terça-feira, 2 de setembro de 2014

Penny Dreadful - Resenha da Série de Horror Gótico da HBO


Heróis recalcitrantes e Monstros aterrorizantes!

Magia Negra e Sangue! 

Quem é caça e quem é o caçador?

No final do século XIX, em plena Londres Vitoriana publicações em papel barato faziam muito sucesso. Essas revistinhas que custavam apenas um penny, apresentavam estórias de suspense, de crime, fantasia e principalmente de horror para um público faminto por emoções e arrepios. Não é exagero dizer que as Penny Dreadful foram essenciais para consolidar o gênero horror gótico e assegurar a sua longevidade. Foram elas que ajudaram a sedimentar o culto ao redor de vampiros, lobisomens e maldições egípcias no imaginário mundial.

O Canal Showtime mergulha no universo dos Penny Dreadful emergindo com uma empolgante série inspirada pelo universo gótico vitoriano.

Penny Dreadful é todo a respeito de estilo. Pompa e Circunstância! Uma das grandes apostas do canal para essa temporada, não foram poupados recursos para torná-la verossímil. O caprichado trabalho de reconstituição de época, figurino, cenários, maquiagem e fotografia não são menos que sensacionais, dignos das super-produções dessa safra que já ficou conhecida como a Era de Ouro da televisão.


Tudo em Penny Dreadful parece calculado para tirar o fôlego do espectador. A Londres recriada em detalhes - das majestosas mansões vitorianas, passando pelo porto carregado de mercadorias e caixas, até as ruas lotadas e os cortiços decadentes, a cidade que um dia foi a Capital do Império Britânico é muito mais do que um pano de fundo para a trama, ela é quase uma personagem da estória. Além da perfeita reconstituição, minuciosa nos mínimos detalhes, cada quadro deixa evidente a aura sombria que permeia Penny Dreadful. As sombras são uma presença onipresente nesse contexto, escuras como nunca, elas emolduram um mundo opressivo e impiedoso do qual não há escapatória.

Logo na primeira cena, a série deixa clara sua proposta: incomodar o público.

O roteiro não economiza sangue e violência, produzindo uma sequência que já vem sendo chamada de "uma das mais medonhas da história da televisão". Nela, uma humilde família londrina morando em um casebre é feita em pedaços por uma besta que retalha mãe e filha com a selvageria de um ciclone de navalhas. Comparações com o sanguinolento trabalho de Jack, o estripador são inevitáveis quando acompanhamos os policiais no exame da cena do crime. Há marcas de sangue em todo o canto, órgãos e tripas. A direção de arte se esmera em deixar tudo medonhamente real.  


Essa é a introdução perfeita para lançar o espectador de encontro a tensa abertura, uma homenagem ao estilo gótico que reúne em pouco mais de um minuto tudo aquilo pelo qual o gênero ficou famoso. Os acordes de um violino estridente, preenchem uma colagem de cenas chocantes - insetos, erotismo, morcegos, cicatrizes, crucifixos e sangue, muito sangue. Desde já, essa entrada vai para o topo das minhas favoritas, pela forma como ela simultaneamente consegue atrair e repelir.

Mas Penny Dreadful não chama a atenção apenas pelos seus (muitos) requisitos técnicos.

O soberbo elenco, conta com um grupo de atores e realizadores consagrados que revisitam as bases que construíram o gênero gótico. O roteiro assinado pelo celebrado John Logan (roteirista de Skyfall e vencedor do Oscar por O Aviador) é um primor alternando divagações existenciais, tristeza e excitação, fatores que se somam perfeitamente para um elenco cheio de rostos conhecidos brilhar.

Embora haja uma grande quantidade de subtramas e reviravoltas que prometem desenvolver os personagens, o foco da série nessa primeira temporada é a implacável busca por Mina, uma jovem que foi abduzida por uma criatura não inteiramente humana. E essa busca deixará um rastro de horror e montanhas de cadáveres.  


O pai de Mina, o grande explorador Sir Malcolm Murray (o ex-James Bond, Timothy Dalton) descobre que uma força maligna está por trás do sequestro e resolve reunir um grupo de indivíduos com talentos únicos para auxiliá-lo no salvamento. O próprio Sir Malcolm é uma espécie de Allan Quartermain, o grande caçador branco do império, um aventureiro endurecido, veterano de expedições aos cantos mais distantes da África de onde emergiu incólume. Dalton, um ator considerado canastrão tem o seu melhor desempenho em anos, emprestando dignidade ao líder do grupo.  

