terça-feira, 2 de outubro de 2018

Conhecimento Arcano I - O fascinante mundo dos Tomos de Magia

Desde tempos imemoriais, o homem se preocupa com as maravilhas e mistérios que o cercam, tentando compreender e posteriormente catalogar suas descobertas na forma de livros que reunissem o saber para futuras gerações. Muitas vezes aquilo que escapava de seu conhecimento era encarado como algo além da natureza, surgindo assim a noção de sobrenatural. A ideia de que essas forças estranhas nos cercam e que o homem poderia entender, usar e canalizar em seu próprio benefício essa fonte de energia, deu origem ao que compreendemos como Magia. Esse conceito parece universal, presente em várias culturas em cada canto do planeta. Quando os primeiros místicos desenvolveram a escrita e começaram a copiar seu conhecimento, surgiram os tratados, tomos e compêndios esotéricos. 

Livros antigos são fascinantes, mas aqueles que contém parte da história e ainda aludem a magia, segredos milenares e sabedoria arcana formam um conjunto verdadeiramente especial. Estes textos ancestrais que prometem desvendar mistérios, erguendo o véu da ignorância para a iluminação falam sobre muitos temas; o mundo espiritual, dimensões além, o que existe além da morte e de entidades não-humanas, além é claro, de prometer milagres além de nossa imaginação. Mas por vezes, se conhecimento é poder, ele também pode representar ruína...

A seguir embarcamos em uma viagem através das páginas de alguns fantásticos tomos de magia que existem ou existiram no mundo real.

Livros de Magia são frequentemente tratados por ocultistas modernos pelo nome "Grimórios" (Grimoire), um termo que originalmente se referia a livros escritos em Latim, e que deriva da palavra em francês arcaico "grammainre", significando gramática. Não se sabe quando o termo passou a ser associado a livros com conhecimento místico, mas há menções desde o século XV. 


Textos mágicos estão presentes em várias culturas, e compreendem uma vasta miríade de tópicos. Dentro de grimórios é possível encontrar magias, encantamentos, maldições, fórmulas químicas, instruções para a criação de poderosos objetos mágicos, talismãs, artefatos, noções de idiomas ancestrais, invocação de espíritos, anjos e demônios, ingredientes para destilar poções, palavras de poder, nomes secretos e toda ordem de conhecimento místico, obtidos no curso de séculos e cuidadosamente descritos. 

Uma das formas mais conhecidas de grimório, presente nas tradições cristãs, islâmica e judaica se refere a livros que mencionam forças sobrenaturais que vagam pelo nosso mundo e que podem influenciar os homens. Em geral, são forças sinistras como demônios, espíritos malignos e até mesmo o Demônio em pessoa. Curiosamente, os primeiros grimórios com esse tipo de conhecimento não eram considerados pelas religiões como inerentemente malignos, uma vez que havia o consenso de que seu conteúdo era vital para conhecer e enfrentar essas forças malignas. Os primeiros grimórios eram guardados por ordens religiosas em bibliotecas proibidas, consultados apenas por pessoas de confiança, mas sempre que houvesse a necessidade de compreender a ação do mal na Terra.

Em algum momento da história, os Grimórios passaram a ser considerados como instrumentos dos servos do demônio. Eles eram a compilação de tudo que era blasfemo e profano e sua posse poderia ensejar em sérias consequências. Acreditava-se que eles podiam corromper e perverter, mesmo o mais razoável dos homens. As promessas de poder e realizações por vezes podiam ser uma tentação grande demais. Não por acaso, após essa mudança de atitude, grimórios passaram a ser alvo das Instituições Religiosas que buscavam destruir esse saber, como se as chamas pudessem expurgar o mal ali contido ou ao menos evitar que ele se espalhasse. 

Um dos Grimórios mais famosos tem por título "O Dragão Vermelho e o Evangelho de Satã" e é considerado como um Grand Grimoire (uma espécie de enciclopédia a respeito do tema oculto). Concentrando-se quase que por inteiro na figura do demônio judaico-cristão, o livro foi sistematicamente recolhido e destruído pela Inquisição até que apenas alguns poucos exemplares restassem.


Descoberto em 1750, ele é reputado como uma compilação extraída de manuscritos do Livro do Rei Salomão recuperados em Jerusalém durante as Cruzadas. O tomo é composto de dois livros separados escritos em aramaico e hebraico. A tradução de tal obra foi atribuída a Antonio Venitiana del Rabina, com base em traduções preliminares de Honorius de Tebas que o converteu para o grego. Segundo lendas, durante o seu trabalho de tradução Honorius foi infectado, manipulado e possuído pelo Demônio, mas isso não impediu que ele se tornasse o Papa Honorius III (1148-1227). Embora no livro conste a data de sua criação como 1522, especialistas acreditam que ele seria bem mais antigo.

