segunda-feira, 31 de outubro de 2016

A Origem do Halloween - De onde vieram os costumes dessa noite especial


Reeditando a postagem de Halloween.

As festividades de Halloween tiveram início na antiguidade, nas comemorações pré-cristãs dos Celtas com seu tradicional Festival dos Mortos. Os povos celtas, que um dia habitaram boa parte da Europa Ocidental, dividiam o ano em quatro importantes feriados. De acordo com seu calendário, o ano tinha início em um dia que correspondia ao atual primeiro de novembro. A data marcava o início do inverno no hemisfério norte. Uma vez que se tratava de um povo pastoril, era o momento de arrebanhar o gado e as ovelhas e levá-lo para pastagens onde eles poderiam ficar em segurança durante os meses de frio intenso. As colheitas também eram realizadas conforme esse calendário. Após feita a colheita, tudo era estocado para os dias de caristia. A data marcava o início e o fim de um ciclo da natureza. Um ciclo perpétuo de morte e renascimento.

As festividades eram então chamadas de Samhain (pronunciado como Sá-uin, significando literalmente "Fim do Verão"). Ela era a maior e mais significativa data de feriado para os Celtas, um dia a ser observada com todo o rigor. Segundo o folclore destes povos, durante o Samhain a fronteira entre o mundo físico e espiritual, ficava mais tênue, e os espíritos dos mortos atravessavam para o mundo dos vivos, podendo se fazer sentir. Todos aqueles que morriam ao longo do ano davam início a sua jornada para o outro mundo naquela noite específica. Antes de partir para sempre, os espíritos tinham a chance de se misturar aos vivos uma última vez. Vagar pelos campos e cidades, encontrar seus entes queridos, parentes, amigos. Podiam até possuir os vivos e por uma noite "viver novamente".   

As pessoas se juntavam para o festival e faziam preparativos antecipados para a data. Animais eram sacrificados, frutas e vegetais eram oferecidas para apaziguar os fantasmas e favos de mel colocados na porta das casas. Isso representava uma oferenda final, uma espécie de dejejum para os espíritos a caminho de sua longa viagem. Também era costume acender grandes fogueiras em honra dos mortos, para iluminar a noite e torná-la menos opressiva. 

Contudo, ao fim das festividades, que envolviam canto e dança, o fogo era apagado por completo, deixando os vilarejos em total escuridão. Esse era o momento em que os mortos convidados a participar da festividade, recebiam a intimação para partir. A tradição é que nem mesmo uma vela ou tocha podia permanecer acesa nessa noite. 

Espíritos especialmente agarrados às suas paixões terrenas, no entanto, podiam se negar a partir. Segundo a crença, fantasmas, assombrações e mortos vivos se prendiam desesperadamente ao mundo dos vivos, assombrando as pessoas com seus lamentos. O espírito daqueles assassinados, brutalizados, desaparecidos, afogados e também dos suicidas eram os que mais frequentemente teimavam em partir. Apagar as luzes era essencial para afastar esses espíritos inquietos pois somente acreditando que os vivos não se importavam mais com eles, concordavam em ir embora. Demônios e seres malignos, bruxas, fadas e duendes, podiam manipular essas assombrações, fazer com que elas se tornassem ressentidas, amarguradas e por fim violentas. No Sanhain, as criaturas sobrenaturais agiam livremente e procuravam espalhar o caos e a tragédia.

Depois do apagar das luzes, as pessoas evitavam a todo custo sair de casa. A chance de encontrar algo assustador ou perigoso era grande e por isso muitos ficavam quietos, evitavam até falar ou comer para não chamar a atenção dos espíritos inquietos.

O Samhain se converteu no Halloween quando missionários cristãos tentaram alterar as práticas religiosas dos povos celtas. Nos primeiros séculos depois de Cristo, antes de St. Patrick e St. Columcille iniciarem a conversão em massa na Irlanda e na França, existia uma casta de sacerdotes que praticava uma elaborada religião em todo continente: os Druidas. Como líderes religiosos, especialistas em rituais e fonte de sabedoria, os druidas eram extremamente respeitados. Suas decisões eram acatadas até pelos chefes tribais e pelo povo em geral com um misto de respeito e temor. Para estabelecer a base de suas crenças, os cristãos teriam de lidar com os druidas e reduzir sua influência. Para isso, marcaram os Druidas e seus rituais como malignos, em conluio com o próprio inimigo de Deus, o Demônio. 

Como resultado de sua campanha para erradicar as crenças consideradas "pagãs", os missionários conseguiram diminuir o significado do Samhain, mas ele não foi esquecido por completo. Embora muitos convertidos professassem a nova crença, boa parte, ainda mantinha seu respeito a crença de seus antepassados. 

Em 601 dC, o Papa Gregório I, ditou um famoso édito para todos os missionários a respeito dos costumes e tradições dos povos que ele esperava converter. Ao invés de tentar obliterar de vez as tradições e crenças, o Sumo-Pontífice instruiu os missionários a usá-los em causa própria. Se um grupo venerava uma árvore, ao invés de cortá-la e arrancar-lhe as raízes, aconselhava-se consagrar a árvore em nome de Cristo e permitir que ela continuasse sendo venerada.   

Em termos de expansão do cristianismo, essa foi uma idéia brilhante que permitiu convencer os "povos pagãos" que suas crenças não eram tão diferentes da oferecida pelos missionários. Datas e dias sagrados da Igreja foram deliberadamente mudados para coincidir com o calendário celta. A data do Natal, por exemplo, foi escolhida como 25 de dezembro para corresponder a celebração da metade do inverno. Da mesma maneira,o Dia de São João, passou a ser comemorado no solstício de verão.        

Samhain, com toda sua ênfase em elementos sobrenaturais era claramente um feriado difícil de ser encaixado na perspectiva cristã. Os primeiros missionários a tomar conhecimento dessas festividades cunharam os rituais como malignos e perniciosos. Era a data mais aterrorizante do ano, o dia em que os pagãos realizavam festividades que glorificavam espíritos profanos e horrores impronunciáveis. Uma verdadeira blasfêmia aos olhos dos missionários, perpetrada por ninguém menos que os temidos druidas. Apesar de sua propaganda agressiva, que relacionava o outro mundo celta com o Inferno e os druidas como feiticeiros, as festividades ainda eram observadas, sobretudo, nas comunidades mais afastadas onde a fé cristã encontrava dificuldades em se estabelecer. Mesmo nas cidades, muitos ainda comemoravam o Samhain, a despeito de irem às missas e comungarem.

A solução foi adaptar o Samhain a uma data específica do calendário cristão, o Dia de Todos os Santos que passou a ser comemorado em primeiro de novembro. O feriado honrava - como dizia o próprio nome, todos os santos e mártires cristãos, especialmente aqueles que não possuíam um dia específico devotado a eles. O objetivo era gradualmente substituir o Samhain até ele desaparecer para sempre. 

Mas isso jamais aconteceu! As velhas crenças associadas ao Samhain nunca foram inteiramente esquecidas. O poderoso simbolismo dos mortos viajando era muito forte, e talvez muito básico para a psique humana, para ser satisfeito por um novo conceito abstrato que honrava os santos católicos. Reconhecendo que alguma coisa deveria ser acrescentada ao festival de Todos os Santos, a Igreja tentou uma nova abordagem no século IX. Dessa vez, foi estabelecida uma nova data, no dia 2 de novembro, o Dia de Todas as Almas - um dia reservado para a oração pelas almas dos mortos, aquilo que hoje conhecemos como Dia de Finados. Mas novamente, a tentativa de redefinir as crenças não teve o resultado esperado.

O Dia de Todos os Santos, também conhecido como All Hallows (hallowed no sentido de santificado ou sagrado), continuou sendo um dia que honrava as tradições celtas. O dia anterior ao festival é de intensa atividade, tanto humana quanto sobrenatural. As pessoas continuam a lembrar dessa data como um festejo relacionado a espíritos, fantasmas e mortos. As pessoas continuaram a relacionar a data com o oferecimento de comida e posteriormente de doces para alegrar a tristeza da morte. Subsequentemente, All Hallows Eve passou a se chamar Hallow Evening (Tarde Sagrada), que por sua vez se tornou aquilo que hoje conhecemos como Halloween.

Muitas entidades sobrenaturais se tornaram associadas ao All Hallows. As Bruxas por exemplo, se tornaram parte indelével nessa data, como praticantes de malefício, mas também realizadoras de portentos e rituais. Os fantasmas e assombrações são lembradas na noite de Halloween, como acontecia na Europa pagã. É essa a data em que eles se aproximam dos vivos para um adeus. E é claro, os mortos vivos e ghouls continuam a figurar entre as criaturas temidas nessa noite. 

