terça-feira, 7 de agosto de 2018

Aklo - O Idioma dos Grandes Antigos, sua origem e o mistério que o cerca


Por Shub-Nigger
Originalmente publicado no excelente Blog Morte Súbita
https://www.mortesubitainc.org/lovecraft/mitos-de-cthulhu-1/dicionario-aklo1

"Dicionários são sempre divertidos, mas nem sempre reconfortantes".
- M.F.K. Fisher

É inegável que um dos maiores charmes presentes não apenas nas histórias de H.P. Lovecraft mas também de seus "afilhados", são os fragmentos de rituais escritos em línguas alienígenas ou inumanas.

O trecho mais famoso está presente em seu conto "O Chamado de Cthulhu" (Call of Cthulhu), escrito em 1926 e publicado dois anos depois. No conto, a história se desenrola em torno do que se identifica como o Culto de Cthulhu e suas práticas ao redor do globo desde eras imemoriais até os dias de hoje. Durante uma batida policial em um pântano encontram membros do culto em um frenesi, cercado por corpos talhados com marcas estranhas e no centros das atenções uma estatueta medonha. Todos eles entoando a frase:

ph’nglui mglw’nafh Cthulhu R’lyeh wgah’nagl fhtagn

Eventualmente Lovecraft a traduz, dando como significado "Em sua casa em R'lyeh, Cthulhu morto espera sonhando".

Essa língua inteligível nunca foi propriamente batizada, mas em outras três obras, Lovecraft menciona um nome, criado por um de seus escritores favoritos, Arthur Machen. Em 1899 Machen escreveu "As Pessoas Brancas" (The White People), um conto curto de horror fantástico sobre uma conversa entre dois homens a respeito da natureza do mal. Um deles revela então um temido Caderno Verde, que tem em sua posse. O caderno contém os escritos de uma jovem que, de forma ingênua e provocante, descreve suas memórias de quando era ainda mais nova, além de conversas que teve com sua ama, que a inicia em um mundo secreto repleto de folclore e magia ritual. No caderno, a jovem faz alusões crípticas a ninfas, Dôls, voolas, cerimônias brancas, verdes e vermelhas, Caracteres Aklo, às línguas Xu e Chian, jogos Mao e a um jogo chamado Cidade de Tróia.

Aklo nunca passou disso em suas primeiras evocações, Machen apenas cita "Caracteres Aklo" uma vez no conto, mas isso serviu para incendiar a imaginação de Lovecraft. Por conseguinte, ele os menciona em três contos seus, "O Horror de Dunwich" (The Dunwich Horror), escrito em 1928, "O Diário de Alonzo Typer" (Diary of Alonso Typer), escrito em parceria com William Lumley em outubro de 1935 e "O Assombro das Trevas" (The Haunter in Darkness), escrito em novembro de 1935.

Machen não faz nenhuma menção nem tentativa alguma de explicar o que são os tais Caracteres Aklo, ou como, onde ou por quem são usados. Já Lovecraft, em "O Horror de Dunwich", os menciona duas vezes em uma única passagem encontrada no diário de uma das personagens:

"Hoje aprendi o Aklo para o Sabaoth, mas não gostei, podendo ser respondido das colinas, mas não do ar."

e

"Imagino como irei parecer quando a terra for limpa e não houverem mais nela seres terrenos. Aquele que veio com o Aklo Sabaoth disse que eu posso ser transfigurado já que muito do exterior deve ser trabalhado."

Neste trabalho Lovecraft une a linguagem Aklo ao termo Sabaoth. Sabaoth é o termo judaico para "Hoste" ou "Exército", e é usado exclusivamente com o nome do Senhor, para designar Deus como sendo o Senhor das Hostes ou Senhor dos Exércitos. Lovecraft teve acesso aos livros de Eliphas Levi, como o "Dogma e Ritual da Alta Magia" onde o termo Sabaoth aparece em dois capítulos.

