sexta-feira, 8 de maio de 2015

O Homem Elefante - A Vida e os tempos do atormentado Joseph Merrick


Nota: Esse é um artigo a respeito de Joseph Merrick, ficou famoso como Homem Elefante. Eu ponderei um bocado a respeito de incluir as famosas fotografias que mostram detalhes de sua horrível anatomia. Por fim, decidi incluir duas dessas fotografias, por concluir que elas são complementares ao texto. Não é intenção do Mundo Tentacular chocar gratuitamente os leitores através dessas fotos, por essa razão avisamos antecipadamente que elas podem ser incomodas.

Imagine se for possível, que você nasceu normal. Que sua vida era normal e que tudo estava bem. Mas então,  vamos supor que você começa a mudar,  que contrai uma horrível condição degenerativa que aos poucos irá deformar o seu corpo,  contorcer sua espinha e afetar seus ossos de uma forma irreversível.

Imagine agora que essa condição é quase desconhecida pela ciência,  que não existe tratamento e que embora debilitante, essa doença não é fatal. Ela simplesmente irá progredir até transformar você em um monstro. E no fim,  você estará tão medonhamente deformado que as pessoas serão incapazes de olhar na sua direção sem sentir horror.

Bem-vindo à vida do Homem Elefante.

Esse roteiro dramático realmente aconteceu e se desenrolou em plena Londres Victoriana, há mais de cem anos. Ele conseguiu chamar a atenção da sociedade para a trágica condição de pessoas que estavam fadadas a morrer sozinhas, serem exploradas por circos ou humilhadas até o fim de suas vidas.

Mas quem foi o Homem Elefante?


Seu era Joseph Carey Merrick, nascido em 5 de Agosto de 1862. Ao longo da maior parte de sua curta vida, Merrick ficou conhecido como uma aberração horrivelmente deformada, tão horrendo que nem mesmo sua família desejava sua presença. Ele viveu em pensões, foi exibido como a principal atração de espetáculos circenses e se tornou famoso pelas razões erradas. Pessoas viajavam para vê-lo e quando ele chegava a uma cidade, as pessoas faziam fila para assistir o sinistro espetáculo em que suas deformidades eram apresentadas como um tipo de entretenimento doentio. Muito snão acreditavam que alguém como Merrick podia existir na Terra. Sua existência foi uma mistura de solidão, desespero, esperança, compaixão e compreensão. 

Joseph Merrick nasceu na cidade de Leicester na Inglaterra. Ele era o mais velho de uma família com três crianças, filho de Joseph Rockley e Mary Jane Merrick. Até a idade de cinco anos, Merrick era uma criança normal, mas então ele começou a manifestar sintomas que deixariam marcas indeléveis na história. Sua pele crescia de maneira desproporcional em relação ao seu corpo. Ela engrossava e secava e com o peso extra, seus ossos e articulações ficavam sobrecarregadas, com o tempo, seu esqueleto foi se deformando. Gradualmente, sua espinha e a maior parte de seu corpo se tornariam horrivelmente encurvados e sua pele ficaria tão grossa, dura e seca, que ele receberia o apelido que o acompanharia toda sua vida adulta: "Homem Elefante". As deformidades de Merrick eram tão acentuadas que ele era incapaz de sair de casa para trabalhar. Uma queda quando criança, havia ferido seu quadril esquerdo fazendo com que ele mancasse para sempre. 

Sofrendo de constante abuso por parte de membros de sua família, Merrick deixou a sua casa aos dezessete anos. Ao longo da adolescência, ele lutou para encontrar um trabalho honesto. Suas crescentes deformidades e limitações físicas no entanto impediam que ele exercesse qualquer trabalho, incluindo os mais simples como enrolador de cigarro (que ele tentou por algum tempo até ficar impossível coordenar suas mãos), carregador de malas e limpador de rua. Sua mãe, a única pessoa que demonstrou alguma afeição para com ele, morreu em maio de 1873, deixando-o sozinho.

