sexta-feira, 29 de março de 2019

Eldritch Horror - Resenha do jogo de tabuleiro


Por Wellington Batiston

“No céu noturno, os planetas e as estrelas se alinharam, sinalizando o fim da humanidade. Numa única noite, tragédias assolam a raça humana em todos os cantos do globo.”

— “Chegou a Hora” – Carta de Mito do Eldritch Horror

Eldritch Horror segue o clássico lema de "ame-o ou odeie-o", criado no final de 2013 pela Fantasy Flight Games, teve como designers Corey Konieczka e Nikki Valens.

É um moderno jogo de tabuleiro cooperativo com temática de horror cósmico e uma rica ambientação baseada no universo Cthulhiano criado por H.P. Lovecraft.

O jogo pertence à família de jogos conhecida como “Arkham Horror Files”, sendo considerado por muitos como uma continuação direta de Arkham Horror.

Os jogadores incorporados no papel de investigadores devem percorrer o mundo, em uma corrida contra o tempo, para tentar evitar que um dos Grandes Antigos desperte e traga o fim da Humanidade.


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COMO O JOGO FUNCIONA?

O jogo possui uma estrutura relativamente simples, podendo ser jogado de 1 a 8 jogadores que durante a preparação do jogo (Setup), escolherão um investigador dentre uma lista de 12 possíveis. 

Os jogadores como um grupo escolhem qual Grande Antigo enfrentarão, no jogo base são: Azathoth, Cthulhu, Shub-Niggurath e Yog-Sothoth. Após isso organizam o deck de Mito de acordo com o instruído na carta do Grande Antigo, colocam o marcador de “Perdição” no valor indicado pelo mesmo e colocam pistas e portais iniciais no tabuleiro de acordo com o número de investigadores em jogo, para finalizar um personagem é escolhido para ser o “Investigador Líder”.




O tabuleiro representa o mapa-múndi, com diversas localidades interligadas por rotas marítimas, rotas de trem ou rotas selvagens. Em uma corrida contra o tempo, turno após turno, os investigadores vão percorrendo o globo, tentando resolver os mistérios para impedir que o Grande Antigo desperte.

Cada turno é dividido em três fases: Ações, Encontros e Mito.

— Durante a fase de Ações, começando pelo “Investigador Líder” e seguindo em sentido horário cada investigador deve realizar até duas ações (não podendo repetir), essas ações podem ser: Viajar, Comprar Itens, Trocar, Descansar, Usar Habilidade, etc.

— Durante a fase de Encontros, cada investigador deve resolver os efeitos de uma carta de eventos referente ao local onde se encontra, essas podem ser cartas de localidade (genérica ou específica), cartas de pesquisa (Pista), encontro em outro mundo (tentar fechar um portal) ou então um encontro de expedição.

Caso haja algum monstro no mesmo espaço do investigador, ele deverá resolver o encontro de combate com o mesmo antes de partir para o evento local.

— Durante a fase de Mito, o “Investigador Líder” compra uma carta de Mito e resolve seus efeitos, o que normalmente acelera o despertar do Grande Antigo ou causa todo tipo de sofrimento físico e/ou mental aos investigadores. Ao final da fase de Mito, se os investigadores tiverem concluído algum Mistério, o “Investigador Líder” compra o próximo mistério a ser resolvido, caso já tenham resolvido os três mistérios eles vencem o jogo. Porém se ainda não resolveram os três mistérios e o deck de Mitos chegar ao fim eles perdem o jogo.


IMERSÃO

A imersão deste boardgame é muito bem trabalhada, todas as cartas possuem um texto narrativo que vão se amarrando um no outro formando a história. Praticamente quase todas as cartas do jogo possuem esses textos, apenas uma minoria não tem (que são algumas cartas de itens). 

Desde o início do jogo na escolha dos personagens, com o histórico de cada um deles, mais a narração da missão do Grande antigo, os textos vindos das cartas de eventos, e dentro desse círculo outras narrações causadas por outras cartas (como magias, por exemplo), tudo se fecha numa única história. Raramente os textos não têm uma ligação narrativa fácil (bem raro), mas mesmo quando isso acontece quem já tem alguma intimidade com os Mythos consegue fazer uma ligação entre eles para montar uma história.

Outro fator que ajuda na Imersão, que do meu ponto de vista foi uma jogada genial dentro da mecânica, são as cartas dupla face. Com elas algumas coisas acontecem aos jogadores, seja por atos deles ou simplesmente por capricho do destino, o verso não pode ser lido até que o jogo mande, em algum momento no decorrer do jogo o verso da carta será revelado para contar o como aquela situação e/ou escolha afetou o jogador. Temos dois tipos de carta dupla face que precisam de atenção especial, que são:

— Cartas de Condição: Existem variados tipos de condições que seu investigador pode vir a receber no decorrer do jogo, essas cartas são a representação disso, algumas podem ser frutos direto das ações do investigador, como por exemplo as condições de "Abençoado", "Dívida" e "Pacto Obscuro", ou podem ser conseqüências de lidar com os Mythos, como por exemplo as condições "Amnésia", "Delírio" e "Paranoia". Ou simplesmente podem ser apenas caprichos que o cruel destino guarda para os investigadores, tais como as condições "Amaldiçoado", "Lesão nas Costas" ou "Lesão Interna".