O "Sabbat dos Feiticeiros", foi usado por Lovecraft em seu romance "O Caso de Charles Dexter Ward" (The Case of Charles Dexter Ward). O nome Sabaoth aparece precedido de um dos títulos de Deus: Adonai Sabaoth e Elohim Sabaoth respectivamente. O nome parece ser usado para rituais de necromancia ou a confecção de amuletos que necessitam de rituais que envolvem sangue. Algo perfeito para Lovecraft, mas que no texto, como ele o colocou, parece ficar deslocado. Uma hipótese é que tenha usado a palavra Sabaoht no lugar da palavra Sabbath, o termo utilizado para designar, popularmente, a conferência das feiticeiras, assunto tratado à exaustão e com todos os detalhes góticos no capítulo do livro de Levi. Assim ter aprendido as runas para o Sabbath e aquele que veio do Sabbath talvez fizessem mais sentido. Mas isso é indiferente no momento.

No segundo conto que escreveu com Lumley, O Diário de Alonzo Typer, Lovecraft menciona o Aklo três vezes, dando um pouco mais de forma à idéia do que poderia ser:

"Eu acredito que possa ter se aliado a poderes que não desta terra - poderes no espaço além do tempo e além do universo. Ele se eleva como um colosso, se levarmos em consideração o que dizem os textos Aklo."

seguido por

"Mais tarde eu subi ao sótão, onde encontrei vários baús repletos de livros estranhos - muitos de aspecto completamente alienígena, tanto em sua escrita quanto em sua forma. Um continha variações da fórmula Aklo que eu nem sabia existir."

e finalmente

"Eu acredito que mais de uma presença possui tal tamanho e eu sei agora que o terceiro ritual Aklo - que achei no livro do sótão ontem - tornaria tal ser sólido e visível."

Neste texto Lovecraft expande o conceito de Aklo de meros caracteres ou língua, para uma cultura, os "Textos Aklo", compõem fórmulas e rituais. A ideia de que um Ritual Aklo deveria ser usado para tornar um ser imaterial em uma presença sólida e visível, o que é compatível com a ideia usada no Horror de Dunwich, onde Wilbur Whateley deseja manifestar em nosso mundo uma dessas criaturas usando as fórmulas contidas no Necronomicon. Assim o Aklo que ele aprende pode ser uma parte fundamental do processo de evocação. 

Nos "Diários de Alonzo Typer" existe a menção a uma série de Rituais Aklo. Isso poderia indicar uma forma não apenas de linguagem, mas de "tradição mágica", assim como a Cabala tem sua cultura e caracteres, o Bon Po, etc. Aklo poderia ser uma cultura que transcende apenas um alfabeto e uma linguagem.

No "Assombro nas Trevas", Lovecraft faz apenas uma menção ao Aklo, mas desta vez mais ampla:

"Foi em junho que o diário de Blake falou de sua vitória sobre o criptograma. O texto estava escrito, ele descobriu, na sombria linguagem Aklo, usada por certos cultos de maligna antiguidade e que ele aprendera de maneira hesitante através de pesquisas anteriores. O diário é estranhamente reticente sobre o que Blake decifrou, mas ele estava claramente impressionado e desconcertado por seus resultados. Haviam referências a um Assombro das Trevas que podia ser desperto ao se contemplar nas profundezas do Trapezoedro Brilhante e conjecturas insanas sobre os golfos negros do caos de onde ele era invocado."

Tanto o texto de Machen quanto os de Lovecraft dão a ideia clara que o Aklo se deriva de uma cultura incrivelmente antiga e muito avançada nas artes obscuras. Capazes de evocar criaturas de outras dimensões, materializá-las em nosso mundo e conhecida por poucas pessoas nos dias de hoje. Uma cultura que possuía uma língua proibida e poderosa e possivelmente não humana.

Em vários textos Lovecraft faz uso de sua língua para dar clímax a alguma passagem específica, como no Caso de Charles Dexter Ward onde a fórmula "Y'AI 'NG'NGAH, YOG-SOTHOTH H'EE-L'GEB FAI THRODOG UAAAH" é usada. Ou os gritos de "IA SHUB-NIGGURATH" que ecoam em diversos de seus contos.

Lovecraft não apenas nunca batizou explicitamente esta língua como também nunca ligou suas diversas menções em diferentes contos com uma única fonte. Geralmente aponta que uma das personagens encontrou as evocações em livros malditos como o Necronomicon ou o De Vermis Mysteriis, cada um desses livros tendo sido escrito por diferentes pessoas em diferentes épocas, mas, implicitamente, lidando com as mesmas criaturas do panteão Lovecraftiano, conhecido como Mito de Cthulhu.

