba vazando para a imprensa francesa que publica a estória. A opinião pública acaba se dividindo, muitos defendem que ela deve ser punida com rigor, mas outros tantos afirmam que Margarite deve receber uma pena mais leve, ou até ser libertada.

Com todas as provas contrárias, em 25 de julho de 1917, Mata Hari, chamada de agente H21, é declarada culpada de espionagem e de ter divulgado informações secretas para uma nação inimiga em tempos de guerra. O tribunal a condena à morte por pelotão de fuzilamento. Ainda há apelos cabíveis para protelar a execução, o advogado acreditava que o fim da guerra pudesse salvá-la da condenação, mas a própria Mata Hari abre mão desse recurso: "Se tem que acontecer, que aconteça de uma vez", teria dito.

A execução é levada à cabo em outubro de 1917, Mata Hari tinha 41 anos de idade.


Documentos secretos da Alemanha, divulgados em 1970 provam que Margarite foi realmente uma espiã e que passou informações valiosas ao governo daquele país. Seu codinome era H21 e ela esteve à serviço da Chancelaria de Assuntos Exteriores e do Exército Imperial entre 1915 e 1917 (ano em que foi capturada). Os documentos atestam também que ela teve sucesso em pelo menos oito missões desempenhadas em países neutros, bem como em nações inimigas como França e Bélgica.

Após a sua execução, ninguém reclamou o corpo de Margarite e o cadáver teria sido doado à um Instituto médico e científico. Contudo, ninguém jamais soube o verdadeiro paradeiro do corpo da mulher que entrou para a história como uma das mais famosas espiãs do século XX. O desaparecimento deu margem para vários rumores de que ela teria sido, na última hora, poupada da execução e embarcada em um navio que a levou para o Oriente. Supostamente, Mata Hari teria retornado para a Indonésia, mas nenhum desses boatos foi confirmado.

De qualquer maneira, a famosa espiã se tornou sinônimo de intriga e mistério, e da quintessencial mulher fatal capaz de usar sua beleza e inteligência para obter aquilo que desejava. Não por acaso, ela se tornou material para livros, peças teatrais e filmes nos anos seguintes e é lembrada até hoje como uma das mais fascinantes mulheres de sua época.


Ok, eu sei o que alguns podem estar pensando... o que isso tem a ver com Call of Cthulhu e horror cósmico?  Tudo bem, eu me rendo... NADA!

Mas o Dia Internacional da Mulher acaba de passar e nessa data o Mundo Tentacular tem como costume colocar em evidência a biografia de alguma mulher marcante. E a história de Mata Hari é incrível demais, parecendo algo tirado das páginas de um romance fictício ou que pode com faciliadde ser incluído em uma aventura pulp. 

6 comentários:

  1. O período em que Call of Cthulhu se passa é conhecido por seus personagens pulps. Alguns fictícios e outros reais. Mata Hari é um belo exemplo disso e sua postagem é particularmente válida :D

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  2. ...tem haver sim e pode ser inserido de maneira muito interessante...ótima postagem o/ parabéns...

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  3. Muito bom o texto, a narração da história dela (que álias não conhecia), me deixou fascinado do começo ao fim.

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  4. Faz lembrar as alegações que outro grande artista, o Houdini, também seria espião.

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  5. Estava procurando informações sobre Mata Hari visando uma personagem investigadora para uma amiga jogar CoC e achei este belo texto no Mundo Tentacular. Te respondo: Tem tudo a ver.

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