Na velha Inglaterra, bolos eram assados e oferecidos a estranhos que batiam as portas no meio da madrugada. Os "soul cakes" ou "soulin" (bolos da alma) eram ofertados para aqueles que supostamente podiam ser possuídos pelos espíritos. A oferta de um doce, simbolizava uma última experiência ligada ao prazer carnal. Tal conceito acabou sendo assimilado pelo Halloween e é por isso que aqueles que batem a porta nessa noite, recebem uma guloseima.

Virtualmente todas as tradições presentes no Halloween remetem a práticas celtas contemporâneas do festival do Dia dos Mortos. Halloween é um feriado de costumes misteriosos, mas cada um deles possui sua própria história, ou ao menos, uma estória oculta. As fantasias, por exemplo, podem ser traçadas aos primeiros séculos da Era Cristã, quando os seres sobrenaturais supostamente vestiam roupas para se disfarçar e não assustar demasiadamente as pessoas. Mesmo hoje, as fantasias favoritas usadas pelas crianças são as mesmas que eram usadas pelos celtas: os esqueletos, os fantasmas e as bruxas. Até mesmo a tradição de dar maçãs (um costume agrário ligado a boa colheita) e de talhar abóboras com faces humanas, são reminiscentes do Sanhain. As abóboras com sorrisos sinistros serviam para afastar os fantasmas e evitar que eles maculassem as plantações. 

Hoje em dia o Halloween se converteu para muitos em um passatempo adulto. Uma oportunidade de homens e mulheres (e não apenas crianças) vestirem fantasias e frequentarem festas à luz de velas, com dança e música alta. Abóboras com sorrisos sinistros (Jack o´lantern) despontam no pátio de várias casas como lembranças da data festiva. Crianças andam por aí, vestidas com fantasias pedindo doces e prometendo represálias para os que os negam... o famoso "trick or treat" (que também está ligado ao costume celta de amaldiçoar aqueles sovinas que não compartilham a doçura da vida com os que morreram).

Todos esses costumes ancestrais são reencenados pelas pessoas que alegremente continuam a celebrar o Halloween, como uma maneira de desafiar as convenções e provocar o sistema. O Halloween não é maligno como querem fazer parecer algumas pessoas, a data não tem nada de má ou aterradora... ela é uma mera celebração da morte, um simples e indiscutível fato da vida.

Para todos os leitores do Mundo Tentacular, um FELIZ HALLOWEEN!

E Cthulhu parece já ter escolhido a sua fantasia esse ano...


sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Como ser um Narrador melhor - Dicas Valiosas para Mestres de RPG


Fazia algum tempo que eu não escrevia um artigo a respeito de mestrar RPG.

Eu tenho sido Narrador de RPG (Mestre, GM, DM, Keeper, Storyteller, Marshal e mais uma série de coisas) faz um bom tempo. Se bem me recordo, acredito ter começado a mestrar, na semana seguinte a ter jogado pela primeira vez. Desde os áureos tempos do D&D pai de todos com seus Dungeon crawls e hack & slash, passando pela febre do Storyteller, seguindo pelos novos jogos independentes e pelas transformações do D&D, foram inúmeros jogos e muitos sistemas que passaram pelas minhas mãos, incontáveis rolamentos de dados, centenas de personagens e muita diversão na companhia de amigos.

Nesse período eu aprendi muita coisa, mas estou sempre disposto a incorporar algo novo nas minhas mesas. 

Dicas são sempre bem vindas, principalmente quando elas não são impostas como verdade fundamental e aqui, esse não é o caso. Estas 15 dicas partem do seguinte princípio, elas funcionam na minha mesa e talvez funcionem na mesa de vocês, use o que lhe agrada, aproveite o que desejar, o resto descarte.

Vamos lá?

1. NOMES SÃO IMPORTANTES

Dar aos seus NPC (Personagens não jogadores) nomes memoráveis os torna imediatamente mais interessantes e críveis para os jogadores. Cada NPC, não importa o quão pequeno ou coadjuvante, oferece a oportunidade de enriquecer seu mundo e sua estória. Cidades, regiões, rios, montanhas, tudo isso merece um nome à altura. Chamar um Pântano apenas de "Pântano" é muito sem graça, que tal chamar de "Charneca da Água Negra" ou de "Pântano do Velho Sangueiro". O "Deserto de Areia" imediatamente se torna mais ameaçador se for chamado de "Deserto da Agonia" ou algo misterioso como "Terras Estéreis de Pthah". Da mesma forma, o taverneiro chamado Axel ou o Vendedor de Armas chamado Franz se tornam imediatamente mais bacanas do que seus correlatos sem nome que figuram na maioria das aventuras. Tenha à mão uma lista de cinco ou seis nomes para NPCs e lugares que você pode precisar de improviso. Anote esses nomes e use-os para futuras referências.

2. NADA DE NOMES RIDÍCULOS

Evite com todas as forças nomes que poderão ser usados como piadas prontas. Poucas coisas destroem de maneira mais eficiente uma narrativa do que um nome de NPC que se torna piada na boca dos jogadores, sobretudo se o NPC for essencial para sua aventura. Jogadores tem por hábito adaptar piadinhas a nomes: Feodor vira "Fedor", "Giles vira "Gilete" e "Peyton" vira algo gastricamente sem graça. Evite nomes com duplo sentido, que lembre outros personagens, que sejam demasiadamente clichê ou que sejam muito complicados para guardar. Um bom nome de NPC é aquele que os jogadores lembrarão naturalmente. 

3. JOGADORES ADORAM NOSTALGIA

Reutilize os lugares onde seu grupo já esteve anteriormente. Que tal revisitar o velho forte que o grupo ajudou a libertar da presença de goblins lá no primeiro nível? Que tal pousar sua nave na estação caindo aos pedaços e visitar a espelunca onde a tripulação se conheceu? O que dizem de explorar por uma segunda vez a casa assombrada onde um aliado desapareceu sem deixar rastro? Da mesma maneira, será memorável encontrar aquela atendente de taverna que no primeiro nível esnobou seu personagem. Será que a opinião dela será outra agora que você chegou ao sétimo nível e se tornou um herói local? Em nossas vidas, sempre temos a chance de encontrar rostos do passado, de colocar a conversa em dia e relembrar de acontecimentos. Jogadores adoram encontrar aquele sujeito que foi salvo na primeira sessão e descobrir que ele se tornou alguém importante. O que teria acontecido com seu rival dos tempos de faculdade? Será que ele progrediu como você? Saber que o heroísmo foi recompensado através de alguém que eles próprios ajudaram não tem preço. Não repita essa fórmula indefinidamente, para não diminuir a importância dos acontecimentos. Espalhe momentos assim de tempos em tempos e veja como seus jogadores vão reagir quando envolvidos pela nostalgia.


4. ROLAR DADOS É CHATO SEM DESCRIÇÕES

Na superfície, rolar dados é essencial numa sessão de RPG. Sucesso e fracasso dependem dos números obtidos nesses pequenos poliedros multifacetados. Eles representam a Mão do Destino (THE HAND OF DOOM) agindo sobre a vida de seu personagem. Quando um jogador rola o dado, há um momento de suspense no qual qualquer coisa pode acontecer e todos aguardam com ansiedade a resolução. Mas para que esse suspense seja justificado, a resolução do rolamento precisa ser detalhada. Do contrário, só temos um número ajustado por modificadores positivos e negativos. Um ataque, uma análise, um teste de percepção, uma tentativa de enganar, seduzir, encantar... tudo depende do número rolado no dado, mas a descrição do Narrador é essencial para que o resultado seja mais do que um número frio e sem graça. Dizer "você encontra um espaço na armadura e desfere uma estocada com a lâmina no ponto exato entre as placas de metal" é muito melhor do que narrar "você rolou um ataque crítico!". Explicar que "a lâmina produz um ferimento profundo e doloroso, que quebra costelas e atravessa o pulmão matando o oponente que solta um gorgolejar" é muito (mais muito!) melhor do que dizer "você dobra seu dano e mata o inimigo". Concentre-se no que significa cada resultado e como ele pode ser apresentado em detalhes de jogo. Narre a situação, evite se limitar a declarar "acertou"/"errou". RPG não é batalha naval! Esconda os números o máximo possível e torne cada rolamento algo inesperado.

5. DEIXE OS JOGADORES ESCOLHEREM SEU CAMINHO

O mundo é preenchido com incontáveis possibilidades cada uma levando a um caminho diferente. Os jogadores devem ter autonomia para escolher qual caminho preferem trilhar. A você, o Narrador, cabe guiá-los e se preciso colocá-los no caminho correto. Mas é importante ter a mão leve para não empurrá-los de um canto para o outro. No final, mesmo que o caminho não tenha sido definido por eles - e sim pelas circunstâncias, deve ao menos parecer que eles escolheram o caminho tomado de forma consciente. Poucas coisas frustram mais os jogadores do que um Narrador que obriga o grupo a a agir de uma maneira que eles não querem.