O irmão de seu pai, Charles Merrick, era um barbeiro e tentou dar a Joseph um lugar onde ele pudesse viver de forma confortável, mas as agruras de sua condição faziam com que as contas com médicos fossem exorbitantes. Joseph acabou indo embora da casa e acabou dormindo nas ruas ou em albergues baratos. Ele morou por quatro anos em uma pensão, onde ficava trancado num quarto, proibido de sair para não assustar os outros hóspedes. Em 1882, Joseph passou por uma cirurgia para tentar corrigir uma séria deformidade na boca, visando permitir que ele falasse com mais clareza e comesse melhor.
Cada vez mais do difícil de obter sustento, Merrick acabou aceitando a proposta de se apresentar como uma aberração humana. Ele foi apresentado a dois homens, Samuel Torr e Thomas Norman, uma dupla de empresários do meio artístico especializados em shows dessa natureza. Na época, Merrick estava sentindo os sintomas de uma misteriosa doença que tornava cada vez mais difícil ele falar de maneira compreensível. Norman conseguiu obter ajuda de um médico renomado e esse tratou da saúde de Merrick que logo começou a se "apresentar", tornando-se imediatamente a estrela do circo itinerante.

Por algum tempo, as coisas melhoraram. Norman fez de Merrick um homem moderadamente bem sucedido financeiramente. Ele chegou a ganhar aproximadamente 200 libras, um salário bastante decente para a época. Vivendo num quarto, as pessoas pagavam um penny para dar uma espiada no "monstro" e se impressionavam ou horrorizavam com a aparência do "Homem Elefante", o "mais cruel erro da natureza". 

Por acaso do destino, o quarto de Merrick ficava próximo da mais importante instituição hospitalar de Whitechapel, o London Hospital, uma unidade de caridade que atendia os pobres do East End desde os tempos Georgianos. Um dos visitantes atraídos pelos cartazes anunciando o Homem-Elefante foi o Sr. Frederick Treves, um bem sucedido cirurgião que praticava no hospital. Treves ficou impressionado com a condição de Merrick e pediu para fazer um exame médico completo e determinar qual era sua doença. Apesar de sua relutância Norman, acabou permitindo  exame.  


Para ajudar Merrick em sua pequena jornada do quarto até o hospital, um traje especial foi providenciado para que ele não assustasse as pessoas com sua aparência. O mais famoso artigo, que se tornou famoso era a máscara de pano, reproduzida no filme "O Homem Elefante".

Merrick visitou o London Hospital três vezes. Treves teve a chance de medir seu corpo e sua cabeça, examinou seus órgãos e suas anomalias, bem como suas pernas que já estavam afetadas pela doença. Treves fez várias fotografias nesses encontros e deu ao Homem Elefante o seu cartão de visitas em caso de necessidade. Merrick começou a ficar cansado de ser examinado, furado e testado, ele também se incomodava com as fotografias e decidiu parar de visitar o doutor.

Em meados de 1880, os Vitorianos já não tinham mais tanto interesse pelos circos de aberrações. As pessoas consideravam o tratamento dispensado às atrações degradante e imoral. Na época houve muitas denúncias e eventualmente, mesmo aqueles que tratavam bem suas estrelas, como era o caso de Norman, foram obrigados a fechar seus negócios. Merrick decidiu deixar a Inglaterra em uma turnê e viajou para a Bélgica.

No continente, o Homem Elefante encontrou pessoas que abusaram e o enganaram e ele perdeu praticamente tudo que tinha. Falido e seriamente doente ele gastou suas últimas moedas em uma passagem de volta para a Inglaterra. No porto teve de se "apresentar" para os curiosos em troca de umas moedas que lhe permitissem tomar um trem até Londres.

Merrick retornou a Londres em 24 de Junho de 1886. Quando ele chegou a cidade, ele desceu do trem na estação Liverpool e se viu perdido. Ele estava incrivelmente doente, sofrendo de má nutrição e de bronquite crônica. Ele não conseguia falar com clareza e sempre que tentava pedir informações as pessoas se afastavam assustadas. Um policial foi chamado e afastou a multidão que cercava a estranha figura mascarada da cabeça aos pés. Eleo levou para um lugar isolado, onde Merrick desmaiou de exaustão e fome. Incapaz de falar, Merrick mostrou a única coisa que havia sobrado em seu bolso, o cartão do Dr. Frederick Treves.

Treves foi enviado imediatamente para prestar socorro e internou Merrick no London Hospital para tratamento urgente. O médico descobriu que seu paciente estava sofrendo com a falta de alimentação, uma grave condição bronquial e impedimento em se locomover em decorrência do peso e fragilidade dos ossos. Suas deformidades haviam se agravado desde seu último exame. Além de tudo, ele sofria de uma doença cardíaca. 