Mais do que mera linguagem


Podemos assumir que essa linguagem tem origem extra-terrestre e foi ensinada a magos, feiticeiros, sacerdotes e ocultistas que entraram em contato com tais seres, os Antigos. Mas seria correto dizer que esta língua/cultura alienígena seria o Aklo? Machen nunca foi além de sua única menção aos "Caracteres Aklo", mas Lovecraft escreve que o Aklo é usado "por certos cultos de maligna antiguidade" trazendo informações sobre os horrores que se escondem além do tempo e do espaço. 

Os próprios nomes das divindades parecem derivar do Aklo, ou ao menos parecem ter chegado à Terra nessa língua: Cthulhu, Shub-Niggurath, Shoggoths, Cthugua, Tsathogua, etc. Além de outros nomes como a cidade de R'lyeh construída pelo Grande Cthulhu, o Planalto de Leng ou mesmo a misteriosa Sarnath, além disso existem menções a fórmulas e rituais como a fórmula de Dho-Hna; se somarmos a isso a menção de Lovecraft ao aspecto "completamente alienígena, tanto em sua escrita quanto em sua forma" podemos associar não apenas os rituais mas a origem dos Antigos e seus costumes ao Aklo. Talvez os Antigos sejam o Povo de Aklo, assim como nós somos humanos.

Um ponto importantíssimo do Idioma Aklo é que, ao contrário de qualquer outro idioma conhecido, ele não foi concebido para ser pronunciado por humanos, ou por criaturas presas na forma humana. Ele não foi nem mesmo concebido para ser pronunciado com o uso da garganta e língua humana, de modo que devemos ter ciência de que um homo sapiens falando Aklo é como a Gorila Koko falando a linguagem de sinais. Sempre uma mera aproximação limitada por nossa anatomia, neurologia e nossa consciência. É um idioma que deve ser falando principalmente com a mente, e não com as cordas vocais.

Essa ideia foi desenvolvida de forma magistral por Alan Moore no conto curto "O Pátio" (The Courtyard), publicado na antologia Sabedoria Estrelar: Um Tributo a H. P. Lovecraft (The Starry Wisdom: A Tribute to H. P. Lovecraft). Em sua visão, Aklo não é apenas uma língua alienígena, mas uma chave para se abrir as portas da percepção da mente humana. De acordo com Moore apenas ouvir, ler ou pronunciar o Aklo não causa nenhum efeito à mente, mas se "absorvida" por um cérebro em um estado alternado de consciência os resultados podem ser devastadores.

No conto o Agente Federal Sax ingere DMT-7, para que pudesse "receber" o Aklo. A escolha de Moore é curiosa e muito acertada, já que a DMT, ou dimetiltriptamina é uma substância psicodélica encontrada não apenas em vários gêneros de plantas como a Acacia, Mimosa, Anadenanthera, Chrysanthemum, Psychotria, Desmanthus, etc. - famosa em celebrações religiosas como o culto do Santo Daime, da ayahuasca e da Jurema - como também é sintetizada no cérebro pelo próprio corpo humano. Não se sabe até hoje de forma concreta qual a função do DMT em nosso organismo, nem que órgão o produz - frequentemente se especula que a responsável é a glândula pineal. De acordo com Moore, assim que o DMT produz seu efeito no cérebro, cada "dose", ou palavra em Aklo destrava na mente a compreensão física para seu próprio significado. Enquanto Lovecraft trabalhava apenas com a tradução do significado de cada palavra:

ph’nglui mglw’nafh Cthulhu R’lyeh wgah’nagl fhtagn 


Em sua casa em R'lyeh, Cthulhu morto espera sonhando

Moore trabalha com a compreensão de cada significado, especificamente de três palavras:

WZA-Y'EI

"Conhece a Tudo". É uma palavra para o espaço conceitual negativo que rodeia um conceito positivo. As classes de coisas maiores do que o pensamento, sendo tudo o que o pensamento exclui.

DHO-HNA

"Uma força que define". Algo que dá significado ao seu receptáculo como uma mão dentro de uma luva, ou vento nos moinhos de vento. Um visitante ou um intruso que cruzam um umbral, lhe dando significado.

YR NHHNGR

Não há uma definição em palavras, pensamentos esquecidos se juntam em flashes que cegam, e fusões impensáveis ocorrem. Surge uma visão de tudo o que existe além de nosso universo, não apenas físico, mas mental.

