domingo, 6 de abril de 2014

A Última Feiticeira da Inglaterra - O Julgamento da "Bruxa" Helen Duncan


Quando você pensa no termo "Caça às Bruxas" o que vem à mente?

Os Puritanos da época de Elizabeth I? Trechos do infame Malleus Malleficarum - mais conhecido pelo nome "O Martelo das Feiticeiras"? Os notórios julgamentos ocorridos em Salem, Massachusetts? Quem sabe, algo mais intangível, como cenas de aprisionamento, tortura ou de um medo capaz de contaminar toda uma sociedade?

Outra pergunta: quando, você imagina, foi realizado o último julgamento de uma mulher acusada de feitiçaria? No século XVI? Talvez no distante século XVII? E se eu disser que foi em setembro de 1944?

Oficialmente, o último tribunal instituído na Europa para processar um réu pelo crime de bruxaria, ocorreu na Inglaterra no caso da Coroa vs Jane Rebecca Yorke. A mulher em questão foi julgada e condenada em sete acusações pelo crime de "fingir, simular e disseminar a ideia de que espíritos de pessoas mortas falavam com ela através de possessão". A Legislação utilizada durante o julgamento foi o empoeirado Ato de Feitiçaria (Witchcraft Act) redigido em 1735.



Yorke era uma médium que prestava consultas (e realizava sessões espirituais - séances) em sua casa no Leste de Londres. Ela foi presa durante uma dessas consultas espirituais por dois oficiais de polícia, que se disfarçaram como clientes em busca do contato com um parente fictício, morto na guerra. Yorke teria entrado em "transe profundo" e com uma voz arrastada respondeu perguntas se passando pelo fantasma. Foi nesse momento que os detetives deram voz de prisão acabando com a farsa. Yorke foi levada para a delegacia e autuada. Como as autoridades queriam que o caso servisse de exemplo para outros charlatães, ela foi devidamente fotografada. O rosto da Senhora Yorke estampou as páginas de vários jornais da época sob a manchete "A Última Bruxa de Londres foi condenada". Uma manchete forte e sem dúvida exagerada, já que ela foi condenada a pagar uma pequena multa e se comprometer a parar de oferecer os seus serviços mediúnicos. Em parte a pena leve se deveu a idade avançada da ré, que acabara de completar 72 anos.

Chamar esse julgamento de "Caça às Bruxas" também parece um exagero, já que o Ato de Feitiçaria havia caído em desuso e na maioria dos países tais leis já não eram aplicadas. Além do mais, se o Ato fosse obedecido ao pé da letra, a Sra. Yorke deveria ter sido interrogada, torturada e sua sentença final, sem dúvida teria sido muitíssimo mais severa do que o pagamento de uns poucos shillings.

Mas não foi o julgamento dessa "bruxa" o mais marcante do século XX. Exatamente três meses antes, em Junho de 1944 um outro caso mobilizou boa parte da opinião pública do país.

Fotografia de 1931
Foi o famoso Julgamento da Coroa vs Helen Duncan, uma médium escocesa que fez sua fama a partir de 1926 quando passou a incorporar espíritos guias que respondiam suas perguntas. A casa dela era visitada por pessoas influentes: nobres, ricos industriais e dizem até políticos ligados ao Parlamento, que vinham em busca do aconselhamento de "Peggy", o espírito que surgia mais frequentemente durante as sessões. 

Além disso, Duncan se dizia uma especialista em conjurar material ectoplasmático, uma substância segundo ela produzida pelos espíritos quando estes rompiam a barreira entre o mundo físico e o além. Ainda nas palavras da médium, os espíritos eram capazes de moldar esse ectoplasma nas mais variadas formas, fazendo surgir faces e figuras nessa substância. Durante as sessões, o ectoplasma parecia simplesmente brotar das mãos, ouvidos, nariz e principalmente da boca de Helen Duncan quando ela entrava em transe. Várias fotografias, algumas bastante chocantes, foram tiradas por assistentes da Sra Duncan durante essas sessões.  