O foco principal do Dragão são magias e rituais criados para invocar e controlar vários tipos de demônios. Estes seriam empregados para as mais diversas tarefas, desde eliminar os inimigos do feiticeiro, carregar suas mensagens, promover riqueza e até curar doenças. Um dos rituais mais sinistros do Grimório revela como invocar o próprio Regente do Inferno, Lúcifer em pessoa. É claro, o livro também menciona as mais variadas modalidades de pactos e barganhas demoníacas, bem como cláusulas escusatórias e maneiras de como se eximir de cumprir sua parte em tais acordos. 

Também, em suas páginas amareladas poderiam ser encontrados rituais da disciplina negra da Necromancia, o mais obscuro ramo da magia. Neste pormenor ele trazia maneiras de invocar e compelir os mortos, obter conhecimento de além túmulo, afastar espíritos e outras proezas macabras. O livro também se concentrava no outro extremo, com um apanhado de milagres comprovados realizados por santos e mártires, a localização de várias relíquias ancestrais e supostamente - nas primeiras edições, desenhos de Judas Iscariotes e do próprio Jesus Cristo. Também havia a crença de que o livro descrevia como cada Papa começava seu mandato como representante de Deus na Terra e gradualmente sofria um processo de degeneração cedendo a influência do Demônio. Outra curiosa característica do Grand Grimoire, descrita na primeira página é que seu autor alegava que o livro era imune ao fogo, extremamente resistente a ser cortado, rasgado, atravessado, ou danificado de qualquer maneira. Ademais, o livro alardeava que qualquer pessoa que o destruísse estaria sujeita a uma maldição mortal.

Embora oficialmente a posse do Grand Grimoire seja reivindicada pela Igreja Católica que preventivamente sequestrou do público todas as cópias conhecidas e as encerrou nos arquivos do Vaticano, alguns volumes e suas variações parecem surgir de tempos em tempos. Um livro que acredita-se, tenha sido influenciado pelo Dragão ou que seja a cópia mais próxima dele, é o Le Veritable Dragon Rouge (O Venerável Dragão Vermelho), que é tido como um dos mais importantes tratados sobre maldições e usado pelos praticantes de vodu.


É interessante comentar que um misterioso livro atribuído ao já citado Honorius de Tebas chamado "O Livro Juramentado de Honorius", ou ainda Liber Juratus Honorii, traria trechos extraídos diretamente do Grand Grimoire no qual ele seria ao menos parcialmente inspirado. Lidando com uma variedade de conceitos metafísicos incluindo anjos, espíritos, demônios e outras forças místicas, o livro também prometia ao mago que a ele recorresse dominar o clima, causar desastres naturais, matar inimigos com raios, provocar doenças mortais e prolongar a própria vida. O livro teria sido posteriormente copiado por discípulos de Honorius, que compartilhavam o desejo de esconder o conhecimento místico da Igreja, que nesse período já buscava livros esotéricos com o objetivo de destruí-los.

Uma vez que o Grand Grimoire é mantido afastado e considerado como demasiadamente "perigoso" para ser acessado pelo público, não há como saber ao certo a extensão do seu espetacular conteúdo. Vários acadêmicos, especialistas em livros medievais pediram acesso a esse tratado, que consta no acervo da Biblioteca do Vaticano, mas apenas alguns receberam uma autorização para perscrutar suas páginas. Mesmo estes não puderam ler o conteúdo na íntegra. Cercado de superstição e incertezas, o Grand Grimoire criou um mito ao seu redor.        
Mas existem muitos outros Grimórios que foram escritos tendo como objetivo revelar os segredos do inferno e ensinar como interagir com suas hordas nefastas.

Um destes tomos é o Munich Manual of Demonic Magic (Manual de Munique de Magia Demoníaca), um texto escrito no século XV, também conhecido como The Necromancer’s Manual (O Manual do Necromante). Escrito em latim por um feiticeiro alemão que preferiu permanecer anônimo e que possivelmente fazia parte do clero, o livro é um compêndio versando a respeito de magias, demonologia e necromancia. Entre as suas páginas é possível encontrar encantamentos para invocar e expulsar uma legião de demônios, recorrendo para isso a nomes verdadeiros, compilados ao longo de mais de 500 páginas.


Há ainda encantamentos que prometem deixar o realizador invisível por meio de ilusões e passes especiais, permitem levitar, controlar a mente e viajar enormes distâncias em segundos. O livro descreve também como operar milagres usando as forças da natureza: influenciando animais, as plantas e os elementos. Entre as magias constam algumas que descrevem como assumir a forma de um animal, como convocar uma violenta tempestade de raios, fazer chover ou nevar, além de ensinar a língua secreta do fogo, do ar, da terra e da água. O livro também reserva vários capítulos a divinação, a arte de conhecer o passado, o futuro e o Destino. Entre as suas instruções há métodos para criar mapas astrais (astrologia), ler a mão (quiromancia), usar cartas de tarô e outras formas de enxergar o "por vir".

