quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Traduzindo a Loucura - Entrevista com Renan Barcellos tradutor de Chamado de Cthulhu RPG


Na expectativa pela sétima edição de Chamado de Cthulhu da New Order.

Depois do sucesso do Financiamento Coletivo estamos aguardando ansiosos para colocar as mãos no Chamado traduzido em bom português. Pensando nisso, que tal conhecer o responsável por fazer a  tradução do jogo aqui no Brasil?

Ranan Barcellos é o tradutor principal desse trabalho monumental e falou com a gente a respeito dessa responsabilidade e do risco de ficar insano no processo.

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Mundo Tentacular - Opa Renan, você é o principal tradutor da sétima edição de Chamado de Cthulhu, um livro que está sendo muito aguardado pelos fãs aqui no Brasil. Você poderia falar um pouco sobre você, sua experiência como tradutor e jogador de RPG?

Renan Barcellos - Acho que é certo dizer que só sou tradutor e escritor por causa do RPG. Quando eu tinha uns sete anos, meu primo mais velho, Daniel, mestrou para mim e para o irmão dele uma aventura de GURPS. Como na época a Dragão Brasil estava começando a lançar a adaptação de Pokémon, continuei a jogar RPG com os amigos (e clandestinamente ler os livros e revistas de RPG antigos do Daniel) e desde então o RPG se tornou um dos meus principais interesses.

Mais do que isso, foi principalmente a leitura da Dragão Brasil e dos vários cenários de RPG que fez eu me interessar pela minha grande paixão que é a literatura. Então, acho que foi um caminho natural começar com o RPG, me interessar por literatura fantástica e clássica, me arriscar a escrever, começar a estudar tradução e então retornar tudo isso para o RPG.

Eu comecei a trabalhar com a New Order por causa do Lenda dos Cinco Anéis. Na época estava com um blog, o Dados Malditos (ótimo nome, pena que não tivemos fôlego para dar continuidade), e postava material sobre a história do cenário e também tradução dos contos. Quando estava para sair o Inimigos do Império, ajudei na revisão quando abriram para os compradores ajudarem. O Anesio e o Manjuba gostaram do trabalho que fiz e mais tarde me chamaram para revisar a aventura do escudo e editar o Império Esmeralda. Também traduzi outro livro de Lenda dos Cinco Anéis para a NO, mas que acabou sendo logo na época da venda para a FFG.

Em meio à isso, também participei do grupo do Reduto do Bucaneiro, traduzi alguns monstros e ajudei na organização do Monstronomicon do Reinos de Ferro, e também de outros dois materiais da mesma linha.

Atualmente, além de traduzir e revisar os suplementos de Cthulhu, também tenho trabalhado com o LCG de Legend of the Fiver Rings que a Galápagos Jogos está lançando.

M.T - Chamado de Cthulhu é um jogo muito querido pelos fãs e que atrai a curiosidade de jogadores. Como foi receber essa responsabilidade?

R.B - Quando surgiu a oportunidade, eu fiquei um tanto nervoso. Lenda dos Cinco Anéis é um jogo com bastante fãs, mas Chamado de Cthulhu tem um peso enorme. Posso estar enganado, mas imagino que só fique atrás de D&D e Vampiro em questão de fama. Isso para não falar do Lovecraft, que se transformou em uma figura muitíssimo conhecida no Brasil.

Na época, o Anésio apresentou a proposta e pediu para que fazer um teste traduzindo algumas páginas (se não me engano foram cinco). Admito que fiquei até tentado a deixar de lado, com um pouco de medo do peso da responsabilidade mesmo. A ideia de trabalhar em um jogo desse porte me parecia tão fantástica quanto assustadora. 

Mas simplesmente não dá para passar a oportunidade de trabalhar com algo do porte de Chamado de Cthulhu. Principalmente eu tendo muito carinho pela obra de Lovecraft, que conheci quando eu tinha uns 15 anos e contribuiu muito para eu correr atrás de uma literatura mais antiga e rebuscada (Lembro de Davi, irmão do meu primo Daniel, me passar o À Procura de Kadath e dizer algo como "lê isso aqui cara, seu jeito de encarar as frases vai simplesmente chegar em outro nível"). Então resolvi mandar as páginas que o Anésio pediu e ele acabou me chamando pra trabalhar de vez no livro.

Além de mim, também trabalhou no livro básico a Juliana Fajardini, como revisora. Temos uma dinâmica bem legal, porque já faz anos que ela revisa meus textos, e no livro básico, participou bastante de todo o processo.

M.T - Quais as principais dificuldades de traduzir a versão original de Chamado para o Português? Quais os maiores desafios em traduzir essa obra?