6. RECOMPENSE BOAS IDEIAS, NÃO AS PUNA

Infelizmente existem GMs que não compreendem que seu papel é contar uma história e não disputar contra os jogadores. Os obstáculos que ele, como narrador cria, ou os inimigos que lança contra os jogadores, visa tornar o jogo mais interessante, estimulante e excitante. Eles não devem ser empregados com o objetivo de derrotar, eliminar ou (valei-me Deus) humilhar os personagens dos jogadores. O mestre não está enfrentando o grupo como inimigos em uma disputa na qual apenas um pode ser vitorioso. Um bom GM sabe dificultar a vida dos personagens, mas tem a nobreza de reconhecer quando eles superam suas armadilhas com inteligência, habilidade ou sorte. Se os jogadores descobrirem uma falha em sua estratégia, não tente consertá-la apenas para negar o triunfo do grupo. Reconheça que eles conseguiram superar seus obstáculos e recompense-os de acordo.


7. SEJA CONSISTENTE 

Aleatoriedade em dados é algo esperado. Aleatoriedade em regras de sistema ou interpretações matam um jogo. Quando você adota uma "Regra da Casa", tenha certeza de que todos entenderam e explique suas razões para adotá-la. E se a situação assim mandar, mantenha essa regra até o fim. Poucas coisas frustram mais o grupo do que regras que na prática estimulam "dois pesos e duas medidas", que validam ações de inimigos ou NPCs, mas que não valem para seus personagens. E isso se aplica a qualquer situação. Se um NPC conseguir lançar uma magia usando um velho manuscrito meramente lendo o que está escrito, um jogador pode ser perfeitamente capaz de fazê-lo se estiver em uma circunstância semelhante. Um mestre deve ser firme, mas justo. Fazer justiça é aplicar a mesma Lei a todos na mesa.

8. ADMITA ERROS ASSIM QUE OS IDENTIFICAR

Narradores tem que fazer muita coisa ao mesmo tempo. Por vezes, um narrador pode esquecer de um detalhe importante, ocultar uma pista sem querer ou ignorar algo importante que pode atrapalhar o curso da história. Se você de alguma forma atrapalhar o grupo ou forçá-lo a um caminho improdutivo, reconheça que não era sua intenção. Se você esqueceu aquela pista central, contorne de alguma forma e se for extremamente necessário volte uma cena para acrescentar o detalhe perdido. É melhor fazer isso o quanto antes do que deixar o grupo perdido e sem saber o que fazer. Em alguns momentos, quando os jogadores ficam perdidos, eles acabam perdendo o interesse na história. Um beco sem saída chateia o grupo como um todo, bem como aquela sensação de que uma lacuna foi deixada aberta. Seja direto nos reparos necessários, é melhor do que dar voltas e tentar explicar ou arranjar desculpas.

9. PLANEJE MOMENTOS CHAVE NA SUA AVENTURA

Os jogadores participam da campanha que você está narrando com o objetivo de serem entretidos e recompensados. Recompensas são a forma como os personagens avançam em em suas metas e conquistam aquilo que almejam. São as tais milestones, um conceito que muitos jogos incorporam às suas regras. São momentos chave da vivência dos personagens que constituem aquelas situações em que eles avançam em seu desenvolvimento como indivíduos. Se vingar do sujeito que matou seus pais, conquistar um tesouro, caçar aquele maldito troll que destruiu seu vilarejo... Se um personagem não avança e fica estagnado com os mesmos planos pendentes, pode ter certeza que o jogador logo irá se frustrar. Ninguém quer continuar salvando camponeses para sempre, ninguém quer ficar matando goblins e pilhando masmorras, por mais divertido que seja. Os jogadores precisam progredir em suas vidas e se tornar algo que eles almejavam ser no início. Se o plano de um deles é entrar para uma ordem ou sociedade, planeje isso com antecedência. Se um deles deseja enfrentar um oponente odiado, planeje esse encontro em detalhes. Uma campanha em que nenhum plano se concretiza é frustrante. Os jogadores precisam conquistar algo e obter sucesso ao menos de vez em quando. Isso não quer dizer que a aventura tem que ser uma sucessão de sucessos, mas se estes nunca vierem, as coisas se tornam enfadonhas.


10. FAÇA OS PERSONAGENS SE TORNAREM HERÓIS DE VEZ EM QUANDO

Dê aos personagens a chance de brilhar de tempos em tempos. Eles obviamente não precisam salvar o mundo toda sessão, mas é bom eles sentirem que seus esforços foram reconhecidos e que seus atos foram importantes e conquistaram reconhecimento. Cabe aos personagens perseguir seus objetivos, mas cabe ao mestre tornar as realizações algo grande e não um mero acontecimento. O grupo matou um Dragão? Faça com que a fama deles corra pelas cidades. Venceram um Senhor da Guerra? Que os bardos cantem suas realizações em prosa e verso. Salvaram uma cidade de Drows? Que os aldeões os admirem e depositem neles suas esperanças. Personagens são capazes de fazer coisas notáveis e todos querem ser heróis, nem que seja de uma aldeia nos cafundós do mundo. Faça o momento em que eles são reconhecidos como heróis algo significativo, faça com que reconheçam sua importância e seu sacrifício. Esses momentos serão lembrados e pranteados por muito tempo: "Lembra quando salvamos a princesa?", "Lembra quando liquidamos aquela criatura dimensional?", "Lembra quando matamos aquele Dragão lendário e fomos declarados heróis de Cormyr?". Incentive o grupo a colecionar títulos e o reconhecimento geral. Mais do que dinheiro, mais do que tesouros, mais do que qualquer coisa transitória, a Glória vive para sempre! E mesmo que eles falhem, faça com que eles sejam lembrados como aqueles que ousaram se erguer contra um inimigo superior.

11. REMOVA OS MOMENTOS CHATOS DO ROLEPLAY

Avance as coisas! A menos que exista alguma relevância para a história e para acontecimentos vindouros, prefira avançar momentos chatos ou que parem demasiadamente a sessão. É como se você tivesse à sua disposição um controle remoto com uma tecla de avanço. Não tenha medo de usá-la de vez em quando. Por exemplo, em praticamente todas as aventuras de RPG chega o momento em que o grupo precisa comprar equipamento e negociar mercadorias. Se você exigir que eles negociem objeto por objeto, item a item, regateando e barganhando, pode ter certeza que seu jogo não vai progredir. Você pode até fazer isso uma ou duas vezes, mas na terceira as coisas começam a ficar chatas. Da mesma maneira, há todo tipo de momento em que o mestre pode avançar as coisas.  Em caso de uma viagem muito longa, experimente fazer um resumo do que o grupo viu e testemunhou ao longo de vários dias de estrada. Um resumo é melhor do que um relato completo encenado, a não ser que este seja vital para o curso da história. A exploração de uma cidade também pode ser feita dessa maneira, descrevendo o que o grupo viu nos distritos menos importantes e seguindo direto para aquele que realmente é essencial para o desenrolar da trama.

12. LEVE O JOGO À SÉRIO, MAS NÃO EXCESSIVAMENTE

Essa é uma Regra de Ouro. Se o GM brincar durante o jogo, os jogadores sentirão que também podem brincar. Se ele agir de maneira séria, pode ter certeza que eles vão levar o jogo bem mais à sério. Mas lembre-se, a primeira regra de qualquer RPG é se divertir. Um jogo em que há seriedade o tempo todo, caras fechadas e nenhum momento de descontração pode até ser dramático e com grandes interpretações, mas também pode ser muito chato. O desejado é que a mesa alterne momentos de seriedade (quando a situação assim exigir) com momentos de descontração (quando as coisas estiverem calmas).


13. DE A ELES INFORMAÇÕES NECESSÁRIAS

Nem todos sabem como sobreviver numa floresta à noite. Não espere que seus jogadores apresentem conhecimentos que eles não tem. Se você como mestre já leu a respeito de como é o aprendizado de magia, sobre os mistérios dos Mitos de Cthulhu ou os detalhes de uma ambientação, não presuma que os jogadores tem o mesmo conhecimento. Muitas vezes é irritante para o jogador quando o GM cobra dele um conhecimento sobre a ambientação que ele não possui. Pior ainda quando diz "mas você precisa saber disso"! Converse com o grupo antes da sessão. Alimente os jogadores com informações necessárias para compreender o básico da ambientação, dos NPC e dos lugares que serão cobertos na campanha. Uma sugestão? Faça uma reunião antes da campanha começar. Explique a eles os aspectos básicos do mundo: geografia, política, quais os reinos e pessoas importantes. O ideal é que isso seja escrito e compartilhado como recursos de jogo para todos. Se uma sessão vai introduzir novos elementos use o recurso dos handouts com um resumo de "O que vocês sabem a respeito de..." Isso ajuda muito a aprofundar o jogo!  

