quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

A Cabeça do Hominídeo - A maior e mais controversa descoberta de Waterton


Uma questão interessante é quantos itens coletados por expedições científicas, sejam elas arqueológicas, geográficas ou antropológicas, permanecem ocultos em coleções empoeiradas nos porões de museus. 

É um fato que desde o momento em que o as pessoas começaram a explorar o planeta, elas se interessaram em trazer de volta de suas viagens espécimes e curiosidades. E muitos destes itens provavelmente continuam tão misteriosos e enigmáticos quanto no dia em que foram obtidos.

Um exemplo disso é um suposto espécime trazido de uma região selvagem do planeta e que tem sido objeto de discussão e especulação desde sua apresentação. Trata-se da cabeça de uma espécie de primata único, encontrado nas selvas da Guiana. Ao longo das décadas, ele se converteu em um símbolo no mundo da criptozoologia especulativa, um ramo controverso que se dedica a estudar animais peculiares cuja própria existência está aberta ao debate.

No século XIX, um rico e excêntrico naturalista e explorador britânico chamado Charles Waterton viajava pelo mundo colecionando uma mistura eclética de espécimes animais. Usando suas formidáveis habilidades em taxidermia (a arte de empalhar animais) ele criou exibições em sua mansão, Walton Hall, que aos poucos se converteu em um tipo de museu para o estranho e macabro. Waterton foi, segundo a maioria das pessoas que o conheceram um sujeito esquisito, famoso pela sua incrível capacidade de surpreender seus amigos com brincadeiras e façanhas bizarras. 

Por exemplo, ele mandou confeccionar um traje com a pele de um imenso lobo que ele próprio teria abatido durante uma caçada em Suffolk. Waterton usava esse traje, que ele chamava de "terno do lobisomem" (Werewolf Suit), e quando o fazia costumava correr atrás de seus convidados uivando e rosnando. Em certa ocasião ele teria derrubado um amigo e mordido sua panturrilha com tanta força que chegou a  provocar um ferimento. Em outra ocasião, durante uma festa, ele simulou o próprio enforcamento, pendurando-se no segundo pavimento de sua mansão com uma corda falsa no pescoço. Todos que viram a encenação assumiram que Waterton havia cometido suicídio e apenas quando os chocados convidados se aproximaram, perceberam que tudo aquilo não passava de um truque de péssimo gosto. Os amigos do excêntrico milionário também relatavam como ele costumava se disfarçar de mordomo, condutor de carruagem e valete para ouvir as conversas particulares. Dizem que para esse fim, usava elaboradas maquiagens, chegando ao ponto de disfarçar a voz e criar sotaques.

Quadro de Charles Waterton na Academia Real de Geografia
Uma de suas mais estranhas proezas teria sido organizar uma palestra na Sociedade Geográfica na qual pretendia descrever suas experiências explorando os céus em uma "máquina voadora movida a vapor" que o levaria até o espaço onde ele coletaria a matéria das estrelas como prova de seu feito. A palestra foi cancelada quando a Sociedade descobriu que ela não passava de outra brincadeira.

Entretanto, a despeito de seu humor peculiar, Waterton era muitíssimo respeitado pelos seus feitos acadêmicos no campo da História Natural, Botânica e Zoologia. Alguns de seus trabalhos catalogando novas espécies eram tão completos que seu nome chegou a ser considerado para a Direção da Academia Real de Geografia, uma das instituições mais sérias da época. 

Em 1804, Waterton decidiu viajar para a América do Sul onde seu tio possuía vários negócios e propriedades. Ele também pretendia realizar explorações e coletar vários espécimes da vida selvagem. O naturalista esteve no Brasil, onde participou de diversas expedições nas quais recolheu uma infinidade de insetos, em especial borboletas que ele avidamente catalogou em seus registros. A maior parte de seu tempo entretanto ele passou na região pouco explorada da Guiana (na época chamada de Guiana Inglesa, uma colônia britânica no continente) onde se concentrava o grosso dos negócios de seu tio. Ao retornar, Waterton levou consigo inúmeros animais exóticos, pássaros e mamíferos empalhados para abrilhantar sua já vasta menagerie

Entre 1812 e 1824 ele realizou várias outras jornadas e expedições com destino a áreas não mapeadas da Guiana, sempre recolhendo uma fartura de espécimes animais devidamente abatidos e empalhados. Ele havia desenvolvido uma técnica única de taxidermia, na qual empregava um derivado do mercúrio para endurecer a pele e mantê-la com um aspecto vivo. Com isso ele criava verdadeiros simulacros dos animais que conseguia caçar. O que nos leva a uma das peças mais bizarras de sua coleção, uma incomum cabeça pertencente a uma criatura semelhante a um primata que Waterton simplesmente catalogou como "Espécie desconhecida".