R.B - Em se tratando especificamente de Chamado de Cthulhu, certamente o maior desafio está nos trechos de Lovecraft. O cara é um escritor do início do século e buscava uma literatura ainda mais antiga que ele, então dificilmente as passagens de seus livros foram triviais de se traduzir. 

Chegando na metade do livro, começou a aumentar a quantidade de trechos das obras de Lovecraft (e também de outros autores). E acabei decidindo deixá-las para o final, para poder me concentrar direito no material. Estava bem ruim pegar um ritmo traduzindo descrições e fichas de monstro e então ter que parar em um parágrafo e pensar em como trabalhar ele. Isso sem falar que muitas vezes eu precisei verificar a obra inteira para entender o contexto, e também comparar como uma ou outra questão havia sido resolvida em traduções completas das obras.

Nesse processo todo, a Juliana foi de uma grandessíssima ajuda, e algumas dos trechos retirados de obras de Lovecraft ela foi mais co-tradutora do que revisora.

Mas acho que o maior desafio MESMO foram as dificuldades inerentes de traduzir um livro básico de RPG. É muita informação, regras e termos que precisam funcionar bem em conjunto e estarem consistentes ao longo do livro, com traduções que funcionem para diversas situações. É um realmente trabalhoso cuidar desta questões, e o processo de tradução acaba sendo lento. Acabo conseguindo um ritmo melhor traduzindo literatura (moderna, não a de Lovecraft!) do que passagens descritivas de regras.

M.T - Em que pé está o trabalho atualmente? Ele já terminou? Falta muito? (Essa entrevista foi feita duas semanas atrás)

R.B - O livro básico já passou por todo o processo de tradução e revisão, e atualmente está sendo diagramado. Enquanto isso, outros materiais de Chamado de Cthulhu já estão ou finalizados ou sendo trabalhados.

O escudo e o livreto de aventuras que acompanha ele já está traduzido e revisado. O Guia de Campo do Petersen já está até mesmo diagramado, se não me engano, enquanto que o Horrores Inomináveis já está bem adiantado na revisão (este não foi tradução minha, estou revisando ele). Portanto, já temos bastante material adiantado. 

Além disso, também trabalhando em uma novidade e a tradução dela já está na metade. E olha que estamos falando de algo maior que o livro básico.


M.T - Como você tratou os termos já existentes em outras mídias? Por exemplo, como fez para conciliar os termos contidos em Rastro de Cthulhu, em romances, contos etc

R.B - As obras de Lovecraft já tiveram muitas traduções aqui no Brasil. Só nos últimos cinco anos, seus trabalhos foram lançados e relançados pela Clock Tower, Darkside, Editora Pandorga, Iluminuras, Ex Machina e Martin Claret. Isso sem falar de materiais derivados, como Providence, da Editora Panini, Rastro de Cthulhu, o Chamado de Cthulhu da Terra Incógnita e board games da Galápagos.

Todas essas traduções tem algo de particular e são bastante diferentes uma das outras, no entanto, tirando nas traduções mais antigas, muitos das criaturas lovecraftianas acabam tendo nomes facilmente reconhecíveis.

Mas no que toca o Mythos de Cthulhu, as traduções dos termos não vieram apenas de mim. Foi organizado pelo Anésio um pequeno grupo chamado Iniciativa Miskatonic (que conta com a participação de meu estimado entrevistador!) em que pude conversar com RPGístas conhecedores de longa data da obra de Lovecraft e na cultura que se formou ao redor do Mythos para deliberar sobre diversos termos Cthulescos.

Esse processo ocorreu sem problemas nenhum. Sendo sincero, muitos monstros acabam tendo nomes bem icônicos e que já estão bem estabelecidos nas conversas sobre o Mythos. Foi priorizado, claro, o conhecimento do público RPGista, que já teve bastante contato com as criações de Lovecraft e seus amigos. Diria que quase não há surpresas no que toca nome de monstros e outros elementos.

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E estamos aguardando...

Chamado de Cthulhu deve estar chegando às mãos dos Financiadores que "Ouviram o Chamado" muito em breve.

A espera está chegando perto do fim.

Que venha a INSANIDADE!

3 comentários:

  1. Perdi o Financiamento na época...mas vou comprar o livro assim que ele sair pra venda....mesmo tendo a edição americana darei total apoio pra New Order....espero que lancem mais livros de CoC....

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  2. Meu herói! E a ansiedade só aumenta...

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  3. Meu grupo de jogo está mega ansioso para o lançamento desse livro. Mal vejo a hora de acabar com a sanidade de seus personagens! XD

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