quinta-feira, 7 de abril de 2016

Resenha de Caidos - Livro de M.R. Terci leva o Horror ao Brasil Colônia


Se eu recebesse uma moeda por cada vez que ouço alguém dizendo que no Brasil não existe espaço para Literatura de Horror, talvez ficasse rico.

Muitos afirmam categoricamente que nosso país não oferece as condições para ambientar estórias de legítimo horror. Na minha opinião não poderiam estar mais enganados... Não é de hoje, autores cada vez mais bem sucedidos despontam como expoentes do gênero. E o paulista Marco Terci (que assina M.R. Terci) está entre os mais talentosos a subverter essa noção errônea.

Terci é o autor de "O Bairro da Cripta", cujo Tomo I - As Elegias recebeu uma resenha aqui no Mundo Tentacular (vocês podem ler clicando AQUI). O Bairro da Cripta é uma coleção de estranhas estórias se passando em uma pequena e assombrada cidade chamada Tebraria nos confins do interior paulista às margens do caudaloso Rio Mogi. Em Tebraria coisas bizarras tendem a acontecer: os mortos parecem curiosamente à vontade no vasto cemitério que pontua a paisagem com lápides, monstros vagam sem destino dispostos a devorar inocentes e fantasmas se misturam aos vivos confundindo-se com a população local. Em "O Bairro da Cripta" (editado pela LP-Books) temos estórias curtas e contos narrados em um estilo rebuscado e ao mesmo tempo enervante, um trabalho quase artesanal na escolha perfeita de cada palavra e sentença. Em breve, teremos o lançamento do terceiro tomo, de cinco previstos.

Mas sem dúvida, o mais ambicioso projeto do autor é a Trilogia Caídos, cujo primeiro livro com o subtítulo "Abandonai toda Esperança" se encontra à venda, editado pela Desfecho Romances.

Caídos narra a épica existência de Emanuel, personagem fascinante, nascido em uma família de posses na bela cidade portuguesa de Coimbra nas primeiras décadas de 1500. Em uma época de exploração e aventura, na qual Portugal lançava-se ao mar em busca de um novo mundo, a saga de Emanuel se mistura com a da potência ultramarina. Viajando à bordo de caravelas ao redor do mundo, visitando colônias distantes Emanuel entra em contato com diferentes povos e costumes a medida que começa a percorrer o tortuoso caminho que o transformará em um poderoso bruxo, herdeiro de uma linhagem ancestral.

A narrativa começa em 1591 com Emanuel, já um homem de meia idade, calejado e alquebrado pelas suas aventuras e desventuras Prisioneiro em uma masmorra cheia de sal, mantida pelo Santo Ofício nas Terras de Santa Cruz ele espera pelo pior. Os Agentes da Inquisição no Brasil planejam torturar o sujeito de maneira implacável e extrair dele sua derradeira confissão. Descobrir até onde chega a perfídia do feiticeiro. 

Que fique claro uma coisa, o protagonista é exatamente aquilo que seus captores dizem! Essa não é a história redentora de um inocente acusado de bruxaria, sofrendo com as acusações de fanáticos supersticiosos e ignorantes. Não, mesmo! Todas acusações envolvendo bruxaria, assassinato, rituais de sacrifício (inclusive de crianças) e a mais negra magia são verdade incontestável. O próprio acusado é o primeiro a reconhecer tudo o que fez e se arrepende de bem pouco. E esse é um ponto importante na estória: o "herói" de Caídos é um verdadeiro monstro, mas mesmo assim, é difícil não torcer por ele.  

Diante de um jovem sacerdote, o feiticeiro começa a narrar os acontecimentos de sua vida sem poupar seu interlocutor (e menos ainda os leitores) dos detalhes mais escabrosos. E o que não faltam são detalhes terríveis que conjuram um manto de terror gótico, com doses maciças de Horror Cósmico e Malefício à estória. A prosa refinada de Terci se vale de termos e palavras arcaicas que se encaixam perfeitamente no panorama e época em que transcorre a trama. É notável a maneira como ele domina a linguagem, malhando as palavras como um dedicado ferreiro, até que elas tomem a forma desejada.

