quarta-feira, 22 de agosto de 2018

HEX - Resenha do apavorante livro de Thomas Olde Heuvel


Uma entidade ancestral, arquétipo de perversidade e maldade se encontra com uma série de elementos do mundo moderno - como vigilância eletrônica de alta tecnologia, monitoramento permanente e mídias sociais, em HEX, romance do escritor holandês Thomas Olde Heuvel. A combinação inusitada rende um dos melhores livros de horror dos últimos tempos, que chega ao Brasil pela Darkside Books.

Alguns leitores devem ter ouvido falar desse autor, afinal de contas ele foi agraciado com o Hugo Awards por melhor Novela em 2015, e também indicado por outra história curta bastante perturbadora, "O Menino sem Sombra", dois anos antes. Heuvel, está longe, portanto de ser um iniciante no gênero horror e não é de hoje, chama a atenção pelas suas histórias bizarras. HEX no entanto, é de longe a sua obra mais conhecida, contundente e impressionante, o tipo de história que fica na sua cabeça por um bom tempo depois que você encerra o capítulo final.

Eu iria além: HEX é o tipo do livro que você não quer terminar rápido demais, mas que você se sente compelido a continuar virando páginas até chegar a conclusão. Livros bons causam essa dualidade de sentimentos no leitor e HEX é um livro danado de bom!

HEX tem uma proposta diferente que pega a maioria dos leitores habituais de horror de surpresa. Logo no início somos apresnetados a uma assombração que vaga pelas ruas de uma típica cidade do interior dos Estados Unidos. Não sabemos o que fez a assombração surgir e quais os elementos que tornaram sua materialização possível no coração de Black Springs, a tal cidadezinha, localizada no Vale do Rio Hudson, Estado de Nova York. As pessoas no entanto, parecem aceitar a presença de uma entidade sobrenatural entre elas. Aceitar até onde tal coisa é possível. 

Black Springs foi um vilarejo originalmente erguido por colonos Holandeses, seu nome era New Beeck, e o lugar tem uma história de fanatismo e perseguição. Tal perseguição, no melhor (ou pior!) estilo Caça às Bruxas, condenou uma mulher chamada Katharine van Wyler à morte por praticar feitiçaria em 1664. Mais do que uma sentença, sua execução foi um verdadeiro show de horrores que envolveu uma espécie de Escolha de Sofia na qual ela teve de assassinar um de seus filhos para preservar outro. Enforcada, difamada, vilipendiada, a vida da bruxa terminou assim, mas não a sua sina.


Não é de se surpreender que ela, enquanto bruxa, tenha lançado uma terrível Maldição (Hex) sobre o vilarejo o que tornou a vida dos moradores de Black Springs um verdadeiro inferno. Mas em uma reviravolta, com o passar dos tempos, os habitantes, a maioria destes descendentes da "boa gente" que matou a bruxa, aprenderam a lidar com a situação, erguendo toda uma infraestrutura voltada para se proteger dos ataques da entidade sobrenatural.     

Robert Grim é o chefe desse aparato "anti-bruxa" e gestor da tal estrutura - um trabalho imprescindível que visa manter Katharine sob controle e a população em segurança. Grim é claro conhece intimamente o problema e foi treinado em antecipar as ações de seu inimigo e usar toda tecnologia ao seu alcance para proteger a cidade. Ele sabe muito bem que a Bruxa não é um espectro injustiçado ou que se deu por vencido, ele a compara a um Pit Bull feroz que está disposto a arrancar sua mão fora se você for burro o bastante para enfiar a mão na jaula que o detém.


Esse ambiente, construído pelo autor, é muito interessante e inovador. 

Uma comunidade assombrada por um ser sobrenatural que aprende a coexistir com ele, e conter o terror através de tecnologia, é algo que não se vê todo dia. Para que a coisa funcione, o povo de Black Springs concorda em manter tudo em segredo e jamais revelar a presença de sua moradora mais ilustre para forasteiros. Se o mundo exterior ficar sabendo de seu segredo, enviarão cientistas, repórteres, militares e sabe-se lá quem mais. E se as coisas funcionam do jeito que estão, não há por que mexer nelas, certo?

Mas é claro, a vida em Black Springs está prestes a mudar.


Como muitos estudos comprovam, as pessoas podem se acostumar com praticamente qualquer coisa. No início, os habitantes de Black Springs tiveram de aprender à duras penas como é viver sob uma maldição secular. A Bruxa e sua presença maligna está em todo canto e pode ser sentida como uma presença pulsando de ódio e ressentimento. Ela perambula pela cidade arrastando correntes, aparece dentro de casas repentinamente e murmura maldições para quem quiser ouvir.  


Por que as pessoas simplesmente não se mudam? 