A aliada mais próxima de Sir Malcolm é a bela Senhorita Vanessa Ives (Eva Green) uma espécie de médium com um talento único para acessar o mundo sobrenatural. Seja lendo cartas de tarô ou interpretando sonhos premonitórios aterrorizantes, ela é sua maior esperança para determinar a localização de Mina e da criatura que a mantém cativa. Dona de um senso de humor sardônico e de uma existência amargurada, Ives é uma figura magnética que parece imersa em uma tragédia emocional que a ligou para sempre aos Murray. E como descobrimos ao longo da série através de medonhos flash backs, o passado de Vanessa retornará para testá-la.

A necessidade por "poder de fogo" leva Sir Malcolm a recorrer ao pistoleiro Ethan Chandler (Josh Hartnet) um americano que trabalha num show itinerante do Oeste Selvagem. Chandler é o "dedo no gatilho", capaz de sacar duas pistolas e disparar de forma rápida e mortal. Nos primeiros episódios descobrimos que ele tem um passado conflituoso com o pai e que sua viagem para a Europa envolve uma tentativa desesperada de fugir da família. Chandler reconhece que já fez muitas escolhas erradas na sua vida, e quando a dupla oferece a ele dinheiro para alugar suas armas para um "trabalho noturno", ele aceita de bom grado sem saber no que está se metendo.


O trio ganha a companhia de um especialista nos assuntos da vida e morte, o talentoso médico Victor (Harry Treadway), que movido pela curiosidade científica aceita se juntar ao grupo na qualidade de consultor. É claro, Victor não é outro senão o notório Dr. Frankenstein do romance gótico de Mary Shelley. Como não poderia deixar de ser, ele também está conduzindo suas próprias experiências no campo da revitalização humana e os resultados de seus experimentos blasfemos retornarão para assombrá-lo na forma da "Criatura" (Rory Kinnear), seu primeiro e mais terrível sucesso. O monstro que assombra Victor está muito mais próximo da figura presente no romance de Shelley, um ser inteligente transbordando de ressentimento e frustração, do que para a criatura monossilábica que nos habituamos a ver. Algumas das melhores linhas da série são proferidas por ela, enquanto tenta se encaixar no mundo dos vivos. 

Este grupo de almas perdidas, acrescido de Sembene (Danny Sapani), o fiel criado africano de Sir Malcolm, formam uma espécie de sociedade devotada a enfrentar o mal. No início, os personagens não estão certos de qual será o papel de cada um ou mesmo o que estão enfrentando, mas aos poucos eles compreendem que diante do horror que ameaça Londres (e a própria humanidade), alguém precisa fazer o que é certo. O rapto de Mina parece ser apenas a ponta do iceberg, que esconde uma ameaça invisível que irá se desenhar ao longo das próximas temporadas.

Como fã do gênero é um alívio encontrar uma série tão bem feita que se encarrega de resgatar a imagem dos monstros clássicos do horror gótico, devolvendo a eles suas características originais. Os vampiros em Penny Dreadful, tanto os horríveis seres calvos de olhos vermelhos quanto seus asseclas de cabelos brancos, são aberrações sanguinárias e implacáveis, nenhum deles divaga sobre sua condição existencial e menos ainda "brilha no sol". Eles não tem tempo para isso pois são monstros, se comportam como monstros e assustam como monstros. Se há um mérito no roteiro é o de devolver aos monstros sua condição original, da qual nós fãs, sentíamos saudades.


Outro acerto da série é fazer com que os protagonistas não se comportem como heróis. Pelo contrário, cada um deles possui gritantes falhas de caráter e dúvidas de que são os mais adequados para a tarefa monumental diante deles. Os "caçadores" são egocêntricos e arrogantes, por vezes, se deixam levar pelas suas paixões mesmo sabendo que o orgulho pode arrastá-los para a perdição. Malcolm destruiu a família em nome da fama e renome e quer se redimir salvando Mina nem que para isso tenha de "assassinar o mundo", Vanessa é tentada pelas trevas que lhe oferecem poder e ela não consegue dizer não a elas, Victor não conhece ética para seus experimentos científicos e Chandler prefere criar uma nova identidade, escondendo seu passado sob uma faceta rude. Há espaço de sobra para aprofundar o background de cada um desses personagens, e logo fica claro que eles escondem muitos segredos que aos poucos serão revelados. 

