domingo, 16 de agosto de 2015

"Nós temos o mundo que merecemos" - Uma breve resenha da segunda Temporada de True Detective


Então foi assim que uma das mais comentadas, examinadas e debatidas séries  terminou - com balas, corações partidos e sobrevivência.

A Segunda Temporada de True Detective chegou ao fim.

Imagino que muitos devem ter ficado satisfeitos com a maneira como as coisas seguiram, do início conturbado até a amarga conclusão, com os detetives sendo esmagados pelo tamanho do caso, tentando sobreviver a perseguição implacável de seus inimigos. Suponho que muitos devem ter ficado um tanto frustrados com o final que exterminou personagens de modo impiedoso. Mas já havíamos previsto que um final feliz para os protagonistas parecia altamente improvável. Partindo do pressuposto que essa segunda temporada de True Detective manteve um estilo noir, um final feliz parecia fora de cogitação. 

Eu particularmente gostei muito da temporada e da conclusão dada a ela. 

True Detective conquistou um lugar permanente na minha grade de programação e é provável que eu volte a assistir a segunda temporada em sequência para prestar atenção nos detalhes sutis costurados na trama destilada pelo seu autor, Nic Pizzolatto. Tenho certeza que vou achar muita coisa que passou batida, ainda que eu tenha tentado pescar todas referências possíveis para escrever os recaps. Aliás, essa é uma das coisas que me atraíram em True Detective, a forma como o próprio espectador se torna um "detetive" ao esquadrinhar as cenas em busca de pequenos detalhes, dissecar os testemunhos a procura de indícios e encontrar referências ocultas. True Detective me lembra muito Twin Peaks, no qual por vezes era necessário anotar a relação entre os personagens para entender os elos existente entre eles. Assim como acontecia em Twin Peaks, a série era muito mais sobre os personagens da cidadezinha do que sobre o crime que os reunia e os tornava suspeitos. Os segredos pessoais e os esqueletos escondidos nos armários eram muito mais interessantes do que solucionar as clássicas questões: "Quem matou?" e "Por que matou?" 

Nesse pormenor, é bom abrir um parenteses e falar da trama.


Muitos reclamaram da ausência do tal "componente sobrenatural" que foi a marca registrada da primeira temporada de True Detective (doravante TD1). Tivemos a caçada a um mítico Rei Amarelo e ao Culto formado por "homens poderosos" e "caipiras místicos" nas profundezas do Sul, gente metida com feitiçaria, rituais e sacrifícios. Alguns (eu inclusive) esperavam que a segunda temporada (daqui pra frente TD2) seguisse uma premissa semelhante, com algum envolvimento de ocultismo na trama. Eu adoraria que tivesse sido feita essa conexão. Mas é preciso lembrar que esse não é o foco da série. True Detective se concentra em analisar como casos complicados e diligências policiais intrincadas afetam os detetives envolvidos em uma investigação. Como detetives calejados mudam seu ponto de vista e se deixam corromper pelo sistema em que estão inseridos na busca pela solução de um mistério que altera o curso de suas carreiras para sempre. 

O elemento sobrenatural em TD1, ao meu ver foi uma feliz coincidência, mas dificilmente será a regra para a série. Talvez no futuro até possamos ver algo nesse sentido, mas a série é em essência um programa policial com os pés no chão. Ele se esmera em examinar a maldade e a perversidade humana de uma maneira muito particular, até incômoda. Os vilões de True Detective são especialmente amorais, cruéis em suas motivações, detestáveis em seus atos. Eles são monstros no pior sentido da palavra, mas mesmo assim, a série não os julga, apenas mostra do que eles são capazes. Assim aconteceu com os caipiras homicidas da Louisiana, assim ocorreu com os corruptos da sombria Califórnia. Em TD1 a motivação dos vilões era a loucura consanguínea e o desejo de exercer controle por intermédio de tradições antigas, em TD2 a coisa era menos esotérica, ambição e sede de poder alimentavam o grupo de Vinci.

Mas essas diferenças não impediram que a segunda temporada apresentasse elementos que poderiam facilmente ser inseridos em um mundo contaminado por ocultismo - máscaras de animais, o caráter ritualístico da morte de Caspere, as festas regadas a sexo, os encontros de homens poderosos sem ética em uma mansão na lua cheia... tudo apontava na direção do sobrenatural, mas não seguiu nesse caminho. Até o último episódio parecia que algo sobrenatural iria acabar saltando aos nossos olhos. Talvez Nic Pizzolatto tenha flertado com essa possibilidade, possivelmente ele até escreveu o roteiro dessa maneira para deixar o público com a pulga atrás da orelha.


