sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Cruzando o Grande Gobi - A Expedição automotiva de Andrews na década de 1920


Era a segunda semana da expedição e o aventureiro Roy Chapman Andrews já estava em dúvida quanto ao propósito de tudo aquilo. Sua ideia de procurar fósseis na isolada (e quase inexplorada) região da Mongólia central fora, desde o início, motivo de controvérsia. Vários cientistas zombaram de suas teorias, dizendo que buscar fósseis nos confins do deserto mongol era, no melhor dos casos uma perda de tempo, no pior, um disparate perigoso. Outros afirmavam categoricamente que era uma tolice tentar obter um perfil geológico de uma região coberta de areia e poeira inconstante. Mesmo Andrews havia expressado as duas preocupações no dia em que ele deixou Nova York para a sua audaciosa jornada.

Em uma reunião com Henry Osborn, presidente do Museu Americano de História Natural, que estava patrocinando a expedição, Andrews comentou que estava temeroso de que o esforço resultasse em um fracasso. 

"Besteira, Roy," respondeu Osborn, "Os fósseis estão lá, eu sei que estão, você sabe que estão. Vá até lá e os encontre. Além do mais o que você tem a perder? Além de sua reputação, credibilidade e respeito?"

Haviam se passado meses e Andrews estava sentado diante de sua tenda, talvez ponderando sobre o futuro da sua carreira na corda bamba. A paisagem inóspita do Deserto de Gobi se abria diante de seus olhos. O ano era 1928. Seus pensamentos se desfizeram pelo som de motores à distância e por uma nuvem de fumaça branca que se erguia no horizonte. Eram dois automóveis reluzindo sob o sol causticante. Walter Granger, o chefe paleontólogo da expedição, pulou de um dos carros ainda em movimento e correu em sua direção. Seu rosto estava escuro coberto de poeira e os cabelos emplastados. Granger e alguns cientistas haviam saído naquela manhã para pesquisar uma área que no levantamento topográfico parecia promissora e o grupo ficou de se juntar aos demais quando terminasse a exploração. A medida que Granger se aproximava Andrews percebeu que ele trazia em suas mãos uma bolsa de lona, e quando chegou perto o bastante começou a tirar de dentro dela vários fragmentos de osso: um dente de rinoceronte, uma costela fossilizada, um fragmento qualquer...


Foi então que Granger anunciou com um sorriso de triunfo, "Bem, Roy, nós conseguimos. Os fósseis estão aqui."

Roy Chapman Andrews nasceu em Beloit, Wisconsin em 1884. Andrews escreveu em sua biografia que mesmo quando criança tinha o desejo de viajar pelo mundo e viver aventuras: "Eu nasci para ser um explorador " ele escreveu no seu livro The Business of Exploring de 1935. "Nunca pensei em ser outra coisa, nunca houve qualquer dúvida. Eu não poderia fazer outra coisa e ser feliz.

Sua maior ambição era trabalhar para o Museu Americano de História Natural. Usando o dinheiro que ele acumulou em um trabalho como taxidermista, chegou a Nova York em 1906 após se graduar no colégio de Beloit. Quando Andrews se candidatou a um trabalho no museu, o diretor disse que não havia nenhum cargo aberto. Andrews persistiu, "Você precisa de alguém para esfregar o chão, não precisa?" O diretor admitiu que precisava de alguém para esse serviço. Andrews pegou o emprego explicando que não estava interessado em esfregar qualquer chão "mas o chão de um museu era diferente." Esse foi o humilde começo para o homem destinado a se tornar um dos mais famosos e bem sucedidos exploradores do mundo e décadas mais tarde o diretor daquela mesma instituição.

Ele começou esfregando o chão e seus conhecimentos básicos de taxidermia o levaram a trabalhar com os profissionais responsáveis por empalhar animais. Seu primeiro interesse foram as baleias. Ele ajudou a empalhar um espécime de baleia que havia sido lançado na costa de Long Island. Provando sua habilidade, Andrews foi aceito em expedições para coletar espécimes e viajou para o Alasca, Japão, Coréia e China em busca de mamíferos marinhos. Ele escreveu duas dissertações sobre eles ao mesmo tempo e completou seus estudos em mamologia pela Universidade de Columbia.