Se uma língua é um sistema formado por regras e valores presentes na mente dos falantes de uma comunidade linguística, podemos evocar Korzybski, que afirmou que todos nós somos limitados por nosso sistema nervoso e nossa linguagem. Assim, Moore pode ter encontrado a fórmula para se reprogramar o cérebro e a consciência com os valores presentes em uma cultura alienígena pré-humana, o DMT serviria para preparar o sistema nervoso para receber não apenas uma palavra mas todos os valores presentes nela, desta forma a pessoa aprenderia um dialeto novo não pela repetição ou pelos inúmeros atos de fala com que tem contato, mas de forma viral, já que para compreender o significado de uma palavra a pessoa entraria em contato com todas as palavras usadas para descrevê-la, e cada palavra, por si só, tem o próprio significado.

Moore afirma que Aklo é a "Sintaxe de Ur", o vocabulário primogênito que recebeu sua forma de ordens pré-conscientes vindas das estrelas. Ela é composta de cores perdidas e intensidades esquecidas e isso faria com que, uma vez absorvida pelo cérebro, desimpedisse a mente de suas limitações ou, como escreveu Blake: "Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem tal como é: infinito". Isso também faria com que a pessoa pudesse enlouquecer, já que os valores que temos podem ser completamente diferentes daqueles que inundarão nossa mente, o que é uma constante nos textos de Lovecraft, onde a personagem, quando se defronta com o conhecimento alienígena/antigo enlouquece, traz para si uma antiga maldição, morre ou as três coisas - não necessariamente nesta ordem.

Escrevendo com o Aklo


Como Lovecraft e sua turma não desenvolveram o Aklo além de citações breves e enigmáticas, coube a seus fãs modernos e contemporâneos desenvolver a língua. Inclusive muitos a rebatizaram de R'lyehan, Cthuvian e até Tsath-yo, além de Lovecraftiano e outros nomes mais estúpidos. Tanto R'lyehan quanto Cthuvian associam a língua diretamente a Cthulhu e a cidade que lhe serve de prisão, R'lyeh. O problema com esses nomes, é que além de ridículos transformam a linguagem em um dialeto, lhe roubando a universalidade que seus criadores lhe atribuíram originalmente, é como chamar a língua falada no Brasil de Santista, Paulista ou Carioca só porque uma celebridade de alguma dessas cidades caiu na graça dos estrangeiros. Assim vamos nos ater a seu nome original.

Um primeiro obstáculo que encontramos quando começamos a analisar o Aklo é que ele foi desenvolvido por pessoas que falavam o inglês e que não tentaram desenvolver a complexidade da língua. Assim "Cthulhu fhtagn" é traduzido para o inglês "Cthulhu Dreaming" ou Cthulhu Sonhando.

"ph’nglui mglw’nafh Cthulhu R’lyeh wgah’nagl fhtagn" é traduzido para o inglês "In his house at R'lyeh dead Cthulhu waits dreaming" - Em sua casa em R'lyeh, Cthulhu morto espera sonhando. As únicas três palavras que podem ser traduzidas corretamente por comparação são dois nomes, Cthulhu e R'Lyeh e Fhtagn que significaria sonhando. Qualquer tradução palavra por palavra do texto cai no achismo, ainda mais que podemos ver que R'lyeh e Cthulhu são invertidos na tradução. Não há indicações do que "ph’nglui", "mglw’nafh" e "wgah’nagl" signifiquem respectivamente, e ainda se pararmos para pensar que existem três palavras/termos/conceitos em Aklo que devem ser transliterados nas palavras/termos restantes, "em sua casa", "morto" e "espera/aguarda", não sabemos como a gramática funciona - por exemplo, em Latim, o que determina o significado de uma palavra não é sua ordem na frase, mas a terminação de cada palavra, assim 'Caim matou Abel' pode ser escrito, em latim, tanto 'Caim matou Abel' quanto 'Abel matou Cain' ou ainda 'matou Abel Caim' que saberíamos não apenas o significado da sentença mas quem faz o papel de assassino e quem foi a vítima. Poderíamos afirmar que Aklo seria semelhante ao latim ou teria uma estrutura mais rígida como o português ou inglês moderno? Não podemos afirmar nada.