Muitos dos que criticaram a segunda temporada reclamaram da complexidade da trama. E dou a mão à palmatória, concordando que não havia necessidade de tantas idas e vindas no roteiro. Profusão de personagens, sequências sem um propósito aparente e elementos estranhos se multiplicavam. A intrincada relação dos poderosos com o Corredor Ferroviário, a morte do capanga de Frank, Stan, as maracutaias da organização criminosa... Até o quarto episódio tinhamos uma sucessão de acontecimentos que não se encaixavam de forma nenhuma. Eram muitas pontas soltas e lacunas a serem preenchidas. Mas a partir do quinto episódio - que marcou o início da segunda metade da trama, as coisas começaram a entrar nos trilhos. O violento tiroteio em Vinci serviu para colocar a estória novamente em ordem e forneceu as peças para montar o quebra-cabeças.   

Mas apesar de dar muitas voltas para contar uma estória desnecessariamente confusa, é inegável que a segunda temporada de True Detective atingiu seu objetivo: ela foi envolvente, densa e instigante. Se o mistério não foi tão excitante quanto na primeira temporada, a segunda se esmerou em apresentar personagens com inúmeras facetas e que ganharam a simpatia dos espectadores (apesar, ou mais provavelmente, por causa de seus muitos defeitos).
 
Muitos vão ponderar que o trio de detetives protagonistas de TD2 (e mais o gangster Frank Semyon) não se comparam a dupla Hart e Cohle, que ganharam a devoção dos fãs. Eu acho que comparações nesse sentido são um tanto injustas, Matthew McConaughey e Woody Harrelson estavam em estado de graça, e se os astros da última temporada não conseguiram igualar esse nível, eles certamente não decepcionaram. Muito pelo contrário! 

Colin Farrel (Ray Velcoro), Rachel McAdams (Ani Bezzerides) e Taylor Kitch (Paul Woodruff) brilharam intensamente com seus personagens. Colin Farrel talvez tenha obtido o melhor trabalho de sua carreira com as muitas faces do detetive Velcoro. McAdams e Kitch também foram perfeitos. E não se pode esquecer de Vince Vaugn (egresso de comédias boçais) que mostrou ser um excelente ator dramático e desmontou os muitos questionamentos sobre sua escalação para o papel.


Os personagens de True Detective sem dúvida foram o ponto alto da série. Eles sustentaram ao longo 
de oito episódios uma trama complexa que poderia não funcionar com outra escalação de atores. Nic Pizzolatto por sua vez deu uma mostra de sua habilidade inquestionável de contar estórias sórdidas, mas é possível que ele tenha de fazer alguns ajustes. Uma comedimento na hora de escrever a trama e uma economia em reviravoltas talvez fosse o ideal. A audiência se manteve alta e é praticamente certo que teremos uma terceira temporada.     

No fim, a série cumpriu a proposta de ser diferente, e mesmo aqueles que não gostaram da pegada, acabaram assistindo - nem que fosse para reclamar das loucuras e bizarrices. Mesmo os detratores da segunda temporada, tem que admitir que a série teve um crescimento na sua segunda metade e que o episódio final amarrou as pontas soltas de uma maneira satisfatória. 

Como será a terceira temporada? 

Que comecem as especulações.

9 comentários:

  1. Achei tão decepcionante quanto o final de Lost. Acho que não vou mais acompanhar esta série.

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  2. Vejam isso, acho que encontrei uma ligação bem obscura com a primeira temporada. Me parece que a Família Chessani é descendente
    dos mesmos marinheiros que se instalaram na região do culto do Rei Amarelo. Sempre me perguntei: como uma família de descendencia
    italiana "domina" uma região da california à 100 anos? A data bate com a imigração italiana para os Estados Unidos sim, mas essas
    famílias estavam aportando PRINCIPALMENTE em Nova York e em péssimas condições financeiras, muito estranho uma "dinastia" se iniciar na Costa oeste
    americana e provavelmente fundar uma cidade, inclusive dando um nome italiano à ela ( Vinci).
    Me lembro de Rust dizer que a região em que foi fundado o culto ao Rei Amarelo era um esconderijo de piratas, esses que provavelmente trouxeram o
    medonho culto de terras distantes e se estabeleceram na região como proeminentes famílias graças aos espólios da pirataria. Talvez um desses ( um Chessani)
    tenha rumado para a Califórnia com seu quinhão dos "tesouros"...Qual não foi minha surpresa quando reassistindo a season 2 ouvi o Prefeito gritar após a invasão de Ani e Paul
    à sua casa: "Esse é o fim dela! ELA VAI ANDAR NA PRANCHA!" O.O
    Parece cômico, mas realmente me parece que essa é uma expressão de família.
    No mais, adorei a TD2 , Foi demasiadamente complicada sim, mas exatamente essa característica que a deixou verossímil para min , como em uma investigação real, mil possibilidades podem surgir aos investigadores até que o quebra-cabeças seja finalmente montado.
    Ps: Não teria sido lindo se Velcoro tivesse visto um "buraco negro" pouco antes de sua morte inevitável...? (Cabeças explodindo pelo mundo hahaha)

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  3. Foi razoável até o penúltimo ep, mas quando chega no ultimo... quase uma hora e meia! e o assassino? me fez sentir saudades até do Ted Childress! e acho que nem é tão injusto assim ficar comparando as temporadas, Bezzerides e Velcoro fazem isso ao ficarem disputando quem é mais Rust Cohle...