14. MANTENHA UMA CÓPIA DA FICHA DOS JOGADORES

Esse é um conselho procedimental. SEMPRE tenha uma cópia das fichas dos jogadores com você. Existe dois tipos de jogadores: Aqueles que copiam os dados, mantém tudo organizado em pastas e que capricham nos detalhes. E aqueles que acabam com a ficha, rabiscando, amassando, fazendo anotações nos cantos e tudo mais. Inevitavelmente o segundo tipo de jogador irá perder a ficha ou esquecer de trazer em uma sessão. Muito possivelmente isso irá atrapalhar muito a sequência planejada, pois ninguém é capaz de lembrar todos os detalhes de uma ficha. Para essas eventualidades, tenha uma cópia atualizada à mão, mantenha ela guardada. Uma boa dica é oferecer pontos de experiência para os jogadores que mantiverem suas fichas em ordem e atualizadas ou menos pontos para os que forem relaxados com seu material. Lembre-os que você como GM tem muito mais trabalho em organizar os eventos de um mundo inteiro, o mínimo que eles podem fazer é cuidar de uma pequena parte desse mundo - seus próprios personagens!  

15. SE VOCÊ NÃO ESTÁ SE DIVERTINDO, NINGUÉM VAI SE DIVERTIR

E chegamos a regra mais importante de todas! Por algum motivo, muitos jogadores e mestres acham que o papel do Narrador é conduzir o jogo, decidir os rumos da campanha, traçar o destino e rolar dados. Tudo isso sem se divertir. NÃO! O GM deve se divertir tanto quanto os jogadores. Ser Mestre deve ser um prazer e jamais uma imposição de um grupo sobre um pobre infeliz que odeia esse posto. Vai por mim, se jogar RPG sem vontade é péssimo, narrar uma aventura contrariado, é muito pior. Se você não gosta de ser mestre, converse com os jogadores, explique a eles sua posição. Talvez você consiga explicar e todos entrem em um acordo que facilite as coisas para você continuar. Do contrário, passe o cargo adiante. Da mesma maneira, se você chegar a um determinado momento em que a campanha não está satisfatória ou o resultado está aquém do que você imaginou, seja franco com seus jogadores. Explique o que não está funcionando e encerre ali se não existir uma forma de reparar as coisas. Se for o caso, transfira a campanha para as mãos de outra pessoa, talvez como jogador você desfrute muito mais. Jogos em que o mestre não se diverte, e que ele sustenta por uma ridícula "obrigação para com o grupo", tendem a desmoronar por conta própria.

Bom é isso!

Espero ter ajudado e se alguém quiser sugerir mais alguma coisa aproveite o espaço de comentários.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

"A mais horrível das Mortes" - A Execução do Cidadão Damiens em Paris


Robert François Damiens tinha 42 anos de idade quando morreu de forma medonha.

Ele foi morto em uma tarde fria em 28 de março de 1757. O tamanho do horror infligido a ele ainda nos assombra. Não apenas em função dos detalhes grotescos e da narrativa das várias testemunhas que estiveram presentes ao suplício encenado na Place de Greve, Centro de Paris, mas por ser um daqueles momentos que desafiam a nossa noção de civilização. Que tipo de pessoa realiza tal coisa? Que tipo de criaturas produzem tamanho horror de forma proposital?

Para muitos, a execução do Cidadão Damiens foi um dos pontos mais baixos da história humana. O equivalente em pequena escala ao Holocausto e aos Campos da Morte. Um momento em que deliberadamente não se matou uma pessoa, mas se vitimou a humanidade como um todo. Eles fizeram o que fizeram, por que podiam, e por que ninguém fez nada para pará-los.

O crime de Damien foi agredir o Rei Luis XV e feri-lo com um canivete. Damiens, era um humilde serviçal doméstico que trabalhava no Colégio Jesuíta de Paris. Até então, contaram as pessoas que o conheciam, ele jamais havia dado sinal de ser um indivíduo violento. Mas o que o levou a atacar o homem mais poderoso da França? Alguns acreditam que ele era membro dos Jansenitas, uma seita cristã tratada como herética e que criticava abertamente a monarquia e seus excessos. Para alguns, ele tinha problemas mentais e interpretou equivocadamente as palavras de um pastor em seu sermão.  Acreditava que matasse o Rei, iria para o paraíso. Seja com for, não há dúvidas de que ele agrediu o monarca, ainda que alguns levantem suspeitas de que sua intenção não era matá-lo. Após o ataque desajeitado, Damiens foi capturado e levado para uma masmorra. Lá foi torturado para que revelasse o nome de possíveis comparsas. Torturado com pinças em brasa, ele jurou que havia agido sozinho e que não era parte de uma conspiração. Terminaram acreditando nele. 

Logo após o ataque houve muitos rumores desencontrados. Alguns acharam que o monarca corria risco de vida em face do ferimento, tanto que um padre foi trazido para dar a Extrema Unção. Médicos foram chamados para tratar de seu ferimento e por alguns dias chegaram a achar que o Rei estava entre a vida e a morte. Na verdade, o ataque produziu apenas um corte superficial em Luis XV. O casaco grosso que ele usava na ocasião serviu para desviar a lâmina e fazer com que ela meramente arranhasse seu peito.

O Parlamento de Paris acusou o réu de "Tentativa de Regicídio", uma transgressão tão ofensiva e grave que, segundo os promotores, merecia uma punição à altura. Não houve julgamento ou inquérito formal, as testemunhas deixaram claro que ele era culpado. E se as testemunhas não fossem suficientes, a versão dada pelo Rei não deixava dúvidas de que o homem preso na Masmorra era responsável pelo ataque.

A sentença foi proferida: Damiens seria levado para a Place de Greve e lá despedaçado por cavalos.

A cerimônia de execução foi cuidadosamente planejada com semanas de antecedência. Os espectadores tiveram a oportunidade até de comprar lugares na primeira fila, bem diante do patíbulo que foi montado no centro da praça. Camponeses dormiam ao relento para garantir o melhor lugar e o vendiam por um valor equivalente a um mês de trabalho. A multidão esperada para assistir ao evento era tão numerosa que as autoridades cogitaram mudar o lugar para que todos pudessem assistir o aguardado suplício. A sede de sangue da população era tamanha que não se falava de outra coisa nos mercados e ruas de Paris. Decidiram manter a Place de Greve por considerar de mau gosto conduzir aquele espetáculo em outro lugar. 

Homens e mulheres com interesse em crueldade e perversidade, vieram de províncias distantes, viajando dias pelas estradas para chegar a tempo de testemunhar a execução. Era um assunto de estado para os franceses, mas isso não impediu que sádicos de outras nações viessem. Vários nobres e plebeus ingleses fizeram questão de atravessar o Canal da Mancha, entre os quais o baronete George Selwyn, que em suas próprias palavras "não perderia o espetáculo por nada". Selwyn viajou com a esposa, quatro filhos, duas filhas, genros, noras e netos além de uma entourage de criados. Ele era descrito pela filha mais nova como um pai gentil e amoroso. Um famoso Juiz italiano chamado Abruzzo também desejava estar presente e chegou a agendar viagem, mas ficou doente na véspera. Ele enviou uma carta a um primo distante que vivia nos arredores de Paris e pediu a ele que fosse em seu lugar e que tomasse notas de cada procedimento para depois lhe fazer um relato minucioso, "sem esquecer nenhum detalhe, do mais inocente ao mais vil".

Aparentemente, o Rei não estava de acordo com o espetáculo planejado. Ele não queria que Damiens fosse torturado na masmorra e não desejava que o suplício fosse prolongado ou que tivesse a participação do público. Luis XV, não estava satisfeito com nada daquilo, sobretudo por que tudo estava sendo feito em seu nome. Infelizmente as pessoas ao seu redor, nobres, legisladores e clérigos garantiam que aquela era a única maneira de salvaguardar a monarquia contra outros assassinos traiçoeiros. Uma demonstração à altura mostraria a todos que o Rei era inatingível e desencorajaria novas tentativas de assassinato. Até o último momento, o Rei tentou cancelar a realização daquele sangrento evento, mas nos últimos dias a coisa havia atingido uma repercussão tamanha que se fosse cancelado, a população poderia se revoltar. Contrariado, o Rei se trancou em seu palácio e dizem, quando enfim lhe contaram como transcorreu a execução, afundou em profunda depressão.

É interessante imaginar o que se passava na cabeça das pessoas que compunham os três estados que compunham o Ancient Regime. As mentes mais brilhantes do Iluminismo clamavam por uma resposta, bem como os nobres que queriam coibir revoltas. Os Religiosos diziam que era a maneira de proceder contra quem atentava contra o Governante Divino. A população estava faminta e ansiosa por um espetáculo macabro. Todos concordavam em um ponto: o réu deveria sofrer e nada seria considerado cruel demais nesse caso específico.

Escoltado de sua cela até uma carroça, Damiens teria dito assim que viu a saída: "O dia hoje será difícil" - estava certo! Ele foi levado pelos soldados até a Place de Greve sob uma chuva de frutas podres e xingamentos, passando lentamente através da multidão que lotava as ruas. A Gentlemans Magazine, uma publicação da época, descreveu cada momento do suplício em detalhes que fizeram a alegria de seus leitores. A revista em sua edição do mês vendeu como nunca.