Mesmo assim, compilando frases e termos em Aklo usado não apenas na ficção Lovecraftiana mas no material que surgiu posteriormente, podemos chegar a algumas conclusões:

- Aparentemente o Aklo não faz distinções entre pronomes, verbos, adjetivos e outras figuras de linguagem.

- Pronomes podem não aparecer.

- Verbos possuem apenas dois tempos: presente e não presente. A mente dos Antigos não pode ser explicada linearmente, e o nosso conceito de tempo - presente, passado e futuro - se mostra extremamente limítrofe e primitivo.

- Não existem preposições soltas, elas estão geralmente implícitas.

- As palavras se combinam facilmente com prefixos e sufixos que explicam se está sendo descrito um lugar, entidade ou dimensão, ou se algo está acontecendo agora ou não agora.

- Prefixos e sufixos são ligados, geralmente através de apóstrofe.

- Termos novos formados por duas ou mais palavras são ligados por hifem.

- O plural geralmente é indicado pela repetição da última letra.

- Não existe definição de gênero, que é uma limitação característica do tipo de existência física deste planeta, ao invés disso existe uma ligação entre energia e forma, tudo relacionado a energia é tido como masculino, tudo relacionado ao que dá forma é feminino, por isso a distinção entre Pai - principio energético - e Mãe - o ser que dá a forma à vida.

- Não existe diferenciação de localização espacial e localização temporal.

Além da forma, a direção da escrita também é vista como elemento diferenciador do sistemas Aklo. Semelhante ao grego antigo, o Aklo é escrito em linhas com direção alternada: uma linha da direita para a esquerda e a linha seguinte da esquerda para a direita, invertendo a direção das letras; a terceira linha equivalia à primeira e a quarta à segunda e assim sucessivamente. Esse método é chamado de boustrophedon, uma palavra grega que significa “da maneira como o boi ara o campo”. Em livros recentes é compreensível que a escrita seja feita da esquerda para a direita como se tornou comum no ocidente.

Os Caracteres Aklo


Não existe um alfabeto Aklo "oficial" apontado por Machen, Lovecraft ou outro escritor, o que existem são trabalhos feitos por fãs que tentam representar o que consideram ser o alfabeto. O problema com a maioria é que se revelam rebuscados demais para serem práticos. Ou runas trabalhadas demais, ou simbolos carregados de um barroquismo que interferem em sua escrita.

O Aklo sempre foi mostrado de duas formas: ou a transliteração fonética das palavras, como Fhtagn, ou descrição de arabescos e hieroglifos hediondos, antigos e não relacionados com nenhuma civilização. É sabido que a forma de escrita mais antiga que se tem conhecimento hoje era essencialmente formada por ideogramas. O desenho de um pão representava o próprio pão. Duas pernas poderiam representar tanto andar quanto ficar de pé. Com o tempo os símbolos se tornaram abstratos, deixando de representar conceitos para indicar sons. A letra M do nosso alfabeto evoluiu de um hieróglifo egípcio que representava ondas na água e o som que essas ondas faziam, a palavra egípcia água contem apenas uma consoante: M, assim a figura M não representava apenas a ideia de água mas o som que ela faz.

Quando a escrita necessitou se tornar "portátil", os ideogramas foram substituídos por caracteres que pudessem ser desenhados com rapidez pelas ferramentas de mão no meio em que seriam carregados. As ferramentas eram um instrumento pontiagudo e forma triangular e o "papel" da época eram tábuas de argila. O que determinou a evolução da escrita então foi o instrumento usado para escrever, logo que o triangular foi substituído por outro em forma de cunha, surgiu a escrita cuneiforme aproximadamente no século XXIX a.C.

Assim é lógico que qualquer tipo de escrita primitiva feita por humanos teria que seguir uma linha cuneiforme, ou sem formas que exigissem muita complexidade. Isso explicaria também a aparência alienígena atribuída aos textos encontrados nos tomos antigos.

Em 1934, seis anos após a publicação do conto O Chamado de Cthulhu, H.P. Lovecraft enviou uma carta a R.H. Barlow com uma ilustração de próprio punho da escultura de Cthulhu sentado em um bloco com inscrições ao redor.


As inscrições com certeza seriam, na estatueta descrita, Aklo. Lovecraft tentou no desenho incorporar sua versão do Aklo ou simplesmente fez rabiscos sem sentido apenas para mostrar o conceito da estatueta? Alguns dos rabiscos de Lovecraft lembram alguns caracteres do alfabeto fenício.