Sempre que um investigador recebe alguma condição, ela fica ali junto da carta do investigador causando penalidades ou dando bônus (o que é raro), até o derradeiro momento em que o jogo manda você virar a carta, ler o seu verso e sofrer as conseqüências, às vezes podem ser coisas simples, como seu personagem tomar algum dano e ter a chance de fazer um teste para se livrar da condição. Às vezes podem ser efeitos mais sérios, como descartar a condição atual e ganhar uma nova, pois num surto de loucura existe a possibilidade de você ter feito um Pacto e ter sofrido Amnésia logo depois, e só descobrir isso quando o "Algo" vem cobrar a sua parte da barganha.

Bem resumidamente, para aqueles que já jogaram Chamado de Cthulhu, as cartas de condições (especialmente as de Loucuras) conseguem passar o gostinho - mesmo que amargo - dos infortúnios que um investigador acaba sempre sofrendo, tais como os acessos de loucuras ou os terríveis ferimentos que muitas vezes podem incapacitá-lo.


— Cartas de Magias: Aqui não há pontos de magias, ou outra mecânica de limite de utilização de magias, qualquer um pode usar magia livremente, desde que respeite a regra de não repetir ação. Mas o que realmente limita o investigador de usar magia é que ela sempre tem um preço, e em diversas vezes não é barato. Assim como as "Cartas de Condição", existe no jogo mais de uma cópia da mesma carta de magia (mudando somente o verso), para assim que o investigador adquirir uma magia, não ficar sabendo qual o seu preço, só ficará sabendo quando lançar o feitiço pela primeira vez. Particularmente acho essa mecânica da magia em carta de dupla face muito boa, aos jogadores do RPG de Chamado de Cthulhu (e outros sistemas similares) vão conseguir sentir aquele gosto de que a magia cobra o seu devido preço, os investigadores usuários de magia, por diversas vezes vão se pegar pensando e calculando se vale a pena o risco de tentar usar alguma magia ou não. E o efeito nem sempre é um só, geralmente no verso da carta tem mais de um efeito diferente, que depende do nível de sucesso de quem lançou o feitiço obteve.



As cartas dos investigadores também contribuem muito para a imersão no jogo sendo que todas tem um breve histórico de cada personagem, e também a descrição de alguns eventos após sua morte para os outros investigadores resolverem. São dois eventos, um se você morreu por dano físico e outro evento caso tenha morrido por perda de sanidade. E esses eventos explicam mais sobre a história de cada investigador. Juntando as essas histórias de cada investigador e avaliando seus atributos e habilidades é possível fazer uma analise mais profunda de cada um e chegar a alguns detalhes de sua história que não são mencionados diretamente na sua ficha.

Como, por exemplo, vamos dar uma olhada em "Silas Marsh":

Esse investigador é um marinheiro que tem uma forte ligação com o Mar, essa ligação é refletida em sua habilidade e em sua passiva. Suas proficiências estão entre as melhores do jogo, o mais equilibrado, diga-se de passagem, é um bom combatente e um bom sobrevivente, porém a sua fraqueza se encontra em sua mente baixa. Quando junta as peças do quebra cabeça, e nota que ele possui capacidades quase sobre humanas, especialmente quando está no Mar, mais o fato de ser natural de Innsmouth, e membro da família Marsh, consegue-se entender o porquê dele ser tão forte e o porquê de ter a mente já abalada, e um de seus eventos de morte concede mais pistas para esse quebra cabeça. Para quem não juntou essas pistas sobre esse investigador recomendo que leia "A Sombra sobre Innsmouth".


Bem, no geral todos os 12 investigadores possuem alguma referência a algum conto Lovecraftiano, e todos são pessoas normais, de profissões normais que caíram nessa vida de investigação seja por cruzarem com algo sobrenatural ou porque foram arrastadas para essa vida. Dentre as opções de escolha de investigador temos:

— Akachi Onyele - A Xamã

— Charlie Kane - O Político

— Diana Stanley - Cultista Arrependida

— Jacqueline Fine - A Vidente

— Jim Culver - O Músico

— Leo Anderson - Chefe de Expedição

— Lily Chen - Artista Marcial

— Lola Hayes - A Atriz

— Mark Harrigan - O Soldado

— Norman Withers - Astrônomo

— Silas Marsh, - O Marinheiro

— Trish Scarborough - A Espiã

DIFICULDADE

Considerado pela maioria dos blogs/sites especializados em Boardgame, como um dos Boards mais difíceis, Eldritch Horror vem com o lema de "ame-o ou odeie-o". Olhando em diversos fóruns e afins, grande parte do pessoal que o odeia é justamente por causa da sua dificuldade ou pelo "fator sorte", muitas situações do jogo são resolvidas com lance de dados e há jogadores que condenam essa dependência da sorte. Mas deixe-me explicar porque essa dependência de sorte ajuda na imersão, pelo menos do meu ponto de vista.

