domingo, 29 de novembro de 2015

Slenderman e o Espírito do Suicídio - As mortes na Reserva Pine Ridge


Se existe uma constante em toda sociedade humana, em todo tempo e lugar, é que nunca é fácil passar pela adolescência.

Para os jovens vivendo em reservas indígenas destinadas a nativo-americanos, acima de todos os problemas trazidos por essa idade confusa, eles tem que lidar com outras questões extremamente delicadas. Pobreza, desemprego, escolas deficientes, violência doméstica, alcolismo, abuso de substâncias, estão presentes, mas acima de tudo, ser parte de uma cultura que foi quase erradicada por usurpadores de suas terras, constitui um dos aspectos mais dolorosos para esses jovens.

Talvez seja por isso, que a quantidade de suicídios entre adolescentes nativo americanos se converteu em um problema alarmante nas últimas décadas. Por "alarmante", significa dizer que o número de suicídios entre jovens nessa faixa etária, é mais do que três vezes superior do que a média em qualquer outro grupo étnico.

O problema foi detectado e tem sido monitorado por autoridades desde os anos 1930 e estudado por psicólogos e analistas comportamentais. Os fatos são claros: um grande número de adolescentes nativo americanos com idade entre 12 e 17 comete suicídio anualmente.

A frequência inevitavelmente acaba levando a familiaridade - mesmo quando se trata de um dado macabro como a morte auto-infligida de crianças, contudo os últimos acontecimentos registrados na Reserva Indígena de Pine Ridge são por demais preocupantes. Nessa reserva localizada no estado de Dakota do Sul, ao menos nove mortes ocorreram entre jovens com idade variando de 12 a 20 anos, no período de um ano. Um número extremamente elevado em uma população de cerca de 15 mil indivíduos habitando a reserva.


Uma dessas trágicas mortes, foi da jovem Lakota, Santana Janis de 12 anos. Seu corpo foi encontrado enforcado num pequeno banheiro no estacionamento de trailers onde ela vivia com seus pais e outros seis irmãos. O cadáver de Antonio Villa, 15 anos, foi achado em um automóvel abandonado três meses depois de seu desasparecimento, o rapaz havia consumido uma quantidade considerável de veneno para matar rato. Elisa Dubert, de 16 anos, matou a si mesma, se lançando em um riacho dentro da reserva com três blocos de concreto amarrados às pernas. Ela morreu afogada e seu corpo foi resgatado semanas depois.

Morte por asfixia é, no entanto, a forma mais comum de suicídio nas reservas, correpondendo a cerca de metade dos casos.

Em meados de Maio, quando as notícias a respeito dessa epidemia de suicídios começaram a preocupar os habitantes de Pine Ridge, algo estranho chamou a atenção das autoridades. Tentando descobrir se haveria algum elemento de cyber bullying ligado às mortes, os investigadores e membros das famílias encontraram um indício perturbador que poderia ter contribuído para a decisão fatal desses adolescentes em por um fim às suas vidas: um indício que apontava para o Slenderman.           

Os leitores que frequentam o Mundo Tentacular e outros blogs de horror, provavelmente conhecem bem as estórias sobre essa figura obscura. Ele apareceu pela primeira vez em um blog chamado Something Awful, numa página de discussão destinada a criar um monstro apavorante que poderia se converter em uma espécie de lenda urbana.

Não resta dúvidas que desde seu surgimento humilde, o Slenderman deu largos passos para se tornar uma figura cada vez mais conhecida (e temida) no território sem fronteiras da mídia eletrônica. O Slenderman conquistou mais do que a popularidade em um pequeno seguimento, ele se converteu em um fenômeno significativo. Com sua aparência sinistra: a face vazia destituída de feições, os membros assustadoramente longos e as aparições misteriosas, o Slenderman se tornou a personificação do medo primitivo para muitas pessoas. Uma pesquisa realizada recentemente por uma importante organização que trata de psiquiatria juvenil, apurou que o Slenderman é mais citado como personagem de pesadelos entre adolescentes do que vampiros, lobisomens e zumbis. Em outra pesquisa realizada, o Slenderman foi citado por 62% dos entrevistados como a figura mais aterrorizante e que eles menos gostariam de encontrar se fosse real.


Entre usuários da internet e frequentadores de blogs que congregam relatos de horror, as chamadas creepypastas, o nome do Slenderman é recorrente. Um em cada três adolescentes norte-americanos disseram que conhecem a estória da "entidade", sendo que, um a cada cinco jovens, responderam que "sim"; acreditam que a lenda pode ter um fundo de verdade. De forma progressiva, o Slenderman vem se instalando no inconsciente coletivo dos jovens norte-americanos preenchendo a lacuna como o bicho-papão de toda uma nova geração.     

O escritor de blogs Ian Vincent, coleciona artigos de jornal e reportagens a respeito do Slenderman publicadas em todo país. Segundo ele, a entidade é apontada frequentemente como responsável por mortes ou desaparecimentos misteriosos nos Estados Unidos. Em cerca de 90% dos casos, adolescentes estão envolvidos, seja como vítimas ou criminosos. 

Tomemos como exemplo da influência do Slenderman, um crime macabro ocorrido no final de 2014 no sul do estado de Wisconsin. Duas adolescentes convidaram uma colega de escola para acampar em uma floresta num final de semana. Enquanto dormia, as duas jovens entraram na barraca e apunhalaram a "amiga" nada menos do que dezenove vezes (!!!) e a abandonaram na floresta acreditando que ela estava morta. O medonho crime, que as adolescentes posteriormente confessaram, tinha como objetivo ser um sacrifício para o Slenderman. As duas jovens contaram em depoimento oficial que eram perseguidas pelo Slenderman e que a única maneira de se livrar da sua ameaça era entregar a ele uma outra vítima. As duas jovens, de 15 e 16 anos estavam obsecadas com a lenda da sinistra entidade e possuíam uma página na internet em que diziam ter encontrado a criatura repetidas vezes. Alguns críticos supõem que esse seja um estratagema criado pela defesa para livrar as meninas da responsabilidade penal, contudo, a página criada por elas está no ar desde 2011.

A vítima, quase que por milagre sobreviveu ao ataque e será ouvida ano que vem no aguardado julgamento que a mídia apelidou de "Crime das Meninas do Slenderman".

Em fevereiro desse ano, um jovem de 14 anos no interior do estado de Illinois abriu fogo com uma pistola contra colegas no pátio em seu colégio. Os disparos feriram dois colegas, mas por sorte ninguém morreu. Ao ser interrogado, o rapaz disse que o Slenderman o obrigou a praticar o atentado. 


Mas voltando à epidemia de suicídios em Pine Ridge, a conexão com o Slenderman foi estabelecida pelas autoridades encarregadas da investigação. Eles encontraram no navegador de quatro dos jovens nativo americanos que haviam se suicidado, indícios de que eles frequentavam páginas dedicadas a essa entidade apavorante. 

O pastor Chris Carey, ministro de uma Igreja localizada na reserva conhecia os jovens. Ele estava em contato com eles e sabia de suas aflições. Santana Janis, a menina de 12 anos que se enforcou em um lavatório, contou ao pastor Carey que tinha muito medo de uma figura que ela chamava de "Espírito do Homem Alto". Carey foi enfático nas entrevistas que concedeu a jornalistas: "Santana realmente acreditava que essa entidade existia. Ela acreditava de tal forma na sua existência que não conseguia dormir ou ficar sozinha. Poucas semanas antes de morrer, ela disse que tinha medo do homem alto que viria pegá-la".  

Os pais de Antonio Villa também permitiram que os investigadores tivessem acesso aos cadernos e livros pertencentes ao rapaz. Encontraram um caderno de desenhos em que o rapaz havia rabiscado esboços de uma figura sinsitra sem face e com membros absurdamente longos. Abaixo de um desses desenhos, o rapaz havia escrito uma legenda onde se lia as palavras tristemente proféticas: "O homem medonho vem te pegar!".

Uma amiga de Elisa Dumber contou que ela tinha muito medo de estórias de horror, mas que isso não a impedia de frequentar páginas dedicadas ao tema contendo creepypastas. Meses antes de cometer suicídio, Elisa teria dito - talvez brincando, talvez não, que o Slenderman existia e que muitas pessoas na internet acreditavam, que ele podia perseguir aqueles que realmente acreditavam na sua existência. No computador usado por Elisa Dumber havia vários indícios de que ela frequentava páginas sobre o Slenderman, corroborando o que sua amiga contou aos investigadores.

Em agosto de 2015, outro jovem nativo americano, morador da reserva, tentou o suicídio por asfixia. Felizmente, ele foi salvo por um primo que o encontrou agonizando. O primo foi rápido em chamar paramédicos que tiveram sucesso em reavivá-lo. Mês passado, o rapaz já recuperado, contou que muitos dos jovens que tentam suicídio na reserva cediam ao desespero por serem pressionados a se matarem. Em seu depoimento ele não citou o nome do Slenderman, mas disse que a crença em um suposto "Espírito do Suicídio" se tornou frequente entre os jovens na reserva. 


Em outubro, um artigo publicado no New York Times mergulhou nessa estória e citou o "Espírito do Suicídio". A reportagem buscava compreender esse fenômeno cultural e estabelecer sua origem, contudo as informações colhidas entre os nativos americanos eram no mínimo, escassas. O pouco que se obteve a respeito, menciona que a lenda é mais antiga do que se poderia supor. O Espírito do Suicídio seria uma força de auto-destruição capaz de possuir indivíduos que atravessavam períodos de crise espiritual. Alcolismo e abuso de drogas eram consideradas como vícios convidativos para a aproximação do Espírito do Suicídio, uma vez que els enfraqueciam as defesas psicológicas e espirituais de suas vítimas. 

Segundo as crenças dos nativos das tribos Lakota e Iroquoi, aqueles que atraem o Espírito do Suicídio são tentados a terminar com sua própria existência para serem poupados de uma vida de dor e sofrimento. O espírito surge como uma força sedutora que tenta a todo custo convencer suas vítimas de que não há escapatória para os sofrimentos terrenos, a não ser se entregar de vez ao esquecimento. Ainda segundo os nativos, as promessas do Espírito são vãs, uma vez que aqueles que cedem a ele acabam se tornando fantasmas fadados a vagar sem descanso pela eternidade.      