Entre 1909 e 1910 velejou como naturalista a bordo do USS Albatross para as Índias Holandesas. Além de fazer observações de mamíferos marinhos, coletou espécimens de serpentes e lagartos ainda desconhecidos. Capturou alguns pássaros e peixes curiosos e uma enorme coleção de insetos. Suas descobertas foram preservadas em vidros cheios de álcool. Em determinado momento, a coleção era tão grande que o porão do navio passou a ser chamada de "Arca de Andrews". 

Enquanto estava nas selvas do sudeste asiático, Andrews teve sua primeira experiência com os perigos de explorar regiões selvagens. Ele estava andando pela mata com seu guia quando de repente o homem saltou sobre ele:

"Uma serpente, Mestre! Uma serpente venenosa. Ali, logo na frente daquela árvore! Atire nela, rápido!"

O rapaz apontava para o lugar, mas Andrews não conseguia discernir nada de estranho a não ser um tronco de madeira suspenso na árvore. Então de repente, uma forma escura se moveu preguiçosamente e ele percebeu que o tronco era uma píton com uma circunferência equivalente a da cintura de um homem. O animal era enorme e estava escondido sob a vegetação preparado para o bote.

Andrews apanhou o rifle e disparou contra o enorme réptil que atingido se contorceu por mais de meia hora antes de morrer. Quando o animal enfim parou de se mover, Andrews descobriu que a píton tinha mais de seis metros de comprimento. Se o guia não tivesse alertado da sua presença, ele teria caminhado na direção do animal e provavelmente teria sido morto por ele. O explorador preservou a enorme serpente e passou a dizer que ela servia como um lembrete de que um explorador precisa contar com o inesperado quando adentra um território desconhecido.   

Por volta de 1920, Andrews estava pronto para uma nova aventura.


Já fazia oito anos que ele pensava a respeito de um projeto ousado visando "reconstruir inteiramente a história humana no Platô Central Asiático", incluindo sua geologia, coleta de fósseis, verificação do clima e categorizar a vegetação local. Ele pretendia também descobrir que tipo de animais haviam vivido naquela região, mamíferos e aves pré-históricas, e apurar o que havia acontecido com eles. Em resumo, o plano de Andrews era fazer um levantamento científico completo daquela vasta área desconhecida, a Mongólia Interior, uma região que até então era um grande espaço em branco nos mapas. Para esse propósito ele convidou o então presidente do Museu de História Natural, Henry Fairfield Osborn, para um almoço. Mais tarde Andrews lembrou da reunião, Osborn se recostou na sua cadeira, acendeu um cachimbo e perguntou, "Bem Roy, o que você tem em mente?"

Andrews explicou seu plano e Osborn ficou muito interessado. Osborn era um dos defensores da teoria de que a Asia Central havia sido o berço da vida no planeta. A partir daquela região, no passado luxuriante e cheia de vida, dinossauros e mais tarde mamíferos e ainda mais tarde o homem teriam se dispersado pela face da Terra. Uma expedição como aquela, proposta por Andrews, poderia confirmar a teoria que encontrava grande oposição de outros estudiosos. Após perguntar a respeito dos objetivos da expedição e como o colega planejava realizá-la Osborn enfim respondeu, "Nós precisamos levar isso adiante!"

O planejamento para a expedição exigia uma série de providências e preparativos. O interior da Mongólia era preenchido por um vasto e árido deserto de areia quase que inteiramente inabitado, exceto por algumas tribos de nômades. Eles teriam de adentrar o perigoso Deserto de Gobi, onde durante o verão as temperaturas atingiam 50 graus de dia, enquanto à noite decaíam ao ponto de congelamento. Pior do que essas condições de tempo, a equipe virtualmente não fazia ideia do que encontraria lá dentro. Não haviam mapas confiáveis, os guias interessados em conduzi-los eram poucos e não havia uma base de cálculo sobre quantos suprimentos deveriam levar. Para todos os efeitos, aventurar-se na Mongólia na década de 1920, podia ser tão surpreendente quanto viajar para Marte.

