sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

True Detective - Lembrando e esperando


Com base no artigo de Kyle Andersom do site Nerdist

Faz cinco anos desde o final da primeira temporada de True Detective, que parece muito tempo, mas que simultâneamente, parece ter sido ontem. Tempo, conforme foi dito, é um Círculo Fechado, no qual o final encontra o início. Apesar de ter sido incrível, a lacuna de quatro anos entre a primeira e a terceira temporada, pode ter apagado, ao menos em parte alguns detalhes de True Detective.

É claro, os fãs devem lembrar de algumas cenas icônicas e das divagações niilistas de Rust Cohle, personagem de Matthew McConaughey. Outra coisa que provavelmente todos devem se recordar, é do terrível vilão da temporada, o Rei Amarelo e de sua cidade cosmicamente bizarra, "Carcosa".

O que separa a primeira temporada de True Detective de todos os outros programas sobre investigação policial é a maneira como o mistério envolveu temas metafísicos. O já mencionado círculo fechado do tempo é um exemplo, mas mesmo os assassinatos em série que estavam no centro da história eram apenas uma pequena parte da trama. Mulheres deixadas mortas, amarradas, nuas e adornadas com chifres davam a impressão de algum mal escuro e profundo, muito mais cerimonial e ritualístico do que simples assassinatos. Ao longo da investigação, Cohle e seu parceiro Marty Hart (Woody Harrelson), começaram a descobrir corrupção, mentiras e acobertamentos que permitiram o Culto ao Rei Amarelo prosperar. Os poderosos sempre protegerão os poderosos.


Há uma bela dose de Horror Cósmico em tudo que envolve o Rei Amarelo na série, e isso remete aos Mythos de Cthulhu e seu criador H.P. Lovecraft. Errol Childress, a verdadeira identidade do Rei Amarelo, o assassino cultista, é marcado na face por distintas cicatrizes em uma alusão às cicatrizes que corrompem sua alma. Assim como os cultistas lovecraftianos, ele também esconde sua natureza perversa. Em histórias como "O Chamado de Cthulhu", o apocalipse é desejado por bandos de maníacos que veneram algo não humano, algo que não deveria existir e que poderia acabar com toda a vida como a conhecemos. Childress não chega a ser ruim a esse ponto, mas os temas ainda estão lá.

Childress - quando revela ser mais do que um simples zelador, faz menção de que sua família sempre esteve naquela área, vivendo ali "há muito, muito tempo". Sua família estabeleceu algum tipo de vínculo com outros clãs do condado. Isso encontra similaridade, já que ele representa o mal cósmico, com a maneira como esse mal espreita desde tempos imemoriais. Uma das marcas dos Mythos de Cthulhu é que as entidades são antigas e eternas, elas nunca deixam de existir, nunca desaparecem por completo, permanecem meramente adormecidas.


O próprio Rei Amarelo e sua cidade decrépita, Carcosa são parte dos Mythos de Cthulhu e foram absorvidos por Lovecraft e posteriormente por True Detective. Foi o escritor americano Robert W. Chambers que escreveu a antologia de contos publicado pela primeira vez em 1895, com o título de "O Rei Amarelo" (The King in Yellow). O livro é composto de dez histórias, sendo as quatro primeiras as mais estranhas e macabras, relacionando-se a uma  peça fictícia também chamada "The King in Yellow", que faz com que qualquer um que tenha lido sobre ela ou assistido uma apresentação, caia em profundo desespero e loucura.

As quatro primeiras histórias que integram a antologia tratam diretamente da Mitologia do Rei Amarelo e seu maldito emblema, o Símbolo Amarelo, cujo vislumbre suscita loucura, corrupção e paranoia. 

A primeira história da antologia, "O Reparador de Reputações", se passa em uma versão distópica da Nova York dos anos 20, embora seja possível - e até provável - que o personagem principal e narrador não seja de todo confiável, primeiro por ser ser insano e também por ter uma ligação com a peça amaldiçoada.


A segunda história é apenas minimamente conectada, mas a terceira narrativa, "Na Corte do Dragão", fala de um homem que visita uma igreja em Paris e é repentinamente tomado por um medo insuportável. Ele logo é tranquilizado pelo organista da igreja que toca uma música relaxante, mas esta vai cedendo lugar a uma melodia estranha; alta e dissonante que o deixa ainda mais apavorado. O organista se levanta e encara o narrador com um olhar de ódio incontido. O homem foge, mas passa a ver o organista em todos os lugares que vai, até que ele finalmente surge diante dele. A seguir ele desperta de volta na igreja e percebe que foi capturado pelo Rei Amarelo; a Igreja se revela como a majestosa e terrível cidade de Carcosa onde a partir de então ele será prisioneiro. 

A quarta história tem o título "O Símbolo Amarelo", e nela temos um artista aterrorizado por um vigia de igreja que nas suas palavras se assemelha a "um verme de caixão". Esta figura sinistra certo dia explica a origem do Símbolo que tanto aterroriza o narrador e de como seu criador não é humano. 

Lovecraft e outros escritores como August Derleth, que acompanharam a obra de Chambers, se apropriaram de Carcosa e do Rei Amarelo, incorporando-os às suas narrativas e desde então eles se tornaram parte indelével do Mythos de Cthulhu. O próprio Rei Amarelo se converteu no Avatar de um Deus chamado Hastur, entidade na mesma categoria de Cthulhu, peças chave para os mitos ancestrais.


Mas como tudo isso se relaciona com True Detective?

A visão negativa e profundamente niilista de True Detective encontra uma conexão com os contos de Chambers. Os temas são muito similares, relacionando loucura, perturbação e dúvidas sobre a própria condição humana. Será que Childress é verdadeiramente o Rei Amarelo, ou meramente um lunático? As mortes tem um propósito ritualístico ou não passam das ações de um homem profundamente doente? Em True Detective, Rust Cohle, que parece ter uma sensibilidade latente e compreensão semelhante aos personagens das histórias de Chambers, também não sabe ao certo. Ele experimenta alucinações - de aves voando em espirais até coisas mais bizarras, percebe os sinais, mas não sabe como interpretar o que está vendo. Exatamente como acontece com os protagonistas de Chambers.

No episódio final, quando Rust e Marty finalmente confrontam Childress, este foge para uma enorme ruína em forma de labirinto, uma representação de Carcosa na Terra. É um lugar tão assustador e surreal que não sabemos se realmente ele existe ou é mera imaginação. As fronteiras entre o mundo real e o surreal se confundem, assim como ocorre nas histórias de Chambers. Rust persegue o maníaco até uma grande antecâmara onde encontra restos de esqueletos em uma árvore e farrapos amarelados pendendo em seus galhos. O horror do Rei Amarelo, sua decadência e glória, estão ali manifestados! Antes de ser atacado e ferido por Childress, ele vê um vórtice rodopiante que pode ou não estar ali.


A primeira temporada de True Detetive, jamais explica totalmente essas ocorrências estranhas e deixa em aberto muitos de seus segredos. Mas longe disso ser uma falha no roteiro ou um demérito na trama, ele cria um resultado perturbador e arrepiante. Muitas séries sobre crimes e investigação terão um assassino ligado à adoração demoníaca ou demonologia, mas apenas True Detective conseguiu amarrar um serial killer ao Horror Cósmico niilista e apocalíptico de Lovecraft e seus seguidores. 

Se o tempo é de fato um círculo fechado, que sempre encontra seu começo no fim, então quem sabe tenha chegado o momento de começar tudo de novo.

A Terceira Temporada de True Detective está chegando.

Veremos o que nos espera.

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