Para alguns, o que parece estar acontecendo na Reserva Pine Ridge e em outras comunidades indígenas é uma redescoberta de velhas lendas (no caso do Espírito do Suicídio) se sobrepondo a Lendas Urbanas contemporâneas mais especificamente o Slenderman que chega aos jovens através da internet. Nesse contexto, o Espírito do Suicídio e o SlenderMan seriam a mesma entidade temida pelos jovens nativo americanos, uma tradição antiga, redescoberta e reinterpretada em uma nova interpretação.


Segundo o antropólogo Chris Lopes, o Espírito do Suicídio é uma manifestação dos temores e aflições dos nativos, mas como lenda, ele gradualmente experimentou um desapareciemento a partir da metade do século XX. Até então, a crença nesse espírito era bem difundida. Lopes cita como exemplo a repercussão do massacre dos Cherokee na famosa batalha de Wounded Knee onde centenas de nativos foram massacrados pelo Exército Americano. Após esse trágico banho de sangue, milhares de nativos em desespero cometeram suicídio em uma epidemia que se espalhou pelas reservas a medida que a notícia se espalhou. Em 1932, um distúrbio ocorrido entre nativos e posseiros no interior da Nova Inglaterra terminou na morte de 15 membros da tribo Onondaga. O acontecimento repercutiu de tal forma nas reservas que mais de 80 suicídios foram reportados em reservas próximas.

Seria possível que o Espírito do Suicídio estivesse ressurgindo em pleno século XXI entre os nativos norte americanos, tendo como inspiração a lenda urbana do Slenderman? 

Se isso for verdade, como seria possível proteger os adolescentes da exposição a esse tipo de informação? Em um recente comunicado sobre as ocorrências na Reserva Pine Ridge, o Departamento Americano de Educação destinou uma verba de 300 mil dólares para instalar um Programa de Emergência contra a Violência e de Valorização da Vida. O programa visa incentivar a informação sobre os mitos dos Lakota e estabelecer um canal de comunicação para os jovens discutirem seus problemas. O programa conta com professores nativos, especializados nas crenças das tribos Lakota e nas tradições. 

Desde sua implantação no início de outubro, não houve mais nenhum registro de suicídio na Reserva Pine Ridge, mas os professores estão atentos para qualquer eventualidade. Segundo eles, uma das principais aflições dos adolescentes diz respeito ao temor de que suas vidas são vazias e que eles não terão oporunidades como adultos, preocupações típicas de jovens em qualquer lugar do mundo. Contudo, a outra grande preocupação manifestada diz respeito ao temor de entidades capazes de coagi-los a cometer o suicídio, uma prova de que as crenças de seus antepassados ainda estão presentes entre muitos jovens nativos.  

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

O Visitante de Van Meter - O Mistério sem solução de uma Criatura Alada

Unexplained photo

Não tem nem um mês, escrevi um artigo a respeito de uma estranha criatura marinha que causou enorme estranheza na Espanha no século XIX.

Seria um monstro marinho? Um animal desconhecido? Um lendário tritão?

Provavelmente jamais saberemos se aquilo tudo realmente aconteceu ou se não passou de histeria coletiva ou de uma boa e velha estória de pescadores que ganhou amplitude.

Curiosamente, a estória do "Tritão da Espanha" não é única no reino da Criptozoologia, o estudo de seres estranhos, incomuns ou raros cuja existência ainda é passível de comprovação científica. De fato, a criptografia na última década tem se mantido muito ocupada graças a presença cada vez maior de aparelhos eletrônicos capazes de registrar seja em fotos, seja em imagens coisas que nem sempre possuem uma explicação imediata.
Tome por exemplo, o que aconteceu na cidade de Van Meter em 1903. Se naquela época, alguém tivesse um smartphone, poderia ter registrado a fantástica aparição de uma criatura alada única, um ser cuja existência mesmo hoje, passado mais de um século ainda gera muita discussão e debate.

Ao invés de se armar com espingardas e alvejar a estranha criatura de mais de dois metros de altura e com um chifre brilhante na testa, os bons cidadãos de Van Meter poderiam ter filmado a coisa e postado o video no YouTube. Caso encerrado. Monstro confirmado.

Infelizmente não foi bem isso que aconteceu. Em uma demonstração inequívoca que evoca as sábias palavras de H.P. Lovecraft "nenhum medo é mais forte do que o medo do desconhecido", os moradores em pânico trataram de preventivamente encher a criatura de chumbo, antes que ela pudesse fazer algo. Afinal de contas, nada tão grande e assustador, poderia ser pacífico, certo? Ainda mais tendo um enorme chifre na testa que segundo as estórias emitia uma luz cegante.

Essa fascinante estória, vem sendo pesquisada por um Caçador de Criptídeos, o autor Chad Lewis que passou dias acampando na entrada de uma velha mina de carvão desativada de onde, supostamente, a criatura saiu para espalhar o pânico em Van Meter 112 anos atrás.


Chad sobreviveu à missão. Ele não foi abduzido e nem atacado pela misteriosa criatura voadora, ao invés disso conseguiu coletar boas estórias para contar. Em sua passagem por Van Meter, uma "pacífica" cidadezinha do estado americano de Iowa, ele desenterrou uma lenda que estava morrendo junto com os poucos cidadãos que ainda se recordavam dos acontecimentos ou que ouviram a narrativa da boca de pessoas que testemunharam os fatos.

A estória, conforme contada, oferece um vislumbre de como era a vida no interior dos Estados Unidos no início do século XX. Mostra como a superstição ainda vigorava nas pequenas comunidades da virada do século e como uma comunidade pode ser testada até os limites do medo quando confrontada com algo estranho, perturbador e inexplicável. 

O incidente envolvendo a criatura que passou a ser conhecida como "O Visitante de Van Meter" acabou sendo redescoberto pela cidade que chegou a erguer um memorial a respeito do monstro e que vem lucrando com a vinda de outros visitantes, no caso turistas, atraídos pela lenda e dispostos a conhecer o lugar onde tudo aconteceu.

Mas o que realmente aconteceu naquele inesquecível outono de 1903 e até que ponto essas estórias podem ser levadas à sério?

O "Visitante" era uma enorme criatura de aspecto monstruoso, meio-homem/meio-morcego com imensas asas negras que o impulsionavam pelo ar a uma velocidade fantástica. Ele exalava um fortíssimo odor e quando alçava vôo, suas asas coreáceas faziam um barulho aterrorizante. Mais ainda, a criatura, que no início só era vista à noite - provavelmente porque morcegos são animais de hábitos noturnos, possuía uma espécie de chifre no alto da cabeça ou na testa, que emitia uma luz cegante.
Essa criatura, semelhante a uma lendária hárpia ou a um gárgula de catedral, foi vista repetidas vezes em um curto espaço de tempo. Ela voava por sobre a cabeça das testemunhas em um mergulho assustador que parecia visar um ataque direto. Felizmente, ninguém chegou a ser ferido pelo monstro que teria no entanto, matado algumas ovelhas, carneiros, novilhos, vacas, cães, gatos e outros animais domésticos - a lista de animais mortos era tão vasta que nem vale a pena relatar todos.
Apesar de ninguém entender exatamente o que estava vendo, o visitante era claramente aos olhos da população uma ameaça. Era questão de tempo, todos concordavam, até ele atacar uma pessoa inocente, agarrá-la em seus braços e voar para os céus carregando-a para depois matá-la e devorá-la. 

Com esse temor em mente, o povo de Van Meter tratou de se armar. As pessoas andavam armadas com espingardas, rifles e revólvers. O conselho da cidade emitiu uma ordem para que as pessoas só saíssem de suas casas após a noite, portando alguma arma de fogo, e na companhia de outras pessoas devidamente preparadas para um eventual encontro com o "visitante". Apesar de ser 1903, e armas não serem mais tão comuns em Iowa quanto eram no Oeste Selvagem, o mesmo Conselho garantiu o porte de armas e munições a qualquer um que temesse pela sua segurança.

Não demorou muito até que tiros fossem disparados. O primeiro a apertar o gatilho foi um fazendeiro chamado U.G. Griffith que afirmou ter visto um enorme vulto escuro saltando entre os telhados de sua casa e de seu celeiro. O Sr, Griffith disparou quatro cartuchos de munição e afirmou que sem sobra de dúvida acertou ao menos três deles diretamente. O monstro entretanto não pareceu sentir os disparos e simplesmente voou para longe. Na noite seguinte, o médico da cidade Frederick Hasler e um caixa de banco Peter Dunn, também se depararam com o monstro. Hasler pouco antes da meia noite e Dunn de madrugada. O médico tinha à mão uma espingarda de caça e disparou um tiro contra o que ele descreveu como "um enorme morcego humano cuja espécie a ciência desconhece por inteiro". O disparo foi certeiro em suas palavas, mas o monstro apesar de alvejado conseguiu saltar do telhado e ganhar altitude. 

Dunn encontrou o monstro enquanto voltava para casa por uma estrada próxima. A criatura "passou por cima de sua cabeça" e por pouco não o atingiu diretamente. Ele tinha à mão uma espingarda calibre 12 que usou para alvejar o monstro e derrubá-lo do alto de uma árvore onde ele se embrenou em busca de proteção. Uma vez atingido, o monstro caiu no chão, mas apenas desorientado, ele ainda conseguiu levantar e correr para a floresta. Sabendo que as pessoas poderiam duvidar da estória, Dunn tratou de voltar em casa e apanhou gesso para fazer um molde das pegadas da criatura - "em forma de um pé com três grandes dedos".

A essa altura, a febre do tiro ao alvo, já havia dominado os moradores de Van Meter e as pessoas saíam à rua com o objetivo de caçar a criatura. Todos queriam ganhar seus 15 minutos de fama como o responsável por abater a besta alada, o que renderia uma manchete na gazeta local e uma recompença de 10 dólares oferecida por um grupo de fazendeiros locais.