Ora, aqueles que tentam se afastar acabam morrendo de alguma maneira terrível já que a maldição da Bruxa parece segui-los onde quer que eles vão. Por isso, aqueles que tem a maldição sobre si, não podem simplesmente ir embora e sequer tirar férias muito longas... eles tem que se ajustar à sua vida em Black Springs, o único lugar onde possuem algum grau de proteção.

Essa situação, é claro, não agrada a todos e isso dá início aos problemas.

Alguns não estão dispostos a simplesmente aceitar viver suas vidas sujeitos a influência da Black Rock Witch. Sobretudo os mais jovens que anseiam por conhecer outros lugares, estudar em escolas, conhecer outras pessoas e deixar o clima de paranoia da cidade para trás. Surge então um plano para expor a Bruxa e todo o sistema empregado para manter o espírito sob controle. Quem sabe assim possa surgir uma solução permanente para o dilema da cidade.

É então que as coisas começam a ficar feias e uma série de estranhos acontecimentos tem início. Luzes misteriosas iluminam o céu noturno. Um cordeiro de duas cabeças nasce em uma fazenda. Cavalos ficam indóceis. A própria terra parece sangrar. E isso é apenas o começo.

É na maneira como Heuvre consegue misturar o mundo sobrenatural com o corriqueiro, que reside o maior mérito do livro. Bruxas, vampiros e outros monstros podem ser assustadores, mas no fundo sabemos que eles não passam de faz de conta. Quando você os trás ao nosso mundo de maneira tão realista soa à princípio estranho, mas em seguida começa a ficar arrepiante. As medidas tomadas pelo conselho da cidade para "lidar com o problema", fazem todo sentido e ajudam muito a vendar a trama. Essa justaposição de uma criatura clássica e perversa, na forma da bruxa, com tecnologia moderna consegue apesar de sua absurdidade, soar perfeitamente plausível.   


Mas é claro, a maneira como o autor conta a história, também faz toda a diferença. Heuvelt coloca em cada página uma sensação de pavor e estranheza. Black Springs parece uma cidade cinzenta, fria e isolada. É possível sentir a aura de solidão que permeia cada página. Embora as pessoas tentem levar uma vida normal, elas estão unidas por um segredo terrível.

Entre os protagonistas estão os membros da Família Grant que se juntaram a comunidade e herdaram a maldição quando compraram uma casa em Black Springs. Pai e mãe acabam aceitando trazer para esse mundo seus filhos, que também ficam sujeitos à bruxa. A maneira como os personagens tratam da assombração é muito interessante. Cada um tem a sua própria interpretação da maldição e da entidade que a lançou. Alguns sentem um ódio mortal por ela, outros um simples desconforto diante de sua presença e alguns até se identificam com ela vendo-a como uma pobre vítima. 

As descrições de Katherine e sua influência sobre a cidade, que vai se tornando cada vez mais abrangente, descamba para cenas sanguinolentas repletas de horror. Com especial cuidado ao trabalhar as sequências mais sinistras, o autor constrói momentos de causar arrepios. A textura da linha que foi usada para costurar os olhos da bruxa, a palidez de sua pele mortiça na luz da lua, a maneira como ela se move pela cidade, tudo isso vai nos preparando para o horror que está por vir. E quando ele chega é da forma mais aterrorizante. Sem poupar ninguém, homens, mulheres, crianças, velhos e até animais, a vingança de Katherine é sinistra.

Vale a pena mencionar que o livro original, lançado na Holanda, se passava naquele país. Quando ele foi adaptado para o idioma inglês, o autor foi convidado a transplantar a trama para os Estados Unidos. O Vale do Hudson, uma região com o seu quinhão de estranheza funciona perfeitamente para a história. Eu francamente gostaria de ler a versão original e comparar as diferenças, embora, praticamente todos que o fizeram, concordaram que a história continuou funcionando perfeitamente.


Hex foi lançado aqui no Brasil pela Darkside books em uma edição extremamente caprichada que contou inclusive coma  presença do autor em seu lançamento. O padrão de qualidade da Darkside já é conhecido pelos fãs do gênero fantasia e horror, e ele continua simplesmente impecável: da capa dura, ao marcador de páginas, das belas ilustrações na contra capa até a tradução primorosa. Tudo ali conspira para tornar a leitura mais agradável e a experiência duradoura.

Para os fãs do horror contemporâneo, Hex é um trabalho maravilhosamente assustador recheado de imagens duradouras e de reviravoltas capazes de surpreender os leitores mais calejados. 

É o livro perfeito para levar para a cama e ler até altas horas da madrugada. Só não fique surpreso se, ao apagar as luzes, começar a ouvir sons estranhos pela casa.

Para saber mais a respeito deste e de outros livros, visite a página da Darkside Books: 

Um comentário:

  1. Excelente resenha, o livro parece ser bem imersivo e a Darkside sempre traz obras fantásticas. Vou atrás da minha copia.

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