sábado, 4 de abril de 2015

Fervor Divino - Sete surtos de loucura nascido da fé

8 Short-Lived Religious Manias That We're Lucky Didn't Stick Around
“A beleza dos surtos religiosos é que eles tem o poder de explicar praticamente tudo. Uma vez que Deus (ou Satã) é aceito como a causa de tudo que acontece no mundo mortal, nada mais resta... logica pode ser alegremente jogada pela janela.”


Stephen King - The Stand 

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Todos os tipos de manias exercem influência sobre o inconsciente coletivo de tempos em tempos. E definitivamente manias religiosas estão incluídas no pacote. Isso não significa de modo algum afirmar que religião é sinônimo de bizarrice,  mas é impossível dissociar certos acontecimentos estranhos de interpretações errôneas de uma determinada doutrina religiosa. Felizmente, alguns dos mais intensos, assustadores e estranhos movimentos religiosos tiveram vida curta e desapareceram nos anais da história. Hoje, a maioria nem sequer é lembrada ou levada a sério, mas houve uma época em que surtos religiosos eram algo corriqueiro.  

Aqui estão sete movimentos religiosos que chamam a atenção pelo seu aspecto... peculiar.

7. As Condenações do Monge Savonarola


O monge italiano Girolamo Savonarola não estava totalmente errado em seus discursos. Se analisarmos o que ele dizia a respeito dos excessos da Igreja, podemos até concordar com muitas coisas. Na concepção de Savonarola a Igreja Romana estava contaminada por corrupção e só existia para se perpetuar no poder e alimentar seus luxos. Na época, em pleno Renascimento, muitas pessoas acreditavam que servir a Deus incluía entre outras coisas, construir grandes igrejas e catedrais e enchê-las com belas obras de arte: esculturas, pinturas, afrescos... Savonarola, no entanto condenava tudo isso. Em seus discursos nas ruas de Florença, o monge condenava artistas e mecenas que encomendavam a criação de obras de arte, na sua concepção decadentes e impuras. Dizia ele: "O belo é uma das máscaras prediletas do diabo. Amar o belo é compactuar com o inimigo de Deus". 

Foi então que as coisas ficaram assustadoras. As pessoas que ouviam os sermões do monge foram tomadas por um tipo de histeria, e levaram as palavras dele ao pé da letra. Elas corriam para casa ansiosas por destruir tudo que era belo. Na sua sanha não poupavam instrumentos musicais, adornos, jóias e nem mesmo animais de estimação. Sabe-se de cavalos e cães de raça que foram trucidados e de trajes finos que foram retalhados. Pintores consagrados da Renascença, incluindo Botticelli, foram afetados por esse discurso. Eles próprios ateavam fogo nas suas telas. Alguns artistas ficaram tão impressionados com os discursos que abandonaram suas carreiras. Logo que as pessoas terminavam de destruir o que tinham de bonito, elas se voltavam para seus vizinhos. Um ateliê pertencente ao artista La Chaclo foi invadido por uma turba que se pôs a destruir as esculturas que encontrassem pela frente. Na Catedral de Florença um afresco foi dilapidado a golpes de marreta e coberto de cal. Imagens sacras foram despedaçadas e verdadeiros tesouros destruídos. No auge da loucura, como forma de destruir qualquer forma de beleza, mulheres tiveram os cabelos raspados, crianças foram marcadas com ferros em brasa e olhos chegaram a ser perfurados. 

Nós pensamos na famosa Fogueira das Vaidades, como um evento em que as pessoas de bom grado se livravam de suas roupas finas, jóias e obras de arte como forma de abraçar a humildade, mas na verdade muito do que foi queimado pertencia a outras pessoas. Em meio ao frenesi, grupos de crianças batiam a porta das casas e observavam se quem morava no lugar tinha algo bonito e portanto imoral entre as suas posses. Se fosse o caso, uma turba armada com facas, machados e tochas podia lhe fazer uma visita. A situação era tão surreal que uma comissão foi formada para avaliar o que era belo e o que não era aos olhos de Deus.

Uma fogueira foi a maior realização de Savonarola, mas ela também representou a sua queda. Todos sabiam que o monge havia colecionado inimigos ao apontar as extravagâncias da Igreja, mas como o homem era extremamente popular não podiam simplesmente removê-lo de uma hora para outra. Foi então que entrou em cena um pregador florentino que desafiou o monge a participar de um "julgamento pelo fogo". Ele propôs o seguinte desafio: se Savanarola estivesse completamente certo de que seus atos eram vontade divina, ele deveria colocar as mãos em uma fogueira. Se por vontade divina ele não fosse queimado ficaria provado que seu trabalho tinha o aval do altíssimo. Talvez ele estivesse iludido ou louco, o fato é que o monge aceitou o desafio. Como resultado ele se queimou diante de toda população da cidade. Em poucas semanas o monge perdeu sua influência em Florença, seus seguidores debandaram. Ele foi preso, torturado e executado pouco depois.