Outros simplesmente parecem rabiscos mesmo. Mas como os fenícios evoluíram dos Sumérios, e uma das cidades estados mais conhecidas da Suméria era Ur talvez não seja um chute tão extremo dizer que Aklo poderia ser representado por caracteres que tenham sido usados pelos fenícios. Curiosamente em uma das edições mais populares do Necronomicon, a de Simon, todo panteão Lovecraftiano é associado com as divindades sumérias, mas essa associação nunca foi feita de forma explícita ou implícita pelos escritores do Mito.

Outra curiosidade a respeito do Necronomicon é que outra de suas edições, conhecida como O Necronomicon de Wilson-Hay-Turner-Langford, graças a seus autores, Colin Wilson, George Hay, Robert Turner e David Langford, oferece um alfabeto de Nug-Soth para ser usado em rituais e sigilos. Nug-Soth é personagem do conto "A Sombra fora do Tempo" de Lovecraft, um mago dos conquistadores negros que viveu no século XVII d.C - DEPOIS DE CRISTO - e que por causa de uma tranferência de mentes com um dos membros da Grande Raça dos Yith ficou aprisionado no ano 150,000,000 a.C. - ANTES DE CRISTO.



Nunca foi afirmado que esse alfabeto fosse Aklo, e basta uma olhada para ver que, apesar dele ter uma funcionalidade prática para a antiguidade, lhe falta a aura alienígena e o aspecto sombrio tão presentes nos textos lovecraftianos. E assim voltamos ao alfabeto fenício. Em 1518 um alfabeto de origem desconhecida foi publicado na obra Polygraphia de Johannes Trithemius. O alfabeto foi atribuido a Honório de Tebas, uma figura cuja existência beira a lenda. Ninguém sabe quem foi Honório, já afirmaram que na verdade era o Papa Honório, e assim sua figura foi associada não apenas com um Papa mas dois: Honorius I e Honorius III. Ele é o autor de um dos maiores livros de magia negra medieval existentes, conhecido como Liber Juratus ou O Livro Jurado de Honório. Curiosamente esse alfabeto não foi encontrado em nenhum dos dois livros atribuídos a Honório que sobreviveram a Inquisição. O alfabeto Tebano, como ficou conhecido, não apresenta semelhança com os alfabetos da época em que foi publicado, seus caracteres não se assemelham a letras latinas, hebraicas, árabes ou de nenhum tipo, mas tem certa semelhança a um alfabeto mais antigo, o fenício. O Alfabeto Tebano, também conhecido como Alfabeto das Bruxas, por causa do seu uso difundido em grupos de feiticeiras ou mesmo por praticantes solitárias, tem as características oníricas e estranhas evocadas por Lovecraft e se assemelham a alguns de seus "rabiscos" na base da estátua. Se levarmos em conta sua presença em livros de magia negra medievais, sua origem desconhecida, sem uso místico, podemos ver que serve perfeitamente como um bom candidato a canal para o Aklo ser transmitido.


Assim como no Latim não existe diferença entre a pronuncia do I e do J ou do U e do V - ou o W moderno - sendo os mesmos caracteres usados para indicar os diferentes sons. Não existem também diferenciação entre maiúsculas ou minúsculas, como no caso do hebraico. Assim as diferentes "letras" representam os sons pronunciados pelo mago. Também não existem apóstrofes, hífens ou qualquer pontuação além de uma indicação de fim de sentença, o que indica que o texto não era separado em frases ou parágrafos, sento escrito em bloco com o sinalizador de fim de sentença.


Isso sim é algo que esperamos encontrar garatujado no Necronomicon.

Os apóstrofes, hífens, etc. que surgem na transliteração são indicativos apenas da sonoridade da palavra, de sua pronúncia, não existem no texto Aklo original.

Pronunciando Aklo

Apesar de deixar sempre claro que os nomes e palavras Aklo não poderiam ser pronunciados por gargantas humanas, existe uma aproximação fonética.

Por exemplo, apesar de Lovecraft ter sugerido diferentes pronúncias para o nome Cthulhu, a mais aceita é a que oferece em Selected Letter V: o "u" é similar a urubu, e a primeira sílaba não sendo muito diferente de "Klul", então o primeiro "h" representa o som gutural do "u". Isso seria, de acordo com Lovecraft, o mais próximo que as cordas vocais humanas chegariam de pronunciar uma língua alienígena.