Contudo, o Manual é notório por focar grande parte de seu conteúdo em Magia Negra. Há uma quantidade considerável de rituais de sangue que demandam sacrifícios de algum tipo, algumas vezes incluindo a morte de inocentes, sobretudo, mulheres e crianças. Para permitir que o feiticeiro voe, por exemplo, um ritual mágico demanda que a gordura de uma criança não batizada seja obtida através da fervura. Em outro, que permitiria contemplar o futuro, é preciso primeiro sacrificar uma mulher virgem em um altar e se banhar com o seu sangue ainda fresco. Muitas das magias são simplesmente de embrulhar o estômago e ler o texto com tantas descrição demanda um certo grau de força de vontade.

Se alguma magia ou ritual profanos contidos no livro realmente funciona ou não, pouco importa; o Manual de Munique para Magia Demoníaca é considerado importante de um ponto de vista histórico. Ele oferece uma visão exclusiva da estrutura religiosa da Igreja Cristã durante a Idade Média e abre uma espécie de janela para que possamos vislumbrar em detalhes como era viver nesse período de extrema superstição e fanatismo. 

Para aqueles que realmente acreditam em magia e no sobrenatural, o Livro oferece uma lista de impressionantes encantamentos. Contudo o próprio autor adverte que, uma vez que essas magias são alimentadas pelo poder demoníaco, existem sérias repercussões em empregá-las livremente. Tais forças tendem a ser difíceis de controlar e imprevisíveis, bem como podem ocasionar efeitos colaterais tanto físicos quanto mentais. O autor conclui que no final das contas,  seu livro é um compêndio de conhecimento e como tal deve ser analisado. Qualquer coisa além disso é responsabilidade de quem decidir usá-lo de outra forma. 


Também tratando de demonologia e magia negra, existe o Pseudomonarchia Daedonum, conhecido também como "A Falsa Hierarquia Demoníaca". Esse tomo do século XVI foi escrito por Johann Weyer um médico e demonologista holandês que conseguiu a façanha de demonstrar que seu tratado poderia ser usado pela Igreja como uma ferramenta para reconhecer e combater as forças do mal na Terra. A proposta de Weyer, no entanto acabou sendo compreendida de forma equivocada, uma vez que muitos dos rituais que ele apresentava, na sua concepção não eram considerados necessariamente malignos. O médico afirmava que algumas tradições pagãs nada tinham de demoníacas e que estas não deveriam ser combatidas pela Igreja. 

Weyer foi um brilhante estudante de teologia, possuía portanto um embasamento filosófico invejável que fica óbvio em seus textos. Posteriormente ele se tornou discípulo do famoso ocultista Heinrich Cornelius Agrippa, que incentivou seu interesse no mundo das artes místicas e influenciou seu trabalho. 

O Pseudomonarchia Daedonum é formado por 69 capítulos, cada um contendo uma descrição, o nome e os poderes de um demônio específico. Os capítulos também lidam com noções de como invocar tais criaturas, como falar com elas e obrigá-las a obedecer ordens e realizar tarefas. Segundo o livro, tais demônios poderiam revelar segredos, a existência de tesouros ocultos, conceder a habilidade de controlar a vontade de outras pessoas, lançar maldições e uma série de outras proezas no campo do sobrenatural. Um capítulo cita uma entidade em particular que seria capaz de controlar o destino permitindo conhecer o futuro e realizar quaisquer mudanças nele.

É curioso destacar que Weyer foi durante toda a sua vida um cristão extremamente devoto. Em seu prefácio ao livro ele fortemente advertia contra empregar o medonho conhecimento reunido na sua obra afirmando que nada bom iria advir de seu emprego. Não obstante, ele acreditava ser necessário que tal conhecimento fosse reunido e preservado. Supõe-se que Weyer teria deixado de fora de seu compêndio capítulos que envolviam forças ainda mais nocivas e destruidoras. Com isso, ele esperava ofuscar, ao menos em parte, o perigo que seu livro poderia liberar. Acadêmicos e pesquisadores acreditam que o livro original teria pelo menos mais cinco capítulos censurados pelo próprio autor. Outros suspeitam que o livro teria ao menos mais uma dúzia de capítulos perdidos. Versões espúrias do tratado por vezes reúne um ou dois capítulos adicionais, mas não há como saber ao certo se eles são autênticos ou não.

Paramos momentaneamente por aqui, mas nossa jornada pelas páginas de tomos mágicos continua.

4 comentários:

  1. São histórias tão fantásticas e fascinantes que nem parecem verdadeiras, por um momento esperei encontrar as fichas pra RPG no fim do texto.

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  2. Muito bem escrito, obrigado pelo texto.

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