6. O Culto da Irmã Agnese Firrao


O Convento de St Ambrose, em Roma, foi fundado por uma freira chamada Agnese Firrao. Ela era conhecida pela sua extrema devoção e pela prática de provocar em si mesma sofrimento, algo que em meados dos anos 1800 já era considerado desnecessário. Ela fazia coisas como vestir máscaras de metal com cravos e espinhos, usava um chicote com cacos de vidro para se flagelar e mantinha uma enorme pedra de sal amarrada na língua. Ela alardeava que o sofrimento físico a deixava mais perto de Deus.

As coisas começaram a sair de controle quando a freira começou a andar pelas ruas supostamente curando os doentes. Isso a tornou cada vez mais popular, sobretudo entre os pobres. Em uma demonstração pública, ela ordenou ser flagelada e ofereceu gotas de seu sangue como unguento curativo para toda e qualquer aflição. Em outra ocasião ela ofereceu sexo oral a homens doentes que estavam sendo tratados em um albergue, alegando que poderia curá-los daquela maneira. 

O comportamento da freira era absurdo e a diocese desconfiava que ela fosse mentalmente perturbada. Acharam por fim melhor transferi-la para outro lugar onde ela não pudesse fazer tanto alarde. Assim foi feito, mas Agnese continuou se correspondendo com suas colegas.

No antigo convento em que ela viveu, as freiras se convenceram de que sua colega realizava milagres à distância e que era necessário propagar seus feitos. Elas criaram um Culto devotado a Irmã Agnese e decidiram que a melhor maneira de demonstrar sua devoção seria oferecendo favores sexuais à população de Roma. Através da consumação do ato sexual, elas acreditavam que doenças simplesmente desapareceriam e milagres seriam operados diante de todos. Não é difícil imaginar o tamanho do escândalo que as freiras de St Ambrose causaram na sociedade romana. Quando um grupo foi preso pelas autoridades acusadas de imoralidade, três delas tentaram se suicidar ingerindo veneno. Uma quarta freira tentou assassinar uma noviça que havia escapado do convento depois de testemunhar os estranhos rituais da irmandade. Ela foi detida e as demais seguidoras do Culto acabaram capturadas. 

A Igreja tratou do caso com discrição, tentando ocultar o escândalo. Posteriormente a ordem foi dissolvida, as freiras restantes mandadas para o interior e o convento demolido. 

5. O Movimento do Arrebatamento de Bryce

O Grande Desapontamento de 1844 dos Milleritas é bem conhecido. Nele, um grupo religioso acreditava que o Mundo terminaria em uma data prevista por seu profeta e quando o fim não chegou houve um grande... bem... desapontamento. As pessoas, afinal estavam certas de que o mundo terminaria e que elas seriam transportadas para o paraíso.

Outros movimentos surgiram na esteira dessa profecia não realizada. O Movimento Bryciano, surgiu na quatro anos depois do do Grande Desapontamento. Ele era liderado pelo pastor William Atherton Bryce que acreditava ter sido avisado por Deus da verdadeira data em que ocorreria o Fim dos Tempos.

Bryce contava com um séquito de pelo menos trinta pessoas, todas elas desiludidas e ansiosas pelo fim do mundo e pelas recompensas do além. O auto-proclamado profeta antecipou que o dia do arrebatamento viria logo e que seus fiéis se mantivessem sempre vigilantes e preparados, pois Deus havia revelado a ele a data exata do Fim dos Tempos, mantida em segredo. A medida que o tempo passava e o dia não chegava, os seguidores do pastor começaram a se perguntar se ele realmente sabia do que estava falando. Havia dúvida razoável, sobretudo porque Bryce começou usar de sua influência para desposar e deflorar as jovens filhas de seus seguidores mais fiéis, alegando que essa era a vontade divina. Quando confrontado mais incisivamente a respeito da data do fim dos tempos, ele não teve dúvidas e disse que ele aconteceria dali a uma semana.