O verdugo, um homem pitoresco chamado Charles Henri-Sanson - que no final da carreira contabilizava mais de 3 mil execuções, iniciou os procedimentos usando um instrumento chamado "boots" que comprimia as pernas de modo extremamente doloroso. Mas aquilo era apenas o início. A mão com a qual o agressor atentou o crime recebeu atenção especial: ela foi queimada com enxofre, cera quente, óleo fervente e chumbo derretido. Unhas arrancadas e cada osso das falanges feito em pedaços por marretas. Em seguida, pinças afiadas aquecidas em uma fornalha foram usadas para arrancar pedaços de carne da barriga e das costas de Damiens. A multidão urrava e aplaudia a cada momento do show grotesco, sobretudo quando bocados foram jogados para um grupo de cães de rua. O espetáculo durou mais de quatro horas com o executor deixando a vítima descansar e então recomeçando seu sangrento trabalho.

Finalmente o especialista decidiu que era o suficiente, temia que mesmo com todo seu conhecimento de anatomia, continuar seria perigoso e frustraria a platéia. Ele ordenou que quatro cavalos fossem trazidos junto com as cordas para serem amarradas nos pulsos e tornozelos da vítima. Uma grande ovação se seguiu a entrada dos grandes cavalos, cedidos por uma popular estrebaria de Paris. Sanson verificou se as cordas estavam bem presas e ordenou que os animais começassem a puxar em quatro direções diferentes. Os animais puxaram e puxaram, mas eles não conseguiram separar os membros do corpo, provavelmente porque os cavalos estavam muito assustados com os gritos da multidão.

Finalmente depois de quatro tentativas infrutíferas, o assistente de Sanson, um rapaz de 17 anos, sobrinho do executor, sugeriu cortar os tendões para facilitar o serviço.

"Está bem!" teria dito Sanson e mandou o rapaz ir buscar um machado. Um espectador que por acaso estava nas primeiras filas era um cirurgião e pediu permissão para se aproximar e demonstrar onde seria melhor fazer as incisões para desalojar os membros com maior facilidade. O cirurgião chegou a ser aplaudido pela turba enquanto mostrava como deveriam proceder. Fez inclusive uma propaganda de seu consultório na Rua de Liddy. Finalmente, através desse método eles tiveram sucesso. Os cavalos devidamente chicoteados puxaram com força e desmembraram braços e pernas que foram devidamente secionados. Um rugido pode ser ouvido em meio a multidão comemorando a "justiça"!

Alguns afirmam que Damiens ainda estava vivo, mesmo reduzido a torso e cabeça. E que ficou vivo enquanto se acendia uma pira onde onde o que havia restado dele seria queimado. Dizem até que ele demonstrou curiosidade ao ver a turba disputando braços e pernas arrancados pelos cavalos como troféus: "Aquela é minha perna? Aquele é meu braço?" teria perguntado.

Finalmente o espetáculo foi concluído, quase sete horas depois de se iniciar, quando o que havia restado enfim foi lançado em uma pira acesa para se transformar em cinzas dispersas pelo vento.


Diante de tudo que aconteceu, o famoso amante veneziano Giácomo Casanova, que assistiu a execução em um lugar privilegiado, escreveu em seu diário:

 "Todos pareciam enfeitiçados pelo espetáculo e assistiam por horas e horas (...) Em diversas ocasiões fui obrigado a olhar para o outro lado, fechar meus olhos e tampar meus ouvidos para não ver ou ouvir o que estava acontecendo. Não podia deixar meu lugar, pois a multidão não se movia um centímetro, alguns riram quando eu tentei evitar aquela visão infernal. Mesmo com metade do corpo de Damiens despedaçado, as pessoas pediam mais, mais, mais (...) Lambertini e Madame XXX, no entanto não moviam um músculo. Será que seus corações haviam endurecido de tal forma? Eles me contaram mais tarde, e eu fingi acreditar, que o seu horror era tamanho que eles não conseguiam dar vazão ao seu desejo de implorar pelo fim daquele tormento".

Outra coisa que chocou Casanova foi a presença de mulheres e crianças na platéia: "elas gritavam mais do que qualquer um, a cada corte e golpe desferido vibravam em satisfação". Segundo ele, algumas senhoras lançavam seus lenços sobre o patíbulo para que eles ficassem empapados de sangue, tornando-se assim itens valiosos, ligados diretamente à mais famosa execução que Paris jamais assistira.

Finalmente, terminado o espetáculo macabro, uma grande turba marchou até a casa de Demiens com intuito de saquear, destruir e finalmente incendiar o lugar até o chão. Na loucura, roubaram e incendiaram também as casas dos vizinhos. Os familiares de Demiens foram perseguidos, mas aparentemente conseguiram escapar, alertados de que a multidão poderia vir atrás deles. A maioria teve o bom senso de mudar de nome e deixar Paris. Distúrbios e quebra quebras se seguiram nos dias posteriores com assassinatos, estupros e agressões sendo cometidos impunemente. Qualquer um que dissesse estar comemorando a execução parecia ter um "salvo conduto moral" para participar da baderna. Um homem que tinha o sobrenome Damien - e que aparentemente não era parente do réu, quase foi linchado nas ruas alguns dias mais tarde. Um estrangeiro que chamou os franceses de bárbaros foi agredido e por pouco não morreu com o crânio despedaçado por uma garrafada. Paris estava alucinada pela violência e nada parecia ser capaz de saciá-la.

A sede de sangue continuava forte, era como se o rumor ainda pudesse ser ouvido: "Mais, mais, mais".

Por décadas a lembrança daquele dia sangrento e da bruma escarlate que desceu sobre a população, enlouquecendo a todos, continuou fresca na memória dos parisienses. Boatos sobre o fantasma desmembrado atravessaram as décadas, com rumores de que ele assombrava a Place de Greve. Até os cavalos usados na execução dizem, se tornaram amaldiçoados, tendo posteriormente provocado a morte de todos os seus donos em acidentes inexplicáveis. As cordas usadas para despedaçar o corpo de Damiens teriam sido usadas à bordo de um navio que afundou matando toda tripulação. O poderoso Robespierre que teria estado presente à execução de Demiens e que perdeu a cabeça na guilhotina, teria sonhado com o martírio do primeiro na noite anterior ao seu encontro com a "Mademoiselle Guilhotine".

Décadas se passaram e o pesadelo da execução continuava reverberando.


Contudo, a morte infernal de Demiens foi apenas o prelúdio do que estaria por vir na França depois de 1789. Morte, Sangue e Caos lavariam as ruas de Paris em uma torrente que resultaria na Revolução que derrubou o Regime e mudou o futuro da Nação para sempre. No fogo da revolta, o nome de Demians seria gritado pelos sans-culottes, enaltecido como de um revolucionário pioneiro que tentou assassinar o tirano. O primeiro revolucionário, alguns assim o chamaram. Curiosamente, a mesma população que vibrou com sua morte no patíbulo, alçaria seu nome à constelação dos Heróis da Revolução. 

O terrível acontecimento, chamado de "A mais terrível das mortes" inspirou teóricos e filósofos a escrever tratados condenando a tortura e a pena de morte de modo veemente. Até hoje, a execução é um líbelo contra a pena capital citado por juristas. De Cesare Beccaria a Michel Foucault, vários pensadores redigiram importantes trabalhos que ajudaram a ecoar o sentimento de repúdio diante das execuções públicas, tratadas doravante como um espetáculo cruel e despótico.

Mas quando cai a noite, o som ainda é ouvido nas ruas assombradas da Cidade Luz. O rugido de uma população que se entregou ao desejo de vingança no mais bizarro espetáculo lá encenado.

Mais, mais, mais...

domingo, 23 de outubro de 2016

Das Estrelas para as profundezas - Restos da Explosão de uma Supernova encontrados no Mar

Em algum momento, há aproximadamente 2,6 milhões de anos atrás, uma estrela explodiu a 300 anos luz de distância da Terra. Após essa violenta explosão, nosso Sistema Solar se moveu lentamente através dessa área com detritos, e pequenas partículas de poeira cósmica que adentraram em nossa atmosfera mergulhando em nossos oceanos a uma velocidade inconcebível. A composição química dessa poeira estelar deveria ter se dissipado, mas um cientista passou os últimos anos varrendo o leito submarino à procura de restos dessa supernova.

Muitos achavam impossível localizar alguma coisa.

Mas ele não apenas teve sucesso, como também conseguiu determinar exatamente como ela foi preservada por milhões de anos e de onde ela teria vindo.

Em uma nova tese, publicada pela Academia Nacional de Procedimentos Científicos, Shawn Bishop, um astrofísico alemão da Universidade Técnica de Munique, detalhou os resultados preliminares de seu extensivo estudo a respeito de bactérias fossilizadas coletadas do fundo do mar.