Esse "fator sorte" não é só dos tabuleiros da Arkham Horror Files, mas sim do universo Lovecraftiano, porque na lógica histórica dos contos, os investigadores estão enfrentando coisas além da compreensão, além da capacidade humana. Todos os que venceram algo desse porte, só venceram com "um golpe de sorte", quem leu os contos ou já jogou algum RPG, mesmo de Cthulhu, sabe que por melhor que seja o seu personagem, por mais bem construído e bem preparado que seja, ainda assim estará suscetível a tudo ir por água baixo a qualquer momento, o que representa a fragilidade da raça humana. Essa sensação de fragilidade que a dependência de sorte nos dados traz, é o que - mecanicamente falando - aproxima os jogadores da essência do horror cósmico.

O “fator sorte” é o que me faz sentir que o jogo pegou a essência desse estilo então eu não vejo como ponto negativo, pelo contrario, para mim é mais um ponto positivo para ele.

DOWNTIME:

Vamos falar agora sobre a parte feia do jogo, o Downtime.

Para quem não sabe, dentro do universo dos boardgames o termo Downtime se refere ao tempo de inatividade de um jogador, o tempo que ele fica esperando até chegar a sua vez novamente.

Devido a quantidade de texto que há no jogo para manter uma boa imersão a espera do jogador para que a sua vez chegue novamente pode demorar. Se todos os jogadores estiverem bem focados no jogo, o mesmo flui facilmente e a demora não chega a ser um problema, porém se um jogador não estiver com tanta atenção no jogo e ficar disperso na mesa, seja mexendo no celular ou com conversar paralelas, a falta de atenção afeta os demais e acaba deixando o jogo maçante pela demora.

Há grupos que jogam sem ler os Textos Narrativos para reduzir bastante o Downtime, porém, do meu ponto de vista, isso destrói toda a imersão do jogo e perde o melhor dele que é a ambientação.

Bom, dentre os prós e contras do jogo, para quem gosta do universo Lovecraftiano, eu recomendo muito. Não tem a mesma imersão que jogar uma partida de RPG, porém consegue chegar perto disso. Lembrando ainda que Eldritch Horror saiu aqui no Brasil através da Galápagos Jogos. Em uma próxima oportunidade falarei sobre as expansões dele e/ou seus irmãos da linha “Arkham Horror Files”.

Até breve e que Cthulhu não poupe os seus sonhos.

“Sentado num restaurante para uma refeição ordinária, você percebe o quão estranhas parecem ser as pessoas ao seu redor. Após tudo o que viu e todos os segredos fantásticos que aprendeu, você consegue se considerar como uma delas? O garçom pede que você pare de riscar a mesa com a faca.”

— “Magica Traiçoeira” – Carta de Mito do Eldritch Horror

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Wellington BatistonRPGista desde os 13 anos, narrador desde os 15. Fascinado por Horror e Lovecraft. Nas horas vagas arrisca a tentar criar sistemas de RPG e nos últimos anos se viu apaixonado pelo universo dos Boardgames.

quarta-feira, 27 de março de 2019

Quebra de segurança - Invasor da Área 51 é morto carregando estranho objeto metálico


Uma misteriosa e inexplicável quebra de segurança no Sítio de Segurança Nacional de Nevada (NNSS), recentemente progrediu para uma situação com resultados letais. O incidente reforçou a mítica natureza ultra-secreta das instalações localizadas nessa parte do deserto, que incluem a famosa Área 51, uma das mais famosas bases militares mantidas pelo governo dos Estados Unidos.

A Área 51 é uma instalação de máxima segurança utilizada para comportar e realizar testes em armamento categorizado como de máxima segurança e portanto ultra-secreto. Segundo rumores, é na área 51, localizada no Deserto de Nevada que os Militares realizam testes com armas de tecnologia potencialmente perigosa. Para outros, foi para a Área 51 que foram levadas peças e carcaças de naves espaciais recolhidas pela Força Aérea, inclusive o famoso disco voador que teria caído nos arredores de Roswell, Novo México em 1949. Na base, essa tecnologia seria analisada e em seguida duplicada por cientistas e pesquisadores. Verdade ou simples rumor, é fato que o acesso à Área 51 é absolutamente restrito e ninguém pode entrar sem as devidas credenciais.

