segunda-feira, 26 de outubro de 2015

ZUMBIS - A verdade sobre o Mito dos mortos vivos Haitianos (parte 1)


Com base no artigo de Brent Swancer
Sanguinários e aterrorizantes, os zumbis da ficção se tornaram extremamente populares nos últimos anos. Eles estão presentes em incontáveis livros, em seriados de televisão e até nos filmes blockbuster de verão. É provável que os mortos-vivos jamais tenham sido tão populares e eles parecem ter chegado para ficar, deliciando e apavorando os fãs do terror.

Apesar de sua imensa popularidade, muitas pessoas desconhecem que em algumas culturas, zumbis são considerados reais. Em certas sociedades, zumbis não são simples monstros da ficção, usados para causar calafrios, mas criaturas profanas de carne e osso, seres que vagam pelo mundo espalhando pesadelos e medo. Mas o que existe de real nas tradições e crenças a respeito de zumbis? Onde a ficção se torna fato? Será possível que zumbis um dia existiram em alguma parte do mundo? E mais perturbador; será possível que eles ainda existam entre nós?

Para encontrar as respostas a essas perguntas, o melhor lugar para começar nossa investigação é a República do Haiti, localizada no Mar do Caribe. Ocupando metade da Ilha de Hispaniola, o Haiti tem uma longa tradição envolvendo zumbis, chamado por seus habitantes de "zombi". Os zumbis do Haiti para boa parte da população são muitíssimo reais. Eles são cadáveres reanimados através de poderosa magia negra por feiticeiros praticantes de vodu ou xamãs, conhecidos como bokor. Os zumbis são servos usados para várias atividades e tarefas, empregados como guardiões, como assassinos ou como simples mão de obra nas lavouras. Nos tempos da colônia, os zumbis eram rotineiramente usados como escravos em fazendas e plantações de cana de açúcar. 

Na religião vudu, que é professada por algo em torno de 80 ou 90 porcento da população do Haiti, existe a crença de que a pessoa pode morrer de duas maneiras: causas naturais ou por causas provocadas. Aqueles que morrem de velhice, acidente ou doença estão no primeiro caso e seus espíritos encontram seu caminho para o mundo além. Entretanto, aqueles que sofreram uma morte provocada pela ação de outros, tem as suas almas particularmente vulneráveis a ação de bruxaria praticada por feiticeiros vodu. Eles são capazes de aprisionar a alma dessas pessoas em garrafas ou jarros de barro. Com a alma devidamente capturada, o feiticeiro pode clamar o controle do corpo, transformando-o em seu servo, que passa a ser considerado um cadáver zumbi (zombi cadavre).  O bokor manipula esses mortos vivos ao seu bel-prazer, os corpos reanimados passam a ser sua propriedade, usados para os mais medonhos propósitos. Um zumbi pode ser enviado para matar um desafeto, para aterrorizar a família da vítima, para servir como escravo ou ainda para carregar malefícios e transmitir maldições. No vodu haitiano, um zumbi é uma abominação, uma monstruosidade que vai contra as leis da natureza e cuja existência é uma anátema. Em muitos lugares, mencionar a palavra "zombi" é uma espécie de tabu, algo que as pessoas preferem não falar a respeito para não atrair a ira de algum bokor.

Algumas vezes, uma pessoa é simplesmente transformada em zumbi como punição por ter desafiado a autoridade de um bokor ou como vingança por alguma transgressão. Por vezes, o bokor tem outros motivos para "fabricar" um zumbi. Vigora uma espécie de comércio de mortos vivos que são negociados e vendidos como escravos para qualquer um interessado em adquirir um servo desse tipo. Novamente no período colonial, fazendeiros e donos de terras compravam zumbis para lidar nas suas plantações.

Um típico zumbi haitiano

Zumbis também podem ser alegadamente criados a partir de indivíduos que ainda estão vivos, isso se o bokor for poderoso o bastante para arrancar a alma da pessoa do seu corpo. O processo de transformar uma vítima em zumbi segue alguns passos. Primeiro, o bokor deve direcionar uma maldição sobre o alvo de seu ritual. Esta pessoa irá contrair uma doença repentina que o levará a um estado semelhante a morte - uma espécie de coma profundo. A família da vítima (e mesmo médicos) serão incapazes de dizer que a vítima ainda está viva e esta eventualmente acabará sendo enterrada. O bokor então irá roubar o "cadáver" e levá-lo ao seu templo para reanimá-lo usando rituais de feitiçaria.

