quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Eddie Gein - Os crimes do Açougueiro de Plainfield (parte 1)



Em 17 de novembro de 1957, a polícia da pequena cidade de Plainfield, no estado de Wisconsin chegou a decadente fazenda pertencente a Eddie Gein. Os policiais suspeitavam que Gein estivesse envolvido no roubo a um armazém e no desaparecimento de uma atendente chamada Berenice Worden. O taciturno sujeito havia sido o último cliente na loja e uma testemunha que passara de carro havia visto ele sentado no meio fio pouco antes do estabelecimento comercial fechar.

Gein era um fazendeiro mal sucedido, conhecido pelos vizinhos como um sujeito quieto e de poucos amigos. Morava em uma casa feia, isolada e escura no fim de uma estrada pouco usada de terra batida. No jardim repleto de erva daninha e mato, haviam sacos de lixo, adubo e velhos eletrodomésticos que ele recolhia na caçamba de seu caminhão e supostamente consertava. Os policiais olharam ao redor e encontraram um gato morto trancado dentro de uma geladeira velha.

O lugar todo cheirava a podridão e decomposição. O xerife Arthur Schley comentou com o delegado que o acompanhava que aquele cheiro não parecia vir apenas do animal morto, mas de todo canto. Com uma lanterna à pilha, os dois vagaram pelo quintal observando os objetos que enferrujavam ao relento. De repente algo bateu no braço do xerife. Quando ele se virou para olhar, percebeu que era uma carcaça humana pendurada no galho de uma árvore. O corpo de uma mulher nua decapitada, fora aberto no abdômen e as vísceras puxadas para o lado de fora. Uma visão medonha sem sombra de dúvida, mas que pareceu horrivelmente familiar numa comunidade onde a caça era comum.

Levou alguns instantes para Schley entender que aquele cadáver não era de um gamo. Tratava-se do corpo de uma mulher horrivelmente mutilada. Ele havia acabado de encontrar Berenice Worden, 50 anos, moradora de Plainfield a sua vida inteira.

Os dois delegados foram até a porta da frente e bateram com as armas em punho. Ninguém atendeu. O xerife foi até a janela e espiou o interior da sala. O susto foi tão grande que ele quase desmaiou: eles haviam encontrado o lugar de um massacre indescritível. Sobre a mesa da sala havia um crânio humano servindo de bacia decorativa. Pedaços de corpo estavam sobre a mesinha de cabeceira, mãos e pés e a toalha que cobria o móvel era feita de pele humana. No candelabro haviam dedos cortados e entranhas penduradas como enfeites natalinos.

Arrombando a porta, eles encontraram outros objetos horríveis: uma cadeira feita de ossos humanos, uma coleção de genitais femininos mantidos em caixas de sapato, um cinto cheio de mamilos, uma cabeça humana preservada em uma caixa de chapéu, um colar de orelhas e narizes... quanto mais eles exploravam a casa, mais troféus dantescos surgiam diante de seus olhos. No armário havia um terno feito de pele humana costurado nos mínimos detalhes. O cheiro de morte e decomposição era insuportável, quase como uma parede invisível que cobria cada cômodo horrivelmente decorado.

Quantos crimes haviam acontecido ali? Quantas vítimas aquele sujeito havia feito?   

Os dois policiais encostaram a porta e aguardaram o retorno do maníaco. Gein apareceu logo em seguida e quando os dois policiais deram voz de prisão ele apenas sorriu e disse: "Olá, posso lhes servir um café?"


Naquele dia soturno, a América conheceria um de seus mais famosos assassinos em série, um homicida que se tornaria objeto de análise e pesquisa e cuja notoriedade atravessaria gerações. Ed Gein se tornaria conhecido em todo país e da noite para o dia ia se converter numa espécie de celebridade macabra.

O autor Robert Bloch iria se inspirar em sua estória para escrever Psycho (Psicose), livro que adaptado para o cinema pelo genial diretor Alfred Hitchcock se tornaria um clássico do suspense. Os horríveis detalhes de sua fazenda dos horrores serviria como base para as atrocidades de Leatherface, o personagem principal de Texas Chainsaw Massacre, filme de 1974. Já em 1989, os assassinatos de Gein seriam a inspiração para o grotesco assassino Buffalo Bill, do sucesso agraciado com o Oscar, "O  Silêncio dos Inocentes".

Gein continuaria fazendo parte do imaginário dos americanos nas décadas seguintes, como um monstro, mas não obstante, um monstro fascinante.

Mas como uma criança evolui para se tornar algo como Eddie Gein? Uma análise de sua infância e de sua vida forneceriam alguns detalhes e pistas.