De acordo com um comunicado oficial, em 28 de janeiro último, um homem não identificado avançou com seu automóvel contra um portão de checagem de documentos. Imediatamente o xerife do Condado de Nye e os policiais militares que fazem a segurança do complexo, foram alertados. Eles iniciaram uma perseguição em alta velocidade que se encerrou apenas 12 quilômetros adiante de onde havia começado.

Eventualmente, o carro dirigido pelo homem parou bruscamente e ele desceu do veículo. Nesse momento, as coisas ficaram ainda mais estranhas - e perigosas! De acordo com policiais, o homem desceu do carro e caminhou a direção deles carregando em suas mãos o que foi descrito como um "objeto metálico de formato cilíndrico". O homem não respondeu às ordens dadas para que deitasse no chão e largasse o objeto em questão. Quando ele ignorou o terceiro aviso e continuou andando na direção dos seguranças, estes abriram fogo. O homem foi declarado morto no local, nenhum oficial foi ferido.  


O Las Vegas Review diz que o FBI está investigando o incidente, uma vez que as instalações são consideradas como área de jurisdição federal. O Sítio de Segurança Nacional de Nevada, também conhecido como Local de Testes de Nevada, foi usado no passado como instalação para testes de armas nucleares, hojeainda é usado para desenvolvimento de programas estratégicos e pesquisa avançada. A infame Área 51 fica a pouco mais de 30 quilômetros de onde o homem foi alvejado e segundo alguns ele estaria tentando chegar até lá.

A grande questão no comunicado oficial, e que não foi respondida é: "O que era o estranho objeto cilíndrico que ele estava segurando"?

As autoridades se limitaram a dizer que os policiais que alvejaram o homem não foram capazes de determinar se era algum tipo arma. Por essa razão, eles agiram em legítima defesa. O porta-voz oficial da Força Aérea não deu maiores detalhes sobre o objeto, afirmando que todas as evidências foram recolhidas para serem utilizadas em um processo interno. A identidade do homem também não foi divulgada.

Diante de circunstâncias tão incomuns, muitas pessoas começaram a formular teorias a respeito do que poderia ter acontecido. As perguntas mais frequentes nas páginas a respeito de teorias de conspiração dizem respeito a quem seria o estranho. Seria ele um agente estrangeiro, parte de uma operação que deu errado? Alguém sob influência de uma força maior, obrigado a chegar até a Área 51? Alguém que transportava algum dispositivo de sabotagem e que pretendia acioná-lo ao chegar na base secreta? As questões mobilizaram as redes sociais nas últimas semanas.

E quanto ao objeto em si? O que poderia ser? Uma peça de sabotagem? Um tipo de explosivo? Um equipamento de origem extraterrestre? Um comunicador que permitiria a seres alienígenas falar com os responsáveis pelas instalações?     


Embora o mais provável seja que o homem sofria de algum tipo de distúrbio psicológico e estivesse carregando apenas uma lanterna ou ferramenta incomum, a ausência de detalhes sobre o incidente permitiu que as pessoas criassem diferentes conjecturas, algumas realmente inusitadas que citam até que o objeto seria uma arma de antimatéria capaz de aniquilar todo o complexo ou um gerador de "buraco de minhoca", capaz de englobar a base e transportá-la para outro planeta.   

Mesmo que seja um simples caso de doença mental ou intoxicação por drogas ou álcool, o ocorrido demonstra o quão sérias são as placas de "não ultrapasse" nessas instalações militares. As placas advertem que qualquer pessoa não autorizada será presa e poderá ser baleada caso ultrapasse os limites determinados.

Vamos aguardar algum desenrolar dessa estranha história, mas é inegável que, como tudo ligado a bases ultra-secretas, a explicação será questionada e se tornará passível de dúvidas, sugerindo algum tipo de acobertamento. 

Continuamos esperando que a verdade esteja lá fora.

*     *     *

E já que a graça é inventar alguma teoria biruta a respeito de quem era o sujeito e o que ele carregava, que tal o Mundo Tentacular contribuir?

Posso imaginar uma série de cenários diferentes para esse incidente, mas o mais tentador é acreditar que o sujeito fosse um agente da Grande Raça de Yith. Essas criaturas existem no passado remoto da Terra e são capazes de trocar suas mentes com seres humanos em qualquer época posterior para estudar e explorar diferentes períodos de tempo.


Talvez esse explorador soubesse que os militares estariam prestes a desencadear algum teste potencialmente perigoso, como por exemplo, uma bomba capaz de rasgar o tecido das dimensões e abrir as portas para outra realidade (!). Ou quem sabe, testariam uma máquina capaz de interferir com o fluxo do espaço-tempo, o que terminaria por causar a materialização de centenas de Mastins de Tindalos (!!). Talvez, o chefe de um programa ultra-secreto prestes a ser testado fosse ninguém menos do que Nyarlathotep, disfarçado como um cientista e a missão era eliminar essa ameaça (!!!). Ou ainda, um teste programado para deslocamento de matéria, acabaria por invocar Azathoth (!!!!).

