domingo, 28 de setembro de 2014

Soldados Híbridos - A URSS realizou experiências para criar uma raça de super soldados?


Seria o sonho do Ditador Josef Stalin: Um exército de Soldados incapazes de sentir medo, com força e resistência sobre-humanas, que seguiriam todas as ordens sem pestanejar, que comeriam qualquer coisa, e que ignorariam dor e sofrimento. 

Também poderiam ser operários que fariam o trabalho de dez homens sem reclamar, sem nenhum pensamento individual ou desejo de serem pagos. Com força para carregar a União Soviética ao longo do Plano de Cinco Anos e tornar a Mãe Rússia imbatível nos campos de batalha. 

Pode parecer ficção científica, mas o plano de Stalin, de acordo com certas teorias conspiratórias, era desenvolver uma raça subserviente de escravos híbridos, meio humanos e meio macacos, cientificamente construídos; uma raça que se esperava fosse capaz de combinar enorme capacidade física, lealdade cega e genialidade humana para realizar tarefas complexas. 

Mas quanto dessas estórias é verdade, e quanto não passa de invenção de escritores modernos e roteiristas de cinema em busca de uma estória sensacional?

Não é segredo que o renomado biólogo russo, Ilya Ivanovich Ivanov, passou grande parte de sua carreira trabalhando exatamente nesse projeto. Por volta de 1900 Ivanov ganhou fama e aclamação nacional por seu trabalho inseminando artificialmente cavalos, aumentando o número de animais reprodutores em vinte vezes. Em uma época de pré-industrialização, este era um imenso triunfo econômico já que animais eram usados como força motriz. 

Ilya Ivanovich e um dos macacos de sua estação científica
Trabalhando no Departamento Veterinário do Ministério do Interior da Rússia, Ivanov apresentou seu método em simpósios. Sua próxima experiência contemplava a criação de animais híbridos especializados para a realização de tarefas nos campos da agricultura e indústria, bem como para pesquisas científicas. Seus experimentos no campo da inseminação artificial foram bem sucedidos ao juntar espécies de animais semelhantes: burros e zebras, camundongos e ratos, várias espécies de pássaros e roedores, além de diferentes raças de gado.

Em meados de 1910, Ivanov presidiu uma palestra em Moscou na qual expôs a possibilidade de misturar humanos e macacos, aplicando métodos de inseminação artificial criados por ele. Em face da reação geral dos outros cientistas, que questionavam a ética desses experimentos, Ivanov foi impedido de levar adiante suas polêmicas teorias. O que se pode dizer? Em 1910, a comunidade científica não estava preparada para aceitar experimentos que podiam resultar em humanos híbridos.

Ivanov caiu no ostracismo e passou a ser ridicularizado pelos seus colegas cientistas que o viam como uma espécie de "cientista maluco". Entretanto, a Revolução Russa de 1917 daria uma nova oportunidade a "gênios incompreendidos" como Ivanov. Com a instalação do novo regime, todos os programas sancionados pelo governo anterior foram dissolvidos e descontinuados, abrindo espaço para outros cientistas. Sob o comando do Departamento Científico da União Soviética, projetos inovadores, como a hibridização humana, foram resgatados.

Durante toda sua carreira, Ivanov procurou financiadores para seus projetos, alguém que aceitasse suas teorias e estivesse disposto a custear equipamento, laboratórios e obter espécimes para as pesquisas. Recursos para o projeto sempre foram escassos, principalmente porque a maioria das pessoas não levava as teorias de Ivanov à sério. Seria muita sorte ele poder contar com apoio governamental para levar à cabo suas pesquisas.

Curiosamente, muitos dos artigos modernos sobre Ivanov o retratam mais como um filósofo do que como um cientista. Costuma-se supor que o governo soviético investiu no projeto de Ivanov não por acreditar em seu sucesso prático, mas por considerá-lo capaz de contradizer as crenças criacionistas e desafiar dogmas religiosos.

Em virtude dos imensos problemas nacionais da União Soviético em suas primeiras décadas de formação, envolvendo a fome e desenvolvimento agrário, era estranho o governo despejar recursos em projetos como os de Ivanov. Apesar disso, os comissários pareciam satisfeitos em garantir total apoio a ele. 

Em 1924 um alto-comissário do Ministério da Agricultura escreveu um memorando onde se lia:       
"...O trabalho realizado pelo Professor Ivanov constitui um golpe decisivo nos ensinamentos religiosos, e pode ser usado como propaganda em nossa luta constante para libertar os trabalhadores dos ensinamentos da Igreja."
Parece plausível que os projetos de Ivanov servissem como material de contestação, mas será que eles foram mais do que isso?

Aparentemente, o projeto mais audacioso de Ivanov foi levado adiante. Ele recebeu o comando de uma estação de pesquisas construída na Guiné, África Oriental. As instalações eram abastecidas com várias espécies de símios capturados por caçadores: centenas de chimpanzés, orangotangos, babuínos e gorilas, adquiridos por agentes soviéticos e enviados em jaulas para o laboratório de Ivanov. Usando esperma de voluntários, Ivanov realizou tentativas sucessivas de inseminar artificialmente as fêmeas de símios. Ele também testou o processo inverso, tentando inseminar mulheres em um hospital financiado pelo governo soviético na África. É claro, suas cobaias humanas não tinham ciência ou davam consentimento para os testes de que participavam.   

Três anos se passaram, e o projeto não obteve qualquer avanço significativo. 


Ivanov recebeu ordens de fechar a estação na Guiné e retornar à União Soviética com o que restava de seus símios. Apesar de seus fracassos, o governo ainda estava disposto a patrocinar o projeto. O pesquisador recebeu uma nova e mais moderna Estação Científica, montada às margens do Mar Negro, em Sukhum (atualmente Sukhumi). 

O complicado transporte dos símios no porão dos navios foi um desastre e apenas um orangotango, apelidado de Tarzã sobreviveu a viagem. Em 1929, o plano era inseminar artificialmente cinco mulheres especialmente escolhidas entre dissidentes políticas e previamente examinadas por ginecologistas a serviço do governo. As primeiras tentativas não tiveram resultado positivo e o progresso das pesquisas sofreu um novo revés quando o orangotango morreu. 

Ivanov encomendou a compra de cinco chimpanzés, mas antes que os animais pudessem ser entregues o prestígio de Ivanov foi colocado em cheque. Ivanov passou a ser contestado e acusado de administrar de maneira imprópria os recursos que lhe eram fornecidos, um grave crime no estado soviético. De um momento para o outro, ele caiu em desgraça e foi acusado de traição, sendo preso meses depois. Mandado para um gulag na Sibéria, ele morreu dois anos mais tarde.     

A estação de pesquisas de Ivanov sobreviveu e se tornou seu único legado. Em 1960 ela era usada como centro de pesquisas científicas chegando a  ter uma população de mais de 2 mil primatas usados extensivamente no programa espacial soviético. Até onde se sabe, com a morte de Ivanov, nenhum cientista assumiu as suas pesquisas de hibridização humana, embora processos convencionais de inseminação artificial tenham sido usados nos símios mantidos na estação.

Então, afinal de contas, essa estória reforça ou contradiz o rumor de que Stalin desejava criar uma raça de super soldados híbridos? 

Aparentemente, a despeito das teorias conspiratórias, Stalin jamais teve qualquer ligação com o trabalho ou com o projeto comandado pelo camarada Ivanov. É provável que ele sequer tenha ouvido falar dele. Não há evidências de que o governo soviético planejasse criar soldados ou operários híbridos, embora avaliando a proposta original do projeto de Ivanov possamos extrapolar que essa era uma das possíveis aplicações em caso de sucesso.

