quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Caçando Fósseis e Ovos de Dinossauros na Mongólia - A Expedição automotiva de Andrews


A despeito de todas as dificuldades, em abril de 1922, a expedição de automóveis Dodge comandada por Roy Chapman Andrews passou através de um portão na Grande Muralha da China, e tomou o caminho, rumo ao desconhecido.

O primeiro grande achado da expedição foram fósseis de Baluchitherium, um tipo de rinoceronte pré-histórico que viveu durante a Era do Gelo. Um dos motoristas percebeu uma mandíbula simplesmente brotando da terra como uma estranha planta cinzenta. A descoberta animou os cientistas: em que outro lugar do mundo seria possível achar fósseis literalmente brotando do chão?

O grupo montou um acampamento e desenterraram a maior parte dos ossos do enorme animal. A expedição conseguiu recuperar a ossada quase completa, inclusive o imenso crânio com os chifres ainda ameaçadores em perfeito estado. As peças foram removidas cuidadosamente e acondicionadas em caixotes de madeira recheados de palha. Como estavam no início da jornada, enviaram dois automóveis de volta para que os ossos fossem guardados por colegas na China.  

Os automóveis que retornaram foram ameaçados por bandidos, mas conseguiram passar por esse contratempo graças a uma demonstração de poder. Um dos motoristas colocou uma metralhadora Thompson para fora da janela e disparou uma rajada para o ar acabando com as pretensões hostis dos ladrões. A ossada enfim chegou a China e de lá foi remetida para Nova York, chegando a cidade em dezembro de 1922. Harry Osborn, o diretor do Museu de História Natural, classificou o transporte para os Estados Unidos como um dos maiores feitos da história da paleontologia. Até aquela data, tudo que se tinha de um espécime de Baluchitherium se resumia a alguns poucos fragmentos e sua existência chegava a ser contestada. A descoberta era tão significativa que os cientistas foram capazes de compreender o funcionamento daquele enorme animal, com quase dois metros de altura e mais de seis metros de comprimento, com base na sua estrutura óssea.

Mas era apenas o início. Muito mais estava por vir. 


O achado mais famoso da expedição Andrews ao centro da Asia foi feita em 13 de julho de 1923. George Olson, um assistente de paleontologista, retornou ao acampamento afirmando ter feito uma descoberta sem precedente: ele havia encontrado ovos de dinossauro nos penhascos flamejantes de Shabarakh Usu. A princípio os membros da equipe estavam céticos achando que a descoberta não passava de uma formação natural, mas depois de uma análise mais criteriosa chegaram a conclusão que estavam diante de algo incrível. Eram três ovos intactos e algumas cascas que haviam se fossilizado graças a ação da areia. Os cientistas ficaram pasmos. Os ovos estavam praticamente na superfície, desde que foram depositados naquele local no Período Cretácio. Ainda que existissem aves habitando aqueles penhascos, os ovos eram grandes demais e não eram compatíveis com nenhum desses animais. O grupo acabou concluindo que se tratavam de ovos legítimos de dinossauro, os primeiros encontrados em perfeito estado. Até essa descoberta, alguns cientistas não estavam sequer certos de que esses animais colocavam ovos ou se davam a luz aos seus filhotes como os mamíferos. As especulações a respeito da veracidade da notícia varreram o mundo. A confirmação veio dias depois quando outro ninho foi encontrado, e dentro deste os restos fossilizados de um dinossauro de dimensões menores e sem dentes - obviamente um filhote.

O preço dessas descobertas era o perigo constante e as dificuldades de se trabalhar no ambiente hostil do Gobi. Andrews contou que certo dia, o grupo decidiu acampar no alto de um promontório de pedra avermelhada que parecia a proa de um imenso navio. Fósseis eram abundantes nessa área e os membros da expedição decidiram que seria interessante ficar ali alguns dias, ainda mais porque o lugar oferecia uma proteção contra o sol causticante. O problema é que a área era o covil de outros habitantes do deserto, encontraram por lá centenas de covas rasas onde viviam letais Víboras do Gobi. Na primeira tentativa de escavar a área, dois homens foram picados e outro caiu em um buraco, sendo resgatado miraculosamente de uma trincheira onde estavam dezenas de víboras. Para escapar dos répteis, tiveram de usar suas armas e mataram nada menos do que 47 víboras. Um dos guias chineses ao atirar a queima roupa num dos animais teve os olhos borrifados com veneno e perdeu a visão.

Em outra ocasião, um dos motoristas mandou chamar Andrews. Um dos automóveis apresentava problemas mecânicos, mas nenhum dos homens queria chegar perto do veículo para executar os reparos necessários. Quando perguntado do motivo, Andrews foi informado que haviam centenas de escorpiões mortais que escolheram justo o motor como esconderijo. Foi preciso fumegar todo o carro com fumaça para desentocar os animais, mesmo assim, ao longo da viagem, escorpiões apareciam nas frestas do automóvel. Certa vez, um dos motoristas saltou do automóvel em pleno movimento e começou a tirar a roupa em desespero. Um escorpião havia caído do teto do automóvel dentro de sua jaqueta, por sorte ele não chegou a ser picado.   


