terça-feira, 16 de março de 2021

Lugares Estranhos: A Cripta de Rothwell - Um dos últimos Ossuários da Inglaterra


Quando se fala de igrejas, a palavra invoca imagens em nossa mente. Altares com velas, longos bancos de madeira, magníficos murais com imagens sacras, vitrais com cenas do martírio e crucificação e outros elementos semelhantes estão profundamente ligados a nossa noção do que é uma igreja.

Uma das coisas que NÃO vem imediatamente à nossa mente é  a existência de criptas subterrâneas que se encontram abaixo de grande parte dos templos. Cheias de esqueletos e restos humanos, as criptas são algo extremamente comum, ao menos nas igrejas mais antigas, onde sacerdotes e pessoas importantes eram sepultadas como uma espécie de recompensa em tempos em que se acreditava "estariam mais próximos de Deus". Criptas são especialmente frequentes na Europa, presentes tanto nas colossais catedrais do velho mundo, quanto em pequenas dioceses em cidades menores.

Em geral, as criptas são mantidas pelas ordens e não recebem visitantes. Salvo em raras circunstâncias, elas permanecem como um assunto privativo das paróquias responsáveis pela manutenção e conservação.

Mas tais lugares são basicamente cemitérios, e como tal, eles estão sujeitos a todo tipo de história e rumor envolvendo assombrações.

Uma das mais temidas criptas subterrâneas, localizadas abaixo de uma igreja fica em Rothwell. Nessa tranquila cidade no noroeste da Inglaterra ergue-se uma Igreja Medieval sob a qual descansam centenas de esqueletos que constituem um grande mistério.

Não há nada de especial a respeito de Rothwell, uma cidade de pouco mais de 7000 habitantes nos arredores de Kettering, distrito de Northamptonshire. A cidadezinha no entanto é bem antiga, remontando aos tempos da ocupação romana nas colinas do Vale de Ise. É um lugar com uma história conturbada, cujas raízes remontam a mais de 2000 anos no passado. Os romanos usavam o lugar como quartel e lá construíram um forte que servia como base da guarnição para a defesa daquela área. O forte foi destruído, supostamente em um incêndio e segundo alguns arqueólogos ele se localizava bem próximo da Igreja - para alguns, inclusive, as fundações do forte, foram aproveitadas para a construção do templo. Ao longo dos séculos, o sentamento foi invadido por saxões que renomearam o povoado como Rodewell, que em uma tradução literal significa "Lugar com a parede vermelha".  Durante a Idade Média, a cidade se converteu em um importante centro de comércio e no século XVIII ela era famosa pela produção de têxteis, sobretudo sedas e outros tecidos finos.

Com uma história tão rica, é claro, existem várias ruínas importantes a serem exploradas, sendo que o lugar mais importante é a Igreja Holy Trinity (Sagrada Trindade). Com seus 173 pés de comprimento, ela é a igreja mais longa do país. Boa parte da Igreja em suas condições atuais remontam ao século XIII, mas certas partes da estrutura como a Torre Oeste e as janelas abauladas datam do século X. Em 1950 a Igreja foi incluída na lista britânica de prédios com Arquitetura Especial e Interesse Histórico.  Além de ser conhecida como a Igreja mais longa da Inglaterra, a Holy Trinity também é famosa pelas vastas câmaras subterrâneas. Com mais de 700 anos, essa antiga cripta conduz a um complexo escuro e sinistro, cheio de superstições.


A Cripta é o que historiadores chamam de Capela Mortuária, também chamado de Casa Mortuária, Câmara de Ossos, Ossuário ou Carnaria, que corresponde a câmaras e espaços onde cadáveres são depositados em nichos, geralmente escavados nas paredes. Nem todos os cadáveres são depositados diretamente na cripta, a maioria pertence a indivíduos que foram enterrados em cemitérios da região e que posteriormente tiveram os ossos exumados e transferidos para a Cripta.

Essas criptas são geralmente construídas abaixo de terreno sagrado e podem ser acessados apenas através de entradas ocultas dentro das igrejas acima delas. De fato, muitas igrejas na Europa possuem passagens secretas que escondem as escadas que conduzem às criptas. Algumas passagens são tão bem disfarçadas que não por acaso, criptas se tornaram o refúgio de muitos fugitivos durante revoluções e perseguições ao longo dos séculos. Durante a Segunda Guerra Mundial, guerrilheiros da Resistência francesa usaram as criptas como reduto para se esconder dos nazistas. Em Roma, as criptas foram o refúgio para judeus e ciganos que usavam os labirintos como rota para chegar ao Vaticano e ganhar proteção. Na Inglaterra, elas também estão bastante presentes. Durante os bombardeios dos anos 1940, muitas pessoas se refugiavam nas criptas para escapar das explosões e tesouros como as jóias da Coroa foram escondidos em Criptas para impedir que eles fossem saqueados caso houvesse uma invasão.