A primeira parte do livro é devotada a infância e adolescência de Emanuel que ainda criança empreende com o pai uma trágica jornada marítima até a colônia oriental de Goa. A viagem a bordo de um Galeão resulta em um dramático naufrágio e a primeira revelação das origens místicas do menino. Ele acaba adotado por um grupo de Carmins (ciganos) que erram pelas estradas do velho mundo e na companhia deles se torna um viajante. Com seus novos companheiros, Emanuel conhece seu grande amor Angelique e seu primeiro Mestre na instrução do mundo oculto, o Chefe da Caravana Castañeda. 

Durante seu aprendizado nada ortodoxo, Emanuel fica sabendo da existência de um Triunvirato Obscuro, o Triregno das Areias Eternas que congrega os Reinos de Carmin Somnium (o lar original dos Carmins), Hades Eterna (A Terra dos Mortos) e a temida Tebrarhuna (um reino de maldade e perversidade extremas). Cada reino possui uma tradição arcana distinta, os Magister governam Carmin Somnium, os Necromantes dominam Hades Eterna e os Feiticeiros regem Tebrarhuna com mão de ferro. Mais do que conhecimento, esses magos controlam forças poderosíssimas que lhes permitem moldar sombras, conjurar servos e canalizar energias destrutivas. Lembrou de Harry Potter? Esqueça, os magos em Caídos mexem com coisas que fariam os moleques de Hogswards correr com o rabo entre as pernas.

A medida que vai conhecendo detalhes sobre cada uma dessas tradições, fica claro que o destino de Emanuel está relacionado a uma terrível Guerra Mística que irá desestabilizar os Reinos e dar início a um Conflito sem precedente que afetará também nosso mundo. Deuses e Entidades místicas governam cada um dos Reinos e Emanuel tem a oportunidade de conhecer esses seres metafísicos, cair nas graças de alguns e desafiar a ira de outros.

Na metade do livro, o jovem Emanuel acaba se transformando em Emanuel do Túmulo, quando é enviado para a cinzenta cidadela dos Mortos de Hades Eterna. Seu destino é se tornar um Encantador de Cemitérios, um Sedutor de Túmulos, um Adorador de Sepulcros... em bom português, um Necromante! Após demonstrar um perturbador talento natural para controlar os mortos, ele acaba desafiando a autoridade da tenebrosa Emrev, a Rainha Demônio de Hades Eterna. Por sinal Enrev me lembrou em mais de um momento as Abominações blasfemas do Horror Cósmico.

Depois de uma pós-graduação hardcore na companhia de cadáveres e mortos vivos, Emanuel regressa a Portugal descobrindo que o velho mundo mudou muito desde sua partida. Mudou para pior! Sob os auspícios da Inquisição, a Igreja deu início a uma cruzada avassaladora de terror que varre a Europa em busca de pecados e principalmente pecadores. Não é preciso dizer que a vida dos utilizadores de magia se tornou muito perigosa.  

A partir desse ponto, a vida de Emanuel, agora transformado em um impiedoso necromante dá uma nova guinada e mergulha sem freio no Inferno. Lançando mão de maldições e de horrendos sortilégios, o bruxo comete alguns dos seus crimes mais terríveis, faz alianças espúrias e desvenda mais mistérios sobre sua origem profana. Para ter uma ideia, o livro sugere que o declínio de Portugal como potência mundial pode estar ligado às maldições intentadas pelo necromante que faz chover fogo e enxofre sobre a "velha terrinha".

Caçado pelos seus atos temerários, Emanuel acaba enfrentando a censura de ex-amigos, é cortejado por inimigos e caçado por servos da Inquisição, tanto os naturais quanto os sobrenaturais. E o que não faltam são personagens bizarros e cheios de más intenções a rechear as páginas.