Quem sabe o sujeito estivesse, tão somente, tentando alertar os militares dos graves riscos que estariam correndo e da possibilidade de deflagrar algum acontecimento terrível. Nesse caso ele estaria carregando um tipo de comunicador capaz de estabelecer contato através do tempo e ligar as autoridades a inteligências no passado distante. Nesse caso, o que poderia surgir dessa troca de informações?

Seja lá o que for, talvez seja a hora de chamar o Delta Green!

domingo, 24 de março de 2019

Aterrador - Entrevista com o diretor argentino Demian Rugna do filme Aterrorizados


Entrevista com o cineasta argentino Demian Rugna, por M.R.Terci

Sem dúvida nenhuma, o ano de 2019 será um ano muito especial para os cinéfilos, especialmente para os fãs de filmes de terror. A lista de filmes do gênero é bem longa: muita coisa está prestes a ser lançada e a expectativa só aumenta. Nesse ponto, destaque para o filme Terrified, produzido por Guillermo Del Toro, remake do filme argentino Aterrados (2017), escrito e dirigido pelo premiado cineasta Demian Rugna.

O cinema de horror sul americano cresce em qualidade e quantidade. Nos últimos anos, trabalhos notáveis ganham projeção internacional com promessas de revolucionar o gênero. Pois bem, Demian é um desses visionários que tocam o terror e conquistam cada vez mais espaço no cenário do Horror Internacional. Neste mês, M. R. Terci, autor de Imperiais de Gran Abuelo, poeta, roteirista e fã incondicional do gênero horror fez uma entrevista com o cineasta, confira!

M. R. Terci: Todos nós, fãs brasileiros, estamos ansiosos para conhecer um pouco mais de seu trabalho e quais as próximas novidades.

Demian: Certamente eles verão o Remake de Aterrorizados nos cinemas, suponho que será uma estréia importante, já que a Fox Searchlight está por trás. Depois do remake eu não sei, é muito provável que eu comece a trabalhar na 2ª parte de Aterrorizados ou talvez eu retome meu novo projeto de terror chamado "Quando o mal espreita". Mesmo assim tenho um filme inédito que fiz antes de Aterrorizados e espero lançar em breve, se chama: "Você não sabe com quem está falando", é humor negro que parodia um pouco os filmes de gênero, acho que os fãs de horror (como eu) vão gostar. Mas não se preocupem: meus próximos 2 ou 3 projetos serão puramente terror.


M. R. Terci: Literatura, quadrinhos e cinema. Quais as referências para o trabalho de Demian Rugna? Quais as suas influências dentro do gênero do horror fantástico?

Demian: Eu cresci lendo Stephen King, Poe e Lovecraft. Então cheguei ao meu Clive Barker e Cortazar. Eu acho que (especialmente nos meus primeiros filmes) a influência dos dois últimos é perceptível. No nível comic, eu venho da história em quadrinhos, quero dizer, toda a minha vida, minha abordagem para o cinema foi desenho em quadrinhos, estudei 3 anos para me profissionalizar. Eu não sou dos super-heróis, esse ramo não me pega, eu sou mais o comic europeu que foi bem desenvolvido na Argentina, o quadrinho mais autoral. Mas eu deixei minhas ambições de desenhista para ser diretor de cinema. E baseado no cinema, minha escola foi o cinema fantástico dos anos 80, acompanhei fervorosamente os filmes com seus diretores clássicos de gênero. Raimi, Craven, Carpenter, Spielberg, Cronenberg, Argento, Verhoeven e mais nos anos 90, Peter Jackson e Guillermo del Toro. Essa é a minha escola.

M. R. Terci: O que é o sobrenatural para Demian Rugna?

Demian: Eu prefiro que não tenha forma definitiva, me refiro com isso (pelo menos em Aterrorizados) a não facilitar a atribuição de forma a "um fantasma" ou "uma maldição", acredito que o sobrenatural não pode ser definido facilmente em sua origem. Sinto que é falta de respeito com o espectador quando se contrói uma história e então se diz simplesmente: tudo é causado por um fantasma. Eu sinto que o sobrenatural não pode ser explicado tão facilmente. Porque nós nem sequer sabemos (como seres humanos) de onde realmente viemos e por que estamos neste planeta. Pelo menos em Aterrorizados, tento não tomar o espectador como estúpido com uma explicação categórica e instantânea de algo inexplicável.


M. R. Terci: O horror é um gênero cinematográfico e literário muito ligado à fantasia e à ficção especulativa. No filme Aterrorizados, você aborda a questão de outros planos interdimensionais e as terríveis consequências de contata-lo. Nessa linha de raciocínio, você expõe crenças próprias?