Um repórter do Iowa Tatler chamado Ben Jasperson conseguiu aquilo que ninguém havia sido capaz de obter: uma prova da existência do monstro! Ele ficou de guarda no alto do prédio mais alto da cidade, a prefeitura, aguardando pacientemente até a criatura surgir. No dia primeiro de outubro ele registrou com uma fotografia a aparição daquilo que ele descreveu como um monstro que circulou o prédio onde ele estava e foi pousar no alto de uma loja de material de construção. O dia estava amanhecendo e a criatura parecia tranquila e nada ameaçadora. Segundo Jasperson, o monstro era muito grande, com mais de dois metros e com asas com talvez o dobro disso em envergadura. Ele não foi capaz de ver detalhes, mas com as mãos trêmulas pressionou o obturador e conseguiu tirar a controversa fotografia que está no alto desse artigo.

Muitas pessoas ainda hoje discutem se a foto é verdadeira ou uma farsa. É um fato que as câmeras da época eram bem menos potentes do que as de hoje em dia, mas mesmo com a precariedade das lentes, é notável o que Jasperson conseguiu obter ao mirar sua máquina. Especialistas acreditam que a imagem possa ser real, mas que ela tão somente mostra alguém no teto do prédio, vestindo uma espécie de fantasia guarnecida de asas falsas. Verdadeira ou falsa, a imagem foi muito discutida e permanece como o único registro do "Visitante de Van Meter".


Graças à imagem, o pânico contagiou a cidade inteira e tornou o vilarejo famoso, atraíndo a atenção de outros jornalistas vindos de Nova York e Chicago. 

Na noite seguinte, R.G. Carter, um engenheiro com experiência militar, famoso por ser um ótimo atirador, acordou na madrugada com o som de alguma coisa mexendo no poste de telefone em frente à sua casa. Era acriatura, empoleirada no cabo. Ele preparou o rifle, mas quando enfim chegou na janela, o monstro havia desaparecido. White contou que o tiro seria fácil, já que ao redor da criatura havia um brilho que vinha de um longo chifre posicionado no topo de sua cabeça. Essa foi a primeira menção ao peculiar chifre que tornava o visitante ainda mais estranho. 

O visitante deve ter se movido para o centro da cidade, já que foi avistada poucos minutos depois por Sidney Gregg, um vendedor que estava arrumando o estoque de material de sua loja. Gregg (é claro!) também estava armado com uma escopeta e teve tempo de fazer mira e disparar contra o monstro. "Ele saltou como um canguru!", explicou o vendedor que disparou mais oito vezes (!!!) tentando derrubar o monstro. Em meio ao ruído de tiro, outras pessoas foram para a rua - todas fortemente armadas, e começaram a disparar em qualquer sombra no céu noturno. Mataram vários pássaros, mas nenhum deles era grande, feio ou assustador o suficiente para ser chamado de monstro. A torre da igreja também foi alvejada e as janelas de duas casas próximas.
Na manhã seguinte, um professor e seus alunos do primeiro ano foram apavorados pelo avistamento do monstro voador que os perseguiu pelo pátio da escola dando razantes ameaçadores. Felizmente (?) um dos alunos (é serio!) estava armado com uma espingarda e conseguiu escorraçar o monstro.

O pânico já havia se espalhado pela cidade e as pessoas estavam especialmente aterrorizadas depois que o monstro noturno havia sido visto em plena luz do dia. Um outro informe, feito por um fazendeiro, afirmava que o monstro teria se refugiado em uma velha mina de carvão, desativada poucos anos antes. Parecia fazer sentido, já que a mina oferecia um ambiente escuro, ideal para um morcego, ainda que ele fosse meio-homem.

Um grupo de cidadãos preocupados (e obviamente, fortemente armados!) formou um grupo de reconhecimento para vasculhar a mina. O Des Moines Daily News informou em uma reportagem em 3 de outubro de 1903 que o "aldaz grupo, formado por 18 homens, estava disposto a encarar o próprio diabo e sua horda de diabretes em batalha".

Surpreendentemente, o monstro de fato estava no interior da mina. E pior, estava acompanhado de três monstrinhos menores. Quando a criatura alçou vôo tentando escapar pelo túnel que dava acesso a superfície, os "valorosos homens de Van Meter" apontaram suas armas e desancaram uma barragem de chumbo grosso que o derrubou. Os tiros foram tantos que as pessoas na cidade acharam que o mundo estava acabando - ou ao menos foi o que o repórter escreveu.

O monstro ainda tentou fugir, mas uma nova salva de tiros o atingiu diretamente. As versões menores da criatura foram abatidas por disparos igualmente concentrados e golpes de coronhadas, paus e pedras. 

"No fim da caçada, não havia restado muito do monstro para ser apresentado, mas os caçadores pareciam satisfeitos por terem cumprido sua tarefa cívica." 

Aqueles que participaram da caçada teriam encontrado o que parecia ser um ninho, onde estavam os restos de animais abduzidos das fazendas. Nesse covil, escondido nas profundezas de um túnel, o monstro teria se alojado. O grupo antes de sair ateou fogo a tudo para não restar dúvidas de que a ameaça tinha sido erradicada de uma vez por todas. 


Lewis encontrou os jornais e artigos que mencionam esses aconteciemntos e ficou impressionado com o fato de que os testemunhos vinham de homens proeminentes que juravam ter contado os fatos conforme aconteceram. "Não eram os bêbados da cidade, mas professores, médicos, comerciantes... pessoas acima de qualquer suspeita que não tinham por que inventar uma estória tão fantástica, apenas para ganhar fama."

Enquanto realizava a sua pesquisa, Lewis encontrou vários descendentes de pessoas que vivenciaram os aconteciementos, pessoas como a bibliotecária Jolena Walker, cujo avô participou do bando que teria matado o "visitante" na mina.


"Aquelas pessoas não queriam publicidade ou destaque!" disse Walker, "eles eram homens de respeito que temiam estar diante de algo inacreditável que poderia se tornar um risco para suas famílias e amigos".

Jolena relatou que seu avô falou apenas uma vez a respeito de sua experiência em 1903:

"Ele evitava falar a respeito daquilo. Dizia que não se orgulhava de ter participado da caçada, mas que era necessário abater o monstro antes que ele ferisse alguém. Talvez, o monstro fosse apenas um animal enorme, diferente de tudo que já vimos, mas meu avô sempre acreditou que aquela coisa era má. Ele não sabia explicar como ou porque, mas sabia que o "visitante" era algo perverso, talvez até diabólico". Certa vez, o pai de Jolena perguntou a respeito do aconteciemnto e o homem já com 70 anos, ficou contemplativo por um momento e então respondeu: "Eu sei que existe o bem e o mal. Eu acredito que existe um Deus, e portanto, eu tenho que acreditar na existência do Demônio. Eu não sei se aquilo era um demônio, mas com certeza, não era algo bom".

Lewis realizou várias pesquisas nos arquivos da gazeta local e ouviu estórias estranhas a respeito do Visitante, de fantasmas, pé-grande e até de criaturas alienígenas que teriam aparecido nos arredores de Van Meter e para sua surpresa a quantidade de acontecimentos inexplicáveis na cidade é surpreendente. Van Meter é como um para-raios de ocorrências sobrenaturais.

Enquanto escrevia a estória da cidade, o autor encontrou vários relatos de descendentes e achou curioso que a maioria daquelas pessoas evitava falar sobre o incidente.

"Talvez seja por isso que a estória estava desaparecendo. É estranho que uma estória tão notável seja tão pouco conhecida ou comentada, mas isso se deve ao fato dos envolvidos tentarem esquecer dos eventos do qual tomaram parte. Não é o comportamento típico de indivíduos que inventam uma estória em busca de reconheciemnto ou fama".


Nesse aspecto, o Visitante de Van Meter oferece um panorama totalmente diferente das narrativas sobre monstros. O comportamento daqueles que tiveram envolvimento no acontecimento se assemelha ao comportamento de veteranos de guerra que se negam a falar sobre suas experiências traumáticas no fronte. Lewis recebeu várias respostas negativas de parentes que afirmaram não ser um assunto sobre o qual eles gostariam de falar a respeito.
Hoje não há nenhum sobrevivente desses acontecimentos, todos morreram há muito tempo, levando para o além os relatos inacreditáveis de um outono assustador.

Para Chad Lewis, o horror que se abateu sobre Van Meter não pode ser descartado como uma mera farsa engendrada por pessoas querendo tomar parte em algo inacreditável. Ávidas pelos holofotes e pelo desejo de fama, há algo mais nesse incidente.

"Existe uma longa tradição de avistamento de coisas inexplicáveis na América do Norte. Mesmo entre as tribos de nativos americanos, existiam lendas sobre homens que entravam na floresta ou se aventuravam além da fronteira selvagem e se deparavam com animais fantásticos e monstros aterradores. Desde Búfalos gigantes a monstros antropóides como o pé-grande e o wendigo. Se esses relatos são verdadeiros ou não, provavelmente jamais venhamos a saber, mas a quantidade deles nos diz que há algo estranho lá fora, algo que nós talvez não estamos prontos para encontrar".

Seja como for, o monstro alado de Van Meter continuará a assustar as pessoas, fazendo com que elas olhem para cima preocupadas, temendo o som de grandes asas negras.

sábado, 21 de novembro de 2015

A Cabeça do Samurai - A História de uma das assombrações mais famosas do Japão


Tóquio, a Capital do Japão é uma barulhenta megalópole, conhecida em todo mundo por suas realizações tecnológicas, suas ruas iluminadas por placas de neon, pelos arranha céus que desafiam as nuvens e pela ocupada população de milhões. Diante de tal paisagem moderna, é difícil acreditar que essa vibrante metrópole possa esconder estórias de fantasmas que parecem mais adequadas a pequenas cidadezinhas do interior. Ainda assim, uma movimentada área de Tóquio, supostamente hospeda uma vingativa assombração, o espírito de um Guerreiro Samurai cuja cabeça se recusa a descansar, espalhando destruição e má sorte sobre todos que cruzam seu caminho.

Para compreender a origem da lenda de como o fantasma de um samurai veio a assombrar uma das mais modernas e populosas cidades do mundo, é importante lembrar que Tóquio nem sempre foi a cidade que é hoje. Por muito tempo, ela foi o palco de perversas disputas entre Senhores Feudais: batalhas, assassinatos e sangrentos massacres mancham o passado da cidade. Foi durante um dos períodos mais agitados da turbulenta história de Tóquio, por volta do século X, que um poderoso e temido samurai chamado Taira no Masakado, se rebelou contra seu Daimio (o senhor a quem ele devia obediência). Isso deu início a uma contenda de sangue que criaria um dos mais sinistros casos de assombração do Japão.