Soldados macacos? Onde será que ouvimos falar disso?
As experiências bizarras de Ilya Ivanov por fim, não resultaram em híbridos. Elas foram um colossal fracasso. Contudo, na primeira metade do século XX, o tema de hibridização era recorrente entre cientistas. O pesquisador norte-americano Desmond Morris, chegou a afirmar que o governo americano manteve na década de 1930 uma estação de pesquisas onde se tentava realizar hibridização com espécimes humanos e símios. A estação teria existido na Flórida, até ser fechada em 1950. Na China, rumores de estações semelhantes foram muito difundidos até o final da década de 60. A mítica estação na Ilha Ghenzu teria um surtimento assustador de híbridos humanos, quase uma Ilha do Dr. Moreau, mas de verdade. Nenhum desses boatos, contudo foi confirmado.

Mas a hibridização é possível? Biólogos que se dedicaram a questão se dividem, mas a grande maioria acredita que não é possível cruzar duas espécies diferentes, ao menos empregando métodos de inseminação artificial conhecidos atualmente. A possibilidade de empregar engenharia genética para esses propósitos, contudo, é assunto controverso na comunidade científica internacional.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

In Strange Aeons - Unindo os Mythos de Cthulhu a Numenéra

por Alex Lucard
Die Hard Game FAN

In Strange Aeons (Em Estranhas Eras) mistura um dos meus jogos contemporâneos favoritos, Numenera, com meu jogo favorito em todos os tempos, Call of Cthulhu

É claro, em se tratando dos Mythos de Cthulhu e da maneira que você está narrando Numenéra tal combinação nem parece tão improvável. Afinal de contas, os dois jogos são em essência a respeito de descoberta e mistério, não combate. Ambos os jogos também possuem personagens continuamente desvendando segredos, desenterrando relíquias de um passado ancestral ou entrando em contato com coisas impossíveis e surpreendentes. No caso de Numenéra, nós temos os cyphers – relíquias tecnológicas dos Oito Mundos anteriores. Em Call of Cthulhu, existem magias, rituais e tecnologia de raças não-humanas, artefatos que permitem viajar mentalmente para outras eras ou invocar seres de imenso poder. Nos dois jogos, os personagens encontram criaturas estranhas, muitas delas difíceis de serem descritas em palavras, porque elas são completamente alienígenas. Em Numenera essas criaturas são formas de vida que surgiram ao longo de milhões de anos ou vieram de lugares distantes. Já em Call of Cthulhu, elas são medonhas monstruosidades de um passado remoto, nascidas quando a humanidade apenas engatinhava.

Quem poderia imaginar que algumas das estranhas criaturas do Mythos, que habitaram a Terra há tantas eras poderiam ainda estar ativas no distante futuro do Nono Mundo. Algumas delas continuam idênticas ao que eram, outras mudaram, sofreram alterações substanciais e mutações que as tornaram ainda mais bizarras e absurdas. Talvez o retorno da humanidade para a Terra seja apenas um experimento dos Fungos de Yuggoth ou as maquinações dos Deuses Antigos. Numenera afinal de contas permite um crossover com praticamente qualquer coisa, inclusive o horror cósmico que por sua vez pode ser acrescentado onde quer que seja ("Just Add Cthulhu", dizia o próprio Monte Cook). Sob esse prisma nem soa tão estranho contemplar a possibilidade de lançar horrores tentaculares em cima dos aventureiros.

In Strange Aeons é um pequeno suplemento com meras dez páginas que conecta as criaturas lovecraftianas e seus temas à ambientação de Numenera. Embora a embalagem seja econômica, ela consegue ser rica em detalhes e vale a leitura.

As primeiras quatro páginas discutem como adicionar os elementos do Mythos ao contexto de Numenéra. Na verdade, nem é tão difícil fazer essa ponte. O Nono Mundo já é rico em coisas incrivelmente estranhas, tecnologia inconcebível, criaturas e lugares igualmente inacessíveis para a compreensão humana. Portanto, não parece que você está misturando as coisas, ao invés disso tudo se encaixa como uma luva. A grande diferença é a maneira como as forças do Mythos afetam os habitantes do Nono Mundo. O Mythos continua absurdo, maligno e corrupto. Mesmo em um mundo de estranhezas ele se destaca como algo radioativo, proibido e perigoso.


Um cypher pode abrir um portão que teleporta os personagens para outras localidades, um artefato do Mythos ao invés disso, abrirá uma passagem através do qual surgirá uma abominação tentacular faminta dos recessos do espaço-tempo. Em Numenéra, um prédio ancestral pode ter sido uma espécie de hospital que guarda uma cura milagrosa para salvar um vilarejo, mas se ele for algo do Mythos é provável que a mesma construção seja um templo cheio de doença e horror. O mais curioso, é que embora o Nono Mundo continue sendo inesperado e algumas vezes assustador, nada nele se compara ao horror do Mythos.

O suplemento dá dicas úteis sobre como narrar estórias em Numenéra com esse twist. Tudo é descrito com uma narrativa reminiscente de um texto lovecraftiano. As coisas são misteriosas e assustadoras na medida certa. Por exemplo, como confiar nos estranhos habitantes de um vilarejo à beira mar que apresentam inquietantes mutações? Como encarar os bizarros ângulos não-euclidianos nas ruínas de uma cidadela abandonada? Uma das coisas mais divertidas é mexer com a paranoia dos jogadores, inserir o Mythos sob um disfarce - como algo tipico de Numenéra, cuja verdadeira natureza só será revelada quando for tarde demais.    

Na minha opinião, o mais complicado aspecto da mitologia lovecraftiana a ser combinado com Numenéra envolve a sensação de impotência da humanidade diante de um universo impessoal. Estamos no Nono Mundo, e oito grandes civilizações vieram antes construindo bilhões de anos de história e progresso. Obviamente algumas dessas civilizações se destacaram e deixaram a sua marca no planeta através de realizações inacreditáveis. Nesse contexto, os humanos não são meras formigas diante dos Antigos, eles fizeram algo importante. Além disso, a raça humana teve contato com raças diferentes, seres de estrelas distantes e outras dimensões, e supostamente aprendeu com eles. Como incutir em personagens familiarizados com essas realizações um temor primitivo perante o desconhecido? 


A solução oferecida é instigante: talvez cada um dos oito mundos anteriores tenha sido arruinado pelas forças do Mythos. Talvez o despertar dos Antigos constitua um ciclo que marca a destruição de cada civilização. O que acontece quando um explorador de Numenéra descobre que todas as realizações estão fadadas a aniquilação por uma força impossível de ser derrotada? O que acontece quando ele compreende que não importa o que se faça, a espécie humana, está destinada a ser varrida da existência quando o momento chegar, assim como ocorreu com todos os que vieram antes? É um conceito interessante que oferece muito potencial narrativo. Será que os personagens suportarão a verdade sobre a destruição dos outros mundos e a revelação que o Nono Mundo também um dia irá ruir? 

Em se tratando de material, esse pequeno suplemento oferece ótimo conteúdo. Ele inclui uma mecânica sobre sanidade, na qual os personagens são afetados perdendo pontos de Intelecto. Há opções para lidar com conceitos de loucura e a gradual insanidade dos personagens. In Strange Aeons oferece também duas novas descrições para personagens (Mad and Doomed/ Louco e Amaldiçoado), que possuem suas própria vantagens, desvantagens, opções para GM Intrusion e Efeitos únicos.   

Finalmente temos alguns dos mais famosos monstros lovecraftianos com estatísticas convertidas para o sistema de Numenéra. Lá etão Abissais, A Grande Raça de Yith (que convenhamos é perfeita para Numenéra), os Fungos de Yugoth e até os Shoggoth! Alguns jogadores podem achar criaturas como os abissais pouco assustadoras ainda mais quando comparadas a certos habitantes do Nono Mundo, mas sempre é bom ver uma raça lovecraftiana numa outra roupagem. Além disso, o suplemento fornece conselhos para que o narrador reimagine algumas criaturas sob uma ótica dos Mythos de Cthulhu. 

