quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Cinema Tentacular: Mandy - Vingança sanguinária, surreal e Psicodélica


É difícil falar de Mandy (Mandy/2018), ainda mais, logo depois de terminar de assisti-lo.

Não por falta de assunto, mas porque ao terminar o filme, e subirem os créditos finais, você ainda está sujeito aquela sensação de ter levado um soco na boca do estômago.

Fazia tempo que eu não era acometido dessa sensação transcendental de não saber por onde começar uma resenha sobre um filme, e mesmo assim estar ansioso para escrevê-la. Mas acho que faz sentido... Mandy não é um filme convencional. Ponto!

Para começar, não espere nada fácil desse filme. Embora o roteiro seja simples e conte uma história direta ao ponto, você vai se pegar muitas vezes pensando a respeito do que acabou de assistir e das implicações da história. Isso porque Mandy parece uma mistura de filmes estranhos, uma espécie de filho bastardo de Hellraiser e do primeiro Mad Max, com um roteiro onírico de David Lynch. O resultado é algo arrebatador, incômodo e impressionante.


Pra começar a estética da filmagem. 

Mandy é todo filmado de uma maneira incomum com filtros de cores vibrantes que salientam o vermelho nas cenas de violência extrema e o azul nas de suspense e introspecção. Entre uma e outra, as imagens são granuladas ou absurdamente escuras, um tanto desfocadas, como se para reforçar que tudo aquilo que está acontecendo é um tipo de pesadelo psicodélico do qual não se consegue despertar ou uma bad trip muito louca.

Como Grindhouse, Mandy é um achado.

Não falta violência, gore e brutalidade. Um corte ou um ferimento sangram em profusão, os personagens, sempre envolvidos em brigas furiosas, batem com vontade e diferente de filmes de ação, cada golpe, cada corte ou soco parecem realmente doer. As lutas não são coreografadas, tudo é sujo e improvisado, como uma luta entre pessoas que se odeiam tende a ser. O banho de sangue chega a ser revigorante. 

Como terror, o filme também funciona bem, embora ele não seja uma produção de horror.


Há cenas viscerais e assustadoras. Temos uma gangue de motoqueiros infernais, uma gangue de verdadeiros demônios que cavalgam motos possantes pelas estradas e cometem as mais horrendas atrocidades. Parecem cenobitas saídos de um filme de Clive Barker. Convocados por um misterioso artefato, o "Chifre de Abraxas", eles vem para coletar sangue e deixam um rastro de cadáveres mutilados e violados. Atenção nos detalhes medonhos na cena no esconderijo deles.

A quadrilha/culto de maníacos lembra demais uma Família Manson abastecida de LSD até a tampa, com figuras detestáveis que disputam centímetro a centímetro uma corrida pelo pódio como coadjuvante mais aterrorizante. Sem falar no líder da turba, um sociopata megalomaníaco que acredita ser o próprio filho de Deus encarnado e que domina os demais com um carisma absolutamente maligno.

Mandy tem referências pop em todo canto, remetendo a quadrinhos, filmes e séries, rendendo cenas com homenagem rasgadas a revista Heavy Metal e produções meia boca dos anos 80. O roteiro parece se espelhar nos filmes de violência e vingança cega no qual o herói que sofre uma indignidade assume uma missão implacável na qual nada pode ficar em seu caminho (e ai de quem ousa ficar!)


O filme conta a história de um casal apaixonado, Red Miller (Nicholas "Fucking" Cage) e Mandy Bloom (Andrea Riseborough). Os dois vivem em uma área isolada nos limites de uma floresta no ano de 1983. Red é lenhador e Mandy uma artista que trabalha numa lojinha de conveniência num fim de mundo qualquer da Califórnia. A vida simples e idílica dos pombinhos, no entanto está com os dias contados. Mandy acaba atraindo a atenção de Jeremiah Sands (Linus Roache) líder de um culto religioso apocalíptico, um sujeito meio hippie que se acha um messias e que controla seus seguidores com mão de ferro. Ele convoca uma gangue de motoqueiros infernais para sequestrar Mandy e eliminar Red, mas as coisas não saem como esperado e tudo descamba para um inferno alucinante de morte, sangue e horror.