Uma das muitas façanhas de Charles Waterton, montar um jacaré.
A origem desse espécime em particular foi relatada por Waterton em seu diário pessoal no ano de 1825. Essas anotações e memórias chamada de "Andanças pela América do Sul" se converteram em um trabalho muito conhecido que teria capturado a imaginação do jovem Charles Darwin. Durante uma jornada, a expedição alegadamente ouviu de nativos histórias a respeito de um humanoide peculiar que vivia em uma região isolada da selva. O animal era coberto de uma pelagem grossa de coloração dourada e de uma cauda preênsil, mas o que mais chamava a atenção nele é que tinha uma face incrivelmente humana. Os nativos haviam visto o animal em algumas raras ocasiões e o consideravam um ser mágico, pela sua extrema inteligência. Alguns diziam que ele era dotado de tanta inteligência que podia articular palavras. Fascinado pela história, Waterton organizou uma expedição cujo propósito era encontrar e capturar o primata.

A expedição percorreu a região descrita pelos nativos e sua busca pelo misterioso primata consumiu quase três semanas.  Finalmente o grupo avistou a criatura e um dos membros assustado pelo que viu disparou um tiro fatal que o derrubou. Quando a expedição se deparou com o animal que estava segundo testemunhas ereto, olhando com curiosidade para o grupo, o choque foi considerável. Ele era diferente de qualquer primata que já haviam visto e Waterton tratou de preservar a carcaça da melhor maneira possível. Ele escreveu em seu diário:

"Jamais encontrei um animal que causasse tanta sensação e surpresa. Em minha opinião trata-se de uma descoberta notável, não apenas pela singularidade do espécime, mas pelo fato de que sua face incrivelmente humana suscita dúvidas a respeito de sua origem e natureza e levanta questões sobre a própria origem e natureza do ser humano. Ele era um animal de médio porte, infelizmente dadas as condições de deterioração, não consegui preservar o espécime por inteiro e tive de me dedicar à cabeça e ombros, que eu removi e pretendo levar comigo para a Europa".

"Espécime Desconhecida"
Uma vez que o espécime parecia tão incrivelmente humano, apesar do cabelo corporal, todo tipo de teoria começou a surgir a seu respeito. Uma delas afirmava que Waterton havia matado um nativo pigmeu, coberto o cadáver com pelo e empalhado o conjunto para parecer uma espécie singular. Waterton repudiava essa versão, afirmando que haviam testemunhas capazes de corroborar em que condições o animal havia sido abatido. Ele defendia que a criatura era uma espécie de primata de alta inteligência, muito superior a qualquer outro espécime conhecido.

Waterton ficou tão entusiasmado com a descoberta que encerrou sua estadia na Guiana e agendou seu retorno em um dos primeiros vapores com destino a Inglaterra. No processo de partir, ele subornou agentes da alfândega e criou um verdadeiro escândalo para que liberassem seus espécimes, o que causou um incidente diplomático. Durante a viagem de volta, em uma embarcação de péssima qualidade, vários espécimes de Waterton se perderam e tiveram de ser lançados ao mar. Ao menos, a cabeça do macaco sobreviveu à árdua jornada.

O naturalista apresentou sua descoberta na Academia Real de Geografia causando grande agitação entre os estudiosos e acadêmicos. Vários deles ficaram sem palavras quando o pano que escondia o item foi removido. Alguns membros da Academia acharam que realmente Waterton havia empalhado uma pessoas e que tudo poderia ser mais uma de suas brincadeiras.

Visto de cima o Hominídeo
A peça em si correspondia à cabeça e ombros do espécime montados em uma base de madeira. A face lisa e os grandes olhos expressivos, emoldurados por uma juba grossa de cabelos dourados parecendo reminiscentes aos de um orangotango foram uma sensação. Passado o primeiro choque e uma breve apresentação de como o espécime fora obtido, alguns dos presentes assumiram que o animal só podia ser uma fraude bem construída. Foi sugerido que ele seria meramente o cadáver de um "macaco gritador", um símio africano que quando de pé nas patas traseiras se assemelhava a um ser humano. Waterton reagiu a essas suposições dizendo-se ultrajado, uma vez que sua maior e mais importante descoberta estava sendo objeto de tamanho escrutínio e descrença da parte de seus colegas naturalistas.