O único porém no suplemento é um apêndice no qual o autor fala das tendências racistas de Lovecraft. Sim, todos sabemos das opiniões infelizes de Lovecraft a respeito de certos tópicos, mas havia a necessidade de falar a respeito disso aqui? 

O suplemento exclusivamente no formato PDF pode ser adquirido na página da Monte Cook Games e custa apenas 3 dólares, bem em conta. Fãs de Call of Cthulhu e de Numenéra não terão do que reclamar, já que encontrarão uma perfeita receita para a fusão de dois jogos sensacionais. In Strange Aeons é uma maravilhosa adição ao sistema Numenéra e a prova de que até um pequeno suplemento pode oferecer inúmeras opções.

Para quem perguntou "Nume o que"? Leia a resenha sobre esse fantástico RPG:

Numenéra - parte 1

Numenéra - parte 2

Numenéra - parte 3

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Fichários de RPG - Imprimindo e organizando Arquivos de PDF em pastas


Esses tempos eu estava arrumando meus arquivos no computador, fazendo aquela tradicional faxina, quando me dei conta de quantos PDF tinha ali.

Dois anos atrás, durante uma mega-promoção do site Drive Thru RPG, comprei vários PDF de livros de RPG bem baratinho. Foi uma daquelas pechinchas que a gente entra sem pensar duas vezes...

O que me dei conta é que nunca li boa parte desse material, alguns deles, ótimos livros. Simplesmente comprei, baixei e eles ficaram no meu HD esse tempo todo. A maioria, me satisfiz em dar uma olhada superficial e pronto...

Reconheço que isso se deve a um preconceito (não tão leve) que muitos fãs de RPG compartilham e no qual eu incluo a mim mesmo. Muitos leitores, jogadores e narradores simplesmente não gostam de ler material de RPG na tela do computador.

Parece bobagem, já que passamos boa parte de nossos dias na frente de um monitor, mas quando se trata de livros de RPG eu, e com certeza, outros tantos colegas somos de uma época em que ter o livro físico era essencial. Apesar do tablet e dos laptops terem se tornado relativamente comuns nas mesas de jogo, o livro em formato físico é outra coisa, sobretudo para os veteranos.

Mas aí surgem dois problemas: Primeiro, nem sempre é possível encontrar todos os livros que queremos, alguns não estão mais disponíveis tendo saído de catálogo anos atrás. E segundo, nem todas editoras, em especial as pequenas, aceitam pedido para entrega no Brasil ou se o fazem, o custo do frete é proibitivo, custando quase tanto quanto o próprio livro. 

Nesses casos o PDF é a única maneira de conseguir esses livros.

Mas não é a mesma coisa ler no computador...

Pensando nisso, decidi arregaçar as mangas e imprimir parte dos meus livros em PDF. Depois de imprimir uns dois ou três livros em uma gráfica, fiquei satisfeito com o resultado, mais ainda porque consegui um desconto em função da quantidade de cópias que seriam impressas.

O único senão era o formato da encadernação. Encadernar as páginas com uma capa dura sai caro, e a encadernação com espiral tira muito da graça de colecionar os livros, já que o legal é colocar os volumes na prateleira ou estante. Com a lombada em espiral, todos os livros parecem iguais, fica uma coisa muito sem graça...

Tive então a ideia de organizar o material em pastas de arquivo físico, aquelas pastas enormes de escritório. Coloquei as cópias de cada livro dentro de um saco plástico reforçado e encadernei nas pastas. 

Como toque final, dei uma decorada nas pastas para deixá-las com um aspecto mais condizente com as ambientações. 

No final, gostei muito do resultado e recomendo. Ficou bem mais barato do que comprar todos esses livros e a qualidade da impressão (capa colorida e miolo preto e branco) ficou excelente.

As fotos a seguir são dos dois arquivos (de Rastro de Cthulhu e Chamado de Cthulhu), já penso em fazer mais para outras ambientações/sistemas. 

PASTA DE TRAIL OF CTHULHU

A pasta com material de Rastro de Cthulhu tinha que ser num "verde doentio"
Eu usei fita adesiva para ficar com cara de álbum de recortes ou colagem.
Achei uma imagens bacanas na internet e depois de imprimir, colei na contracapa para dar um clima do jogo. 
É impressionante como cabe material nessas pastas de arquivo.
MUITO material! Aproveitei e mandei imprimir tudo que eu tinha de Rastro
As aventuras puristas do Graham Walmsley
As edições encadernadas Out of Time e Armitage Files
Os cenários mais recentes como Hell Fire, The Repairer of Reputations e o Arkham Detective Tales
Esses que ficaram mais extensos coloquei em uma bolsa plástica mais resistente.
E o Armitage Files eu dividi em duas partes. Para esse livro em especial, ficou muito bom ter as páginas em separado, já que algumas dá para usar como Handouts.
PASTA DE CALL OF CTHULHU

Já para o Chamado de Cthulhu, usei uma pasta preta.
Usei um adesivo de Cthulhu e um cartão postal para a capa.
E por dentro, o princípio é o mesmo. O material impresso fica nesses sacos de plástico transparente.
Eu imprimi muito material da Miskatonic River Press, uma editora que não entrega aqui no Brasil.
Red Eye of Azathoth e Our Ladies of Sorrow parecem muito boas campanhas e eu nem tinha lido.
Legacy of Arrius Lurco, Cathulhu e a Monografia "O Retorno de Jack, o estripador"
O material fica direitinho, acondicionado nesses sacos de plástico
E no fim, não fica devendo nada a edição original do livro.

domingo, 21 de setembro de 2014

Lugares Estranhos - A Caverna de Conchas de Margate - Um Templo para Deuses Desconhecidos


A pouco mais de trinta milhas ao norte de Dover, um percurso de 40 minutos de carro, encontra-se a cidade costeira de Margate. Localizada no distrito de Kent, ela tem hoje cerca de 57,000 habitantes e uma orgulhosa tradição marítima. Desde 1760 Margate é um dos destinos de férias prediletos para muitos moradores de Londres, ávidos por desfrutar de suas praias e mar.

No curso da história, houve violentos incêndios que destruíram prédios e construções antigas, sendo que a última grande destruição ocorreu com bombardeios nazistas em 1941. Desde metade do século passado a indústria pesqueira perdeu bastante espaço para concorrentes e a cidade entrou em decadência. Embora o lugar faça o possível para parecer uma colônia de férias, é difícil afastar a aura que pesa sobre ela, a de uma típica cidade litorânea que já teve mais importância. Na rua principal, à beira mar, é possível encontrar hotéis, lojas e restaurantes. Próximo do porto o visitante encontra uma estátua de bronze da Dama do Mar - uma figura típica da região, vista em vários souvenir vendidos em todos os cantos e que remete a uma sereia adornada com conchas, pérolas e contas coloridas. No passado ela era considerada uma figura assustadora, como uma bruxa maligna que arrastava os marinheiros para as profundezas, nas últimas décadas ela se transformou numa figura amistosa, como uma ninfa marinha.

Contudo, Margate é famosa por outra coisa.

O que torna Margate especial é a presença de um misterioso sistema de cavernas e grutas que se estende ao longo de toda região. As grutas estão em toda parte, mesmo embaixo das casas, jardins e ruas da cidade, algumas podendo ser acessadas a poucos metros da superfície.  