Demian: Não. Mas devo admitir que pouco tempo depois do lançamento, um jornalista me transmitiu a informação de que meu filme tinha muitos elementos de um fenômeno, muito comum e que ocorre com muitas pessoas, chamado: "paralisia do sono". Eu não sabia nada sobre isso, mas através dessa pessoa aprendi que se tratava de um fenômeno que acontece quando você acorda no meio da noite, incapaz de mover seu corpo, mas podendo abrir os olhos, vê uma figura alta, careca e desajeitada, às vezes usando um chapéu, te observando. Então você realmente acorda e está na mesma posição. O incrível de tudo isso é que passei por um episódio assim, muito tempo depois de escrever o roteiro, sofri a paralisia do sono uma noite, vi aquela figura me observando. Mas eu sempre relaciono isso com um pesadelo. Até que eu descobri que isso é algo muito comum, comecei a pesquisar e me pareceu incrível.

No caso de Aterrorizados, tentei criar minha própria mitologia, longe do simbolismo religioso e das teorias fantasmagóricas. É por isso que não há nenhuma ouija no meu filme. Isso é simples: dimensões que se filtram entre si e esses seres estão conhecendo nosso ambiente, são eles que estão experimentando e tentando descobrir o que é o nosso mundo. O problema é que esses seres não têm a nossa moral, para nós, eles são selvagens, porque se precisarem abrir uma pessoa em dois para ver o que tem dentro, eles farão. Assim como fazemos com um inseto, sem ser mal, mas curioso.


M. R. Terci: A Fox Searchlight colocou Sacha Gervasi para escrever Terrified, um remake de Aterrados.O filme será produzido por Guillermo Del Toro. Você escreveu e dirigiu o original, e agora irá liderar o remake. Como foi esse contato, como está sendo essa experiência e o que pode nos adiantar a respeito do remake?

Demian: Ainda estamos trabalhando no roteiro, posso dizer-lhe que cada uma das cenas do terror está sendo projetada para ser muito mais espetacular. Queremos respeitar a versão original, já que é um filme que funciona e não vamos desperdiçar isso. O interessante é que eu serei o diretor do remake, então não vou deixar que machuquem meu bebê. Me dou muito bem com Sasha, ele é muito engraçado e isso é algo que eu pedi a Del Toro, alguém com humor, já que acho que um pouco de humor nos piores momentos faz o espectador relaxar um pouco para que, em seguida, possa atacá-lo com um choque de terror. A experiência está sendo muito boa. Imagine só, sou fã do gênero desde menino, aos 16 anos eu fiz uma tatuagem de Jason Voorhes, e desde criança eu sonhava em filmar em Hollywood. Então, hoje eu me deparo com meu ídolo produzindo um filme para mim. É muito louco poder discutir ideias com pessoas que admiro como verdadeiras ídolos e achar que não concordo em tudo também é muito estranho. Às vezes eu pergunto a mim mesmo "como posso contradizer as idéias de Guillermo Del Toro?", mas ele deixou muito claro, desde o começo, quando me disse: "Eu confio plenamente em seu instinto" e isso dá forças para acreditar em mim mesmo.

M. R. Terci: Após a conclusão do remake, quais os próximos projetos?

Demian: Parte 2 de Aterrorizados (eu ainda não sei qual versão, se espanhol ou inglês), "Quando o mal espreita" e libero o filme de humor negro, já filmado, chamado "Você não sabe com quem está falando".

M. R. Terci: Como você interpreta o atual momento do cinema do horror?

Demian: Uma maravilha! Eu acho que o avanço das redes sociais fez com que os fãs do gênero parassem de se sentir marginalizados, percebemos que existem muitos mais doentes mentais como nós que querem ver todos os filmes de terror do planeta, comprar o Blu-ray e colecionar as bonecas. Eu acho que isso fez o gênero fantástico se consolidar muito mais. O púbico foi fortalecido e até as críticas pararam de desrespeitar os filmes do gênero. Nesse sentido, crescemos em audiência. Então, com relação ao conteúdo, é eclético, como todos os filmes, há bons e ruins em todos os gêneros. Eu acho que o autor no gênero está ganhando espaço e isso é ótimo.


M. R. Terci: Para Demian Rugna qual foi a era de ouro dos filmes de terror?

Demian: É uma boa pergunta, mas minha resposta não é objetiva, eu amo o gênero nos anos 80, mas talvez seja porque eu cresci lá, porque foi o começo de uma revolução nos FX (efeitos especiais). Também temos de observar tudo o que exalava o horror até ali e, então, após essa parte, o que James Wan alcançou com SAW. Mas talvez venham os fãs da Hammer e queiram me linchar pelo que disse! Eu não sei, é muito pessoal, mas eu fico nos anos 80.