Edward Theodore Gein nasceu em 27 de agosto de 1906, filho de Augusta e George Gein na cidade de La Crosse, Wisconsin. Eddie era o segundo de dois garotos nascidos do casal. O primeiro rapaz era Henry, que era sete anos mais velho que Eddie.

Augusta, era uma fanática religiosa, determinada a criar seus filhos de acordo com os preceitos religiosos e um severo código moral. Ela via pecado em tudo à sua volta e apavorava os garotos com ensinamentos sobre o inferno e como as almas dos pecadores ardiam nas chamas eternas. Sua pregação continuamente os alertava sobre os perigos da imoralidade e da tentação representada por mulheres de má índole. O caminho para o inferno, segundo ela, era pavimentado com promessas de luxúria. Augusta era uma mulher dominadora e cruel, capaz de controlar sua família com mão de ferro. Seu marido e os filhos se sujeitavam inteiramente ao seu julgamento.


George, era um homem fraco que bebia escondido e não opinava na criação dos garotos. De fato, Augusta o desprezava e o chamava de "a mais covarde das criaturas que Deus colocou na Terra". Ela tomava conta da casa e obtinha dinheiro lavando roupa. A mulher chegou a abrir uma pequena venda em La Crosse até o ano em que Eddie nasceu. Todo o dinheiro que ela conseguia juntar era guardado em potes de geleia e embora a família tivesse uma condição desconfortável, ela não permitia que ninguém tocasse nas economias. Para todos os efeitos eles tinham uma vida quase miserável.

Em 1914, Augusta decidiu que era melhor a família se mudar para um lugar mais cristão do que La Crosse. Ela escolheu uma fazenda isolada em Plainsfield, onde seus garotos poderiam crescer sem  influências malignas ou tentações capazes de despedaçar seu clã. O vizinho mais próximo da fazenda ficava a quase um quarto de milha. Embora a matrona tenha tentado diligentemente manter seus filhos longe do resto do mundo, ela não foi totalmente bem sucedida pois os meninos tinham que estudar. Eddie era um aluno regular, mas sempre muito introvertido e evitado pelas outras crianças. Ele era tratado como um estranho, com modos efeminados e incrivelmente tímido.

Os meninos retornavam para casa do colégio e tinham de fazer um relatório completo de quem haviam visto e com quem haviam falado. Qualquer contato com mulheres, era punido com varas de marmelo e beliscões. Quando Henry disse ter falado com uma menina, a mãe queimou sua língua com um cigarro. Nada restava aos meninos senão a companhia um do outro e da mãe, que eles acreditavam ser a pessoa mais perfeita do mundo.

Apesar das dificuldades, os meninos cresceram e Henry se tornou um trabalhador e um homem de forte integridade na comunidade. Ganhava dinheiro fazendo trabalhos em fazenda, arrumando, consertando e pintando coisas. Eddie o ajudava sempre que possível, mas muitos dos habitantes da cidade o consideravam meio retardado.

A medida que se distanciava dos ensinamentos fanáticos da mãe, Henry se preocupava com o irmão. Em várias ocasiões o mais velho criticava abertamente Augusta, deixando Eddie chocado. Para Eddie, a mãe era um verdadeiro anjo de candura e ele ficava consternado quando o irmão o aconselhava a não ouvir as palavras dela. Henry chegou a propor que o irmão viesse morar em sua casa, quando ele comprou uma pequena propriedade, mas Eddie disse que preferia morrer a deixar a mãe sozinha.


Em 1944, Henry morreu em um acidente muito estranho. Eddie foi a única testemunha, e afirmou que o irmão havia caído do alto de um galpão quando os dois tentavam apagar um incêndio acidental. Embora Eddie tenha chamado a polícia, seu testemunho era na melhor das hipóteses contraditório e confuso. Talvez sua fama como mentalmente inepto tenha lhe poupado de um interrogatório mais elaborado. Embora Eddie jamais tenha reconhecido qualquer participação na morte de Henry, policiais escreveram no relatório que o cadáver apresentava ferimentos condizentes com agressão.

Quando as autoridades procuraram Augusta para informá-la da morte do primogênito ela respondeu de forma fria. "Meu filho havia se desgarrado do rebanho dos justos. Apenas lamento que ele vá para o inferno, mas nós colhemos aquilo que plantamos", teria dito ela.

Anos mais tarde, o legista do condado de Plainsville teria dito que a causa da morte de Henry Gein fora asfixia por estrangulamento. O ferimento em sua cabeça por sua vez teria sido causado por um objeto pesado, um porrete provavelmente, usado para que ele desmaiasse.  Eddie jamais foi apontado como suspeito da morte e o certificado de óbito, definia a morte como "acidente".