A palavra gruta, vem do italiano "grotto", em Latim pode ser traduzida como cripta. Cavernas ou grutas podem se formar naturalmente ou de forma artificial. Em formações naturais, o calcário é lentamente dissolvido por depósitos de água rica em carbono. O processo é extremamente lento, mas ao longo de séculos as rochas começam a ficar porosas e em seguida cedem, permitindo o surgimento de corredores, câmaras e recessos cheios de estalactites e estalagmites.


Cavernas sempre tiveram um papel importante na história humana. Elas foram usadas como proteção, moradia e como lugar de honra, fosse para sepultar os mortos ou para venerar os espíritos da terra. Em Lascaux (na França) artistas pré-históricos cobriram as paredes de uma caverna com algumas das representações rústicas mais belas e antigas conhecidas pelo homem. Nos tempos do Império Romano, as grutas também cumpriam um papel fundamental. O famoso Oráculo de Delphos vivia em uma gruta considerada sagrada. O maior e mais antigo cemitério de Roma se localizava em uma caverna natural. Na Odisséia de Homero, uma gruta permite que Odisseu derrote o monstruoso ciclope Polyphemus. Platão usava as grutas como uma alegoria para representar a diferença entre a ausência de conhecimento (aqueles que vivem na escuridão) e a obtenção do saber (aqueles que resolveram sair e ganhar a iluminação). Mesmo hoje, existem grutas onde as pessoas se reúnem para veneração. Por exemplo, as cavernas de Massabielle na cidade de Lurdes onde a Virgem Maria apareceu em um milagre em 1858. 

Apos o século XVI e dali em diante, as pessoas começaram a construir grutas artificiais em jardins na Itália e França. Decoradas com fontes, cachoeiras, estátuas de ninfas, pedras preciosas e conchas coloridas elas eram usadas como piscinas, capelas e teatros. Sabe-se que existe algo entre 20 e 30 grutas desse tipo na Inglaterra. Entretanto, é surpreendente que em Margate, exista uma das maiores e mais enigmáticas que se conhece.

Mas o que faz dessa gruta um lugar estranho, vocês podem estar se perguntando.

Em 1835, o diretor de uma escola local, o Sr. James Newlove desejava construir um lago artificial em seu jardim de campo. Enquanto escavava, sua pá desapareceu em uma abertura de baixo de uma placa de pedra. Removendo essa placa ele encontrou o que parecia ser a entrada para uma caverna muito profunda que estava imersa nas trevas. Ele amarrou seu filho Joshua em uma corda e o desceu pela abertura com um lampião. Depois de verificar o interior da caverna, o garoto foi puxado de volta e retornou falando de estranhas decorações nas paredes e de coisas que ele sequer conseguia descrever. "É como um outro mundo" disse o menino.  


Várias pessoas desceram e tiveram a mesma impressão: estavam diante de algo inexplicável. Para facilitar o acesso para a caverna uma rampa horizontal foi escavada e aberta ao público. Os corredores foram iluminados com lampiões à gás que concediam uma aura sobrenatural ao interior.

O que torna a gruta de Margate um mistério incomum é que não se sabe praticamente nada a respeito de sua origem. Não se sabe, por exemplo quem o construiu, quando e para qual propósito. Tudo indica que o lugar tenha sido erguido como uma espécie de Templo, mas não há qualquer pista de quais divindades eram veneradas naquelas câmaras profundas alagadas de acordo com a variação da maré. O trabalho de construir e ornamentar toda a caverna deve ter sido monumental, consumindo anos e indicando que um número considerável de pessoas esteve envolvida na tarefa. 

Pesquisadores calculam que mais de 4,6 milhões de conchas ornamentam as paredes, espalhadas ao longo de um paredão de 21 metros que se ergue como um mosaico até a superfície. As conchas de todos os tamanhos foram dispostas uma ao lado da outra em padrões simétricos diferentes: estrelas, espirais, triângulos, círculos... as imagens formadas com as conchas são alinhadas e lembram os padrões utilizados em igrejas ou catedrais medievais, exceto pelo fato de que são muitíssimo mais antigas.

Na câmara maior, onde Newlove encontrou a entrada para a gruta, existe um enorme bloco de pedra ornamentado com conchas que lembra um altar rudimentar. Diante dele, uma espécie de piscina ou túnel alagado ligava o centro da câmara a túneis inundados. Em 1850, essa piscina foi lacrada com pedras por motivo de segurança. O propósito desse acesso para o mar só pode ser especulado, mas tudo indica que a água tivesse uma importância vital nos rituais ali realizados. 

Os corredores terminam em portas no formato de arcadas e são exatamente do mesmo tamanho. Esses corredores ligam quatro câmaras distintas, três delas aparentemente naturais e a quarta escavada artificialmente. Os desenhos no interior das câmaras parecem reminiscentes de padrões orientais. Com um pouco de imaginação, é possível enxergar tartarugas, pássaros, flores, luas e árvores em alguns desenhos. Não há, contudo, nenhum símbolo que remete a cristandade, nem mesmo o peixe que era um símbolo associado aos primeiros cristãos. 


Oitenta por cento das conchas nas paredes são típicas da costa britânica, as outras parecem ter vindo de longe - algumas são típicas da Costa da França e Irlanda e foram colocadas em lugares de destaque como para evidenciar o fato delas terem sido trazidas de regiões distantes. Estudiosos afirmam que na câmara maior existem conchas cor de rosa que são típicas do Caribe e outras que só podem ser encontradas no litoral de Cuba. O fato seria apenas curioso se muitos não tivessem atribuído a construção da gruta a homens pré-históricos ou a pescadores anteriores ao período de ocupação romana nas Ilhas Britânicas, ou seja muitos séculos antes dos primeiros navegadores chegarem a América. 

Outra possibilidade, levantada por pesquisadores é que a caverna tenha sido construída por Fenícios. Esse povo que habitava as regiões que hoje conhecemos como Síria e Líbano tiveram seu apogeu entre 1500 e 400 antes de Cristo. Sabemos que os Fenícios eram excelentes navegadores e responsáveis pela criação de um alfabeto complexo. Entretanto, a cidade de Margate se localiza no ponto mais distante de Kent uma região que na época dos Fenícios dificilmente poderia ser atingida através da costa. Além disso, nenhum dos padrões remete a divindades cultuadas por esse povo.  

A verdade é que até hoje foi impossível precisar a idade das conchas que não são passíveis de análise por radiocarbono. É bem provável que na ausência de pistas adicionais, jamais venhamos a saber quando a Caverna de Conchas de Margate foi construída.

Outro tema polêmico diz respeito a utilização da gruta como Templo Pagão. Os desenhos permitem uma ampla especulação a respeito de sua origem, podendo ser Fenícios, Romanos, Egípcios, Cópticos e até Templários dependendo a quem se pergunta.  

O fato da Caverna ter servido como Templo religioso, no entanto, parece óbvio.

No final do corredor, na câmara principal existe um altar que tudo indica, era o ponto central da construção e onde a congregação devia se reunir para assistir as celebrações. No chão, ao redor do altar há indícios de que o piso foi gasto, formando um padrão de círculos concêntricos o que é condizente com várias religiões do mundo antigo, onde andar ao redor de um altar, fazia parte do rito. Apenas para citar alguns exemplos, os Dervishes dançavam em círculos concêntricos para se aproximar de Deus. Na Bíblia, o povo de Jericó precisou dar sete voltas em torno da cidade para causar a destruição de suas muralhas. Muçulmanos dão sete voltas em torno da Kaaba de Meca durante o Hajj para se elevar espiritualmente. Seriam as marcas no chão uma indicação de que as pessoas que usavam a gruta tentavam contatar um poder superior?


Se esse é o caso, quais Deuses teriam sido venerados naquela Caverna próxima do Litoral?