Os fiéis ficaram exultantes e Bryce os conclamou a fazer uma peregrinação até o interior do estado do Kansas onde o profeta havia tido uma visão reveladora do lugar onde o arrebatamento se daria. Os membros do movimento o seguiram até o local escolhido, uma ravina ingrime e deserta onde eles deveriam aguardar o momento da revelação, marcado para a meia noite. Exatamente à meia noite, nada aconteceu, o mundo não acabou e não houve o prometido arrebatamento. Temendo que os fiéis fossem embora e o abandonassem, o profeta tentou seu último trunfo alardeando que o arrebatamento só ocorreria mediante um Salto de Fé no qual os fiéis deveriam confiar inteiramente no poder divino. Bryce convenceu seus fiéis que eles deveriam saltar da ribanceira e que ao invés de caírem seriam sustentados por anjos que os levariam para o céu. O pastor devia ter uma lábia considerável pois conseguiu convencer 12 de seus seguidores a se lançar no vazio.

Obviamente nenhum deles foi salvo e todos atingiram o fundo da ravina, metade morreu na queda.

Bryce foi preso e condenado por um tribunal do Kansas. Anos mais tarde ele foi posto em liberdade e formou uma nova congregação na qual tentou vender uma vez mais um miraculoso arrebatamento sem grande sucesso.

 4. A Epidemia de Freiras que Mordiam e Miavam


Muitas manias religiosas parecem se instaurar pela vontade de pessoas que acreditam estar cumprindo os desígnios de Deus. Essa, no entanto, parece ter começado com pessoas que não tinham muita certeza se Deus estava do lado delas. 

No século XV, uma freira num convento da Baviera começou a se comportar de maneira estranha. A jovem mordia as outras irmãs. Tudo muito esquisito, mas o pior é que comportamento dela, parecia contaminar as demais. Logo, todas as freiras mordidas, também estavam mordendo. A Madre Superiora ordenou que as freiras afetadas pela loucura fossem trancadas em seus quartos, mas de alguma forma elas conseguiam escapar do confinamento, levantando a desconfiança de que forças sobrenaturais estivessem em ação.

Finalmente um padre foi chamado e ele considerou que aquilo só podia ser uma obra do demônio. As freiras foram devidamente exorcizadas em praça pública e durante o horrendo espetáculo tiveram de usar mordaças feitas de ferro! 

O pior é que a coisa não terminou por aí. 

A epidemia continuou a se espalhar além das fronteiras chegando à Holanda e Itália, sempre afetando freiras em conventos isolados. Em Cremona, na Itália, as freiras não tiveram a mesma sorte de suas colegas alemãs, além de terem passado por um exorcismo tiveram seus dentes arrancados com alicate. Em Khelm, um povoado na Holanda as pobres freiras tiveram a boca costurada com linha grossa para não poderem morder ninguém.

Poucos anos mais tarde, outra epidemia estranha se instalou nos claustros da Itália. As freiras dessa vez, não conseguiam parar de miar. Pode parecer bobagem hoje em dia, mas os gatos, embora fossem animais necessários para controlar a população de ratos, eram frequentemente associados com o diabo e com a feitiçaria. Quando as freiras não conseguiam se controlar e miavam sem parar, alguns acharam que elas estariam sem dúvida se comunicando com os mensageiros de Satã. Passando quem sabe instruções para planos malignos. 

A primeira medida foi caçar e eliminar todos os gatos da região. Mesmo assim a loucura não terminou. Oficiais da Inquisição foram chamados para averiguar o perigo e depois de interrogar algumas moças decidiram que elas deveriam ser mandadas para outros conventos. Até onde se sabe, as moças então pararam de miar e as coisas voltaram ao normal. 

3. O Culto do Sagrado Huagen



Esse talvez seja um dos casos mais bizarros de fervor religioso. Ele ocorreu na India supostamente no século XVI e carece de muita corroboração.

Behrong Huagen, mais conhecido como Sagrado Huagen foi um homem santo, considerado divino na região do Rajastão, uma das áreas mais turbulentas na Índia. Segundo rumores o Sagrado Huagen fundou um Culto devotado à sua pessoa no qual ele era tratado como o Filho encarnado de um Panteão de vários deuses obscuros. Desafiando o restritivo sistema de castas, o faquir conquistou grande influência realizando supostos milagres, exorcizando demônios e curando leprosos por onde passava. Ele também teria realizado uma enorme façanha, impedindo o fim do mundo ao gritar com o sol e assim evitando que este explodisse e destruísse o planeta em uma conflagração de chamas. Em outra demonstração de seus poderes ele teria ordenado o desaparecimento da lua e a aproximação de uma estrela que se precipitou dos céus. 

Huagen peregrinava pela India, seguido por uma multidão que o tratava como um Deus. Aos seus pés eram lançadas pétalas de flor, ele se alimentava exclusivamente de uma dieta com mel e segundo consta podia soprar a vida no corpo dos mortos ou dos enfermos. Quando o fazia, os agraciados com sua benção podiam viver por séculos. 