Masakado nasceu em Kanmu Heishi, era parte do clã Taira cuja linhagem descendia diretamente do Imperador Kanmu. Nascido com vários privilégios, Masakado sempre teve um espírito indomável, teimoso e abrasivo com todos ao seu redor. Segundo as lendas, ele matou seu instrutor de esgrima quando tinha apenas oito anos e se tornou um temido espadachim que costumava desafiar seus desafetos para duelos até a morte. Seus problemas de verdade, começaram quando ele tinha 17 anos. Após a morte de seu pai, um tio exigiu o direito sobre uma porção de terras. Uma vez que não haviam leis de herança suficientemente claras na época a reivindicação foi considerada justa, já que Masakado ainda não havia atingido a maioridade. Um emissário oficial se apresentou diante de Masakado para lhe dar a notícia, furioso ele sacou sua espada e matou o homem e seus acompanhantes. Em seguida, enviou a cabeça do mensageiro para o tio avisando que iria pessoalmente decapitar qualquer um que reclamasse a posse das terras que eram suas de direito. A morte de um emissário era um crime considerável na época, já que eles eram praticamente intocáveis.

O tio enviou então homens para capturar o sobrinho e trazê-lo diante das autoridades. Masakado ficou sabendo e preparou uma emboscada na qual enfrentou e derrotou cinco homens em combate. Sua fama a essa altura só aumentava: ele era conhecido por ser implacável e impiedoso. Conforme o prometido, Masakado decapitou os homens e colocou suas cabeças em estacas, fincadas para demarcar limites de suas terras. Temendo insistir em um banho de sangue, o tio desistiu de reclamar a propriedade e permitiu que Masakado permanecesse nas terras.


Dois anos se passaram em relativa tranquilidade, até que Masakado resolveu que era o momento de aumentar seus domínios. Durante o período de relativa tranquilidade, o samurai havia montado um pequeno mas bem treinado exército e arquitetado detalhadamente uma invasão às terras de seu tio. A tropa comandada por Masakado adentrou as terras adjacentes, conquistando povoados, ateando fogo aos fortes e matando todos os soldados que encontrou. Qualquer um que se colocasse em seu caminho era morto e decapitado. Na brutal investida ele queimou e destruiu vilarejos inteiros, mandando enforcar os camponeses que se negavam a aceitá-lo como novo senhor.

A disputa foi levada ao Imperador, mas Masakado foi capaz de evitar qualquer punição invocando leis e tradições que ainda estavam em vigor. Quando a corte considerou que ele estava apenas reagindo a uma provocação prévia - a tentativa de assassinato sofrida, ele recebeu uma anistia direta do Imperador Suzaku, um indulto para prosseguir em sua campanha. Finalmente, ele conseguiu conquistar as terras do tio que fugiu a tempo de não ser ele próprio decapitado - três primos de Masakado não tiveram a mesma sorte e perderam a cabeça.

Mesmo no exílio, o tio conseguiu convencer alguns aliados que Masakado não pararia por aí e que havia a necessidade de reunir um exército. Ele estava certo! Mas antes que o exército pudesse ser formado, Masakado cavalgou com seus homens para a Província de Hitachi onde o tio havia encontrado refúgio. Ele cercou o palácio do governante e demandou que o tio fosse entregue, quando a ordem foi negada, ele mandou atear fogo ao palácio e matar todos em seu interior. Mas sua sede de conquista e de sangue não estava saciada. Nos quatro anos que se seguiram ele anexou as terras de mais oito senhores feudais, todos eles vencidos no campo de batalha. Masakado costumava dizer que não tinha paciência para negociar tratados e mesmo quando emissários se apresentavam com termos de rendição, ele ordenava o ataque.


Embora os nobres da época condenassem suas ações, na prática, não havia muito que pudesse ser feito. Masakado vinha de um clã importante e era praticamente imbatível, não tendo perdido, até então, uma única batalha. Para complicar ainda mais as coisas, Masakado passou a cultivar sua fama como guerreiro através de músicas e poesias que enalteciam suas façanhas. Tudo isso cativou os camponeses sob seu comando. Ainda que ele tratasse os súditos com inegável desdém e abuso de poder, os camponeses o viam como um líder admirável a quem deviam respeito e total devoção. Muitos o chamavam de Grande Daimio e já se falava que Masakado ambicionava um título ainda mais elevado.

O governo, na época centrado na cidade de Kioto, começou a se preocupar com o poder e influência cada vez maior do Senhor Feudal. Se com menos de 25 anos ele já havia conquistado tanto, o que poderia acontecer se ele prosseguisse em suas bem sucedidas campanhas militares. O temor de que ele pudesse reclamar o Trono Imperial era bastante real, e se confirmou quando Masakado começou a fazer ousadas declarações nas quais aludia à sua herança real e ao fato dele ser um descendente direto do Imperador Kanmu.

Em Kioto, o Imperador não recebeu bem as notícias de que Masakado contestava seu direito como regente do Japão. Masakado foi taxado como rebelde e traidor, e uma imensa recompensa foi oferecida para qualquer um que trouxesse sua cabeça. Um formidável exército, incluindo alguns dos parentes do próprio Masakado, que haviam sobrevivido às suas conquistas, foi mobilizado. Liderado pelo poderoso comandante Fujiwara no Hidesato, a tropa marchou a cavalo para a região de Kanto na fronteira dos domínios de Masakado. Em 940, o exército de Masakado se apresentou em um campo próximo a Shimosa, envergando uma bandeira imperial que declarava abertamente sua contestação ao poder. Masakado lutou bravamente mas seus homens estavam em minoria de 5 para 1, e acabaram sofrendo sua primeira e única derrota.

O corpo de Masakado foi encontrado entre os guerreiros tombados no massacre. Uma flecha havia atravessado sua cabeça e ele havia sido esmagado pelos cavalos. O estado do cadáver era tão ruim que as pessoas que o conheciam, trazidas para identificar seu corpo, tiveram dificuldade em concordar que era de fato ele. Por fim, uma de suas concubinas acabou confirmando a identidade. O comandante Fujiwara decapitou o Senhor da Guerra pessoalmente e levou o troféu da vitória para a apreciação do Imperador em Kioto.  

É a partir desse ponto que a estória começa a ficar estranha e entra de vez no reino do sobrenatural. A cabeça decapitada de Masakado de fato foi levada até Kioto, mas logo se percebeu que havia algo errado com ela: ela não se decompunha. A carne continuava presa ao crânio, os olhos estranhamente vivos pareciam queimar com uma furiosa centelha e os dentes pareciam ranger com um ódio incontido. A cabeça não exalava o inevitável fedor da corrupção e sequer atraia moscas como seria de se esperar. Após inspecionar o troféu, o Imperador ordenou que a cabeça fosse colocada sobre o portão do palácio para que todos pudessem ver o que acontecia com aqueles que desafiavam sua autoridade. Com o passar dos dias, as pessoas percebiam que a cabeça continuava igual. Meses se passaram e a cabeça de Masakado continuava como no dia em que havia sido separada de seu corpo. Para alguns, a expressão até chegou a se alterar, a face havia assumido uma expressão de desdém e os olhos pareciam mais desafiadores do que antes.  


Aldeões que passavam pelo portão olhavam para o outro lado, temendo os olhos frios do samurai. Foi nesse momento que os rumores realmente macabros tiveram início: a cabeça de Masakado supostamente falava! Toda noite, a cabeça decapitada gritava ordens de comando e praguejava com supostos guerreiros. Alguns diziam que ele jurava vingança. Certa noite, um grupo teria visto um brilho fantasmagórico e de repente a cabeça simplesmente se soltou do portão e flutuou no ar desaparecendo, deixando para trás uma gargalhada triunfante. Segundo a lenda, a cabeça foi encontrada posteriormente em uma vila de pescadores chamada Shibazaki, em um lugar até hoje chamado Masakado no Kubizuka, ou "O Monte da Cabeça de Masakado". Os pescadores limparam a cabeça e a enterraram no sopé do monte. Lá construíram um pequeno templo para que ela tivesse descanso. Mas o fantasma de Makado tinha outros planos, e descansar não era um deles.

Não muito tempo depois da cabeça ser enterrada sob o templo, o lugar começou a ser assombrado por estranhos fenômenos. Violentos tremores de terra, a presença de cães selvagens e a visão de luzes espectrais se tornaram constantes. Além disso, a própria cabeça do samurai começou a ser vista, aterrorizando os habitantes locais. Ela surgia flutuando no ar, gargalhando e deixando um rastro de sangue. Os camponeses preocupados com todas essas manifestações rezaram para tranquilizar o espírito, construíram um monumento e uma lápide em honra do guerreiro. Um grupo de monges da Ordem Sengai tomava conta do lugar e rezava toda semana para apaziguar a raiva do samurai e aparentemente as coisas se acalmaram, por um tempo. 

Alguns anos depois, a Ordem religiosa foi expulsa da região e com sua partida, o verdadeiro horror teve início. A cabeça era vista frequentemente por pessoas que passavam pelo lugar à noite. Ela flutuava e gritava ordens de comando, perseguia e tentava morder as pessoas e de seus olhos irradiava uma luz esverdeada. A seguir, a epidemia de uma estranha doença se alastrou pela região e as pessoas sofriam de uma febre que as levava ao delírio mo qual alucinavam com combates e morte. Ouviam o galope de cavalos, brados de guerra e os murmúrios dos feridos. No auge da febre, se erguiam da cama e tinham de ser contidos para não ferir a si mesmos e a quem tentava detê-los. Desejavam lutar, com um ardor incontrolável pela violência e brutalidade, mordiam, cuspiam e gritavam sem controle. Um pai teria estrangulado a filha, um marido esfaqueou a mulher, uma viúva se lançou de uma ribanceira após investir contra inimigos invisíveis.   