Muitos acreditam que Deuses e Espíritos Marinhos seriam as divindades mais prováveis de receber a atenção daquela congregação formada por homens do mar. Grupos de pescadores primitivos poderiam se reunir na gruta afim de pedir proteção ou o favor dos deuses para que eles proporcionassem uma pesca abundante. Comunidades pesqueiras desse tipo eram comuns em muitas regiões da Europa, mas em nenhuma se viu tamanho grau de devoção. 

Outro elemento importante é a piscina que leva a um túnel alagado que também sugere ser o mar um elemento importante dos rituais ali conduzidos. Especialistas não afastam a possibilidade de que esse túnel fosse utilizado para rituais de sacrifício, no qual vítimas poderiam ser lançadas no túnel para morrerem afogadas, cumprindo assim o papel de oferendas para divindades marinhas.

*     *     * 

Olha, eu realmente não faço ideia de quem construiu esse lugar. Mas a descrição da Caverna com seus desenhos, com o altar e principalmente com a "piscina" natural que leva a túneis alagados, é incrivelmente semelhante a descrição de templos usados para adoração de Dagon, Hidra e Cthulhu.

Da até para imaginar uma estátua de Cthulhu diante do altar profano, pescadores e híbridos postados ao redor de algum sacerdote com uma máscara cheia de tentáculos e abomináveis abissais emergindo da piscina para participar dos rituais.


Eu me pergunto até se algum dos autores de estórias sobre as divindades marinhas mais importantes dos Mitos de Cthulhu não teriam se inspirado na Caverna de Conchas de Margate como modelo para Templos ancestrais onde os Antigos eram venerados e sacrifícios oferecidos.

O que eu sei é que na próxima vez que eu usar Abissais em minhas estórias e eles tiverem um templo, eu vou usar as imagens dessa Caverna como referência direta.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

O Julgamento do Século - A Teoria da Evolução de Darwin no banco dos réus


Por que o Julgamento de Scopes foi considerado tão importante a ponto de ser chamado de "O Julgamento do Século"?

Ele foi um marco que expôs aos americanos uma profunda cisão em seu país: entre ciência e fé, modernidade e tradicionalismo, cidade e campo. Mais do que isso, revelou a faceta conflituosa no seio de sua nação para um número sem precedente de espectadores, na forma de um drama transmitido ao vivo pelo rádio.

O Julgamento de Scopes, também chamado de "O Julgamento da Evolução de Scopes" ou "O Julgamento do Macaco de Scopes", teve início no dia 10 de julho de 1925. O acusado era John Thomas Scopes, 24 anos, um simples professor do ensino médio que foi processado por violação ao Ato Butler que proibia ensinar a teoria da evolução de Charles Darwin em escolas. O famigerado Ato Butler aprovado pela Junta de Educação Norte-Americana vedava aos professores o direito de ensinar qualquer teoria capaz de contrariar o conceito bíblico do Criacionismo. Meramente falar a respeito da Evolução e expor a existência de uma teoria afirmando que o homem descendia de macacos, era o suficiente para quebrar a lei. Scopes foi preso em sala de aula, fichado em uma delegacia e colocado em uma cela para aguardar julgamento.

O julgamento teve lugar em Dayton, Tennessee, e foi o resultado de uma cuidadosa série de eventos orquestrada para trazer publicidade ao Ato Butler e expor seu caráter absurdo. Scopes já havia sido avisado de que deveria se abster de lecionar as "teorias conflituosas" de Charles Darwin. Inclusive, havia recebido ameaças de grupos religiosos contrários a disseminação daquilo que consideravam uma "ofensa à Bíblia, à lei dos homens e ao próprio Deus".

Cruzadas para banir o Darwinismo das escolas públicas americanas eram algo frequente. Em 1917 seus defensores conseguiram sucesso nos estados do Sul, onde protestantes controlavam as assembleias. Em 1923 a teoria evolucionista foi banida dos Estados da Flórida e Oklahoma que as julgou impróprias e subversivas, uma vez que atendiam a interesses exclusivos de grupos "ateus" e "agnósticos". Para os fundamentalistas, que defendiam a interpretação literal da Bíblia, não havia espaço na criação unilateral de Deus para uma suposta evolução das espécies ao longo de milhões de anos. "Para o Inferno com a Ciência se ela vai condenar as nossas almas" era um dos slogans usados pelos criacionistas. Com base nessa defesa fervorosa, o Senador William Butler conseguiu aprovar a lei que proibia o ensino das teorias de Darwin em escolas públicas.

Quartel General da Liga anti-evolução
Scopes sabia muito bem em que terreno perigoso estava pisando. O professor concordou em se auto-incriminar abordando o assunto abertamente. Ele foi preso imediatamente pelo xerife de Dayton, em plena sala de aula, bem diante de seus pupilos. Aquela foi a maneira encontrada pela AGLU (American Civil Liberties Union), uma organização que defendia o direito de expressão, de desafiar o Ato Butler e convencer a opinião pública a reverter aquela situação.

O Julgamento de Scopes atraiu centenas de jornalistas de todo o país, e se tornou uma sensação da noite para o dia. No coração do Tennessee, diziam as manchetes, havia se formado uma verdadeira Inquisição que freava o conhecimento científico com base em princípios religiosos medievais. O que estava em julgamento não era apenas um professor que ousara ensinar uma matéria proibida, mas a própria liberdade para que crianças tivessem acesso a teorias aceitas em outros países.  

Viajantes que passavam pela pequena Dayton, naquele mês de Julho de 1925 poderiam pensar que a cidade estava sediando algum tipo de evento religioso. As ruas estavam abarrotadas de pessoas, o comércio prosperava com a  presença de forasteiros e gente vinda de todo canto, uma feira havia se formado na praça central, pastores de pé sobre púlpitos improvisados gritavam sermões e eram acompanhados por fiéis recitando salmos e cantos religiosos - repetindo Hosanas e Améns. Livros de ciência e biologia eram atirados em grandes fogueiras para arder no fogo da expiação. Dayton havia se tornado um enorme tabernáculo a céu aberto, a capital da Fé, com os muros cobertos de pôsteres exortando a população a "Ler a Bíblia" para assim evitar as chamas da danação.

"Leia a sua Bíblia"
Por mais estranho que pudesse parecer, apesar da agitação religiosa, havia um clima de tranquilidade. O "bom povo" de Dayton se considerava escolhido por Deus para hospedar uma batalha judicial que determinaria o futuro da fé. Eles estavam confiantes de que seriam os grandes vitoriosos. Apenas 66 anos antes, Charles Darwin havia publicado sua controversa Origem das Espécies, e o debate ainda causava furor para onde quer que fosse levado. Na opinião dos mais exaltados, a teoria representava o cisma definitivo entre o homem e a fé convencional. Se aquelas teorias sobre homens evoluindo de macacos fossem levadas à sério, a Bíblia, seria contrariada de tal maneira que não haveria retorno. E foi nesse espírito que um simples julgamento assumiu proporções monumentais.  

A ACLU contratou o renomado advogado criminal de Chicago, Clarence Darrow, para ser o defensor de Scopes. Darrow era considerado uma das mentes jurídicas mais brilhantes de sua geração, um liberal reformador que havia livrado da cadeira elétrica os acusados Leopold e Loeb, um sensacional caso de homicídio, poucos anos antes. Seu nome ainda atraía a atenção da mídia e despertava interesse do público. Darrow aceitou assumir a defesa sem cobrar nada pelos seus serviços, ele acreditava na importância do caso e tudo que ele representava.