Durante o século XIII, Capelas Mortuárias eram mantidas na maioria das Igrejas Britânicas, mas com a Reforma Protestante, boa parte dessas construções acabaram sendo erradicadas. Os reformistas acreditavam que as Capelas Mortuárias incentivavam o culto a cadáveres ilustres e possibilitavam a venda de indulgências e relíquias. Com efeito, várias Capelas acabaram destruídas e saqueadas, inúmeros ossos foram removidos e enterrados em valas e aterros comunitários. Sacerdotes tentaram manter segredo a respeito da existência de suas criptas, ocultando as passagens ainda mais ou restringindo totalmente o acesso como forma de preservar o segredo de sua existência. Atualmente, a Holy Trinity é uma das mais importantes criptas preservadas da Inglaterra, uma das únicas que permanece intacta, na mesma forma que era, séculos atrás.

Por séculos, os ossos de Rothwell permaneceram escondidos e esquecidos, uma relíquia de uma época envolta pelas névoas do tempo. Os responsáveis por mantê-la em segredo pereceram sem comunicar sua existência a novas gerações de clérigos e a existência do complexo subterrâneo acabou desaparecendo dos arquivos eclesiásticos. Ninguém sequer sabia das câmaras, e mesmo os sacerdotes acreditavam que sua existência não passava de rumores. Os ossos poderiam muito bem ter continuado ocultos para sempre em meio a completa escuridão se não fosse por um acidente. Por volta de 1700, um coveiro que escavava uma sepultura ao redor do terreno da Igreja despencou em um buraco de três metros aterrizando em uma câmara escura recoberta de ossos. Dizem as lendas que o homem ficou tão perturbado pela experiência de se encontrar repentinamente diante de milhares de ossos e do miasma da morte que acabou ficando completamente louco, jamais tendo se recuperado. Mas foi apenas depois desse infeliz incidente que a cripta pode ser descoberta e seu real significado compreendido.


A cripta comporta os ossos de mais de 1500 indivíduos, que são o resultado de pelo menos dois períodos diferentes, um deles datado de 1200 e outro de 1500.  Os ossos estavam jogados de maneira caótica quando foram encontrados, mas arqueólogos empreenderam um trabalho cuidadoso de separação e organização. Eles foram separados em prateleiras, onde atingiram alturas de quase dois metros em alguns pontos. 

A medida que os especialistas catalogavam o ossuário, se depararam com alguns mistérios que até hoje permanecem sem uma solução satisfatória. Apesar da imensa quantidade de restos presentes, os únicos tipos de ossos coletados nos nichos são ossos da coxa e crânios. Além disso, embora existam restos de 1500 pessoas no local, conta-se apenas 800 crânios. Um estudo dos ossos revela ainda que 90 por cento deles pertencem exclusivamente a homens, sendo que os restos de mulheres estavam todos separados e acumulados num mesmo nicho.

Contudo, o maior mistério de todos diz respeito a origem dos ossos. Por muito tempo a cidade de Rothwell não contou com um cemitério próprio, os falecidos eram transportados e enterrados em um cemitério na cidade vizinha a cerca de 25 quilômetros de distância. Esse costume perdurou desde o século XII, conforme registros de óbito bastante antigos. Como então essa quantidade impressionante de ossos teria chegado a Rothwell? Além disso, muitos deles parecem simplesmente terem sido despejados no piso sem qualquer cerimônia, quase que como se tivesse havido pressa em se livrar deles.   

Por muito anos as pessoas que visitam o complexo se deixaram envolver pela aura de mistério no ar, e as sinistras prateleiras contendo ossos geraram mitos, rumores e boatos. Desde a redescoberta da cripta, curiosos se sentiram atraídos pelos seus enigmas. A Igreja abriu a visitação ao ossuário em 1850, depois da igreja ter sido invadida repetidamente por pessoas motivadas a visitar o lugar à qualquer custo.