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M. R. Terci é escritor, roteirista e poeta. Antes de se dedicar exclusivamente a escrita, foi advogado com especialização em Direito Militar e mestrado em Direito Internacional, Ciência Política, Economia e Relações Internacionais. Autor de Imperiais de Gran Abuelo, publicada pela Pandorga, e o criador da série O Bairro da Cripta, lançada anteriormente pela LP-Books, obras que reforçaram seu nome como um dos principais autores brasileiros de horror da atualidade. Com base em fatos históricos, Terci substitui os castelos medievais pelos casarões coloniais, as aldeias de camponeses pelas cidadezinhas do interior, os condes pelos coronéis e as superstições por elementos de nosso folclore e crendices populares, numa verdadeira transposição do gótico para a realidade brasileira. Seus livros não são apenas para os fãs do gênero horror. Seu penejar é para quem aprecia uma narrativa envolvente, centrada na experiência subjetiva dos personagens mediante as possibilidades que o contexto sobrenatural de suas estórias permite.

sexta-feira, 22 de março de 2019

Cinema Tentacular: Aterrorizados - "Estão em sua Casa... e estão te observando"


Aterrorizados de Demián Rugna – uma das mais violentas e assustadoras violações da ordem natural do nosso universo 

por M.R. Terci

Apita o árbitro! Final do primeiro tempo! 

Bem amigos do Mundo Tentacular, em matéria de cinema, estamos levando de goleada dos Argentinos. Mas isso não é novidade. Historicamente, o cinema argentino é o mais desenvolvido da América Latina. Desde a década de 1970, a produção cinematográfica argentina, apoiada pelo Estado e executada através de trabalho sério, converteu-se em uma das principais do idioma castelhano. Em conjunto eles – roteiristas, diretores, compositores, atores, entre outros trabalhadores do segmento –, têm colhido frutos. Não é por menos que os hermanos já foram indicados 19 vezes ao Oscar; 07 como Melhor Filme Estrangeiro, 11 vezes com filmes icônicos que tinham diretores, compositores e roteiristas argentinos e 01 como melhor roteiro original com Birdman (2014) escrito por Nicolás Giacobone. Gustavo Santaolalla, musico e compositor argentino, ganhou o Oscar de Melhor Trilha Sonora por Brokeback Mountain (2005) e Babel (2006). Lalo Schifrin compositor e pianista argentino, entre outros sucessos, teve indicado ao Oscar a trilha sonora de Voyage of the Damned (1977) e The Amytiville Horror (1980). Assim, o cinema argentino já nos brindou com grande diversidade de filmes e temáticas. São muitos os exemplos de boas ideias argentinas utilizadas em prol da sétima arte, excelentes produções, frutos de seu tempo, filmes que sempre dialogam com o contexto em que foram realizados. 

No cinema do horror não poderia ser diferente, os argentinos já mostraram que têm grandes talentos para trabalhar e, por que não dizer, revolucionar o gênero. Mas faltava aquele longa metragem que arrebatasse a arquibancada. 


Bem amigos do Mundo Tentacular, fim do intervalo.

O árbitro autorizou o início da partida e tem jogador novo em campo.

Demián Rugna está com a bola. O camisa 10 tem no currículo vários curtas e dois longas, "Maldito Sean!" e "No Sabés con Quién Estás Hablando". Em seu novo trabalho, além de dirigir, ele também assina o roteiro. Sua direção em Aterrorizados é segura, sem exageros, e isso contribuiu para um filme convincente e maduro.

E, no melhor espírito esportivo, na linha fair play, NO SPOILERS.

Com uma narrativa não linear, dividida em três momentos ocorridos no subúrbio de Buenos Aires, o filme conta a história de uma vizinhança assombrada por seres de outra dimensão. Na primeira cena – em minha opinião, muito bem escolhida para abrir o longa –, uma mulher morre no banheiro diante de seu marido; na segunda tomada, um paranoico com mania de perseguição desaparece sem deixar vestígios. Na terceira cena, um garotinho retorna da sepultura após ter sido atropelado por um ônibus.


Da beirada do campo, fala o nosso comentarista: Com pouco mais de dez minutos em cena, o cadáver – imóvel – do menininho, colocou no chinelo os 103 minutos do garoto – que ri, faz gracinha, corre pela casa toda e mata o povo – na adaptação de Cemitério Maldito de Stephen King (produção de 11.5 milhões de dólares). 

Se até essa marca, o diretor e roteirista, Demián Rugna, tivesse se dado por satisfeito e encerrado, o filme já seria destaque em qualquer revista especializada do gênero. Mas, em busca de mais alguns pontos na tabela, o argentino partiu para o ataque.

Conectados pelos estranhos eventos, um investigador veterano da polícia e três pesquisadores de assuntos paranormais se incumbem de desvendar os segredos desse insólito rincão. Para conduzirem seus estudos e coligir dados que os ajudem a entender o fenômeno, decidem dividir a equipe em grupos que passarão a noite nas casas onde os incidentes violentos e misteriosos se sucederam. 

A partir desse ponto, o filme entra numa sequência de cenas que farão até os mais céticos pularem da cadeira. A mitologia criada por Rugna é, sem dúvida, uma das mais violentas e assustadoras violações da ordem natural do nosso universo.