Aqueles que são transformados em zumbis pela magia negra do bokor, são descritos como indivíduos amaldiçoados, com o corpo emaciado, feições graves e uma cor de pele tendendo ao cinza pálido. Os ossos são visíveis através de sua pele macilenta. Todos tem uma expressão séria, fixa e tendem a encarar as pessoas sem parecer compreender o que elas dizem. Seus movimentos são vacilantes e lentos. Eles não demonstram coordenação motora e caminham de forma insegura, arrastando os pés no solo. Zumbis são capazes de falar, mas apenas em frases curtas, e as palavras são proferidas de forma pastosa, destituída de emoção ou sentimento. Zumbis também conseguem ouvir e entender comandos básicos, mas sua compreensão é limitada pela falta de livre arbítrio, fazendo com que eles pareçam meros autômatos. Segundo o folclore, zumbis são capazes de façanhas de força física, o que os torna ideais para trabalho braçal. Eles também não demonstram cansaço ou manifestam sinais de fatiga; além disso, o estímulo de dor não é registrado. É dito que os zumbis passa a existir em um tipo de transe, incapaz de entender sua condição ou registrar o que está a sua volta. Diferente dos zumbis da ficção, os verdadeiros zumbis haitianos são submissos e raramente agressivos, a não ser que seus mestres ordenem alguma ação violenta.  

Um bokor
Aqueles que são transformados em tais abominações em geral acabam à mercê de seus mestres, servindo a eles como escravos sem vontade própria. Mas há maneiras de romper o controle do feiticeiro. Segundo o folclore haitiano, se a garrafa ou jarro que aprisiona a alma do zumbi for destruído, ou se o bokor for morto, sua alma será imediatamente libertada e o zumbi estará livre para morrer em paz (se for um zumbi erguido dos mortos) ou para retornar aos seus familiares (caso seja alguém zumbificado em vida). Existe a crença de que se um zumbi receber sal, os efeitos de sua maldição poderão ser revertidos. Outros sugerem que se um zumbi for capaz de ver o mar, os poderes do bokor sobre ele irão diminuir. Finalmente, alguns sacerdotes poderiam realizar um ritual para remover o malefício e garantir o descanso do cadáver. Indivíduos "curados" a condição de zumbi infelizmente jamais recobram o estado mental que tiveram um dia. A maldição os afeta para sempre e para sempre eles carregarão o estigma de ter servido a um bokor na fronteira entre a vida e a morte.

Longe do retrato ocidental dos zumbis como monstros malignos e destruidores, os zumbis do Haiti são vistos tradicionalmente como vítimas inocentes ao invés de vilões. Haitianos historicamente não temem os zumbis, mas sim aqueles que os criam e a possibilidade de virem a ser transformados em um deles. O medo de se tornar um morto-vivo sem vontade, um escravo de um feiticeiro maligno é tão grande no país que ao longo dos séculos muita medidas foram tomadas para prevenir esse triste destino. Símbolos e marcas místicas de proteção eram tradicionalmente desenhadas no corpo de pessoas mortas até recentemente, bem como na lápide ou na pedra de seu sepulcro. Sacerdotes realizam uma espécie de "limpeza espiritual" que tem como objetivo purificar o corpo e impedir que ele seja vítima de malefício. Mas quando não há um sacerdote próximo, os haitianos mais temerosos apelam para outros métodos.

Um número elevado de haitianos são decapitados antes de serem enterrados, já que dessa forma não poderão ser reanimados como mortos vivos. A decapitação muitas vezes é uma espécie de último pedido de pessoas desenganadas ou que temem a ira de um bokor. O temor de ser transformado em um zumbi é uma ferramenta para controle político e social no Haiti. Durante os anos de opressão do regime Duvalier de 1957 a 1984, a cruel polícia secreta do governo, conhecida como Tonton Macoute recorria aos mais notórios bokor, e usava a ameaça de zumbificação para conter qualquer resistência entre a população supersticiosa.