Uma das teorias mais frequentes é que as criptas serviram como despejo de vítimas da peste que varreu a Inglaterra durante a Idade Média provocando um número absurdo de mortos. Outra possibilidade é que em 1580, um hospital local foi fechado e acredita-se que o cemitério onde os pacientes eram enterrados tenha sido removido. Nesse caso, os restos dos indivíduos teriam sido simplesmente lançados na cripta. Ambas explicações parecem boas, mas nenhuma explica por que há quase exclusivamente cadáveres masculinos e por que a vasta maioria dos restos se resume a ossos da coxa e crânios. Mesmo que tivesse havido um despejo de ossos, haveria uma placa ou uma menção a isso na própria cripta. Autoridades religiosas permitiam tal remoção, desde que fosse feito uma menção ao fato e que os ossos recebessem ritos fúnebres adequados. Nada disso está presente nos relatórios da Diocese.


No século XVIII, um estudioso formulou uma outra teoria. Os ossos em Rothwell teriam pertencido a soldados que morreram na Batalha de Naseby em 1645. Alguns esqueletos possuem marcas e fraturas condizentes com ferimentos de batalha, embora muitos cientistas sustentem que esses danos foram causados após a morte diretamente nos ossos. Mesmo que se trate de cadáveres de Soldados, é estranho que a Igreja não tenha qualquer registro, sobretudo porque ela redigiu documentos bem completos sobre o episódio, onde constam detalhes sobre o número de vítimas e onde foram sepultadas.

Recentemente uma outra teoria lançada pela Universidade de Sheffield afirma que os ossos poderiam pertencem a peregrinos religiosos. Por algum tempo foi muito comum o costume de levar os restos de parentes para serem enterrados em terreno sagrado. É possível que a Igreja de Rothwell tenha oferecido esse "benefício" para pessoas que pagavam uma taxa por essa "honra". Em um momento histórico complicado, os sacerdotes teriam todos os motivos para ocultar essa prática e manter bem longe de seus registros.

E o que dizer do número alarmante de crânios ausentes? O que teria acontecido com esses ossos, de longe os mais representativos da condição de morte. É possível que alguns deles tenham sido surrupiados ou removidos para uma câmara ainda desconhecida. Alguns supõem que quando as criptas foram lacradas, um corredor possa ter sido bloqueado, permanecendo até hoje inacessível. Outros dizem que crânios podem ter sido roubados para missas negras e rituais de bruxaria, já que no século XV, a área teria sido palco de uma verdadeira febre de feiticeiros.

Em 1684, quatro supostos bruxos foram capturados e julgados pela sua associação profana com o demônio. Nos autos do processo, que terminou com a execução pública de três acusados, um deles -  o sobrevivente, confessou que a cabala de feiticeiros realizava missas negras e rituais nas proximidades de Rothwell. Também revelou que o grupo costumava invocar demônios muito antigos conhecidos mesmo nos tempos dos romanos por habitar o subsolo da cidade. 

Como não poderia deixar de ser, a presença de tantos restos humanos e os mistérios que eles suscitam não demoraram a disseminar estórias sobre assombrações. Uma das mais populares menciona o fantasma de um clérigo que vaga pelo terreno da Igreja com uma pá tentando encontrar o local onde seu corpo teria sido enterrado. Isso sem mencionar o grande número de rumores sobre fantasmas sem cabeça.


Outro mito dá conta de que pelo menos uma vez por ano os espíritos dos mortos que repousam na cripta deixam o lugar para assombrar a Igreja e os terrenos próximos. Em 1978, um famoso Roy Ashby, um conhecido apresentador de um programa de fantasmas britânico esteve na Cripta de Rothwell para gravar um programa a respeito do lugar. Anos mais tarde, Ashby escreveu em sua biografia que de todos os lugares sinistros em que esteve, a Cripta de Rothwell era disparada a mais assustadora. Segundo o apresentador, durante as filmagens na Cripta, as câmeras teriam captado um vulto pairando sobre a equipe. Além disso, um dos técnicos se queixou de uma dor estranha nas costas e quando examinado encontraram uma série de cortes e filetes de sangue. 

O que teria acontecido em Rothwell? Por que existem tantos ossos lá dentro e de onde teriam vindo? Antropólogos Forenses planejam realizar mais estudos nos ossos que podem lançar uma luz sobre o mistério que já perdura há 300 anos.

Mesmo hoje, a cripta ainda possui uma aura assustadora e chocante. Visitada por turistas de todo o mundo, pessoas com curiosidade mórbida, a cripta convida as pessoas a entrar em um mundo escuro e assombroso. Aparentemente não é incomum que algumas pessoas desistam da visita logo depois de ver os primeiros crânios que repousam sobre uma longa prateleira logo na entrada. Mais de uma pessoa desmaiou ao encarar frente a frente essas órbitas vazias que parecem julgar os vivos.

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