Do outro lado, o Promotor público de Dayton se cercou de autoridades religiosas, pastores, educadores e do ex-candidato Democrata à presidência dos Estados Unidos, William Jennings Bryan - que seria seu conselheiro direto no correr do caso. Bryan era uma figura carismática na América do começo do século. Um estudioso religioso que defendia fervorosamente os ensinamentos estritos da Bíblia. Era também um congressista pelo Estado do Nebrasca. Bryan definiu o julgamento como um "duelo de vida e de morte" – que colocaria cientistas ateus contra o povo simples e temente a Deus. A sentença final iria determinar não apenas o currículo das escolas em todo país, mas definiria o futuro da nação.

O encontro desses dois Titãs seria nada menos do que sensacional segundo os jornais da época. O confronto entre os brilhantes advogados disputaria as atenções não só do juri, mas de todo país. Darrow e Bryan, eram, além de tudo, antigos aliados, separados por diferenças políticas que os transformou em ferozes adversários.

Os principais personagens do julgamento do Macaco
Bryan foi recebido em Dayton como uma espécie de Profeta sob aplausos e festejos. Boa parte da população havia votado nele em sua campanha para a presidência e sonhavam que ele disputasse novamente o cargo de líder da nação. Em seu discurso de boas vindas, ele foi investido com o título honorário de Coronel da Guarda da cidade, ocasião em que jurou defender os interesses da Fé. Já Darrow, embora tenha sido bem tratado, teve de procurar uma pensão que aceitasse hospedá-lo. Logo ficou claro que ele não era bem vindo e que seu trabalho seria difícil.   

No dia anterior ao início ao início dos procedimentos, as partes selecionaram os jurados. Aproximadamente 600 espectadores - incluindo muitos jornalistas e repórteres de rádio, bem como uma significativa porcentagem de residentes de Dayton, tiveram acesso a Corte de Justiça. A lotação e as discussões inflamadas faziam com que a temperatura no tribunal se tornasse quase insuportável. 

A estratégia da promotoria era clara. Ela não tencionava discutir o valor ou importância do Ato Butler, apenas o fato de que Scopes o havia transgredido. Para a acusação o caso era simples: o réu havia quebrado a lei ensinando uma matéria proibida, portanto deveria ser declarado culpado. As testemunhas, os alunos e as autoridades que prenderam Scopes, estavam de acordo que o professor havia iniciado a aula a respeito das teorias de Darwin, não havia dúvidas portanto que ele havia agido deliberadamente contra a lei.

A defesa do professor era consideravelmente mais complexa. Um pedido de anulamento do julgamento foi negado o que fez Darrow atacar diretamente a validade do Ato Butler que ele chamou de "injusto, tolo, ridículo e enaltecedor de um obscurantismo digno da Era das Trevas". Por isso, Darrow recebeu uma sonora vaia que quase impossibilitou a continuação do julgamento naquele dia. Parecia que o advogado de Chicago não conseguiria granjear simpatia.

No segundo dia de julgamento, Darrow focou seu argumento na necessidade de haver imparcialidade entre as leis e a religião. Mais cedo naquele mesmo dia, o defensor havia objetado o fato do Juiz iniciar os procedimentos da Corte, como de costume, com uma oração. Ele também exigiu que uma enorme faixa na entrada da Sala de Julgamento, onde se lia "Leia a Bíblia" fosse removida, ou outra do mesmo tamanho escrita "Leia Darwin" fosse pendurada no mesmo local. O Juiz negou os dois pedidos. Além disso, a Corte também considerou inadmissível o depoimento de doze cientistas e especialistas em Evolução que haviam sido chamados para testemunhar sobre a validade da teoria considerada ilícita.

Darrow e Bryant durante o julgamento
Com a causa dependendo desses experts, a defesa ficou de mãos atadas. Tudo levava a crer que não haveria como absolver o acusado, uma vez que o Juiz impugnou todas as testemunhas. Sem ter a quem recorrer Darrow formulou uma estratégia genial; ele chamou como testemunha ninguém menos do que seu adversário, William James Bryan para falar a respeito da Bíblia e da sabedoria contida no "bom livro". Bryan não se deixou intimidar e subiu ao banco de testemunhas com entusiasmo, jurando que responderia as perguntas com total isenção tendo como base seu extenso conhecimento das sagradas escrituras.   

Darrow entrevistou Bryan por quase duas horas, sem se concentrar em momento algum no caso contra Scopes. Seu objetivo era demonstrar que muitas passagens da Bíblia contrariavam a lógica e portanto não deveriam ser aceitos textualmente.

O advogado iniciou a sua inquirição perguntando se Bryan acreditava em todos os fatos contidos na Bíblia. O que ele respondeu entusiasmado: "tudo o que está na Bíblia corresponde à verdade, e nada menos que a verdade". Darrow acenou com a  cabeça e começou a apresentar vários elementos conflitantes no livro sagrado: "O senhor acredita que Jonas foi realmente engolido por uma baleia"? "O Senhor realmente acredita que Adão e Eva foram os primeiros habitantes no planeta"? "Que todos os idiomas conhecidos se originaram  com a Torre de Babel"? "Que o Mundo foi criado em apenas seis dias e não ao longo de milhões de anos"? "Que o Rei Davi conseguiu fazer o sol parar de girar no céu"?

Bryan se limitava a dizer que "tudo o que está na Bíblia deveria ser interpretado como verdade inquestionável". Mesmo diante das explicações de Darrow da impossibilidade física de vários detalhes, Bryan não se deixava abater. "Eu aceito a Bíblia inteiramente!". Mas a medida que Darrow prosseguia em seu questionamento, Bryan começou a demonstrar que sua aceitação não era tão literal: ele concordou que talvez o mundo não tivesse sido criado em seis dias, mas que esse período de tempo poderia corresponder a períodos de tempo maiores, séculos, milênios, milhares de anos...

Com a entrevista se arrastando, o debate foi se tornando cada vez mais visceral, e os comentários sarcásticos de Darrow cada vez mais afiados, sobretudo quando Bryan decretou: "Há coisas que Deus não deseja que o homem saiba", ao que Darrow respondeu "Se a humanidade tivesse seu interesse pelo mundo que a cerca, nós ainda estaríamos vivendo no fundo de cavernas assustados com trovões e com a escuridão da noite". Fundamentalistas na audiência ouviam a exposição com desconforto a medida que seu defensor afirmava categoricamente que mesmo os fatos mais questionáveis da Bíblia tinham de ser levados ao pé da letra. Estava claro que Bryan tinha caído em uma armadilha. Foi um duro golpe na brilhante carreira de Bryan. Em cadeia nacional de rádio ele estava literalmente afundando em areia movediça.

Advogados quase trocam socos no Julgamento da Evolução
Terminado o testemunho, o Juri se retirou para proferir sua sentença. Não foi surpresa que ele tenha demorado apenas nove minutos para retornar com o veredito: Culpado!

Apesar da enorme importância que o caso havia atingido, a pena decretada pelo Juiz foi irrisória. Scopes foi condenado a pagar uma multa de meros US$ 100 dólares o que reforçou o caráter tragicômico do "Julgamento do Macaco". Toda aquela comoção se resumiu a uma multa de pequeno valor. 

Após o julgamento, a Junta de Educação se reuniu para decidir se a Teoria da Evolução de Darwin deveria ou não fazer parte do currículo escolar das escolas públicas americanas. A decisão foi negativa e o Ato Butler continuaria em vigor por mais 42 anos, até o ano de 1967 quando enfim foi revogado.

Scopes recebeu convites para lecionar em outras instituições privadas e se tornou professor licenciado de ciências, cargo que manteve até se aposentar. Sua multa foi paga pela Universidade de Baltimore que assumiu todos os custos da mudança de Scopes para outro estado. A Suprema Corte americana também decidiu fechar o caso e declarar as acusações contra Scopes nulas, encerrando assim uma página bizarra nas cortes de justiça do país. Mais nenhum professor foi julgado por ensinar a Teoria da Evolução, e embora a matéria não estivesse em nenhum currículo escolar, ela era abordada extra-oficialmente na maioria das escolas sem prejuízo para os professores.