A discussão ficou tão acalorada que em determinado momento, Waterton mandou recolher o espécime e se retirou do auditório afirmando que jamais retornaria novamente aquele lugar. Alguns dizem que ele queimou sua carteira de membro da Academia Real e se retirou da nobre sociedade colecionando dali em diante vários desafetos.

O naturalista tentou organizar um retorno à Guiana Inglesa nos anos seguintes. Seu objetivo era encontrar um segundo animal da mesma espécie e capturá-lo vivo para que pudesse provar a veracidade de sua narrativa. Infelizmente, o governo da Guiana se ressentiu do episódio em que ele havia subornado oficiais locais e Waterton recebeu aviso de que se retornasse seria preso. Além disso, sem as devidas credenciais e enfrentando o descontentamento de seus pares, a Academia Real também se negou a conceder a ele documentos que facilitariam seu retorno a América do Sul na qualidade de pesquisador.

Waterton se ressentiu do ocorrido. Pouco depois casou-se com uma jovem de ascendência nativo-americana de 17 anos de idade (ele tinha 47 na época) e passou a se dedicar a construção de uma Reserva Natural de cinco quilômetros em suas terras. Waterton foi o pioneiro na criação de espaços dedicados a preservação da natureza e também um dos primeiros a se manifestar publicamente contra a poluição do ar causada pelas chaminés das indústrias. Segundo ele, a continuar o lançamento de poluentes no ar, a natureza sofreria enormemente. Coube a ele também apresentar a toxina curare para o público europeu, uma substância trazida do Brasil. 

A misteriosa cabeça.
Anos mais tarde, ele finalmente conseguiu autorização para retornar à Guiana Inglesa e conduzir uma expedição em busca do primata, que ele acreditava ser uma espécie de parente do homem - um Hominídeo. Infelizmente enquanto tratava de assuntos relativos a esse retorno Waterton sofreu uma queda acidental em sua propriedade; nela fraturou as costelas que atravessaram seu fígado. Os ferimentos acabaram infecionando e ele morreu em decorrência deles.

Seu corpo foi levado em uma barca para o local onde ele desejava ser enterrado. Seu caixão foi depositado entre dois enormes carvalhos que ele julgava serem os maiores da Inglaterra. Uma vez que as árvores não existem mais, o local exato de seu sepultamento é desconhecido.

Charles Waterton manteve até o fim de sua vida que o espécime do hominídeo encontrado na Guiana era autêntico e que haviam muitas testemunhas para corroborar sua história. Ele reconhecia ter feito várias brincadeiras e contado muitas histórias, mas que esta era real. Infelizmente, sua maior descoberta, se real, jamais foi inteiramente reconhecida. Expedições sucessivas realizadas na Guiana jamais tiveram êxito em encontrar uma criatura semelhante ao Hominídeo de Waterton. Na região ainda existem tribos cujas lendas mencionam a existência de tal animal, mas os próprios nativos acreditam que ele não existe mais.

Supõe-se que as teorias de Waterton de que seu animal poderia ser um parente do homem ajudaram Darwin a ponderar sobre sua Teoria da Evolução. Mesmo atualmente a controvérsia a respeito do Hominídeo e sua origem continuam. 

O espécime se encontra em exibição no Museu de História Natural de Wakefield, na Inglaterra. E todos os que tem a chance de ver o espécime frente a frente continuam se impressionando com suas feições incrivelmente humanas.

3 comentários:

  1. Muito bom King! A América do Sul é repleta de histórias inexplicáveis! Em outro post tu poderia falar sobre alguma civilização da América do Sul, tipo maias, incas, ou dos próprios índios do Brasil. Tipo os hábitos canibais dos tupinambas. É sempre um prazer ler o blog 👊 sucesso!

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  2. Será q ninguém ainda teve ideia de fazer teste de DNA? Té na hora, hein

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    1. Pesquisei isso. Aparentemente o processo de taxidermia do espécime com mercúrio tornou inviável esse tipo de teste. Se é verdade eu não sei...

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