A terceira e última porção do livro, na minha opinião, reserva os melhores momentos. O necromante sob implacável perseguição da Inquisição decide empreender uma nova e perigosa viagem rumo ao Novo Mundo. Nas Terras de Santa Cruz, nosso então jovem Brasil, Emanuel descobrirá horrores primitivos vagando em estado puro nas selvas fechadas, entidades do Triregno até então esquecidas, que são reverenciadas por tribos de nativos canibais, pajés e coisas piores que espreitam a colônia. A maneira como a religião indígena se mistura com a mitologia do Triregno é um verdadeiro achado.

Pintando um Brasil Colônia com tons escuros e sombras (tebras!) sempre presentes, a narrativa vai num crescendo alucinante até o episódio da captura e prisão do Necromante pelos seus algozes na Baía de Cabrália. A conclusão reserva um espetáculo apoteótico primando pelo sangue e descrições vívidas de tortura e vingança.

Mas essa é apenas a primeira parte da Trilogia e obviamente ainda há muito a acontecer na tumultuosa saga de Emanuel do Túmulo. Eu gostei muito de Caídos e espero ansioso pelas continuações.

Eu apenas adoraria que o livro trouxesse um Glossário de termos para que o leitor possa se guiar e compreender exatamente o que são alguns nomes usados pelos personagens (lugares, magias, pessoas importantes). Com um glossário ficaria bem mais fácil compreender a mitologia e assimilar os termos. Fica a sugestão! Outra diz respeito aos trechos em caixa alta (letras maiúsculas), reconheço que é meio que frescura da minha parte, mas o uso frequente de letras maiúsculas torna a leitura um pouco cansativa, mesmo que sirva para distinguir as palavras de um Deus ou ser poderoso. Não é nada demais!

Caras, para quem gosta de uma boa estória de horror e anseia por algo diferente situado no Brasil, em um período repleto de lendas, aventura e excitação, Caídos é uma excelente opção de leitura.

CAÍDOS - Abandonai toda Esperança
M.R. Terci
Editora Desfecho Romances
389 páginas

E quem gostou, indico dar uma olhada nesses links aqui:

M.R. Terci Página Oficial do Autor
Os Imperiais de Gran Abuelo


7 comentários:

  1. Uma vez mais os astros conspiram em sua orbita ominosa e as estrelas se alinham nos céus. É chegada a hora e o Mundo Tentacular faz a resenha do famigerado Caídos. É assim que eu vejo o ocorrido, não uma resenha, um acontecimento de dimensões lovecraftianas! Para este escritor, o evento mais aguardado do ano em um site que vai além do entretenimento. O Mundo Tentacular adentra câmaras secretas e ousa abrir tumbas proibidas, repletas de compêndios e grimórios esquecidos há incontáveis eras. Honraria das maiores ver o nome de meu guri em uma das minhas principais fontes de consulta!

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  2. Se a pessoa souber escrever bem até o bairro do limoeiro da turma da Mônica pode ambientar uma boa história de terror, ou de qualquer outro gênero literário.

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  3. Adorei o livro e estou ansioso pela continuação. Altamente recomendável para quem não tem medo de sair da mesmice da literatura contemporânea e mergulhar no inferno!

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  4. Esse é o tipo de livro do qual você dificilmente sai ileso,tema forte e bem construído e como eu deixei bem claro em meu vídeo resenha,um livro POLÊMICO para diversão de quem tem a mente aberta para receber um dose cavalar da criatividade do autor!

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  5. Parabéns, Terci, por publicar livros de horror no Brasil. Vou procurar seus livros nas livrarias!

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    1. Opa, Azathoth! Sou teu fã cara! HAHA! Irmão, o Caídos vc acha na rede da Livraria Travessa, tem várias no RIO DE JANEIRO e em algumas cidade de SP. O Bairro da Cripta só no site da editora LP_BOOKS e no meu site. Pelo site oficial do autor, você não paga frete. Demais obras por e-book na Amazon.

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  6. Olá!! Eu adoro a escrita do Marcos, e um dos principais motivos é a característica, que você levantou tão bem logo no início da resenha; de resgatar o ambiente nacional.
    "Caídos" já está na minha fila de livros a ler, sua resenha me deixou mais ansiosa pela leitura.

    Abraços
    lua-literaria.blogspot.com.br

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