Clarence Darrow continuou trabalhando como advogado em casos de grande importância e comoção pública. Ele é considerado até hoje um dos maiores advogados da história americana. Quanto a William Bryan, ele morreu três anos depois, enquanto ainda tentava retornar à política. Até o fim de sua vida, ele foi ridicularizado pelos seus opositores pelas suas crenças estritas dos preceitos religiosos. 

Graças a esse julgamento e a revogação de sua sentença pela Suprema Corte, esforços por parte de defensores do Criacionismo, tentando banir as Teorias de Evolução de Darwin, foram negados. Por outro lado, a aprovação de teorias controversas a partir do Julgamento de Scopes abriu a porta para defensores da Eugenia nos anos 1930. 

Quase 90 anos depois de encerrado o julgamento, o tema continua incrivelmente atual. 

O ardente debate entre Evolucionistas e Criacionistas prossegue despertando paixões de ambos os lados e é assunto recorrente nas cortes de justiça. Recentemente pais conseguiram obter o direito de retirar seus filhos de aulas que eles consideravam afrontar suas crenças religiosas.

Ao que parece, a questão ainda irá gerar muita controvérsia.

   

terça-feira, 16 de setembro de 2014

"A Arte que não deveria ser" - Livro com as delirantes ilustrações de Walter Pax em Financiamento Coletivo


O Mundo Tentacular sempre apoia Financiamentos Coletivos interessantes e quando eles aparecem nada mais justo do que divulgar para que o maior número possível de pessoas tomem conhecimento.

E este é especialmente interessante pois envolve diretamente os Mythos de Cthulhu. Trata-se de "Love - A Arte que não deveria ser" com ilustrações de Walter Pax, o responsável pelos excelentes desenhos da Edição Brasileira de Chamado de Cthulhu.

Aqui está o release da Página no Catarse:
 
Fã do universo de Lovecraft, o ilustrador Walter Pax escolheu as descrições mais marcantes de O Chamado de Cthulhu, Nas Montanhas da Loucura e outras obras de H. P. Lovecraft e deu forma às incríveis e indiscritíveis criaturas da mitologia do autor americano. As passagens e os desenhos compõem o livro bilíngue Love – The art that should not be by W. Pax ou, em português, Love – A arte que não deveria ser de W. Pax. 
Sobre o Livro 
Com 100 páginas ilustradas, o livro apresenta cerca 50 desenhos em preto e branco feitos por Walter Pax acompanhadas de algumas breves, mas marcantes, citações de obras de Lovecraft. O tamanho do livro é de 25×16cm, com capa fosca e verniz em alguns detalhes. A edição conta também com um prefácio do ilustrador argentino Salvador Sanz e um posfácio sobre a vida e a obra do autor americano. Ah sim! O livro é bilíngue, então além das passagens originais em inglês de H.P. Lovecraft, o texto estará também em português. 

 Para viabilizarmos a publicação, precisamos de uma quantia de R$15 mil. E os que apoiarem vão receber pôsteres, livros ou recompensas ainda mais especiais de acordo com o pacote que comprarem. 
Quem é quem? 
H. P. Lovecraft (1890 – 1937) foi um autor de terror, fantasia e ficção científica. Em sua mitologia, o universo e a vida são incompreensíveis ao ser humano. Monstros alienígenas e entidades anti-humanas estão à espreita, apenas aguardando o momento de retornar. 
Walter Pax (1973) é um ilustrador gaúcho e fã de Lovecraft. Foi responsável, entre outros, pelas ilustrações do livro A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, da adaptação brasileira do aclamado RPG_O Chamado de Cthulhu e também participou das coletâneas Irmãos Grimm em Quadrinhos e The Workman, indicada ao Eisner Awards, um dos prêmios mais respeitados do mundo no segmento de quadrinhos. 

Recompensas 
Para apoiar o projeto, basta entrar no link do Catarse e clicar no botão verde "Apoiar este projeto" e selecionar o valor e as recompensas que desejar, ou clicar direto numa das recompensas. Você pode apoiar com qualquer valor e começa a receber recompensas a partir de R$18. Se ainda não tiver um cadastro, o catarse vai pedir para você se cadastrar – é bem rápido e pode usar a conta do facebook. As recompensas são pôsteres com ilustrações do livro, o próprio livro ou ainda outras vantagens, como autógrafo, o livro com capa dura, ilustrações originais ou a possibilidade de escolher uma passagem do Lovecraft que vai integrar a obra.
Para mais detalhes do Financiamento, acesse a página do Catarse através do link abaixo e escolha uma das opções de apoio.

CATARSE - LOVE - "A Arte que não deveria ser"

O trabalho parece muito promissor e baseado nas amostras dos desenhos que já vimos no PDF do Chamado de Cthulhu, fica claro que o Pax consegue traduzir no papel todo o horror delirante das abomináveis criaturas criadas por Lovecraft.

domingo, 14 de setembro de 2014

Regnum Congo - O aterrorizante Livro sobre Canibalismo que inspirou Lovecraft



Originalmente publicado no Blog Miskatonic Museum
Texto de Ahtzib

Um dos mais infames livros citados nos trabalhos de H. P. Lovecraft é Regnum Congo, a peça central no conto "The Picture in the House" (A Estampa na Casa Maldita).

Nota: Eu uso a tradução da edição da Francisco Alves, que embora eu tenha de admitir, não é a mais correta, é a que estou mais familiarizado.

O próprio Lovecraft reconheceu em suas correspondências que jamais havia lido o livro verdadeiro, escrito em 1591 por Filippo Pigafetta, que teve edição publicada em inglês, sob o extenso título, "A Report of the Kingdom of Congo, and the Surrounding Countries, Drawn Out of the Writings and Discourses of the Portuguese, Duarte Lopez" - traduzido como "Uma Narrativa sobre o Reino do Congo, e países vizinhos, retirado dos escritos e discursos do português Duarte Lopez".

Ao invés de ler esse livro, Lovecraft teve acesso ao volume editado por Thomas Huxley, "Evidence to Man's Place in Nature" (Evidências do lugar do Homem na Natureza) que menciona longamente a obra de Pigafetta. Em seu livro, Huxley não economizou nas descrições dantescas ao falar da tribo congolesa dos Anziques, canibais que defendiam ferozmente seu território contra as investidas de outras tribos e de estrangeiros europeus. Huxley não destacava como incomuns os costumes dos Anziques, afinal, muitas tribos na região praticavam o canibalismo. O costume era recorrente em períodos de guerra e usado como forma de intimidação dos inimigos. Várias tribos consideravam que devorar seus inimigos lhes garantia força e habilidade. O que tornava os Anziques únicos era o fato deles canibalizarem os membros de sua própria sociedade, revogando um tabu humano ancestral, o de  não se alimentar de seus semelhantes.

Do Capítulo 5 do livro, podemos extrair o seguinte parágrafo:

"Eles tinham cabanas para o abate de outros seres humanos, como nós temos para animais. Eles comiam os inimigos mortos no próprio campo de batalha, mas por vezes os capturavam como escravos para tentar vendê-los. Se no entanto, não conseguiam um bom preço; ficavam satisfeitos em levá-los até o açougueiro da tribo, que os matava, cortava em pedaços, cozinhava ou curava sua carne em troca de uma fatia. É um fato peculiar da história desse povo, que quando cansados da vida, ou desejando se provarem bravos e corajosos, era tido como um ato de grande honra sujeitar-se a morte ritualística nas mãos de um desses açougueiros. Assim, eles compareciam voluntariamente para o matadouro, oferecendo não apenas a sua vida para o restante da tribo, mas sua própria carne para ser devorada pelos demais. É verdade que muitos povos tem o costume de comer seres humanos, como nas Índias Orientais, no Brasil, e outros lugares, mas devorar a carne de amigos, vizinhos e até parentes, é algo sem paralelo, ocorrendo apenas entre as tribos Anzique".