O fenômeno da zumbificação começou a ser conhecido no ocidente durante a ocupação norte-americana do Haiti entre 1915 e 1934, quando soldados compartilhavam estórias macabras sobre magia negra e cadáveres animados magicamente. Esses relatos não eram muito levados à sério na época, e na maioria das vezes eram tratados como lendas urbanas exóticas e parte de um folclore estranho. Foram destes relatos que as revistas de ficção baratas da época, os pulp fiction, se apropriaram para criar o mito dos zumbis com fome de carne humana. Os zumbis lentamente tomaram de assalto o imaginário das pessoas e conquistaram reputação e um lugar de destaque entre os monstros icônicos do horror. Entretanto, algumas pessoas quando ouviram pela primeira vez as lendas vindas do Haiti, imaginaram se não haveria alguma verdade naqueles relatos macabros.

Uma das primeiras expedições organizadas para investigar a verdade sobre os zumbis no Haiti ocorreu em 1937, liderada pela antropóloga americana Zora Neale Hurston. Durante as viagens de Hurston pelo Haiti em busca de evidência, a pesquisadora ficou sabendo de uma mulher chamada Felicia Felix-Mentor, que segundo vizinhos havia sido transformada num zumbi. Os vizinhos explicaram que a mulher havia morrido em 1907, mas que retornou como um zumbi vinte anos depois pelas mãos de um feiticeiro.

Zora encontrou a mulher nas ruas de Port-au-Prince e a examinou. Felicia exibia limitadas capacidades mentais, coordenação motora abaixo da média e uma apatia que segundo a tradição era bastante condizente com o comportamento típico de uma vítima de zumbificação. Hurston investigou o caso e reuniu informações e rumores que a levaram a conclusão que aquele estado não era causado por magia negra, mas pelo uso de componentes farmacológicos. Em outras palavras, Hurston acreditava que algum tipo de veneno ou droga poderia induzir um transe, habitualmente confundido com o estado emocional de um zumbi.

Felicia Felix-Mentor.
Talvez a mais conhecida expedição realizada ao Haiti em busca de zumbis, tenha sido a do etnobotânico, antropólogo e explorador Wade Davis, que viajou para a ilha em 1982 a fim de investigar o curioso caso de um alegado zumbi chamado Clairvius Narcisse. Narcisse supostamente foi transformado em um zumbi por seu próprio irmão como punição por ter negociado terras que pertenciam a família há gerações. Em seguida, ele teria sido forçado a escravidão junto com outros zumbis em uma plantação de cana de açúcar em 1962. Ele trabalhou nessa plantação incansavelmente até a morte do bokor que o libertou da servidão. Ele então passou os dezesseis anos seguintes vagando pelos campos e pelas cidades do interior agrário do Haiti em um estado permanente de estupor como um morto vivo. 

Narcisse gradualmente recobrou alguma lucidez, o suficiente para retornar ao seu vilarejo natal, onde ele foi reconhecido por uma irmã que o considerava morto. Narcise foi capaz de reconhecer a mulher e compartilhou com ela algumas lembranças de infância que provaram sem qualquer dúvida que ele era, o irmão perdido. Aldeões do vilarejo a essa altura já estavam apavorados, porque Narcisse thavia sido decalarado morto há 18 anos. Alguns chegaram a ver seu corpo e participaram de seu enterro. O "zumbi" explicou aos vizinhos, amigos e familiares que de fato morreu e foi enterrado, mas posteriormente foi trazido de volta para trabalhar numa plantação quando um bokor roubou sua alma. O caso se tornou ainda mais surpreendente depois que médicos reconheceram ter examinado o cadáver de Narcisse na ocasião de sua morte. Ele foi oficialmente declarado morto e uma certidão de óbito chegou a ser emitida, assinada por dois médicos haitianos.