Nessas antigas amostras de bactéria, Bishop encontrou traços de Ferro-60 (60 Fe), um isótopo radioativo produzido apenas quando a massa de uma estrela explode. 60 Fe é uma substância que não existe na Terra, ela não está listada na Tabela Periódica. Ela tem uma existência muito curta em nossa atmosfera, se desintegrando após um breve período de tempo, portanto não deveria existir nenhum traço dele no planeta. Ainda assim, traços da substância foram descobertos por Bishop na crosta do Oceano Pacífico em 2004.

A teoria de Bishop é que os detritos da supernova se dissolvem rapidamente em um meio carregado de oxigênio, mas formam uma espécie de ferrugem que fica depositada no fundo do oceano. Uma vez lá, essa substância foi consumida por bactérias, formando cristais de magnetita - compostos de ferro e oxigênio - dentro de suas células. Mesmo que a bactéria esteja morta há muito tempo, esses cristais magnéticos e seus ingredientes de supernova, continuam inseridos dentro do fóssil.

Usando um Espectrômetro Acelerador de Massa (AMS) para examinar os sedimentos do fundo do Oceano Pacífico, Bishop foi capaz de contar átomos individuais de cristais 60 Fe, e calcular que os átomos vieram de uma supernova que explodiu por volta de 2,6 milhões de anos atrás, e posteriormente nosso sistema solar levou 800,000 anos para atravessar seus restos.

Imagine um automóvel correndo na direção de uma tempestade de areia, com pequenos fragmentos sendo arremessados com enorme velocidade contra o painel. A velocidade desses fragmentos seria tão grande que um simples grão poderia estilhaçar o vidro. Durante uma explosão, milhões de fragmentos são propelidos a uma velocidade de 3,000 milhas por segundo - algo em torno de 4,828,032 km por segundo!


De acordo com seus estudos, as partículas teriam vindo do Aglomerado Scorpius-Centaurus um dos grupos de estrelas mais próximos de nosso Sol. Várias estrelas entraram em estágio de supernova nesse aglomerado em nossa história recente, dispersando matéria através dos sistemas próximos e criando um vazio nessa área de espaço.

No curso de 10 a 15 milhões de anos - o que em termos cósmicos é praticamente, nada, uma sucessão de 15 a 20 supernovas ocorreram nesse Aglomerado. Essas explosões produziram uma área vazia, sem a presença de matéria, em um braço da Via-Lactea. Astrônomos estudando essa área, na qual nosso sistema solar está associado, a chamaram de "A Bolha Local".

Muito bem, tudo muito impressionante, mas isso nos leva a questões preocupantes a respeito dos efeitos dessa explosão em nosso planeta. Qual seria o resultado caso outra estrela próxima entrasse em Supernova?

"Devastador é a palavra mais adequada", explica Bishop.

Sem dúvida, explosões como a essa teriam um efeito dramático em nosso planeta. De fato, se nós estivéssemos a 30 anos luz ou menos dessa explosão, provavelmente não estaríamos tendo essa conversa. Um evento cósmico dessas proporções, sem dúvida, terminaria com a vida em nosso planeta e condenaria todas as formas de vida a uma extinção imediata. Há 300 anos luz, os efeitos puderam ser sentidos, mas em menor escala e de uma forma bem menos dramática.

E uma última consideração para aqueles que ainda não se sentiram ameaçados pela nossa insignificância cósmica:

"Vai acontecer de novo! Isso é certo." afirma Bishop com uma inabalável certeza. "O ciclo de vida e morte no cosmos se sucede e inclui as estrelas, tudo tem uma duração determinada. Haverá um momento em que estrelas próximas, ocupando esse mesmo aglomerado, entrarão em estágio de supernova e nós sentiremos os efeitos diretos disso. Mas nada será comparado ao dia em que nosso próprio sol passar por tudo isso". 

Nesse caso, prepare-se para  pior dia de sua vida.



*     *     *

Aquele momento em que Azathoth boceja...


quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Som de Flautas - Anatomia dos Servos dos Deuses Exteriores


Este artigo é uma continuação da postagem sobre Azathoth. Se você não leu a respeito, dê uma lida lá para pegar o fio da meada.

O todo poderoso Azathoth, a entidade conhecida como Sultão Demoníaco que reina absoluta no Centro do Universo não é capaz de agir por conta própria. Destituído de uma mente consciente, é dito que ele não possui qualquer vestígio de inteligência racional. A ironia de que o mais poderoso ser do universo é incapaz de tomar decisões e existir por conta própria é apenas uma prova da indiferença que rege tudo que existe no cosmos.

Como já foi dito, Nyarlathotep atende aos anseios e desejos prementes de Azathoth. Tratado como a Alma e o Mensageiro dos Deuses Exteriores, é ele quem coordena todos os esforços no sentido de manter Azathoth satisfeito e saciado, do contrário poderiam surgir enormes repercussões. Mas mesmo um ser quase infalível como Nyarlathotep conta com uma entourage de serviçais para auxiliá-lo nesta árdua tarefa.

Pouco se sabe a respeito dessas criaturas que servem Azathoth, e de fato, todos os Deuses Exteriores. Eles são uma raça única de seres disformes com características batráquias que por vezes se diferem uns dos outros de tal forma que mal parecem ser da mesma espécie. Ainda assim, há elementos suficientes indicando que todos os Servos do Deuses possuem uma origem comum. Infelizmente essa descendência constitui um grande mistério, sobre o qual alguns estudiosos dos mitos ancestrais se debruçaram, tentando esmiuçar fatos, mas dos quais emergiram apenas com mais dúvidas.


Abdul Al-Hazred, o notório árabe louco, cita os Servos brevemente em seu Necronomicon, dedicando a eles apenas alguns breves parágrafos, talvez por considerá-los como seres desprezíveis na Corte Cósmica, já que aos seus olhos atuam como meros servos do Caos Primordial e de seus comensais. Diz o iemenita no seu tratado blasfemo que o Sultão possui um séquito interminável de seres repulsivos, semelhantes a lulas ou polvos terrestres, com traços de anfíbios ou répteis que desempenham várias funções inferiores, cumprindo o papel de subalternos da Corte. Alhazred afirma que a função principal desses servos sem nome é soprar suas flautas e produzir o som malfazejo que ecoa pela corte como uma espécie de canção de ninar enlouquecedora. O árabe falha em explicar o que é a tal música - ou propositalmente não tenta fazê-lo, limitando-se a afirmar que o som é produzido por instrumentos de sopro semelhantes, mas não exatamente iguais a flautas. A natureza dessa ressonância cósmica é matéria de debate, seria ele realmente algo similar aos sons que estamos acostumados a ouvir e produzir ou seria algo inteiramente diverso?

Caius Faber, o tradutor do pérfido Livro de Dzyan menciona em sua versão, intitulada Liber Ivonis, que a "Música das Esferas" como ele a chama é como um monótono ruído produzido por centenas, talvez milhares de flautas tocando em uníssono criando uma entoação que não pode ser compreendida como música, e sim uma cacofonia absurda. Faber afirma que esse som afeta a mente humana de tal maneira que alguns poucos segundos de exposição a perversa ária é suficiente para levar à inconsciência, e talvez conduzir à loucura.

Contudo, não foi um escritor, tampouco um ocultista, quem tentou mais ambiciosamente explicar a natureza da música dos Servos, foi muito acertadamente um músico. Benvenutto Chieti Brodighera, um maestro italiano que viveu no século XVIII tentou traduzir a música para um concerto épico que ele chamou de Massa di Requiem per Shuggay. Tida como virtualmente impossível de ser reproduzida de modo fidedigno, Brodighera chegou a criar instrumentos musicais capazes de repetir os ruídos desconexos que ele incluiu na sua ópera. Considerado em sua época um louco, o maestro jamais conseguiu apresentar o espetáculo no qual trabalhou por décadas. Alguns teóricos acreditam que se um dia a Massa di Requiem for executada de maneira correta, Azathoth será invocado para a Terra através de um portal dimensional. Se essa presunção é verdadeira, as poucas partituras sobreviventes da ópera maldita representam uma grave ameaça, sobretudo por que, segundo boatos, algumas folhas com a notação musical foram leiloadas em um concorrido leilão da Casa Christie.


Mas voltemos a discutir a natureza dos enigmáticos Servos dos Outros Deuses.

Cabe novamente a Caius Faber definir as criaturas como uma raça que segundo ele teria sido criada, ou ao menos compelida por Nyarlathotep a se tornar subserviente. Faber supõe que os Servos sem nome pertenceriam a uma raça ancestral, tão antiga quanto o próprio universo, coagida pelo poder do Caos Rastejante a servir por toda eternidade. De onde Faber tirou essas noções é um mistério, mas por muito tempo ele se mostrou como um dos maiores especialistas em tais criaturas, sobre as quais a grande verdade é, sabe-se muito pouco.