Em 29 de dezembro de 1945, a vida de Eddie viraria de cabeça para baixo. Após uma série de derrames, que já a haviam deixado inválida, Augusta Gein morreu em casa.

Eddie ficou devastado de tal forma que chamou um vizinho apenas três dias depois da mãe estar morta. O cadáver estava limpo e trocado, como se ela ainda estivesse viva. O escritor Harold Schechter em seu livro "Deviant" escreveu que Eddie "havia perdido seu único amigo e seu único amor de uma vez só. Pela primeira vez ele estava sozinho no mundo".   

Ele ficou na fazenda que pertenceu a família após a morte da mãe, vivendo de trabalhos ocasionais e consertos. As pessoas não tinham motivos para desconfiar de Eddie que embora fosse calado e estranho, não parecia alguém perigoso. Eddie comprou um caminhão com guincho e vagava pelas estradas oferecendo seus serviços manuais. Em casa, ele lacrou o quarto que pertenceu a sua amada mãe, mantendo-o impecável quase como um templo em sua memória. Ele preservou seus objetos e roupas impecáveis. Na penteadeira havia uma escova com seus cabelos que permaneceu intocada por anos. Muito se questionou que Eddie assumia a identidade da mãe, como ocorria com o personagem Norman Bates que vestia suas roupas e copiava seus trejeitos. Psiquiatras acreditam que Eddie era incapaz disso. Ele considerava a mãe uma figura quase divina e não acharia "respeitoso" imitá-la.


Eddie passou a usar apenas o quarto, a sala e a cozinha da fazenda. O resto dos aposentos ficavam fechados. O recatado fazendeiro passava seu tempo livre lendo estórias de detetives, de horror ou aventura. Ele colecionava almanaques médicos sobre anatomia, relatos de soldados da Segunda Guerra sobre câmaras de gás dos nazistas e revistas contendo casos reais de detetives de polícia.  Ele também gostava de ouvir rádio, uma das poucas coisas que ele descobriu ter interesse após a morte da mãe que não permitia tal passatempo. Quando caía a noite, Gein andava pela estrada ou passeava em seu guincho, sempre sozinho como se estivesse matutando alguma coisa. Às vezes era visto rindo ou falando sozinho.

Foi durante esses passeios após o por do sol que Eddie começou a se comportar de maneira bizarra. Eddie conhecia um antigo cemitério próximo de casa e fazia visitas noturnas frequentes ao local. Passou a dormir sobre lápides e tumbas, dizia que tentava ouvir se as pessoas enterradas por acaso não estariam vivas. Em certa ocasião, pensou ouvir um arranhar na tumba e correu até em casa voltando com uma pá. Desenterrou o caixão e se deparou com os restos mumificados de uma mulher.

Embora Eddie jamais tenha se sentido á vontade na companhia do sexo feminino, ele se sentiu estranhamente à vontade na presença do cadáver exumado. Embora ele tenha jurado que jamais praticou necrofilia, estar diante de cadáveres femininos de alguma maneira saciava seus desejos e permitia um alívio das sua ansiedades. Ele contou que havia sentido enorme prazer removendo o caixão do solo e abrindo a tampa encontrara algo que passou a completar a sua existência. Sua curiosidade com a anatomia feminina o levou a obter alguns troféus que pudesse carregar para casa e analisar com mais cuidado. Desse primeiro cadáver ele removeu pedaços que colocou em um saco e dirigiu para a fazenda depois de enterrar o que havia restado.  

Gein começou a ler os obituários dos jornais locais em busca de notícias sobre mulheres recém enterradas. Na noite seguinte ao funeral, ele invadia os cemitérios, exumava o cadáver e retirava dele os órgãos e partes que mais lhe chamavam a atenção. Colecionou vários pés, mãos, dedos, orelha, lábios, seios, vaginas e até cabeças. Um de seus passatempos era cozinhar as cabeças em panelas de pressão até que elas encolhessem... Ele contou que às vezes visitava a cidade usando um colar de cabeças humanas encolhidas do tamanho de pequenas cebolas por dentro da camisa. Depois de ter sido capturado, Eddie disse que também usava uma camiseta e uma espécie de calção feitos de pele humana esfolada e costurada extraídas de cadáveres.

Até esse ponto, o comportamento excêntrico de Eddie Gein ainda não havia evoluído para assassinato, mas isso estava prestes a mudar. O assassino em série dentro dele ainda estava sendo criado e em breve iria aflorar em uma série de horríveis crimes.

(Continua)

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