Hoje em dia, o povo que já foi conhecido como Anzique é chamado Bateke, e vive na República Democrática do Congo e no Gabão. Eles fazem parte do grupo linguístico Bantu e são uma minoria étnica. Como ocorria em muitas estórias a respeito de canibalismo, os cronistas europeus exageravam nas descrições de seus "costumes selvagens", tornando a veracidade de tais estórias questionável, sem evidências adicionais.

Mas isso não impedia que as estórias continuassem a se espalhar ao longo dos séculos.

O famoso ilustrador Theodor de Bry foi um dos que se deixou influenciar por essas estórias. Foi De Bry quem criou a imagem usada por Huxley em seu livro, a mesma que inspirou o macabro conto de Lovecraft sobre uma casa na Nova Inglaterra onde as práticas dos Anzique vigoravam. Ilustrações como a de De Bry eram exploradas em cartões postais muito populares na Europa do século XVII. Ele dava forma às narrativa de vários viajantes e exploradores que se embrenhavam na África ou nas Américas. Suas imagens eram sempre perturbadoras e fascinantes, com um realismo primitivo. Seus estudos dos nativos da Virginia se encontram em várias galerias de arte e na Universidade da Carolina do Norte.

Theodor de Bry também ilustrou uma edição de Bartolome de las Casas, intitulada "A Brief Account of the Destruction of the Indies" (Uma breve narrativa da Destruição das Índias), um polêmico trabalho a respeito das cruéis práticas coloniais dos espanhóis nas colônias americanas. As imagens nesse trabalho estão entre as mais medonhas assinadas por de Bry, o que não é pouca coisa, considerando a gravura sinistra que influenciou Lovecraft a escrever "The Picture in the House". O livro e principalmente as gravuras foram instrumentais para estabelecer a terrível fama dos espanhóis, retratando-os como verdadeiros monstros, endossando tortura e genocídio. Sem dúvida, houve uma boa dose de crueldade e destruição, mas é importante salientar que os espanhóis não detinham o monopólio dos massacres praticados pelas nações europeias em sua busca por riquezas no Novo Mundo. Além disso, havia um fundo depreciativo e propagandista em mostrar os espanhóis como tiranos, já que eles competiam diretamente com várias outras nações. É fato que os excessos perpetrados pelos espanhóis na América se tornaram conhecidos em toda Europa, uma notoriedade que continuou presente nas guerras religiosas do século XVI, XVII e que chegou até o século XX através da Guerra Civil que varreu a nação.

Eu mesmo tive uma experiência que me recordou "The Picture in the House." Antes do meu trabalho como arqueólogo da Conquista Espanhola, trabalhei em uma escavação em El Salvador. Trouxe de lá alguns livros, inclusive uma cópia de "Knights of Spain, Warriors of the Sun: Hernando de Soto" (Cavaleiros da Espanha, Guerreiros do Sol: Hernando de Soto), que apresentavam algumas ilustrações feitas por de Bry. Estas ilustrações me causavam enorme aflição. 

Canibalismo também fazia parte das imagens, mas por alguma razão, os pedaços de pessoas e especialmente a face das vítimas esfoladas ou mutiladas, era o que mais me incomodava. Eu sabia das estórias sobre nariz e orelhas cortados como forma de punição por rebelião na Europa feudal, mas quando captados por de Bry aquelas imagens ganhavam vida de forma medonha. Pelo restante de minha estada no projeto, um período de vários meses, aquelas imagens continuavam me atormentando. Eu tentava evitá-las enquanto lia o livro que era importante para o trabalho, ainda assim acabava atraído para elas. Só quando deixei El Salvador, e o claustrofóbico apartamento onde eu morava, que consegui encarar o livro sem a aura de opressão que ele causava. Hoje ele não me incomoda da mesma maneira, mas naquela época de grande incerteza, vivendo em um país estrangeiro, onde aquelas coisas realmente haviam acontecido, as imagens  concebidas por de Bry me deixavam apavorado.

*     *     *

Recentemente, eu narrei o cenário "Consumption" de Brian Sammons que busca inspiração direta no conto "A Estampa na Casa Maldita". Para ser mais preciso, a estória é uma espécie de continuação dos eventos narrados no conto original.

Lá pelas tantas, na estória, os personagens conseguem obter não apenas a macabra "Estampa XII" mencionada no conto, mas páginas do Regnum Congo.

Eu achei que essas páginas dariam um prop legal - muito mais interessante do que simplesmente descrever as páginas antigas e cheias de imagens sinistras de canibalismo, morte e corrupção.

Para criar minha versão do Regnum Congo, recorri a imagens colhidas na internet que pertencem a gravuras feitas por Theodor de Bry. Através delas, finalmente consegui ver a imagem original da Estampa XII (o açougue de carne humana que deixou Lovecraft tão chocado).

Também descobri que as imagens mais famosas que ilustram as viagens do aventureiro alemão Hans Staeden pelo Brasil colonial (em especial sua captura por tribos canibais na nossa costa) são de autoria do próprio de Bry. Percebendo essa inevitável conexão inclui na estória uma menção a jornada de pesadelos de Staeden por essas bandas e sua estadia entre os índios Tupinambás.

Estas são a imagens do Regnum Congo que eu usei para Consumption:

Alguns props do cenário
As páginas com estampas de de Bry no Regnum Congo
A estampa XII, é claro, merece destaque.
Essa imagem se refere a viagem de Hans Staeden e o período em que ele foi hóspede dos Tupinambás
O que não faltam são imagens bizarras sobre canibalismo.
Para quem achou o tomo interessante, aqui estão algumas informações e estatísticas de jogo que permitem inseri-lo no universo do Mythos de Cthulhu:

Informações sobre o livro Regnum Congo
Os detalhes do Tomo:


REGNUM CONGO

Este livro com capa de couro e reforçado com placas de metal foi escrito por Filippo Pigfetta um viajante genovês do século XVI que esteve na África em expedições coloniais. A edição foi publicada originalmente em Frankfurt na Alemanha, em 1858. Essa cópia amarelada foi avariada pelo fogo e perdeu várias de suas ilustrações que foram arrancadas. O texto interno foi escrito em Latim e possui informações de natureza antropológica a respeito de práticas de canibalismo em várias partes do mundo, com uma visão particular da África oriental. Os capítulos mencionam práticas funerárias e rituais onde o consumo de carne humana é o ápice da celebração. A narrativa menciona religiões obscuras, deuses desconhecidos e crenças primitivas com inquietante riqueza de detalhes. Dois capítulos se referem especificamente a rituais testemunhados pelo autor enquanto este viajava pela África, ocasião em que foi capturado por tribos primitivas. O livro cita outras experiências de viajantes que cruzaram o caminho com tribos selvagens adeptas da antropofagia – o caso de Hans Staeden, mercenário alemão que naufragou na costa brasileira e foi capturado dos Tupinambás e Gregory Cathem “hóspede” de tribos maori na Nova Zelândia. Finalmente, o livro ensina como conduzir rituais místicos envolvendo canibalismo.

Regnum Congo, em latim, Cthulhu Mythos +2%, Custo de Sanidade: 1/1d8, sete semanas para ler e compreender. Magias: Consumir a Aparência, Consumir a Mente, Devorar a Força do Inimigo, Ceia da Purificação, Comida da Vida e Segunda Pele. Cada magia carece de um teste de INT x3.