Em meados de 1580, algo improvável aconteceu... Huagen foi encontrado morto.

Seus seguidores não podiam acreditar! O profeta ungido pelos deuses não podia simplesmente partir daquela maneira.

Foi então que um dos discípulos mais próximos do faquir interpretou os acontecimentos. O grande mestre, segundo ele, escolhera por conta própria partir desse mundo e oferecera seu corpo aos seus seguidores, um presente com o qual todos seriam beneficiados. O corpo do Faquir foi então entregue aos cuidados de um dos seguidores que cuidadosamente arrancou toda a carne de seus ossos e o cozinhou em um enorme tacho de ferro. Em seguida, em uma cerimônia solene, cada seguidor recebeu uma pequena porção do corpo de seu mestre que foi consumida em uma ceia.

Segundo a crença no Sagrado Huagen, aqueles que se alimentaram do cadáver divino foram abençoados com uma existência extremamente sadia e longa: alguns deles teriam vivido mais de 150 anos sem jamais contrair uma moléstia sequer. Curiosamente o Culto que se formou ao redor do Sagrado Huagen após esse acontecimento, tinha como um de seus principais dogmas o sacrifício e o consumo da carne de um dos sacerdotes em um ritual. 

No lugar onde ocorreu a bizarra ceia, um santuário foi construído, mas ele teria sido colocado abaixo por hindus furiosos com a súbita popularidade do faquir e de seus seguidores. Já no século XVIII, a estória havia quase desaparecido na obscuridade, sendo considerada blasfema.

2. O Diabo visita Milão


Em 1630 as pessoas estavam muito preocupadas na grande cidade de Milão.

Havia um antigo poema alertando a população que naquele ano, o demônio envenenaria a todos na cidade. Em uma manhã do mês de Abril, os moradores acordaram e perceberam que havia um borrão de tinta vermelha na porta da casa de várias pessoas. A ideia de que aquelas pessoas haviam sido marcadas foi suficiente para deixar a população à beira da loucura.

Alguns achavam que aquele era sinal significava que as pessoas naquelas casas estavam condenadas a morrer, vítimas do envenenamento diabólico. Outros partiram do pressuposto que aquele era o sinal para que as pessoas marcadas começassem a envenenar o restante da população.

"A mente vazia é o playground do diabo", como diz o ditado, e não há nada mais aterrorizante que gente buscando motivos para temer.

Rumores começaram a se espalhar, fofocas cada vez mais sem sentido e então pessoas começaram a ser perseguidas e agredidas. Alguns suspeitos foram presos pelas autoridades e levados para as masmorras para sofrerem tortura e interrogatórios. Estas apontavam os dedos para outras e o ciclo de loucura continuou sendo alimentado. As confissões provocaram uma inundação de informações contraditórias: as frutas estavam envenenadas, as fontes estavam envenenadas, os peixes haviam sido tocados pelo diabo, depois os pássaros, finalmente o veneno maldito estava nas roupas, em um tipo de chapéu, no ar...

As pessoas tentavam se precaver, andavam com máscaras improvisadas e evitavam encostar em qualquer coisa. Um velho que antes de sentar num banco de praça, passou a mão sobre ele, foi acusado de espalhar o veneno e acabou linchado por uma turba enlouquecida. Um bando de mulheres surrou uma lavadeira que estava lavando roupas com um sabão que fazia uma espuma diferente. Um fazendeiro teve suas galinhas degoladas depois que populares descobriram um ovo com um desenho diabólico na casca. Cozinheiros e farmacêuticos estavam em maus lençóis: a população desconfiava que eles podiam estar em conluio com o demônio já que conseguiriam facilmente espalhar o veneno mortal em seu trabalho.

A loucura era tamanha que muitos milaneses pararam de acusar uns aos outros e começaram a confessar fazerem parte de uma conspiração diabólica para envenenar a população. As confissões não faziam o menor sentido, eram obviamente inventadas. Um homem contou uma incrível estória na qual ele havia sido convidado a conhecer a casa do demônio e ouvir seus planos macabros durante uma refeição. A estória se espalhou e logo dezenas de pessoas também revelaram que o demônio os convidara para participar de uma ceia em sua mansão e que haviam sido convidadas a tomar parte em seus planos. 

Deve ter sido um ano inesquecível, mas eventualmente 1630 chegou ao fim sem que houvesse o tão temido envenenamento. Com a data tendo passado as coisas voltaram ao normal.