Por volta de 1300, uma terrível praga se abateu sobre Edo causando milhares de mortes, todas elas atribuídas ao espírito vingativo de Masakado. Os monges Sengai foram chamados para tranquilizar o espírito novamente e o túmulo foi aberto. A cabeça, depositada em um barril, foi levada para o mosteiro de Kanda Myojin, onde havia um importante templo. Os religiosos sepultaram a cabeça novamente com todas as honras de um Grande Senhor, mas embora as estórias sobre as visões fantasmagóricas tenham diminuído ainda se ouvia rumores sobre coisas extraordinárias acontecendo. Com o tempo, o templo se tornou um lugar de visitação, com muitos atribuindo a Masakado um status semi-divino. 

Em 1874, o Imperador Meiji visitou o templo e declarou que era inaceitável que um conhecido traidor como Masakado recebesse tamanha honraria. Os Meiji eram parentes do governante que havia ordenado a morte do Samurai rebelde. O Imperador ordenou que as homenagens dispensadas ao templo e ao ilustre samurai fossem revogadas de uma vez por todas. Os Monges acataram a ordem e pararam de incentivar a peregrinação e as visitas. 


O desastre retornou em 1923, quando o Grande Terremoto de Kanto atingiu a região, provocando mortes e destruição, além de incêndios que destruíram a maioria dos prédios. O templo de Kanda Myojin foi um dos únicos lugares que não sofreu danos significativos. Na noite do terremoto e durante o incêndio que consumiu as cidades próximas, a cabeça de Masakado foi vista por inúmeras testemunhas, flutuando sobre as chamas inclementes que destruíam suas casas. Vários membros da Família Imperial morreram na tragédia e outros caíram doentes, a hemofilia se tornou um mal entre os herdeiros do Clã Meiji. Em 1928, após a morte de dois herdeiros no espaço de apenas três anos, foi decidido que o Templo voltaria a receber visitantes e peregrinos, desde que fosse realizado um Ritual Anual de Purificação.

Quando a Segunda Guerra eclodiu, o governo tinha outros assuntos mais importantes do que cuidar de espíritos de samurais mortos séculos atrás. O ritual foi ignorado repetidamente, tratado como uma superstição tola que precisava desaparecer no Novo Império do Sol Nascente. Em 1940, entretanto, um raio atingiu o templo precisamente mil anos após a morte de Masakado e pessoas começaram a falar novamente na maldição. O Ministério da Propaganda emitiu uma nota no qual proibia que o assunto fosse discutido abertamente e ameaçou de prisão qualquer um que desafiasse essa ordem. Mas de nada adiantou... entre 1940 e 1944, a cabeça foi vista repetidas vezes por pessoas que falavam abertamente sobre aquela visão aterrorizante.

Após a derrota na Guerra, os japoneses usaram a lembrança de Masakado como uma forma de intimidar as tropas de ocupação norte-americanas que se instalaram no país. O espírito do samurai se erguia agora contra a indesejável presença dos gaijin. Soldados americanos relataram estranhos acontecimentos na área de um estacionamento ao lado do templo dedicado a Masakado. Alguns monges advertiram que o barulho dos veículos militares estava irritando o fantasma do samurai e que era melhor mudar o estacionamento de lugar. Em 1947, um grupo formou uma junta e pediu que os soldados deixassem de usar a área sagrada. Apenas depois que um tanque aparentemente perdeu o controle e derrubou um muro, provocando ferimentos em duas pessoas, os americanos decidiram acatar o pedido. A área voltou a ser usada apenas pelos japoneses e estrangeiros pararam de frequentar aquele espaço.

Em 1961, religiosos decidiram conferir a Masakado o status de divindade e alçaram o samurai ao panteão das divindades que mereciam tributo. A decisão foi polêmica e causou muita discussão entre a população: para muitos o samurai era um traidor, para outros era um símbolo de rebelião e de ousadia.


Até hoje, a sinistra maldição da cabeça de Taira no Masakado é conhecida e temida entre os habitantes de Tóquio. A área toda ao redor do monumento e da primeira sepultura do samurai continua sendo o palco de acontecimentos aterradores. Ela registra uma alta taxa de suicídios e mortes acidentais. Em 1998, sete jovens cometeram suicídio coletivo perto da montanha, dois deles usaram uma espada samurai para cortar o baixo ventre, como na Cerimônia do Sepoku. Otemachi, onde ainda se localiza o Templo de Kanda, dedicado ao samurai, hoje está cercado por enormes prédios de escritórios e sedes de corporações. É uma das áreas mais privilegiadas e com um dos metros quadrados mais valorizados da metrópole. 

Alguns cogitaram mover o templo para outra localização, mas sempre, na última hora, os planos são abandonados.Voluntários cuidam dos jardins do templo que recebe visitantes que deixam oferendas para o Samurai Rebelde, como uma forma de apaziguar sua fúria. Todo ano, o Ritual de Purificação atrai peregrinos que ajudam a lavar as pedras e queimar incenso. De tempos em tempos, alguém relata uma estória bizarra envolvendo a visão da cabeça de Masakado e os jornais estampam manchetes sensacionalistas que relembram a lenda apresentando os detalhes a uma nova geração.

O fantasma de Taira no Masakado talvez seja a mais famosa assombração do Japão e com certeza a mais antiga e duradoura.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Werwolf Komando em Delta Green - Operações para deter nazistas no pós-guerra


Semana passada coloquei no ar um artigo sobre o Werwolf KommandoEu usei essa organização em uma campanha curta de Delta Green que mestrei muitos anos atrás.

Na minha concepção, a Organização paramilitar funcionava nas mesmas bases do pós-guerra. Oficialmente era um comando especial treinado em táticas guerrilha urbana, cujo objetivo era infernizar as forças de ocupação e tornar a tarefa de ocupação mais complicada. Mas além de sabotagem e assassinato, os meus Werwolf Kommandos tinham uma missão secreta. Eles se dedicavam a recolher artefatos dos Mythos Antigos que haviam sido utilizados pelos nazistas nos dias finais e dramáticos da Guerra. Na minha campanha, Hitler ordenou que alguns artefatos especialmente poderosos fossem enviados para Berlim para que seus poderes pudessem ser usados contra o Exército Vermelho que estava próximo. A última linha de defesa do Führer seriam os Arcanos Negros da Thulegesellshaft, a notoriamente infame Sociedade Thule que havia se especializado durante a Guerra em usar o conhecimento dos Mythos de Cthulhu como armas. A terrível Karotechia, uma subdivisão da Thule também foi convocada para prestar o memso apoio, contudo, os seus líderes antevando o desastre estavam gradualmente se desligando do front e preparando sua fuga e sobreviovência no pós guerra e na nova ordem mundial que viria a surgir. 

Anos de ocupação na Europa haviam concedido aos nazistas toneladas de artefatos coletados em universidades, museus e bibliotecas de Paris até Praga. As propriedades de muitos desses artefatos permaneciam desconhecidas, mas os nazistas precisavam deles para montar seu último bastião. 

A operação para enviar os itens foi complicada. Nem todos os artefatos chegaram ao seu destino final. Um trem transportando livros que eram mantidos em uma base secreta da Thule em Berlin foi sabotado e jamais chegou ao seu destino. Ao menos dois agentes de campo foram detidos por membros da Divisão P e "aliviados" de sua carga. Feiticeiros da sociedade prevendo que nem mesmo o poder desses itens faria frente ao avanço soviético, que estava às portas de Berlim, trataram de roubar os tesouros para si mesmos. Ollaf Bitterrich, um dos chefes da Karotechia supostamente fugiu para a América do Sul carregando consigo um vasto acervo de Tomos com conhecimento profano. 

Mas outros membros da Thule, fiéis até o fim, fizeram uso dos artefatos, invocando horrores medonhos e abominações dos recessos do tempo e espaço. Os soviéticos, no entanto, contavam com seus próprios especialistas no mundo oculto e a batalha no campo arcano foi tão dramática quanto a que era travada quarteirão a quarteirão de Berlim. Hordas de Andarilhos Dimensionais foram invocados, Caçadores Voadores serviram de montaria para bruxos, magias negras foram empregadas para destruir carne, liquefazer ossos e ferver o sangue ainda nas veias. Horrores sem paralelo escaparam através de portais dimensionais e foram lançados sobre soldados.

No fim, muitos artefatos, livros e objetos malditos acabaram abandonados em bunkers ou nas ruínas fumegantes. Boa parte deles foram confiscados pelos soviéticos após a sangrenta Conquista de Berlim, arrancados das mãos dos arcanos negros. 

O Delta Green tomou conhecimento da natureza potencialmente perigosa desses artefatos através de prisioneiros nazistas. Estes fizeram acordos com agentes de campo para revelar a exata localização de certos itens valiosos ainda na Alemanha. 


Foi nesse ponto que a campanha teve início. Agentes do Delta Green (os personagens dos jogadores), foram enviados na qualidade de especialistas para fazer a coleta dos artefatos perdidos. A missão recebeu o codinome "Operation Clean Sweep" (Operação Varredura).

Infiltrar-se na Berlim devastada não foi fácil, ainda mais que os agentes não podiam revelar suas intenções aos soviéticos - que possuíam sua própria agenda. Eles foram escoltados pela 15a divisão de paraquedistas norte americana, e testemunharam a liberação do campo de concentração de Belsen, onde tiveram um primeiro contato com o horror perpetrado pelos nazistas. Era Julho de 1945 e a guerra na Europa acabara de terminar.

Uma vez chegando a Berlim, a solução foi contar com membros do submundo da cidade, contrabandistas e criminosos interessados em lucrar com o caos que se seguiu a derrota nazista e instalação do Exército Vermelho. A cidade ainda estava perigosa, comandos continuavam lutando nas ruas, patrulhas soviéticas haviam decretado um toque de recolher e pessoas nas ruas eram alvejadas sem piedade. Haviam corpos insepultos em meio aos detritos e rumores de coisas horrendas espreitando nos porões da cidade.

Apesar do risco de lidar com os comunistas, o maior obstáculo para obter os artefatos perdidos eram justamente os membros do Werwolf Kommando. Entre os membros mais temidos, o Capitão Karl Hans Dietrich, um oficial da Wafen-SS, membro da Sociedade Thule e feiticeiro devotado a Yog-Sothoth continuava na cidade em algum esconderijo. Dietrich se tornou, ao longo da campanha o mais implacável inimigo dos investigadores, sempre um passo à frente dos agentes. Dietrich possuía farto conhecimento dos Mythos de Cthulhu, muitos recursos e aliados valiosos. Além disso, ele não se importava de invocar criaturas para cumprir suas missões e destruir seus inimigos. Numa ocasião ele invocou um Cthonian para escavar os bunkers mais profundos de Berlim em busca de uma biblioteca lendária. 