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  4. Gostei. De verdade. Se tivesse que escolher uma temporada preferida, seria a primeira, mas essa não foi fraca, de forma alguma. Apenas diferente.
    O problema é que a gente cria uma expectativa específica (vamos e convenhamos, não existia NENHUMA evidência, antes da estréia, de que a 2a temporada teria menções sobrenaturais).
    E mais: analisando friamente a primeira também não teve. Rusty alucinava por causa do LSD preso na gordura do corpo (acho que se concentra no fígado, inclusive), e o culto era exatamente isso: um culto. Ninguém lá era feiticeiro nem nada.

    As semelhanças entre a primeira e a segunda temporada estão no domínio das coisas por uma minoria "discreta", que opera a maior parte de seus acordos e decisões por trás dos panos, e apenas ocasionalmente algo não planejada "vaza" para fora da cortina.

    Ademais, o seriado não é sobre investigação. É sobre gente extremamente problemática (quebrada, como o Luciano comentou em um dos primeiros recaps, e acho que não tem termo melhor), e que usa os crimes e investigações como pano de fundo e catalisador para que essas pessoas problemáticas cheguem nos seus limites.

    Que venha a terceira temporada! :-)

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  5. Eu particularmente (e meu esposo incluído) gostamos MUITO dessa série. TD1 nos cativou de imediato com a temática cthulhiana, e mesmo sabendo que não haveria esse pano de fundo em TD2, já havíamos comprado a ideia do Nic Pizzolatto.
    Esse clima noir que ambientou a temporada foi cativante, é outro tema que gostamos muito e por diversas vezes tentamos inserir em nossas mesas. Os personagens foram bem construídos, com defeitos e problemas que só fizeram com que nos aproximássemos mais deles. Quando montamos uma ficha para um personagem, queremos que ele seja o máximo, e mesmo colocando defeitos, acabamos por esquecer de interpretá-los durante as sessões. Esses personagens são cruéis, autodestrutivos, problemáticos, corruptos, viciados, e isso só os torna mais humanos.
    Não esperava realmente um final feliz para eles (apesar de lá no fundo torcer por isso) e acredito que nem eles mesmo achasse que fosse escapar. Não me decepcionei com nada em TD2, pelo contrário, tive várias surpresas, cenas memoráveis (como esquecer o tiroteio em Vinci? Achei que todo aquele sangue ia derramar da minha tv xD), diálogos interessantes e uma trama bem complexa.
    Também achei que o roteiro poderia ser um pouco mais enxuto, e talvez houvesse espaço para explorar um pouco mais os conflitos internos dos personagens, a clínica onde a 1ª esposa do prefeito foi internada, as terras "envenenadas", etc.
    E se for pensar bem, terminou como provavelmente terminaria uma aventura cthulhiana: investigadores com baixa sanidade ou mortos xDDD

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  6. Estou gostando muito do que Nic Pizzolatto está fazendo em True Detective, mas esperava um pouco mais dessa segunda temporada, principalmente do final. O enredo tinha que ser mais enxuto, alguns personagens teriam que ser melhor explorados e faltou um pouco mais de malícia dos protagonistas (queria ver toda a fúria de Frank liberada, mas parece que ele se conteve e vacilou legal). A primeira temporada sem dúvida continua sendo a minha preferida e vamos ver que outras "histórias obscuras" Nic irá nos apresentar na terceira temporada. PS: Esse menção honrosa a Twin Peaks tá merecendo um artigo hein, Luciano? Especialmente agora que David Lynch irá retornar a ela ano que vem com uma minissérie e finalmente poderemos saber o que realmente aconteceu com o agente especial Dale Cooper.

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  7. Uma pena realmente que a serie não deu nenhuma pontinha do sobrenatural que esperava , até mais ou menos o 5 ou 6 eps eu achei que algo sobrenatural aconteceria !!!!
    Mas no fringir dos ovos foi uma otima serie !!!

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  8. Olá povo, então, a serie TEM algo sobrenatural sim.

    No episodio 3, enquanto Ray Velcoro está inconsciente por ter levado o tiro do do "Birdman" , ele tem uma conversa com o pai, que prevê o como vai morrer, seu pai descreve sua morte EXATAMENTE como ocorre no episódio final da serie.
    imagens aqui:
    http://uproxx.com/tv/2015/08/the-spectacularly-cool-detail-you-probably-missed-in-the-true-detective-finale/

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