1. O Festival da Deusa Mut



Imagine milhares de pessoas absolutamente bêbadas simultaneamente. Imagine que essas pessoas estão dispostas a se entregar de corpo e alma a uma celebração marcada pelo exagero sem limites. Imagine que em meio a bebedeira rolava muita dança, cantoria e sexo. Imagine agora que essa era uma experiência religiosa de suma importância, não apenas tolerada, mas incentivada e de fato patrocinada pelos governantes.

O Festival da Deusa Mut, ou simplesmente o Festival da Bebedeira, realizado em Tebas no antigo Egito, durante o Reinado Médio, era uma das celebrações mais importantes no calendário religioso. Ele era praticado em honra da Deusa Mut que segundo a lenda havia evitado o fim do mundo graças a seu discernimento e de um bom grau de esperteza. Segundo o mito, o fim dos tempos estava planejado para uma data específica na qual o mundo material seria varridos da existência por Sekhmet. A ira dos deuses iria recair sobre a Terra e a humanidade pagaria, pois Sekhmet estava furiosa com os mortais por eles não terem produzido nada que fosse digno de seu respeito. Mut, uma deusa menor, padroeira dos campos, das colheitas e da cerveja não queria que os mortais fossem massacrados e teve uma ideia brilhante. Ela apresentaria à Sekhmet uma das criações dos humanos: a cerveja. Dito e feito, Mut apresentou a bebida à deusa destruidora que ficou impressionada com aquele elixir mágico. Ela bebeu tanto, tanto que perdeu o interesse de destruir o mundo. Deve ter sido uma tremendo bebedeira, pois ela esqueceu de vez seus planos!

Seja como for, o mito se popularizou e em homenagem à esperteza de Mut, os antigos egípicios reservavam uma data para honrar sua salvadora, bebendo até cair. O festival se iniciava com orações e com os habituais sacrifícios de animais, mas logo se transformava em uma orgia de bebida que durava três noites. A ordem era entornar cerveja, cantar e dançar até perder a consciência e dormir onde fosse... nos templos, nas praças, nas ruas.

Tudo muito divertido, tudo muito legal, parecendo uma tremenda rave do Mundo Antigo. O problema é que o festival começou a crescer. Pesquisadores supõem que o Festival de Mut se iniciou como um ritual reservado, praticado por alguns poucos sacerdotes que se trancavam em um templo e bebiam até cair. Mas a população achou aquilo interessante e também desejava honrar Mut à sua maneira. As autoridades permitiram que isso acontecesse, mas com os anos o Festival atraía mais e mais pessoas. Chegou um ponto em que a população de Tebas mais do que triplicava.

Em um dia fatídico a coisa saiu de controle.

Não se sabe ao certo o que aconteceu: talvez a falta de bebida, talvez bebida demais. Talvez algum boato tenha se espalhado pela cidade ou talvez as pessoas estivessem simplesmente enlouquecidas. O fato é que a multidão começou a destruir a cidade em meio ao festival. Monumentos e casas foram incendiadas, pessoas foram pisoteadas até a morte, mulheres e crianças foram atacadas e muitas brigas eclodiram. O frenesi religioso potencializado pela bebedeira sem limites fez com que Tebas ardesse por dias à fio. Os sacerdotes ficaram furiosos, o povo havia pervertido o sentido da festividade, e quando os pobres sacerdotes tentaram deter a distribuição de cerveja, eles acabaram assassinados. Dizem as lendas que alguns foram ironicamente afogados em barris de cerveja ou soterrados em silos de cevada.

O Festival que deveria durar três noites, correu por mais de uma semana e só terminou quando soldados do Faraó puseram fim a loucura com armas em punho. O resultado da festa foi desastroso: Tebas quase foi destruída, prédios queimaram ate o chão, monumentos foram reduzidos a escombros, cadáveres se acumulavam nas ruas, plantações foram pisoteadas e até o porto da cidade foi devastado pela multidão. Tebas, uma das mais belas cidades do Antigo Egito quase teve de ser reconstruída.

Apesar do Caos, o Festival da Bebedeira continuou acontecendo anualmente, mas a partir de então, com um controle mais rígido.

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É incrível como esses surtos religiosos, alguns macabros, outros até certo ponto engraçados, poderiam ser adaptado para Chamado de Cthulhu na forma de velhas lendas e crendices.

Dá quase para ouvir o velho Nyarlathotep, rindo sem parar, tendo ele desencadeado cada um desses acontecimentos, usando suas muitas faces para enganar, trapacear e iludir as pessoas.

Ah, o Caos Rastejante e sua infindável necessidade de brincar com os pobres humanos.

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