Treves deduziu que Merrick não teria muito tempo de vida, ele estava morrendo. Lentamente, mas com certeza, era questão de tempo até seu corpo sucumbir à doença que o deformou. Estava claropara o médico que o Homem Elefante precisava de um lugar seguro para ficar. Ele não podia voltar a viver em um quartinho fechado ou viajar sozinho, tampouco ele seria aceito em alguma pensão ou albergue. Treves apelou a direção do London Hospital, o Sr. Francis Carr Gomm que permitiu a Merrick ocupar um quarto especial enquanto estivesse sob tratamento. Embora ele compreendesse que o pobre coitado carecia d eum lugar para ficar, não havia como deixá-lo em um aposento permanentemente. O Hospital trabalhava com caridade e dependia de doações para seguir adiante e sabendo disso, Treves deu sua cartada final. Ele escreveu cartas para várias pessoas ilustres e para os jornais mais importantes da Inglaterra. Nelas, relatava a difícil vida de Joseph Merrick e pedia ao público sugestões sobre como eles poderiam lidar com o problema de hospedagem do Homem Elefante. Para a surpresa de todos, as pessoas se descobriram tomadas de imensa compaixão e piedade. Embora ninguém fosse capaz de oferecer uma solução, as pessoas começaram a doar dinheiro para que o London Hospital ficasse com Merrick e oferecesse a ele condições que aliviassem seu sofrimento.

Como crescente influxo de dinheiro, Carr-Gomm pediu queo comitê de assistência pública providenciasse um apartamento nos limites do hospital para hospedar seu mais famoso paciente. Ele seria um morador do Hospital até o fim de sua vida. O pequeno apartamento tinha tudo que Merrick precisava para passar seus últimos anos em relativo conforto. Pela primeira vez em sua vida, o Homem Elefante experimentava um ambiente seguro e afável, no qual ele não tinha de se esconder. Ele passava seus dias lendo ou olhando pela janela o movimento na rua, ele também podia perambular pelo jardim durante a madrugada para não assustar os outros pacientes. O Dr. Treves insistia para que ele recebesse visitas e interagisse com os demais médicos e enfermeiras.


Com o tempo, Treves e Merrick se tornaram amigos. Embora fosse difícil se comunicar, os dois homens conseguiam conversar e trocar idéias. O Homem Elefante contou como havia sido a sua vida e seu temp trabalhando como uma aberração. Treves mudou sua concepção a respeito do paciente a medida que o conheceu mais à fundo, no início ele achava que Merrick sofria de uma doença mental, mas percebeu que não era o caso. Tratado com humanidade e gentileza ele devolvia a cortesia da mesma forma, mostrando-se um indivíduo educado e tranquilo.

Acostumado a ser evitado pela sociedade, Merrick não estava habituado a ser o centro das atenções. Ele havia pedido várias vezes a Treves que lhe contasse  arespeito do mundo real, um lugar que ele imaginava, jamais seria capaz de conhecer. Ele chegou a pedir ao médico que lhe contasse como era uma casa de verdade, Treves então convidou seu paciente para visitar a sua casa e conhecer sua esposa. Merrick conheceu muitas pessoas e eventualmente se tornou uma espécie de celebridade em Londres. Treves chegou a levar Merrick a um centro de apoio a cegos, onde ele podia interagir com os internos sem o risco de chocá-los.

A essa altura, o interesse por Joseph Merrick apenas crescia entre os pilares da sociedade londrina, os ricos e poderosos estavam fascinados por aquela estranha e deformada criatura apelidada de Homem Elefante. Eles enviavam presentes e faziam visitas surpresa. Merrick os recebia de maneira sempre gentil e cortês. Em 1887, dois novos pavilhões foram inaugurados no London Hospital e os Principes (os futuros Reis Edward VII e a Rainha Alexandra) compareceram à cerimônia. Eles expressaram o desejo de conhecer o famoso Homem Elefante e Treves concordou em fazer as apresentações. A Princesa deu a Merrick umafotografia autografada que Merrick guardou como um de seus itens mais valiosos até o final da vida.  


Como mostrado no filme, pelo menos uma ve em sua existência, o Homem Elefante pode comparecer a uma noite no teatro, um sonho de infância.