Mais do que um arremedo de "Liga dos Cavalheiros Extraordinários", essa equipe de "caçadores do sobrenatural" começa a sua carreira lutando contra hordas de vampiros em sórdidos covis de ópio, no escuro zoológico de Londres e nos claustrofóbicos porões de um navio abandonado. Em cada um desses cenários eles encontrarão pistas que os levarão mais próximo de Mina e do confronto final com seu tenebroso "Mestre" (não o seu raptor, mas alguém mais perigoso que nós sabemos muito bem de quem se trata).

A segunda trama de Penny Dreadful, que consome quase dois episódios inteiros, envolve Vanessa, de longe um dos personagens mais cativantes da série. A progressiva queda da personagem, seu tormento nas mãos de uma entidade demoníaca (o próprio diabo ou quem sabe uma divindade egípcia, não se sabe ao certo) e a consequente possessão demoníaca que ela experimenta estão entre os pontos altos da primeira temporada. Eva Green simplesmente dá um show nessas cenas. Eu me pergunto que outra atriz seria capaz de uma interpretação tão carregada de energia emocional, angústia e entrega. Lá pelas tantas, com os cabelos raspados, nua e gritando em uma língua morta não há como ficar indiferente à sua presença.    


Além dos protagonistas centrais, várias figuras orbitam ao redor deles. Os mais interessantes são dois personagens extraídos da literatura gótica do período, o Professor Amadeus Van Helsing (David Warner) e o imortal dândi Dorian Grey (Reeve Carney). Ainda saberemos qual será o papel de Dorian Grey nas temporadas seguintes e se ele será aceito no grupo como aliado, ou se tem potencial para se converter em um vilão. As incursões de Dorian em seu palacete decadente a uma masmorra secreta onde repousa o quadro amaldiçoado responsável por sua beleza perpétua, indica que ele terá um papel central no futuro. Seja como for, embora ele ainda não tenha "se juntado ao grupo", é óbvio que sua presença abalou os demais. O fato desses personagens clássicos das obras de Bran Stoker e Oscar Wilde, estarem presentes, sem dúvida nos deixa curiosos para saber se ao longo das próximas temporadas teremos outros nomes pinçados das páginas da literatura clássica.

Finalmente fechando a lista de coadjuvantes temos Brona Crowley (Billie Piper), uma imigrante irlandesa, outra personagem que promete crescer no curso da série. Sofrendo de um quadro terminal de tuberculose a prostituta acaba se apaixonando por Chandler e se vê involuntariamente arrastada para o mundo de trevas que cerca seus colegas e de onde ela definitivamente, deve emergir... transformada.  

Em uma série com tanta coisa acontecendo, é incrível como o roteiro consegue o milagre de resumir tudo dentro de apenas oito episódios com menos de uma hora cada. É claro, a primeira temporada termina deixando aquele cruel gostinho de quero mais e permitindo inúmeras pontas soltas para a próxima temporada amarrar. O Canal Showtime já renovou a série para uma nova temporada, dessa vez com 12 episódios.

Que a espera seja curta e que Penny Dreadful retorne o mais rápido possível com muito sangue e horror.

Abertura de Penny Dreadful:


Trailer do primeiro episódio:

3 comentários:

  1. Boa resenha para uma boa série! O episódio final foi muito empolgante; que venha logo a segunda temporada.

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  2. Certamente Penny Dreadful é uma série de terror que tem vindo a conquistar jovens e velhos. Isso faz parte da programacion você pode desfrutar de Penny Dreadful em HBO , o canal para o público sempre incrível, nova, original e com uma excelente série elenco. Não perca a segunda temporada porque começou.

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  3. Estava escrevendo a resenha pro meu blog e fui olhar o que estavam dizendo sobre a série, já estava achando que era a unica que tinha gostado tanto de Penny Dreadful! hahaha
    Enfim, já estou esperando a terceira temporada!


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