Outro fator complicador para os personagens foi que decidi levar ao pé da letra, o nome "Werwolf Kommando". Na minha campanha, os agentes eram literalmente lobisomens, capazes de se transformar em feras assassinas usando uma fórmula criada pelos cientistas nazistas. A cara dos jogadores na mesa, quando um dos agentes começou a uivar e se transformar em um monstro selvagem foi impagável. Uma das sequências mais bacanas da campanha foi a negociação para adquirir objetos de prata e derreter tudo para fazer balas.

No curso da Campanha o grupo conseguiu reaver um dispositivo dimensional que estava em um laboratório, obteve o lendário quarto prego usado na crucificação de Cristo e recuperou uma velha toráh judaica contendo a descrição do ritual de construção do Golem de Praga. Infelizmente eles perderam para os soviéticos um projetor de nevoeiro construído pelos nazistas a partir de um original fabricado pelos Mi-go

Na aventura mais bacanas da campanha (e uma das melhores que já mestrei), chamada "Operação Sledgehammer" (Operação Marreta), os investigadores tiveram de varrer o submundo da Dusseldorf, negociando com contrabandistas e o crime organizado (inclusive o notório assassino, conhecido como Vampiro de Dusseldorf) por um exemplar do Necronomicon que era disputado por agentes Werwolf e da NKVD (organização que daria origem a KGB). No final dramático dessa aventura, um dos investigadores, o professor da Columbia Jason Cartwright abraçou o livro profano e se lançou contra três lobisomens segurando uma granada sem pino. E lá se foi o livro que todos desejavam em uma explosão.

No final apoteótico, durante a missão codinome "Operação Deep Impact" (Impacto Profundo) o grupo teve que escapar do bunker, com um Shoggoth nos seus calcanhares. O mais legal é que Dietrich também conseguiu escapar e sobreviveu à campanha. De fato, no epílogo, o vilão acabou rumando para uma base secreta nazista na Costa do Oriente Médio à bordo de um submarino. Nessa mesma ilha, anos antes, se deu a abertura da lendária Arca da Aliança ocasião em que todos os envolvidos, salvo um certo arqueólogo americano e sua companheira, morreram. Após o ocorrido, os nazistas haviam secretamente construído um grande depósito chamado "Legado Thule" na ilha, onde ainda eram mantidos tesouros dos Mythos acumulados pelos nazistas durante a Guerra e transferidos para lá à mando do Alto Comando alemão. Quando eu descrevi que eles tinham em seu poder não apenas uma, mas quatro edições do Necronomicon, eu pude sentir as ondas de raiva dos jogadores ao redor da mesa.

O grupo teve que esperar 15 anos pela continuação da estória...

Ainda dentro de Delta Green, a estória se passava em 1959, com os investigadores descobrindo a existência do Legado Thule. Foi bem interessante, pois dois jogadores usaram seus personagens já mais velhos, enquanto outro optou por criar o filho de seu personagem original. Enfim, o grupo conseguiu ajustar as contas com o Capitão Dietrich (ainda jovem e mais maligno do que nunca). Descobriram ainda um plano macabro já em andamento que visava a Ressurreição do Führer através dos Sais Perfeitos. Quatro cópias perfeitas de Adolf Hitler estavam vivas na América do Sul, ocupando posições importantes nos governos e preparados para assumir o poder após golpes de estado que iriam instituir ditaduras .  


A Campanha continuou com uma aventura chamada "Operation Boys from Brazil" (Operação Meninos do Brasil), na qual o Delta Green enviou um grupo de investigadores para matar a versão de Hitler que vivia na Argentina sob a proteção da Karotechia e de simpatizantes portenhos. Um dos investigadores acabou sendo vítima de um atentado nas ruas de Buenos Aires. Dois Dimensional Shamblers o capturaram e levaram para outra dimensão. Em teoria ele apareceria novamente em uma missão futura, hipnotizado e coptado pela Karotechia mas a campanha parou nesse ponto.

Ah, sim... o Hitler argentino foi morto com uma bomba colocada em sua limousine. 

Bons tempos dessa campanha...

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Aprofundando seu Jogo - Cinco questões para criar personagens melhores em RPG


Na próxima oportunidade em que você estiver preparando os personagens para uma campanha, tente responder essas cinco perguntas a medida que distribui seus pontos, rola as estatísticas e compra equipamento.

Pessoalmente, eu acredito que as respostas irão ajudar bastante a aprofundar seu jogo e torná-lo mais interessante. De um modo geral, essas perguntas se referem a ambientações de aventura medieval fantástica (sobretudo D&D), mas ao meu ver, algums perguntas podem ser adaptadas para qualquer cenário e gênero existente, inclusive nosso amado Horror Cósmico.

Usem se acharem interessante, da minha parte, parece bem legal e rende algumas boas ideias ao narrador e recursos valiosos para a campanha.

Senão vejamos:

1) QUEM SOU EU NA AMBIENTAÇÃO?



É bem possível que o narrador tenha dado algumas diretrizes básicas de onde vai começar a estória, em que panorama, em que época e quais são os acontecimentos importantes ocorridos recentemente (digamos, os últimos 20 anos) no mundo. Fornecer algumas informações sobre o mundo que cerca os personagens é essencial para que eles compreendam e tentem inserir seus personagens nesse background.

Talvez haja uma guerra declarada recentemente entre dois reinos ou essa guerra terminou persistindo um certo clima de inimizade. É possível que tribos bárbaras estejam invadindo uma região isolada habitada por fazendeiros e colonos. Quem sabe, haja estórias sobre elfos negros estarem retornando, embora ninguém os veja há mais de cinco séculos. Talvez, a situação política em determinado reino esteja se deteriorando a medida que uma nova religião está se fortalecendo. Muita coisa pode estar acontecendo ao mesmo tempo, coisas que afetam, alteram e influem os planos e objetivos de seus personagens.

Talvez a ideia original de um jogador de fazer um paladino honrado e prestativo vá por água abaixo quando fica sabendo que o narrador pretende lançar o grupo em uma aventura à bordo de navios piratas ou desertos escaldantes. Da mesma maneira, o jogador que construiu um feiticeiro se sente ameaçado ao saber que na ambientação idealizada pelo narrador, magia é considerada algo maligno e todos os utilizadores são sumariamente executados. Vale muito a pena discutir o básico sobre a ambientação pretendida e o que ela irá oferecer aos personagens que dela vão fazer parte.

O que vou dizer parece incrivelmente óbvio, mas nem sempre é algo observado pelos jogadores e mestres. É essencial saber antecipadamente em que tipo de mundo será jogada a campanha para que os seus personagens possam interagir com a ambientação. Pegue a sua ideia original e converse com o narrador se o conceito está de acordo com seusplanos de campanha. Será que esse caçador elfo vai se dar bem nessa região agreste? Possivelmente, se o jogador trocar alguns detalhes e dasr uma ênfase no lado de sobrevivente do personagem. Da mesma maneira, aquele nobre arrogante idealizado pelo jogador, poderá funcionar muito melhor na campanha que visa salvar camponeses do levante d eorcs se alguns detalhes forem inseridos: quem sabe, a família do nobre tenha sido itimada por esses mesmos orcs? Tudo é uma questão de encaixar o background do personagem no conceito da ambientação.

Eu sempre me recordo de um colega que adorava jogar com gladiadores - não importa em que ambientação, ele sempre queria criar um gladiador. Certa vez disse eu mestraria uma campanha em Forgotten Realms, onde o grupo se envolveria em intrigas palacianas e investigações, com espaço para romance e espionagem. Nesse contexto um gladiador não funcionaria muito bem... Expliquei ao jogador, que o foco estava na sutileza, finesse e na capacidade de ludibriar e enganar os oponentes, muito mais do que nas habilidades marciais e de destroçar inimigos na areia de uma arena. O jogador bateu o pé, ele queria ser um gladiador e ponto! Para não estragar a diversão, concordei... mas fizemos algumas mudanças. Ele era um ex-gladiador, um sujeito que foi escravizado quando criança, treinado para ser um lutador do submundo e posteriormente conseguiu conquistar sua liberdade. Em seguida ele se tornou uma espécie de guarda costas da família de um dos outros jogadores. Ele ainda era um gladiador, tinha habiliaddes condizentes, mas estava perfeito para o contexto da estória. Um guarda costas/ amigo de confiança funcionava muito melhor para o estilo daquela campanha.

O personagem certo para a campanha tem muito mais chance de funcionar e de render uma experiência de jogo interessante do que, aquele personagem estranho que nada tem em comum com  ambiente.

2) COMO NOSSO GRUPO SE FORMOU E POR QUE ESTAMOS JUNTOS?


Talvez seus personagens estivessem se ocupando da "nobre arte" de eliminar goblins que atacavam o seu vilarejo! Talvez eles estivessem viajando de um lugar para o outro como guardas de caravana! Quem sabe eles tenham escolhido deixar o pequeno povoado onde viviam para tentar a sorte em outro lugar.

As opções são infinitas!

Pense no seguinte forma: porque as pessoas se juntam e passam a andar em grupo? Porque elas eventualmente encontram algo em comum! Seja um interesse, um objetivo ou algum tipo de afeição. Se os jogadores e o mestre estiverem interessados em traçar um vínculo comum entre os personagens comece pelo mais óbvio: talvez eles sejam membros mesma família, trabalhem para o mesmo benfeitor, são membros da mesma sociedade secreta, da mesma companhia de aventureiros, serviram juntos numa guerra ou à bordo de um mesmo navio pirata...

Quanto mais a ideia for trabalhada melhor: "Nós todos somos do mesmo vilarejo" pode até funcionar se você quiser simplificar ao máximo as coisas. Contudo, "Somos todos do mesmo vilarejo, Greenmeadow, um lugar tranquilo e acolhedor. Ao menos até que um dragão verde desceu dos céus trazendo morte e destruição. Naquela noite trágica perdemos muitos amigos e familiares. A cidade foi reduzida a escombros... decidimos então que não havia mais nada ali para nós e como já tínhamos interesse de buscar outros lugares e opções para viver aventuras, decidimos partir e formar uma companhia de aventureiros. Quem sabe, com a devida experiência possamos caçar o dragão que destruiu Greenmeadow".