Em 1931 a Aliança Espiritualista de Londres, um movimento de especialistas que estudava casos paranormais (e denunciava falsários) se concentrou no fenômeno Duncan. Fotos foram obtidas e parte do "ectoplasma" foi recolhido para ser analisado em laboratório (apesar dos protestos da medium que considerava aquilo um desrespeito com os espíritos). A Aliança chegou a conclusão que o "material espectral" era um tipo de papel machê, produzido com papel higiênico semelhante ao que existia na casa da espiritualista. Segundo o renomado Harry Price, presidente da comissão, Duncan tinha um método engenhoso que envolvia engolir previamente uma enorme quantidade de papel e durante o "transe" regurgitá-lo. As conclusões da Aliança causaram um baque na carreira de Helen Duncan que recebeu uma multa de 10 libras e acabou partindo para Edimburgo.


Ectoplasma
Ela voltaria a Londres anos mais tarde, quando o interesse no espiritualismo estava novamente em voga. A comunicação espiritual, encontrava terreno fértil na Inglaterra, sobretudo entre os parentes e amigos de militares mortos ou desaparecidos nos campos de batalha da Segunda Guerra. Desde a década de 1920, Londres não via tantos alegados místicos oferecendo os seus serviços.

Em novembro de 1941, Duncan viajou até a cidade de Portsmouth, onde ficava a maior base da Marinha Real. Ela apareceu em um espetáculo de clarividência e discursou diante de uma platéia, que incluía o Brigadeiro Roy Firebrace (na época Coronel), afirmando que o Encouraçado HMS Barham havia sido afundado na noite anterior por um submarino alemão. Duncan contou que um jovem marinheiro, trajando o uniforme da marinha real, havia se materializado diante dela para relatar a tragédia em detalhes. O rapaz tinha em suas mãos uma braçadeira com o nome do navio e pedia que sua família e a de outros marinheiros fossem avisadas do naufrágio. No início, ninguém acreditou nas palavras da clarividente, o Barham, todos sabiam estava seguro em um porto aliado.

Contudo, o episódio chamou a atenção das autoridades da Marinha de Sua Majestade, porque o Barhan havia realmente sido afundado. O encouraçado recebeu ordens secretas de deixar o porto no Norte da África onde estava ancorado. Durante sua rota até o Egito ele foi torpedeado, vindo a afundar. Apenas o almirantado sabia do ocorrido e nada ainda havia sido divulgado. Cerca de 860 marinheiros morreram no naufrágio, um dos mais dramáticos da guerra.

Quando a notícia foi divulgada, a fama de Duncan se espalhou rapidamente através dos jornais e da mídia sensacionalista. Dizem que havia uma fila de espera de semanas para se conseguir uma consulta com a Primeira Dama da Mediunidade da Inglaterra. Mais ou menos nessa época, ela se especializou em prever onde ocorreriam bombardeios na cidade e quais as áreas de Londres que estariam seguras durante os ataques. Dois jornais londrinos chegaram a divulgar o endereço de lugares seguros, garantidos pela "Bruxa da Blitz" (como ela passou a ser chamada). Realmente os pontos não foram castigados pelas bombas nazistas naquelas noites, por outro lado uma multidão de pessoas convergiu para esses lugares resultando em tumulto e feridos.

O HMS Barham afundado na Costa do Egito
Após o seu sensacional discurso em Portsmouth, Duncan começou a ser seguida por agentes do MI5, instruídos a monitorar os movimentos da médium. Existia a suspeita de que ela poderia ser uma espiã à serviço do inimigo, já que parecia dispor de informações exclusivas.

Em janeiro de 1942, um agente do MI5 deu voz de prisão a médium depois dela, em transe, dizer que um avião transportando importantes dignitários das Forças Armadas havia sido derrubado no Mediterrâneo.

A prisão de Helen Duncan foi cercada de polêmica. Parte da opinião pública parecia acreditar nas suas previsões; alguns inclusive diziam que ela deveria aconselhar as forças armadas e ajudar a organizar a disposição de tropas ao longo da costa para uma eventual invasão. 