Mas os perigos não se resumiam aos animais que viviam nas planícies inóspitas. O próprio clima parecia estar contra a expedição. As tempestades de areia eram tão fortes que ameaçavam carregar tudo, virar os automóveis e espalhar as provisões pelas planícies secas. Quando uma tempestade era avistada à distância, o comboio tinha de parar imediatamente, os animais eram enviados para o caminho inverso a fim de serem protegidos e barreiras para conter o vento eram erguidas. O pior era quando a tempestade se formava repentinamente, o que forçava os homens a agir sob pressão. Uma dessas tempestades repentinas, fez com que quatro camelos simplesmente desaparecessem. Os pobres animais foram sepultados de baixo de toneladas de areia quente.

É possível que uma das descobertas mais significativas da expedição não tenha sido um fóssil grande, mas um pequeno. Em 1923, Walter Granger encontrou um pequeno crânio num depósito de calcário do Período Cretácio. Ele identificou o achado apenas como "réptil desconhecido" e enviou a peça para um museu para ser estudado. Em 1925 uma carta chegou, endereçada à base do grupo que passava as férias de verão em Pequim. O crânio pertencia a um mamífero, não a um réptil. Mamíferos que viviam na era dos dinossauros eram extremamente raros, e praticamente todos eles se tornaram extintos, incapazes de competir com seus predadores naturais. O crânio achado por Granger, entretanto, vinha de uma linha de mamíferos que podia ser relacionada a animais dos dias atuais. A carta pedia a Granger e aos demais que buscassem por mais evidências de mamíferos contemporâneos do Cretácio. Ao retornar ao Gobi no ano seguinte, a expedição desenterrou mais seis crânios de mamíferos que provaram de uma vez por todas a presença desses animais no período. 

Mas naquele mesmo dia, a expedição enfrentaria um de seus maiores desafios. Andrews escreveu em seu diário que "acordou com uma sensação estranha, como se cada nervo de seu corpo estivesse vibrando". Sem pensar duas vezes ele vestiu seu coldre, apanhou um rifle e começou a patrulhar o perímetro do acampamento, sem achar nada fora do normal. Incapaz de dormir, montou vigília no teto de um dos automóveis observando o horizonte com um binóculo. Ele percebeu que o vento estava cada vez mais forte, mas só quando amanheceu Andrews conseguiu ver uma nuvem alaranjada se erguendo poucos quilômetros a frente - era uma tempestade devastadora que se formava. Os homens foram acordados rapidamente, não havia tempo a perder e não adiantava tentar salvar os camelos ou desfazer o campo. A única chance de sobreviver era correr. 


Os motoristas aceleraram velozmente, tentando escapar da tempestade, mas em poucos minutos ela os alcançou e engoliu o comboio por inteiro. Logo havia toneladas de areia sendo soprados contra os automóveis, com tanta força que produzia riscos no vidro do para-brisa e impedia que se visse além de poucos metros. Os automóveis foram então posicionados em um círculo com pesos posicionados junto das rodas para que o vento não virasse os veículos. A tempestade foi devastadora e durou 45 minutos. Quando enfim ela amainou, o cenário era surreal: os automóveis Dodge estavam enterrados. Os homens tiveram de cavar em busca de dois deles que ficaram completamente cobertos com os passageiros confinados em seu interior. Demorou quase duas horas para resgatar os homens que por pouco não sufocaram no interior do veículo. 

Depois desse incidente, a expedição achou melhor retornar a Pequim para se reequipar. Boa parte de suas provisões havia sido perdida e os poucos animais que restavam não dariam conta de prosseguir na árdua missão. Combustível, água e munições também foram perdidas na ventania abrupta. Além disso, os membros da expedição também estavam exauridos, física e mentalmente, conquanto, por sorte, ninguém havia morrido ou se ferido gravemente. De volta a capital chinesa, Andrews contratou dois novos membros para a expedição meteorologistas que seriam fundamentais dali em diante para identificar a formação de tempestades no deserto. Graças a atuação desses especialistas a expedição se livrou de grandes enrascadas nos anos seguintes.

Mas haviam outros perigos.

Nos primeiros anos, bandidos e guerrilheiros eram mais um estorvo do que uma ameaça. Andrews havia equipado os membros da expedição com armas modernas e o poder de fogo deles era bem superior ao dos bandoleiros que infestavam a região. Quando ficava claro que a expedição tinha armas e não exitariam em usá-las em defesa própria, os bandoleiros abandonavam seus planos de atacar. Os senhores da guerra também respeitavam a expedição e evitavam confrontá-la, o carro da frente tremulava uma bandeira americana e quando a viam os comandantes ordenavam que a expedição fosse deixada em paz. Alguns generais chegaram a negociar diretamente com Andrews e em troca de alguns presentes aceitavam escoltá-los através de algumas regiões perigosas. Um pelotão de russos brancos (soldados anti-comunistas) ajudou a expedição quando esta foi emboscada por bandoleiros chineses.