Dezenas de cientistas com diferentes especialidades desde cartografia até zoologia, passando por biólogos e paleontólogos seriam necessários para compor a equipe. Para transportar os pesquisadores Andrews decidiu inovar e desafiou a indústria automotiva americana a adequar os veículos às condições limítrofes que seriam encontradas no deserto. A Dodge Motor Company de Detroit acabou ganhando a disputa contra as outras empresas e apresentou um carro forte e resistente, capaz de transpor os mais difíceis obstáculos do deserto, suportar o clima inclemente e rodar mesmo na completa ausência de estradas. Uma frota desses automóveis Dodge foram especialmente adaptados com pneus desenhados para as condições do deserto. A propaganda dessa empreitada fez com que a Dodge se tornasse famosa em todo mundo.

Além dos veículos, a caravana contaria com 125 camelos carregados com comida, combustível, equipamento, água e suprimentos. Seriam vinte e seis cientistas e quarenta guias se embrenhando numa das mais remotas regiões do planeta, numa busca que poderia muito bem resultar em fracasso ou na morte de todos seus participantes. Uma exploração dessa magnitude não poderia durar apenas uma temporada. Os cientistas ficariam na Ásia por pelo menos cinco anos, aproveitando os meses de verão e se refugiando em Pequim no Inverno, quando sobreviver no deserto se tornava virtualmente impossível.     

Os perigos da Mongólia Interior não se resumiam ao clima e relevo extremos. 

Politicamente a área era instável. A China controlava a maior parte da Mongólia, mas toda a região central estava imersa em guerras civis, revoltas e agitação popular. O território era uma verdadeira colcha de retalhos com líderes tribais enfrentando Senhores da Guerra armados até os dentes por pequenas porções de terra. Poços de água e vilarejos eram disputados e não havia como saber qual lado estava vencendo. Para piorar, um verdadeiro exército de russos brancos (contrários à Revolução Bolchevique) haviam se refugiado na Mongólia, usando seus despenhadeiros como esconderijo para atravessar a fronteira soviética e realizar ataques aos comunistas. Os soviéticos por sua vez atravessavam a fronteira para enfrentar esses rebeldes, enfurecendo os chineses. Em suma, todos estavam armados e dispostos a matar.


Mas não apenas as correntes políticas podiam variar enormemente. Haviam tendências religiosas que seguiam tradições e filosofias orientais, misturadas com esoterismo russo e superstições das mais variadas. Muitos soldados seguiam seus líderes transformados em heróis, mártires, profetas e messias da noite para o dia. Russos brancos seguiam o legendário Barão Sangrento, Ungern Sternberg, tido como um Senhor da Guerra predestinado a derrubar o regime soviético. Chineses seguiam os preceitos do confucionismo, mas havia espaço para cultos e correntes muito mais estranhas. E é claro, os comunistas soviéticos enfrentavam toda essa babel com a inquebrantável certeza de que Deus, simplesmente, não existia. 

Todos esses pontos de vista transformavam a região em um barril de pólvora prestes a ir pelos ares com a menor faísca.  

Para armar todas essas correntes antagônicas, havia contrabandistas de armamentos, munições e equipamento pesado agindo às claras. A Mongólia era uma das áreas mais perigosas do planeta nesse período e um negociante de armas podia fazer uma verdadeira fortuna (ou morrer tentando). Um número assombroso de bandidos e saqueadores, homens que não tinham nada a perder, se reuniam nessas planícies dispostos a cair impiedosamente sobre uma caravana como uma verdadeira nuvem de gafanhotos famintos.

Não por acaso, Andrews deixou claro aos membros da expedição o que aqueles dispostos a acompanhá-lo nessa aventura enfrentariam. Os cientistas passaram por um rígido treinamento de sobrevivência no deserto e aprenderam noções de defesa pessoal e de tiro.

A expedição levava caixas contendo rifles ingleses Lee Enfield, milhares de cartuchos de munição, pistolas Colt 45 e até Metralhadoras Thompson. Para não parecer um alvo frágil a expedição científica necessitava mostrar que não iria se render diante de qualquer inimigo, e um dos requisitos para se juntar a expedição era saber manejar armas e ter fibra para matar se necessário.

Com esse espírito a expedição partiu rumo ao desconhecido.

(continua)

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