A despeito de todo o cuidado e constante tratamento médico, as deformidades de Merrick continuaram a progredir. Ele sofria de depressão e desejava fazer mais e mais coisas que uma pessoa normal podia fazer. Uma dessas coisas, era dormir como qualquer outro. Em afce do tamanho desproporcional de sua cabeça, Merrick não conseguia dormir com a cabeça apoiada no travesseiro. O enorme peso de seu crânio, poderia quebrar seu pescoço e matá-lo. Ele era obrigado a dormir em uma posição fetal, com as costas apoiadas na parede e a cabeça repousando num aparato. Algo extremamente desconfortável.

Certa noite, um enfermeito do London Hospital veio até o quarto de Merrick verificar se tudo estava bem. Ele encontrou o paciente deitado com a cabeça sobre uma pilha de travesseiros... morto. Todos no hospital e o próprio Merrick sabiam do perigo de dormir dessa forma e ninguém soube dizer porque ele tentou. Teria sido suicídio? Ou meramente o desejo de dormir como qualquer pessoa? Teria sido um acidente fatal ocorrido durate o sono? Ninguém foi capaz de dizer ao certo oq ue aconteceu, mas na certidáo de óbito a causa da morte consta como "asfixia acidental". Embora a identificação do cadáver não fosse necessária, o tio de Merrick veio até Londres para fazer o reconhecimento do corpo.

 Como era de se esperar, o Dr. Treves foi o responsável pela autópsia. Suas descobertas não acrescentaram muito sobre as causas da morte, o pescoço dele havia se partido em face do enorme peso. Treves fez uma máscara mortuária de Merrick e coletou amostras de tecido. Eventualmente após os exames, Treves removeu os ossos e montou o esqueleto de Merrick, algo que ele já havia concordado em permitir ainda em vida. O esqueleto, bem como alguns itens pessoais fazem parte de um pequeno museu dedicado ao Homem Elefante no London Hospital.

Mas qual exatamente era a doença que acometeu Joseph Merrick?

Médicos e pesquisadores debatem essa questão há décadas, mas o consenso é que seus sintomas apontam para a Síndrome de Proteus, uma desordem congênita que afeta a pele e os ossos do corpo. Os sintomas principais são o crescimento excessivo da pele e extremas deformações ósseas. Trata-se de uma doença muitíssimo rara, com não mais do que cem casos registrados até hoje. As causas da Síndrome de Proteus ainda são desconhecidas e uma cura ainda está longe de ser descoberta.

Sir Frederick Treves morreu em dezembro de 1923 e é lembrado como um famoso cirurgião. Além de ter tratado do Homem Elefante, ele esteve à frente da equipe que operou o Rei Edward VII, livrando-o de um perigoso quadro de apendicite em 1902, quando esse tipo de cirurgia podia ter resultado fatal. Foi ele quem ajudou a desenvolver um método satisfatório de tratamento para esse problema. O bis-neto de Sir Frederick, um ator, fez uma ponta no premiado filme de 1980, "O Homem Elefante", no qual interpretou um ajudante de Sir Anthony Hopkins, que fazia o papel de seu parente famoso.

A história do Homem Elefante é ao mesmo tempo trágica e inspiradora, mas precisa ser lembrada como um exemplo de piedade e perseverança.

6 comentários:

  1. Matéria muito interessante

    Há uma cena do filme Do Inferno (com Johnny Depp, sobre Jack, o Estripador), em que é apresentado a uma junta de médicos um homem deformado que, agora lendo sobre O Homem Elefante, acredito ser ele (até por ser na mesma época).

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Na verdade, Matheus, Merrick tem uma participação bem maior na história original, não sendo apenas uma ponta. veja no endereço - http://3.bp.blogspot.com/-TnS7ceuAJSs/USxW3Ip4zYI/AAAAAAAAN38/JdbJcwAHco4/s640/FH054.jpg - uma das páginas em que ele aparece, logo no primeiro volume.

      Excluir
  2. Ele também aparece na segunda temporada da série Ripper Street.

    ResponderExcluir
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  4. Parabéns pela bela postagem. A vida, na Terra, do Sr. Merrick é inspiradora. Felizmente ele pode descansar ao menos um pouco em seu fim. Que ele nos dê, do céu, a mesma força que teve.
    Fiquem com Deus

    ResponderExcluir