Esse é o prelúdio para que Red vista o manto da vingança encarnada e parta em uma jornada alucinante para caçar o bando e matá-los de maneiras dolorosas, usando o que estiver ao alcance de suas mãos, desde machados e facas, até bestas e serras elétricas.

Que tal tirar o elefante da sala e falar de Nicholas Cage?

Muita gente imediatamente torce o nariz quando descobre que Nic Cage está nesse filme, pois nos últimos tempos, ele virou sinônimo de produções ruins e filmes dos quais a gente se arrepende de ter perdido tempo assistindo. O ex-astro e ganhador de Oscar da Academia, não é de hoje, topa qualquer papel em troca de um cachê e parece ter adotado as filosofias "se paga bem, que mal tem"? ou "Foda-se, cadê meu dinheiro"!


Mas aqui, em Mandy ele está tão à vontade e natural que a gente chega a imaginar se ele não está totalmente alucinado como o personagem. Tem uma cena, logo depois do ataque dos cultistas em que Red entra no quarto e entorna uma garrafa de vodka no gargalo, enquanto grita colocando para fora toda a dor e frustração do mundo. A coisa chega a assustar! Ela marca o início dos preparativos do herói para o inferno e carnificina que estão por vir. Red se encontra com um tipo de mentor/sensei/cosultor de vinganças (Bill Duke) que dá a ele as coordenadas para iniciar sua tarefa! A partir daí, sai da frente que a chapa é quente! 

O papel é mais do que perfeito para Nic Cage! O personagem dele é exagerado, monossilábico e perturbador na medida certa. Sem medo de errar, eu acho que essa foi uma das melhores interpretações da carreira dele. E venhamos e convenhamos, Nicholas Cage quando motivado a encarnar um maluco perigosamente emputecido, não faz feio!

É preciso citar a atuação de Linus Roach como o maluco nada beleza Jeremiah Sands, o líder do culto apocalíptico. Embora nenhuma filosofia ou mensagem possa ser detectada em seus devaneios pseudo religiosos, ele se sai bem demais como o pastor de um rebanho de maníacos desvairados. O personagem parece calcado em cima de Charles Manson, também é um músico frustrado, egomaníaco, perigoso e abusivo. Em determinado momento ele demonstra seu poder de sedução, convencendo um de seus seguidores a brincar de roleta russa. O tom estéril de sua voz e a expressão plácida, com olhos que nunca piscam, são suficientes para nos convencer do grau de loucura e perigo que ele representa. Se Cage não estivesse sobrenatural na sua atuação, Roach roubaria o filme fácil.


Esse é apenas o segundo filme do diretor Panos Cosmatos (filho do também diretor George Pan Cosmatos, que nos anos 80 dirigiu filmes violentos e imbecis como Rambo e Cobra). Ele definitivamente parece à vontade explorando o gênero no qual seu pai ganhou fama e certo grau de infâmia (afinal, Cobra é um dos maiores lixos dos anos 80). Mandy, no entanto, é um filme que surpreende por não ser apenas aquilo que se espera e por ousar colocar estilo sobre substância. 

Trata-se de um filme absurdamente estiloso e que rende cenas memoráveis - o duelo de serras elétricas é algo de cair o queixo. Nas mãos de um diretor menos ousado, Mandy seria uma bobagem para ser esquecida, nas mãos de Cosmatos o resultado é realmente memorável.

A minha cara depois de ver esse filme!
Mandy é glorioso, sujo, difícil, bizarro, perturbador, louco, violento e surreal. E quando ele termina, além de sentir como se tivesse levado um soco na boca do estômago, você quer mais, mais, mais!

Vá assistir, deixe ele fluir através de você e aproveite a viagem.

Trailer:



Um comentário:

  1. Tava esperando essa análise aqui, tinha até pensado em indicar por comentário, mas acabei esquecendo. Realmente esse filme é uma grande viagem que não tem medo de ousar e acaba entregando várias cenas excepcionais. Gosto bastante do Nic Cage, que por sinal está ótimo nesse filme. Enfil, essa obra não é pra todo mundo, muita gente vai achar ruim e muita gente vai achar ótimo, assim como eu. No mais, esse é um vilme que vale a pena ser assistido, nem que seja para tirarem sual próprias conclusões.

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