Pronto!

O grupo já tem algo em comum, formou-se um vínculo pela tragédia, eles tem algo pelo qual sentir simpatia um pelo outro e possuem até um mesmo objetivo.

Mas é claro, nem todos os personagens precisam estar ligados diretamente a um mesmo acontecimento.

"Norrin, o elfo negro que vivia como um eremita no interior da floresta jamais foi muito bem quisto pelo povo de Greenmeadow. As pessoas olhavam com suspeita para ele e mais de uma vez o expulsaram. Mas quando ele viu os céus cobertos de fumaça, ele não teve dúvida. Apanhou seu arco e correu para ajudar os sobreviventes, e sua ajuda foi vital para que todos suportassem às primeiras semanas na floresta. Desde então ele está conosco e se provou um bom amigo e valoroso aliado"!

Da mesma forma: "Nós encontramos Ulfgard, filho de Ulfhardt, na estrada a caminho de uma cidade grande. O sujeito estava enfrentando um bando de orcs. Francamente, ele parecia dar conta do problema, com seu machado e muita disposição já havia despachado três inimigos. Mas aqueles covardes sacaram bestas e não ia demorar até Ulfgard ser alvejado. Nós nos envolvemos e embora ele tenha reclamado que não precisava da ajuda de humanos, ficou claro que estava grato pela nossa intromissão. No final das contas ele disse que nos acompanharia até a cidade para pagar uma rodada de cerveja na taverna de seu tio. Nós aceitamos e lá, entre uma caneca e outra, Ulfgard contou a respeito de um velho mapa que estava na sua família há gerações e que supostamente levaria a um tesouro. "Vocês querem me ajudar a buscar essa riqueza? ele perguntou, e nós aceitamos...".

É claro, muitos mestres preferem optar por iniciar sua campanha com os personagens não se conhecendo e se juntando "por acaso". Nesse estilo de jogo, os personagens acabam invariavelmente se unindo, seja motivado por objetivos comuns ou pela promessa de uma boa recompensa. Por vezes é preciso forçar um pouco a barra, mas enfim, nada contra essa abordagem! Contudo, campanhas que demandam isso, tendem a caminhar mais lentamente no começo, com personagens que precisam conhecer seus colegas e estabelecer elos de confiança e companheirismo. Num mundo em que feras horrendas e magias fantásticas fazem parte do dia a dia, onde demônios assumem a forma humana e feitiços podem compeli-lo a agir contra sua natureza, estabelecer confiança vai muito além de simpatizar com alguém e presumir que ele é confiável.

Tente estabelecer bases sólidas para que o grupo possa agir em conjunto e construa pontes para que eles firmem um sentimento de confiança e preocupação uns com os outros. Em um grupo onde o ladino não se importa com ninguém a não ser com as moedas em seu bolso, o clérigo é um zelota chato querendo converter a todos, o bárbaro é um ignorante que só quer matar inimigos, o mago é um arrogante sacripanta que se acha melhor do que todos e o paladino é visto como um bonzinho otário, as coisas podem não funcionar bem. Para que essas pessoas vão querer andar juntas? E se as coisas ficarem feias, por que eles simplesmente não vão embora e abandonando os demais à própria sorte?

Por outro lado, em um grupo onde o ladino pretende mudar de vida se tornando um aventureiro de respeito graças ao exemplo do clérigo que o ajudou e demonstrou tolerância, onde o paladino é visto como um aliado virtuoso que auxiliou o bárbaro a eliminar uma fera que matou sua família e onde o mago é um sujeito até arrogante, mas inteligente o bastante para não querer se aventurar em masmorras sozinho, o grupo funcionará bem melhor.

Eu não estou dizendo que não possa haver atrito. Longe disso! Um grupo onde os personagens brigam e discutem pode ser muito divertido e render ótimas situações de jogo. Nem todo grupo precisa ser um exemplo de harmonia, muitas famílias continuam juntas apesar (e por vezes, por causa) de suas idiossincrazias. Mas é inegável que um grupo onde os personagens se importam uns com os outros tem muito mais chance de ir em frente do que aquele bando de rebeldes que precisa discutir e sair no tapa quando se deparam com uma encruzilhada.
  
3) O QUE FAZ MEU PERSONAGEM SER DIFERENTE?


Imagine o seguinte: você vai a uma sorveteria enorme e pode pedir o que quiser. Imagine que existem 150 sabores de sorvete e trocentos acompanhamentos! Só de chocolate, são 15 opções diferentes. Só de granulados são 30 tipos. Você não vai querer sorvete puro de creme, vai?

Tudo bem... tem gente que gosta de creme e de vez em quando é bom, mas por que não arriscar e pedir algo diferente e conhecer novos sabores?

Em jogos de RPG às vezes faz sentido testar outras opções e ver o que acontece quando você mistura classes, raças e estórias que fogem do convencional.

A imagem acima é emblemática e exemplifica bem a noção de abraçar o inusitado e tentar coisas novas. Os três personagens são paladinos, mas repare as diferenças existentes entre eles. Essas diferenças não estão apenas na raça e nas armas escolhidas. Um meio orc paladino pode ter que lutar contra o preconceito e contra a desconfiança das pessoas, o que o obriga a usar um elmo fechado até ele poder removê-lo e revelar sua aparência monstruosa. Um halfling paladino pode ser visto com reservas por todos, afinal, eles não são via de regra "material sagrado". Exatamaente por isso, ele busca ser virtuoso, bravo e audaz além da conta, se arriscando e defendendo os demais. E a elfa paladina com arco e flecha? Que tal presumir que ela é uma campeã devotada a causas perdidas e defender outras raças, que supor que ela era, originalmente, uma guerreira que abraçou uma missão sagrada - tornando-se paladina, depois de cometer um erro que custou a vida de inocentes. Talvez os inocentes fossem anões, e quem sabe por isso, a paladina tenha adotado como seu novo Deus, a divindade maior dos anões, Moradin.

Nas atuais regras, praticamente tudo é permitido em termos de criação de personagem. Você pode ir mais longe do que nunca e optar por algo novo, colorido e com um frescor único.

A dica é a seguinte: Tente se encaixar no conceito, mas não seja chato. 

Dentro do possível, busque escapar do que é previsível e daquilo que todos já fizeram anteriormente. Por que todo o sacerdote tem que ser um cara virtuoso que só fala dos benefícios de seu Deus perfeito e incapaz de errar? Que tal o seu clérigo ser um sujeito malandro, brigão, cheio de defeitos e falhas, que às vezes duvida de seu Deus e de sua fé, mas que no fundo tem bom coração? Não seria mais interessante? Não seria bacana, ao invés de recorrer ao expediente do guerreiro fortão e batalhador, investir num sujeito mais ágil e carismático, até  meio pacifista, que prefere conversar ao invés de sacar as armas e arregaçar o que vier pela frente?

Nada contra o jogador que quer fazer o clássico guerreiro com espada e escudo ou o anão com machado e capacete de chifres. Não há nenhuma regra que impeça o uso de bons e velhos estereótipos. De fato, estereótipos são nada mais do que a confirmação de algo que funciona bem e que por isso acabou se tornando consagrado. Como errar usando aquilo que todos aceitam bem e que parece vestir com uma luva?

Mas a questão aqui não é errar ou acertar: É fazer seu personagem ser interessante e trazer algo divertido para a mesa de jogo. Acredite, para quem mestra ou joga há anos, é um alívio encontrar algo diferente, algo que ofereça um desafio e mudanças.

Uma forma interessante de tornar um personagem atraente é conferir a ele uma identidade única através de uma história bem pensada. Seu monge pode ser, segundo uma série de profecias, o campeão destinado a derrubar um tirano. Seu bardo faz parte de uma sociedade secreta de artistas, e tem o potencial para através de sua música, um dia, controlar dragões. Seu druida é o último sobrevivente de um ancestral cabal que foi erradicado por invasores implacáveis e agora está destinado a reconstruir esse grupo. Seu ladino encontrou um artefato místico em uma exploração de masmorra, lá ele recuperou um amuleto que contém o espírito de um herói que por vezes domina seu corpo e fala através dele.

Quando você terminar a ficha do seu próximo personagem, pense em mudar algumas coisas e tente contrabandear algum conceito incomum, algo que seja fora do normal... você vai ficar surpreso ao constatar que esse detalhe fará muita diferença e poderá se tornar o foco da existência do herói.

4) O QUE EU PRETENDO GANHAR SEGUINDO MINHA CARREIRA?


Sejamos francos: o que leva um sujeito a se tornar um aventureiro?

Pense bem, é uma vida desgraçada, perigosa, cheia de tragédias, dor, ferimentos e horror. Pior do que tudo, é uma existência provavelmente curta. Mais cedo ou mais tarde, seu personagem irá cruzar o caminho de um gigante, de um golem, de um vampiro ancião, ou pior... de um dragão furioso! As chances de se machucar seriamente batendo de frente com uma dessas criaturas, e de outras tantas, igualmente assustadoras, são astronômicas.

E não são apenas os monstros... há doenças letais que podem transformá-lo em um saco de fluidos, venenos capazes de matar em segundos, plantas carnívoras famintas, armadilhas que queimam, congelam, explodem, fulminam, esmagam, desintegram! E os riscos não se referem apenas a essa existência... não senhor. Você pode acabar amaldiçoado e se transformar em um fantasma habitando os corredores da masmorra onde morreu, pode sofrer uma mutação bizarra e desenvolver uma cabeça extra no ombro, pode ter o cérebro devorado por Mind Flayers ou ser assassinado e trazido de volta como um morto-vivo fedorento. Em resumo, ser um aventureiro é extremamente perigoso.

Com tudo isso, por que alguém iria querer essa vida?

Bom, há algumas vantagens e sem dúvida glória, fama e riqueza são bons atrativos. Um aventureiro de sucesso é literalmente o rockstar de seu mundo. Imagine a reputação de um guerreiro que derrotou mano a mano um Gigante do Gelo e deteve uma invasão? Imagine o tratamento dispensado a um clérigo que conseguiu recuperar um artefato que ajudará a proteger uma cidade de uma ameaça terrível. Imagine a recompensa que um ladino irá pleitear de um nobre colecionador de artefatos depois de recuperar um dos notórios dedos perdidos de Vecna.