Duncan foi presa em um quartel do Exército e passou por vários interrogatórios. Mais tarde ela contou que durante o tempo que passou na cadeia, foi visitada por Oficiais ligados a um projeto secreto que recrutava sensitivos para auxiliar no esforço de guerra. Ela disse que entre outras coisas, os militares queriam saber se ela era capaz de prever movimentos de inimigos e suas ações. Curiosamente, o famoso místico Aleister Crowley afirmou que durante a Guerra foi contratado pelo Ministério das Relações Exteriores para o mesmo trabalho. Crowley afirmou que usando pêndulos sobre um mapa foi capaz de localizar submarinos alemães antes que eles pudessem atacar comboios navais no Mar do Norte. O Ministério da Guerra jamais comentou esses boatos.

"Presa como bruxa e taxada de espiã" diz a manchete
Verdade ou mentira, as predições de Duncan não foram suficientes para convencer seus interrogadores. Ela foi acusada de vazar informações secretas e só seria libertada mediante pagamento de uma multa e após assinar um termo de compromisso no qual nunca mais divulgaria suas previsões. Enquanto aguardava julgamento, Duncan previu que a Inglaterra seria invadida pelos alemães entre Fevereiro e Março de 1943, coisa que jamais aconteceu. 

No fim do julgamento, ela foi condenada a nove meses de cárcere sob três sessões do Ato de Feitiçaria de 1735: culpada de conspiração, contravenção e perturbação da ordem pública. Para ser libertada decidiu assinar o termo no qual se comprometia a não mais praticar clarividência. Mas é claro, isso não a impediu de fazer outras previsões.

Ela foi presa novamente em 1956, mas não chegou a ser julgada, uma vez que morreu poucas semanas depois. Alguns sugeriram que a morte de Helen Duncan ocorreu sob estranhas circunstâncias, e que ela teria procurado policiais pouco antes de morrer, dizendo que vinha sendo ameaçada por "saber demais". Ninguém jamais comprovou essas alegações ou investigou quem poderia ter interesse em eliminar a "Bruxa da Blitz".


Alguns estudiosos da mediunidade (a maioria com credenciais duvidosas) realizaram pesquisas a respeito das previsões de Helen Duncan. Eles elencaram um grande número de previsões que se mostraram corretas no final das contas. Entretanto, não há como dizer quando e em que circunstâncias ela teria feito essas previsões, de modo que esses relatos são tratados com uma enorme dose de ceticismo. Mesmo a famosa previsão do naufrágio do Barham é colocada em dúvida, uma vez que autoridades navais reconheceram ter havido um vazamento de informações na época que poderia ter chegado ao conhecimento de civis.

Na ausência de provas contundentes, tudo leva a crer que Helen Duncan nada mais era do que uma fraude que se aproveitava da fraqueza e das dúvidas das pessoas em um dos momentos mais negros da história.   

Quanto ao Ato da Feitiçaria de 1735; ele foi finalmente repelido em 1951, sendo substituído pelo Ato dos Mediuns Fraudulentos, que por sua vez também perdeu a validade em 2008. Com a prisão de Duncan e a condenação final de Yorke, se encerrou uma Era marcada pelo medo, perseguição e ignorância. Ela deu lugar a luz da razão e a uma melhoria nos mecanismos legais para julgar aqueles envolvidos em charlatanismo.

Achou interessante? Leia também:

Garrafa das Bruxas

Lenda da Feiticeira do Arco do Telles

Histeria em Massa

Harry Price - O Caçador de Fantasmas

Borley Rectory - A Casa mais Assombrada de Londres

2 comentários:

  1. http://thecenturions.net/tag/apollo/

    ResponderExcluir
  2. Que massa! Não conhecia esse blog, mas agora lerei, mesmo que aos poucos, todas as matérias! Adorei principalmente sobre as temáticas mais "tentaculares"! ^^

    ResponderExcluir