Mas a pronúncia nos contos é muito próxima da fonética das letras. No Caso de Charles Dexter Ward a fórmula:

Y'ai 'ng'ngah, Yog-Sothoth, é pronunciada no inglês antigo:

Aye, engengah, Yogge-Sothotha

ou, "abrasileirando":

Iai, ingeingá, Iogui-Sototi

ou ainda:

Yi nash Yog Sothoth

ou, "abrasileirando":

I-í náchi Ióg Sossóss

Além disso esbarramos em outro problema levantado pelo próprio Lovecraft quando desejamos aprender a pronunciar corretamente as palavras. Em O Chamado de Cthulhu ele escreve:

"[...] de um ponto indeterminado das profundezas veio uma voz que não era uma voz; uma sensação caótica que apenas uma suposição poderia traduzir como som, mas que ele tentou traduzir com um entulho de letras quase impronunciável, 'Cthulhu fhtagn'."

"[...] uma voz ou inteligência subterrânea gritando monotonamente em enigmáticos impactos sensoriais indescritíveis a não ser como sons inarticulados [...]"

"[...] o modo de discurso [dos Grandes Antigos] era a transmissão de pensamentos."

E no Horror de Dunwich:

"É quase errôneo chamá-los de 'sons', uma vez que muito do seu medonho, e grave timbre falava diretamente com lugares sombrios de consciência e do terror, muito mais sutis do que o ouvido; mesmo assim é necessário que o façamos, uma vez que sua forma era indiscutivelmente, todavia de forma vaga, a de 'palavras' semi-articuladas."

Assim fica claro que qualquer transliteração de Aklo se torna apenas uma aproximação fonética da forma pronunciada da palavra, pronunciada por uma mente alienígena; forma esta que inclui imagens, sensações, emoções, impressões e qualquer outra forma de informação que o limitado cérebro humano possa processar. É um idioma que deve ser falando principalmente com a mente, e não com as cordas vocais. Faça um exercício, tente traduzir a sua última trepada em uma única palavra, escreva em um papel e depois leia a palavra e veja se ela está à altura do ato. Isso torna a proposta de Moore muito mais interessante, talvez com o uso de alguma droga, como o DTM, o aprendizado do Aklo nos leve mais próximo de seu real significado do que meramente de sua pronuncia. Já que nossa mente filtra apenas o que podemos processar e compreender podemos afirmar que o que sabemos desta língua é muito limitado se comparado com o que um Antigo pode compreender e tentar nos passar.

10 comentários:

  1. Obrigado por seu excelente texto. ^^b
    Como estou escrevendo um conto de Hastur, eu acabei utilizando o Aklo para as cenas dos rituais. Tive uma ideia diferente do idioma, porém ainda utilizando o conceito de Alan Moore. Não como uma entidade imaterial ou "meme", mas como um "organismo" imaterial, um "verme" que altera o cérebro e "traduz" as consciências inclusive dos hospedeiros. =)
    Muito obrigado por seu Blog!
    Eu só tenho elogios. ^^b

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  2. Na plataforma do Wattpad. Quando tiver pronto, acredito em quinze dias, eu aviso por aqui. Muito obrigado e espero que goste, pois ainda tenho muito que aprender com os Mestres. ^__^b
    Esta é a minha conta lá, caso eu esqueça de fazê-lo.
    https://www.wattpad.com/user/RenatoHolanda365
    Obrigado novamente.

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    1. O conto está pronto.
      Só está passando por uma revisão.
      Vou lançar neste final de semana, ou mais cedo, dependendo da minha disponibilidade pessoal.
      Vamos ver se terá a sua aceitação.
      Obrigado.

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  3. Esse site é um manual e almanaque para mestres de Cthulhu! Gratidão eterna!

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  4. Não consigo visualizar os caracteres, a informação é ótima mas..., não resolve o meu problema, como conseguir ver os caracteres? se alguém poder me ajudar, gratidão.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. É difícil utilizar aklo em qualquer obra ficcional se for pensar por esse angulo, vc teria que mandar junto com o livro uma seringa de LSD.

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    1. boa, mas lsd injetável não deve ser uma boa, o negócio é feito pra ingerir

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