Segundo Faber, os Servos dos Deuses Exteriores teriam recebido algum tipo de benção de Nyarlathotep que os tornou extremamente resistentes à insalubre função de servir a Azathoth. Onde outros seres seriam facilmente pulverizados pela radiação que emana do Sultão Demoníaco, os Servos perduram com uma resistência inabalável. Nem o calor e nem o frio extremos parecem surtir qualquer efeito contra eles, o que lhes permite se aproximar de Azathoth e da mesma maneira sobreviver ao gélido vácuo espacial. Talvez essa resistência seja uma dádiva de Nyarlathotep, mas também é possível que seja nada mais do que uma vantagem natural destes estranhos seres. Seja como for, a matéria que compõe os corpos dos Servos os torna imunes às vicissitudes da maioria das forças do universo. Os Servos podem suportar colossais impactos, quedas, choques e poderosas descargas de energia, nada disso parece vilipendiar seus corpos. A pele limosa e a carne esponjosa absorvem todas essas agressões sem demonstrar sinal de ferimento. De fato, quando invocados, alguns destes seres despencam do céu, chocando-se com o solo sem que sejam afetados pela queda. Da mesma forma, se convocados da Corte, adentram nossa realidade com o corpo em temperatura tão alta que constituem um perigo a quem estiver próximo.

São provavelmente imortais por idade, não envelhecem ou contraem doenças degenerativas. Igualmente não carecem de respirar, excretar ou se alimentar, funções básicas à maioria dos seres vivos. Faber insiste que o presente de Nyarlathotep os tornou imunes a tudo, menos a distância de seu Senhor. Ele sugere que tais seres se alimentam das emanações radioativas de Azathoth, estabelecendo com ele uma relação de mutualismo. Eles servem seu amo e senhor, recebendo como recompensa um sustento que só ele pode prover. Se isso é verdade ou não, ninguém sabe. Da mesma maneira, aqueles que acompanham outros Deuses Exteriores também estabelecem com estes uma simbiose ou parasitismo de onde extraem sustento. 

Apesar de incrivelmente robustos, os Servos dos Deuses Exteriores podem ser feridos ou mesmo destruídos.

Magia e objetos imbuídos com capacidades mágicas surtem efeito nessas criaturas e são capazes de matá-los. É no mínimo peculiar que nenhuma arma concebida pelo homem, mesmo as mais letais, sejam capazes de causar ferimentos nos Servos, contudo uma simples lâmina propriamente encantada pode cortar através de sua pele e lacerar sua carne esponjosa com relativa facilidade. Poeiras místicas e símbolos de poder, como o famoso Símbolo Ancestral (Elder Sign), também podem ferir essa aberração deixando queimaduras quando em contato com ele. Feiticeiros e invocadores preparam um estoque de tais itens encantados quando precisam lidar com Servos. O mago real John Dee supostamente jamais os invocava sem trazer em volta do pescoço 21 amuletos consagrados com o Símbolo Ancestral. Não obstante sua vulnerabilidade à magia e encantos, os Servos possuem uma notável capacidade regenerativa que lhes permite superar danos sofridos em poucos minutos.

Engana-se também aquele que julga os Servos como seres mentalmente inferiores ou ineptos. Os Servos são dotados de uma apurada inteligência que os coloca em grau de igualdade com os seres humanos. Eles são perfeitamente capazes de negociar, racionalizar e se preciso bajular e servir outros mestres. Muitos Servos são adeptos das Ciências Ocultas e capazes de organizar Cultos visando a adoração aos seus Mestres. Não se sabe de seres como estes que possuam seus próprios cultos, contudo a possibilidade não pode ser afastada. Alguns Sectos possuem Servos dos Deuses Exteriores como parte da congregação, membros valiosos que participam de Rituais religiosos ativamente. São ainda Guardiões de Templos, Protetores de Cofres contendo Tesouros ou importantes realizadores de prodígios místicos uma vez que conhecem feitiços e encantos. O Culto de Cthulhu na Louisiana e os seguidores de Nephrem Ka, no Egito Antigo, por exemplo, contaram com Servos em suas fileiras.

Fisicamente os Servos dos Deuses Exteriores são uma visão abominável. Seu corpo parece uma massa de pele e carne pustulenta de coloração verde acinzentada, ou cor de cobre em alguns casos. Essa massa pulsa e se move constantemente com dezenas de longos tentáculos esticando e se recolhendo ao mesmo tempo. Estes tentáculos são extremamente sensíveis e cada um é capaz de desempenhar funções táteis simultâneas. Além de hábeis, eles são muito fortes, sendo que um tentáculo é capaz de facilmente equiparar a força física de um homem adulto. Quando mais de um tentáculo agarra uma presa, eles são capazes de apertar com força suficiente para despedaçá-la membro por membro. Vítimas de Servos frequentemente são encontradas com ossos pulverizados por constrição, membros arrancados e partes do corpo irremediavelmente estraçalhadas. Os tentáculos também são usados na importante tarefa de tocar as "flautas" que estes seres sempre carregam consigo.

Servos se deslocam rolando sobre a base de seu próprio corpo em um movimento que imita um rastejar. Ao fazê-lo deixam um rastro de uma substância lodosa que facilita sua progressão reduzindo o atrito com o solo. Há testemunhos, entretanto, de Servos saltando grandes distâncias impulsionados por seus musculosos tentáculos. Também não é estranha a noção de que tais seres são capazes de alçar voo, ainda que essa modalidade de movimento seja vista mais raramente.


Acima dos tentáculos que se concentram na parte posterior, os Servos possuem uma espécie de tórax fundido a uma cabeça bulbosa e sólida. Nessa grande cabeça se destacam três pares de olhos baços e possivelmente cegos e quatro fossas auriculares que fornecem a eles uma audição muito apurada usada como principal meio sensorial. A boca dessas criaturas é estreita e ovalada, se encaixando perfeitamente na embocadura da flauta que é soprada. A potência desse sopro não pode ser medida por nenhum padrão humano, em termos de tempo um Servo pode executar a mesma música por dias sem precisar tomar novo fôlego. A boca dos Servos não é usada para falar, e embora eles possam aprender diferentes idiomas preferem se comunicar através de sons produzidos pelas suas flautas.

As flautas são uma parte importante dos Servos e até onde se sabe eles jamais são vistos sem carregar esses formidáveis instrumentos. Feitos de uma liga metálica desconhecida e virtualmente indestrutível, as flautas não podem ser avariadas nem mesmo por encantamentos que afetam seus portadores. Uma informação vital a respeito desses objetos é que eles não podem ser reclamados como tesouros por aqueles que por ventura as retiram de um Servo. Nos raros casos em que tal coisa ocorre, os portadores foram encontrados mortos, vítimas de outros Servos que os rastrearam e reclamaram o artefato das mãos de quem o usurpou. John Dee supostamente conseguiu sobreviver a essa "visita", mas teve de abrir mão da Flauta que tinha em seu poder sabendo que não teria descanso se a mantivesse consigo.

As flautas não foram feitas para serem sopradas por seres humanos. Aqueles que tentam fazê-lo são incapazes de produzir qualquer som. Especula-se que terríveis maldições e toda sorte de doença transmissível recai sobre aqueles que tentam soprar esses objetos pestilentos.

Servos dos Deuses Exteriores são seres incomuns e difíceis de serem descritos em termos humanos. São escravos de Azathoth e só isso diz o bastante sobre sua natureza. Aqueles que lidaram com tais criaturas, ao menos os sábios, o fizeram com extrema cautela e mesmo estes sabiam do risco inerente.


A palavra final recai sobre Faber que no feitiço de invocação desses seres dispõe o seguinte: 

"Jamais lhes dê as costas, jamais confie neles, jamais ouse pensar que você está no controle quando lidar com os Servos dos Deuses Exteriores. Tenha em mente o que eles são e o que representam. Tais seres são tão antigos quanto o Universo e servem entidades colossais. Jamais cometa a arrogância de acreditar que por se sujeitarem a estas forças cósmicas, eles também se sujeitarão a você."

The Sound of Flutes - The Servitors of the Outer Gods


This article is a sequel to the post about the fearsome Outer God Azathoth.

Azathoth, the all-powerful Entity, known as the Demon Sultan, reigns supreme in the Center of the Universe, unable to act on its own. Deprived of a conscious mind, it is said that it has no trace of rational intelligence. The irony that the most powerful being in the universe is incapable of making decisions and exists by itself, is only a proof of the indifference that rules everything in the cosmos.

It is up to Nyarlathotep, the Crawling Chaos, to fulfill the pressing desires of Azathoth. Treated as the Mind and Soul of the Outer Gods, he is the Herald who coordinates all efforts to keep Azathoth satisfied, otherwise great repercussions could emerge. But even an almost infallible being like Nyarlathotep has an entourage of servants to help him in this arduous task.