Assim que você completar a ficha de seu personagem, pergunte a si mesmo o que ele deseja:

Qual o seu objetivo imediato (no próximo mês), qual o seu objetivo a médio prazo (digamos 5 anos), seus objetivos a longo prazo (15 anos) e seus objetivos para quando se aposentar.

É engraçado, mas na maioria das campanhas vemos personagens andarilhos, sem casa ou família, explorando masmorras, matando monstros e saindo de lá com tesouros inestimáveis. Não raramente, esses tesouros são vendidos e transformados em novas armas e equipamento para a próxima aventura. Nada é poupado para o futuro... quando muito, os personagens tem um pé de meia para ser usado caso eles morram e possam ser trazidos de volta, para curar doenças ou remover maldição. É curioso, mas ninguém pensa em um "plano de aposentadoria" para seus personagens. É raro alguém pensar em comprar terras, abrir negócios ou garantir um futuro confortável. Os investigadores acabam vivendo apenas do presente.

Isso não parece apenas estranho, parece incrivelmente bizarro! Os personagens lutam, matam, morrem apenas para comprar mais itens para lutar, matar e morrer.

Que tal mudar os planos dos personagens e buscar novas opções. Ninguém pode viver apenas sob essa meta. Que tal investir na fama e glória? Contratar bardos para cantar suas aventuras e compor baladas que enaltecem seus feitos. Sempre é possível buscar um reconhecimento, usar os tesouros acumulados para construir uma torre de magia ou um castelo que terá seu nome - algo que muitos almejam, mas poucos fazem. Que tal converter as jóias e arcas de tesouro em muros e armas para defender seu vilarejo natal contra os bandoleiros orcs? Sempre é possível investir na construção de uma academia de magia, no aparelhamento de uma milícia, no início de uma Sociedade Secreta... qualquer coisa.

Mas não vamos falar apenas em bens e valores monetários. Alguns personagens podem se tornar aventureiros com o intuito de "fazer o que é certo". O objetivo de um clérigo em início de carreira pode ser algo modesto como eliminar os mortos vivos de sua cidade. Em seguida ele se dedica a erradicar essas criaturas em toda região. Mais tarde, o mesmo personagem fica sabendo da existência de um Lorde Vampiro que comanda toda uma horda de seres das trevas. Destruir esse monstro passa a ser o seu objetivo de vida. Por fim, sua meta pode ser ainda mais ousada, destruir toda a raça de mortos vivos e acabar com essa ameaça de uma vez por todas.

E há várias outras metas possíveis! Chega um momento em que um personagem quer se casar e constituir família. Quem já ouviu falar na expressão, "nenhum homem é uma ilha". No entanto, é raro ver isso acontecer em aventuras, mas quando acontece sempre é muito legal. O personagem lá pelas tantas casa com a princesa prometida, com a filha do taverneiro ou com a guerreira aliada na luta contra algum inimigo comum. Após se casar ou se juntar com algum NPC (ou quem sabe até com outro PC), o personagem pode se mudar para algum lugar, ter filhos, netos e treiná-los para a mesma vida de aventureiro. Quem sabe eles possam herdar armas ou caçar os nêmeses que escaparam. Se você não for um elfo vivendo centenas de anos, essa é uma boa forma de avançar o tempo em sua campanha e continuar usando o nome da família.

Criar uma meta ajuda a focar os esforços do personagem e mesmo de um grupo inteiro. Uma companhia de aventureiros pode ter uma meta em comum, cada personagem fazendo o possível para atingir o objetivo, algo que eles almejam a longo prazo e que tornará seus feitos inesquecíveis. Pense no final de Star Wars com Luke, Han e Chewie recebendo suas medalhas perante os dignatários e do exército rebelde. Lembre do fim do Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, quando os hobitts recebem o devido agradecimento de Aragorn e dos demais que se ajoelham perante eles. Harry Potter e seus companheiros derrotam Valdermort numa batalha final e concluem seus estudos tornando-se feiticeiros completos cumprindo assim seu objetivo ao longo de vários livros e aventuras.

Metas são essenciais para qualquer pessoa no mundo real, por que não para personagens da ficção? Planeje o futuro de seu personagem, não apenas a progressão de seus poderes e habilidades. 

5) QUEM SÃO MEUS ALIADOS E MEUS INIMIGOS?



Na próxima vez que seus jogadores criarem personagens dê a eles a opção de indicar dois grupos, sociedades, organizações ou indivíduos, sendo um deles um aliado e outro um inimigo.
No que isso vai ajudar a campanha? Eu explico!

Um dos grandes problemas de ser um mestre é dar aos jogadores aquilo que eles desejam sem fazer com que seus objetivos pareçam muito fáceis de serem conquistados, ou a situação que eles enfrentam pareça muito trivial ou pré-concebida (o que soa como bobagem, já que aventuras de RPG são totalmente pré-concebidas, mas enfim).

Sempre é possível perguntar aos jogadores o que eles esperam da campanha, mas isso soa um tanto transparente. O ideal é que o mestre consiga ler os interesses coletivos do grupo e use essas informações no decorrer da campanha. Se todos os jogadores adoram uma boa exploração de masmorras com direito a armadilhas e monstros errantes, abuse disso nas suas estórias. Da mesma maneira, se apenas um do grupo mencionar que adoraria aventuras em alto mar, use isso menos vezes. Se ninguém falar em intriga e romances, esqueça o tema ou o aborde apenas de passagem. O ideal é dar aos jogadores algo que seja interessante a eles, a cada sessão. Se você está habituado a narrar para um mesmo grupo é fácil captar os sinais e saber aquilo que eles gostam e desgostam. Se parte do grupo adora uma boa luta (Hack n' Slash) é interessante considerar ao menos um "arranca rabo" por sessão, caso contrário alguns ficarão frustrados pela ausência de combate. Parlelamente, se metade do grupo parecer cansada após um combate, cogite inserir trechos de investigação. 

Uma maneira de entender os anseios dos jogadores e entregar a eles aquilo que eles desejam sem parecer transparente é permitir que eles criem pelo menos um aliado e um inimigo.

Peça a cada jogador que invente primeiro um aliado. Esse aliado pode ser qualquer pessoa que ajude a conduzir o grupo na direção da aventura. Se o jogador em especial adora explorar masmorras e descobrir mistérios perdidos, que tal fazer com que seu aliado seja um explorador veterano, um legítimo caçador de tesouros que conhece muito a respeito de artefatos mágicos e objetos perdidos e que pode dar dicas valiosas a respeito de ruínas e masmorras ocultas. Esse aliado oferece trabalhos para o grupo, compra itens recuperados de masmorras, pode livrá-los de maldições associadas a objetos malignos e oferecer conhecimento valioso de vez em quando. O aliado é um NPC que serve como agenciador, patrono, professor, mestre, guia, amigo, companheiro... qualquer coisa que possa ser útil para o grupo e que conceda subsídios para o mestre desenvolver a estória.

Em contrapartida, peça que o jogador crie um inimigo. Esse inimigo pode ser um vilão terrível: alguém que realmente quer ver seu personagem morto, ou um mero rival, oponente ou contra-tempo. A idéia é que o inimigo esteja presente nos piores momentos, preparado para atraalhar, para ludibriar, para estragar os planos e tornar a vida do personagem um inferno. Usando o exemplo acima, esse inimigo pode ser um membro de uma Organização que busca tesouros para colecionadores nobres e entediados que pagam verdadeiras fortunas por artefatos e objetos mágicos valiosos. O jogador pode criar um único memro da organização que atue como seu inimigo, ou tratar a organização inteira como inimigos. Quando o grupo estiver em busca d eum item, eles estarão lá antes. Quando o grupo tentar fechar um acordo com uma tribo para conseguir um guia, o inimigo terá alertado os nativos a agir de forma hostil contra o grupo. Se eles entrarem em uma masmorra, o inimigo terá aberto uma cela e soltado um monstro que serve como guardião.

Perceba que o jogador não deve criar a ficha e/ou estatística dos aliados e inimigos. Isso é tarefa do mestre! O jogador apenas escreve duas ou três linhas e descreve a idéia geral desses NPCs e como seu personagem veio a entrar em contato com eles.

Da mesma maneira, quando o grupo estiver reunido, peça a eles para escolher um aliado e um inimigo em comum para todos. Alguém que pode ajudar a todos em momentos de dificuldade e alguém que irá trabalhar tenazmente para prejudicá-los. Novamente, não se prenda em um único personagem, se desejar escolha um grupo inteiro (talvez uma outra companhia de aventureiros), uma pessoa influente (um nobre rico), uma sociedade secreta (um cabal de feiticeiros que manipula as intrigas em um reino) ou quem sabe algo ainda maior (o grupo conseguiu a amizade ou inimizade de um Duque ou de um Bispo).

Uma vez escolhidos os inimigos e aliados, faça com que eles apareçam de tempos em tempos. Não é preciso que eles sejam recorrentes em cada momento da campanha, até para não tornar a aparição deles cansativa, mas uma aparição especial de quando em quando, especialmente no momento em que menos se esperar, será muito bem vinda e dará ao mestre a chance de aprofundar a ambientação com base no background dos jogadores.   

Bom é isso...

Espero que essas questões possam ajudar a construir melhores personagens e fazer com que eles ganhem uma nova dimensão e detalhamento. Um dos elementos chave que fazem com que as mesas de RPG sejam bem sucedidas e duradouras é o grau de interesse dos jogadores na vivência dos seus personagens. Ninguém gosta de jogar com um personagem que não é atraente e que não causa uma boa impressão. Um jogador satisfeito fala de seu personagem com orgulho, lembra de trechos de roleplay, comenta sobre grandes façanhas em outras mesas e compara os atributos de seu personagem com o de outros. Esses são indícios claros de que ele gosta do personagem e se importa com ele. 

Se vocês tiverem outras sugestões para questões, eu adoraria ler a respeito, fiquem à vontade para falar a respeito nos comentários.

Um grande abraço e vamos rolar dados!