De acordo com as estórias, um dos arqueólogos da expedição Nels C. Nelson foi capturado por um grupo de bandidos mongóis que tencionavam trocá-lo por armas. Enquanto estava no cativeiro, Nelson descobriu que os homens eram extremamente supersticiosos e aproveitou essa peculiaridade para escapar. Ele tinha um olho de vidro, e quando o removeu e mostrou para seus raptores eles simplesmente fugiram aterrorizados. Nelson foi resgatado dois dias depois.

Mas as coisas mudariam a partir de 1926. A Guerra Civil estava se tornando cada vez mais brutal e todos os lados empregavam táticas de intimidação que incluíam massacres e execuções de civis. Pouco depois de deixar Pequim em direção ao Gobi, a expedição foi atacada por um contingente de soldados chineses rebeldes fortemente armados. Um dos guias abriu a porta, acenou a bandeira americana e acabou baleado na cabeça. "As balas atingiram os automóveis como se fosse uma tempestade de granizo" escreveu Andrews, "eles abriram fogo com uma metralhadora bem na nossa frente. Era possível ouvir os projéteis zunindo como abelhas furiosas acima de nossas cabeças". Pela primeira vez a expedição teve que retroceder diante de um inimigo melhor armado: além das armas automáticas, os guerrilheiros contavam com granadas.    

De volta a sua base as coisas se mostraram ainda mais complicadas. Os soviéticos acusaram a expedição de espionagem e de minar os esforços de rebeldes comunistas dentro do exército chinês. Havia um ar de ameaça nas acusações dos soviéticos. O governo chinês também começou a se ressentir da presença dos estrangeiros em seu território. Surgiu a suspeita de que membros da expedição haviam se apropriado de tesouros chineses mantidos em museus na capital. Os boatos se provaram infundados, mas dois professores chegaram a ser agredidos na rua por nacionalistas chineses. Ironicamente, Andrews acabou piorando a situação, ele leiloou um ovo de dinossauro por 5 mil dólares, a fim de angariar fundos para a compra de armamento para a expedição. Com o dinheiro, ele adquiriu três metralhadoras giratórias que foram instaladas no teto dos veículos o que irritou os chineses.

Incapaz de garantir a segurança de sua equipe, Andrews decidiu cancelar as expedições de 1926 e 1927. Em 1928 ele tentaria novamente, a expedição contava com armamento pesado: granadas, explosivos e metralhadoras, mas mesmo assim eles só conseguiram chegar a fronteira da Mongólia. No caminho eles encontraram vilas inteiras destruídas e civis massacrados por ambos os lados. Os cientistas estavam enjoados com aquele horror, alguns diziam que a expedição havia se tornado quase uma campanha militar. Para piorar, ao retornar a Pequim, os membros da expedição foram presos, acusados de roubo. A recém criada "Sociedade para Preservação de Objetos Culturais", acusava três membros da expedição da apropriação de tesouros do povo chinês. As armas e automóveis foram confiscados e Andrews passou seis semanas negociando a devolução do equipamento. Quando finalmente ele conseguiu reaver parte do material, não havia mais clima para prosseguir.

Em 1929, ele não recebeu a documentação necessária para retornar a China. O governo negou seu visto e advertiu que ele não poderia entrar no país. Em 1930, uma última expedição foi planejada. Andrews ainda tinha conhecidos no governo chinês e estes conseguiram, através de muitos subornos, documentos oficiais. Para equipar a expedição ele negociou diretamente com contrabandistas que havia conhecido nas expedições anteriores.

Nessa derradeira expedição, eles encontraram um espetacular cemitério de mastodontes, os antepassados dos elefantes e coletaram inúmeros fósseis. A despeito do sucesso, Andrews teve que admitir que as condições de trabalho na Mongólia haviam se tornado perigosas demais para continuar.

Assim se encerrou a Expedição à Ásia Central e com ela a era de ouro das grandes expedições científicas. Andrews retornou aos Estados Unidos e quatro anos mais tarde se tornou o Diretor do Museu de História Natural de Nova York. Em 1942 ele deixou o museu e seguiu para a Califórnia onde passou o resto de sua vida escrevendo sobre suas experiências. Ele morreu em Carmel, no ano de 1960.

O legado de Roy Chapman Andrews continua vivo entre os cientistas que exploram a vastidão do deserto mongol. Sessenta anos depois da expedição Andrews ter partido, o governo da Mongólia convidou uma expedição norte-americana do Museu de Ciências Naturais a retornar e refazer os passos da expedição Andrews.

3 comentários:

  1. Que postagem maravilhosa !!! Parabéns cara !!!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Não faço a mais remota idéia Chervison... fico devendo essa. Eu li num dos textos que consultei para o artigo, falava apenas em "Gobi Vipers".

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