Little is known about the creatures that serve Azathoth, and indeed, all the other mindless Deities. They are a unique breed of misshapen beings with batrachian traits that sometimes differ from each other in such a way they hardly appear to be of the same species. Still, there are sufficient elements indicating the Servitors of the Gods have a common origin. Unfortunately, this offspring is a great mystery, over which some scholars of the ancient myths tried to know about, but from which they have emerged only with more doubts.



Abdul Al-Hazred, the famous Mad Arab, briefly quotes the Servants in his Necronomicon, giving them a few words, perhaps considering them as despicable beings in the Cosmic Court, since in their eyes they are mere servants of the Primordial Chaos. . The Yemenite says in his blasphemous tone that the sultan possesses a vast array of repulsive beings, similar to squid or toads, but also with traces of hideous reptiles, who perform various menial functions, fulfilling the role of subalterns of the court. Alhazred states that the main function of these nameless servants is to blow their flutes and produce the malicious sound that echoes across the center of the universe as a kind of maddening lullaby. The Arab cannot explain what a song like that is - or purposely does not try to do it, just by stating that the sound is produced by similar wind instruments, but not quite like the flutes. The nature of this cosmic resonance is a matter of debate; would it really be something similar to the sounds we are accustomed to hear and produce or would it be something completely different?

Caius Faber, the translator of the insidious Book of Dzyan mentions in his version, entitled The Liber Ivonis, that this "Music of the Spheres" as he calls it, is like a monotonous sound produced by hundreds, perhaps thousands of flutes playing in unison, creating an intonation that can`t be understood as music, but an absurd cacophony of bizarre sounds. Faber states that this noise affects the human mind in such a way that a few seconds of exposure to this perverse aria, is enough to lead to unconsciousness, and perhaps to utter madness.

However, it was not a writer, nor an occultist, who attempted more ambitiously to explain the nature of the Servitor's music, but a very skilled musician. Benvenutto Chieti Brodighera, an obscure Italian maestro, who lived in the eighteenth century tried to translate the Music of the Spheres to an epic concert that he called Massa di Requiem per Shuggay. Considered as virtually impossible to reproduce in a reliable way, Brodighera created even musical instruments, capable of repeating the incoherent noises included in his opera. Considered as a madman, the musician never could present the spectacle in which worked for decades. Some theorists believe that if one day Massa di Requiem is performed correctly, Azathoth will be invoked to Earth through a dimensional portal. If this presumption is true, even the few surviving scores of the cursed opera pose a serious threat, especially since, according to rumors, some sheets with musical notation were auctioned at the famous Christies of London.

But let’s discuss the nature of the enigmatic Servitor of the Outer Gods. It is again up to Caius Faber to define the creatures as a race he believed to have been created, or at least compelled by Nyarlathotep to become subservient.

Faber supposes that the nameless Servitors would belong to an ancestral race, as old as the universe itself, coerced by the power of Crawling Chaos to serve for all eternity. From where Faber drew these notions is a mystery, but for a long time he proved himself to be one of the greatest experts in such creatures, of whom, the great truth is, little is known.

According to Faber, the Servitors of the Outer Gods would have received some kind of blessing from Nyarlathotep which made them extremely resistant to the unhealthy function of serving Azathoth. Where other beings would be easily pulverized by the radiation emanating from the Demon Sultan, the Servitors endure with unshakable resistance. Neither the extreme heat nor the cold seems to have any effect on them, which allows them to approach Azathoth and in the same way survive the frozen space vacuum. Perhaps this resistance is a gift from Nyarlathotep, but it is also possible that it is nothing more than a natural advantage of these strange beings. Be that as it may, the matter that makes up the bodies of the Servitor makes them immune to the vicissitudes of most forces of the universe. The Servitors can withstand colossal impacts, falls, shocks, and powerful discharges of energy, none of these seem to vilify their bodies. The spongy-flesh absorbs all these aggressions without showing signs of injury. Indeed, when invoked, some of these beings fall from the sky, colliding with the ground without being affected by the fall. In the same way, if summoned by the Court, they enter our reality with the body in such a high temperature that constitutes a danger to anyone close.


They are probably immortal, do not age or contract degenerative diseases. They also do not need to breathe, excrete or feed; basic functions to most living things. Faber insists that Nyarlathotep's gift made them immune to everything but the distance from their master. He suggests that such beings feed on the radioactive emanations of Azathoth, establishing with him a relationship of mutualism. They serve their lord and master, receiving as reward a sustenance that only he can provide. Whether this is true or not, no one knows. In the same way, those who accompany other Outer Gods also establish with them a symbiosis or parasitism from which they extract sustenance.

Though incredibly robust, the Servitors of the Outer Gods can be injured or even destroyed.

Magic imbued objects with enchanted abilities have an effect on these creatures and are capable of killing them. It is at the very least peculiar that no man-made weapon, even the most lethal, is capable of causing injury to the Servants, yet a simple but properly enchanted blade can cut through its skin and lacerate its spongy flesh with relative ease. Mystic dusts and symbols of power, such as the famous Elder Sign, can also injure this aberration causing caustic burns when in contact with it. Wizards and conjurers prepare a stock of such enchanted items when they need to deal with Servitors. The occultist John Dee invoked them using nothing less than 21 consecrated talismans with the Elder Signs. Notwithstanding their vulnerability to magic and charms, the Servitors have a remarkable regenerative ability that allows them to overcome damage suffered in a few minutes.

It`s also a mistake believe the Servitors are mentally inferior or inept beings. The Servitors are endowed with an intelligence that puts them in a level of equality with the human race. They are perfectly capable of negotiating, rationalizing, and fawning and serving other masters. Many of these creatures are adherents of the Occult Sciences and capable of organizing Cults for the worship of their Masters. One does not know of beings like these that own their own cults; however the possibility cannot be removed. Some Sects have Servitors of the Outer Gods as part of the congregation, valuable members who actively participate in Religious Rituals. They are still Temple Guardians, Treasure Guards containing Treasures or important achievers of mystical wonders once they know spells and charms. The Cthulhu Cult in Louisiana and the followers of Nephrem Ka in Ancient Egypt, for example, enlisted Servants in their ranks. Physically the Servitors of the Outer Gods are an abominable sight. Your body looks like a mass of skin and pustular flesh of greyish-green coloration, or copper color in some cases. This mass pulsates and moves constantly with dozens of long tentacles stretching and retreating at the same time. These tentacles are extremely sensitive and each is capable of performing simultaneous tactile functions. Besides being adept, they are very strong, and a tentacle is able to easily equate the physical strength of an adult man. When more than one tentacle grabs a prey, they are able to squeeze it hard enough to shatter it limb by limb. Servant casualties are often encountered with constricted bones, torn limbs and irreparably shattered parts of the body. The tentacles are also used in the important task of playing the "flutes" that these beings always carry with them.

Servants move rolling on the base of their own body in a motion that mimics a crawl. In doing so they leave a trail of muddy substance that facilitates its progression reducing friction with the soil. There are testimonies, however, of Servitors jumping great distances driven by their muscular tentacles. Nor is it strange that such beings are capable of taking flight, although this mode of movement is rarely seen.


Above the tentacles that focus on the back, the Servitors have a kind of thorax cast to a bulbous solid head. In this great head stand out three pairs of dull and possibly blind eyes and four atrial fossae which give them a very sharp hearing used as the main sensory medium. The mouth of these creatures is narrow and oval, fitting perfectly into the mouth of the flute that is blown. The power of this breath cannot be measured by any human standard; in terms of time a Servitor can perform the same music for days without needing to take any further breath. The Servitor's mouth is not used to speak, and although they may learn different languages they prefer to communicate through sounds produced by their flutes.

Flutes are an important part of the Servitor, and so far as they are known, they are never seen without bearing these formidable instruments. Made of an unknown and virtually indestructible metal alloy, the flutes cannot be damaged even by incantations that affect their wearers. Vital information about these objects is that they cannot be claimed as treasures by those who willfully remove them from a Servitor. In the rare cases where such a thing occurs, the bearers were found dead, victims of other Servitor who tracked them and reclaimed the artifact from the hands of the usurper. John Dee was supposed to survive this "visit," but he had to give up the Flute he had in his possession, knowing he would have no rest if he kept it with him.

The flutes were not meant to be blown by humans. Those who try to do so are unable to produce any sound. It is speculated that terrible curses and all manner of communicable disease fall upon those who attempt to blow these pestilential objects.

Servitors of the Outer Gods are unusual beings and difficult to describe in human terms. They are slaves to Azathoth, and that alone tells you enough about their nature. Those who dealt with such creatures, at least the wise, did so with extreme caution, and even they knew of the inherent risk.


The final word about these beings rests with Faber who in the invocation spell explains the following: 

"Never turn your back on them, never trust them, never dare to think that you are in control when dealing with the Servitors of the Outer Gods, keep in mind what they are and what they stand for. Never assume the arrogance of believing that by submitting to these cosmic forces they will also submit to you. "