Uma foto de Narcisse sentado em sua suposta sepultura.
Wade Davis era formado pela Universidade de Harvard, mas seu foco eram as crenças e tradições tribais de vários povos que utilizavam as propriedades psicoterápicas de plantas e de remédios naturais. Davis empreendeu uma jornada ao Haiti a pedido do Dr. Nathan S. Kline, que havia ouvido boatos sobre o caso de Narcisse e acreditava que o estado do alegado zumbi era resultado de alguma poderosa droga, algo derivado de alguma planta local. Kline desejava obter amostras dessa planta para aplicações médicas na indústria farmaceutica. Ele esperava que Davis encontrasse a fonte e levasse para os Estados Unidos o resultado de seu estudo

Davis concordava com a hipótese do mito do zumbi estar ligado a utilização de drogas poderosas, capazes de mudar o comportamento das pessoas por elas afetadas. Ele chegou ao Haiti em 1982 para iniciar a investigação. Os nativos, no entanto, insistiam que a criação dos zumbis dependia da magia negra empregada por feiticeiros, ninguém sabia nada a respeito de supostas drogas extraídas de plantas locais. Davis negava veementemente qualquer explicação paranormal ou mística, e a falta de pistas o deixou frustrado. Entretanto, após entrevistar alguns bokor, Davis descobriu que os feiticeiros faziam uso de várias misturas, poeiras e unguentos extraídos de animais e plantas. O botânico ficou impressionado com a complexidade de algumas dessas misturas. Ele estava convencido que uma dessas "poções mágicas", usadas em rituais desencadeava os efeitos que eram condizentes com a zombificação.

Uma infinidade de poções e ingredientes usados pelos bokor.
Davis acreditava que essas "poeiras de zumbi" continham poderosas neuro-toxinas semelhantes a tetrodotoxina encontrada no veneno do peixe baiacú. Ele teorizou que essa poeira poderia ser  aplicada sobre uma vítima de várias maneiras - ingerida na comida, absorvida pela pele como uma pasta ou mesmo inalada como uma poeira dispersa no ar. Em doses menores, tetrodoxina causa paralisia e pode induzir um estado de coma caracterizado pela baixa temperatura corporal e drástica redução na frequência cardio-respiratória. Em tal estado, uma vítims poderia ser considerada morta e até ser enterrada. Quando os efeitos do veneno se dissipavam, cerca de 8 horas depois, a vítima era removida do caixão, recebendo do bokor um chá feito com base na planta Datura stramonium, conhecida vulgarmente como Erva de Jimsons, um potente psicotrópico que criava um estado de delírio e de transe, no qual o indivíduo se tornava extremamente sugestionável. Dessa forma, o bokor usava de seus poderes de persuasao para convencer o indivíduo de que ele havia morrido, passado por um ritual de zumbificação e retornado como um escravo da sua vontade. Doses adicionais aplicadas pelo bokor sedimentavam o domínio dele sobre a vontade de seu zumbi. No caso expresso de Narcisse, Davis especulava que ele tivesse recuperado suas faculdades mentais após a morte do bokor, quando ele deixou de aplicar as doses regulares do veneno.

Davis vasculhou o submundo do Haiti em busca de pistas sobre as drogas utilizadas pelos bokor em Port au Prince. Eventualmente, ele obteve oito amostras de poeiras para análise. Quando os ingredientes foram testados, ele mostrou ingredientes bizarros como sapos secos, pedaços de ossos humanos, restos de aranhas e lagartos, além de uma infinidade de ervas. Não foi totalmente estranho encontrar traços de tetrodoxina, exatamente como Davis sugeria. Os resultados da análise demonstravam que a poeira induzia efeitos de letargia e imobilidade quando administrada em cobaias de laboratório. Davis recebeu muitos elogios da comunidade médica, sendo reconhecido como o primeiro homem a oferecer uma explicação científica para o mistério dos zumbis haitianos. Posteriormente ele escreveu um livro a respeito de sua investigação intitulado "The Serpent and the Rainbow"(A Serpente e o Arco-Iris) que mais tarde foi adaptado para os cinemas, tornando-se um filme de horror dirigido por  Wes Craven. O filme, obviamente se aproveita de apenas alguns elementos do livro e romanceia a maioria das situações.



Uma representação do antes e depois do processo de zumbificação.
(Cont...)

4 comentários:

  1. as fotos nao estao funcionando elas nao carregam, fora isso bo texto

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  2. Pronto, acho que agora está funcionando. Desculpem, no meu computador estava aparecendo.

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  3. Bom texto . Acho que agora consigo responder a algumas perguntas que meu próprio cérebro faz a mim !

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