Além de ser considerado por muitos críticos mundiais como um dos melhores expoentes do cinema de horror da América Latina dos últimos anos, Aterrorizados chamou a atenção do diretor Guillermo Del Toro, vencedor do Oscar 2018 de Melhor Filme por A Forma da Água, e, esse ano, vai ganhar um remake hollywoodiano produzido por ele.

"Vino con ustedes. Si. Vino con ustedes." Nunca pensei que diria isso, mas os argentinos foram fantásticos nessa película. E mais, revolucionaram. Porque cinema do horror revoluciona, não copia, não fica pulando de um pé para outro em cima de metáfora. Aterrorizados foi bem recebido porque, do começo ao fim, respeita o espectador. 

Apita o árbitro! Final de jogo no estádio. Saldo extremamente positivo no placar dos argentinos. Da arquibancada, aplaudo e recomendo com força o filme de Demián Rugna.

Trailer:


Poster:


quinta-feira, 21 de março de 2019

Ratos nas Paredes - Resenha de um RPG Lovecraftiano da Editora Fábrica


É difícil medir a importância de Lovecraft e dos Mythos para os jogos de RPG atuais, mas é fato que o autor e suas criações estão intimamente ligados ao universo dos jogos de interpretação desde os seus primórdios. 

Parece haver algo na mitologia lovecraftiana que se encaixa como uma luva em RPG. Talvez seja o fascínio de encarnar um personagem normal que se transforma por ocasião de algum mistério sobrenatural em um investigador do desconhecido, uma pessoa devotada a explorar um mundo secreto, repleto de coisas assustadoras e aterrorizantes.

Um dos mais recentes RPG a beber da aparentemente inesgotável fonte dos Mythos, tem por título Ratos nas Paredes (Rats in the Walls, não por acaso o título de um conto de Lovecraft). O jogo foi escrito por Kobayachi e publicado lá fora em 2015. Sua proposta é oferecer um sistema com regras claras, que não se atém à detalhes e pormenores, indo direto ao ponto, permitindo ao mestre maior liberdade para se concentrar estritamente na narrativa.

Reminiscente dos clássicos Advanced Fighting Fantasy uma evolução dos livros jogos, o sistema de regras é bastante simples, mas é importante estabelecer uma distinção entre "simples" e "simplório". O princípio é que o jogo corra de maneira fluida e com poucos impedimentos que atrapalhem a narrativa e impeçam seu desenvolvimento. 

Usando apenas 2 dados de seis lados, os rolamentos são feitos exclusivamente pelos jogadores - ou seja, o mestre sequer toca nos dados. Trata-se de um sistema no qual a dificuldade para os testes é fixada em 8, podendo o rolamento ser modificado por um bônus ou penalidade (em geral +/- 2) de acordo com condições específicas e dificuldades na tarefa que se pretende realizar. 

Os rolamentos são feitos tendo como base um conjunto de cinco atributos que definem os pontos fortes e fracos de seu personagem. São eles: Músculo (que engloba força e constituição físicas), Destreza (que se refere a agilidade e rapidez), Raciocínio (Inteligência e Conhecimento), Violência (que lida com os fatores de agressividade) e Vontade (atributo que define a resistência mental). Os atributos possuem um amplo leque de opções e são bastante intuitivos. Se o personagem quer superar um obstáculo testa Músculo, se quer procurar informações ou lembrar de algum detalhe acadêmico rola Raciocínio, se pretende lutar com um cultista testa Violência, e assim por diante. Cabe ao mestre apenas ajuizar o grau de dificuldade do teste e explicar o resultado. Simples e rápido!

Os personagens são criados distribuindo uma quantidade de pontos nos atributos. Estes alteram o rolamento dos dados. Os pontos podem chegar até +3 durante a criação dos investigadores, sendo que +0 é o valor normal.

Existem profissões que definem a área na qual o investigador trabalha e suas vantagens ao desempenhar essa atividade. Ocupações típicas incluem Intelectual, Detetive, Médico, Diletante, Jornalista e outros tantos ramos de atividade típicos dos protagonistas das histórias lovecraftianas. Além de definir o que você faz, a Profissão concede uma pequena vantagem ao seu personagem que será útil no correr das aventuras. Um Intelectual, por exemplo tem mais facilidade para encontrar informações acadêmicas, um detetive sabe fazer interrogatório, um médico pode curar ferimentos e assim por diante.


Além de escolher uma ocupação, é preciso definir uma Reputação pela qual  seu personagem é conhecido. Essa reputação também será importante para conceder um aspecto único ao seu personagem. Reputações podem fornecer vantagens, criar facilidades e oferecer contatos. Finalmente, o personagem escolhe ou recebe o seu equipamento inicial. Pronto! Ele já pode sair e se meter em encrencas investigando algum caso sobrenatural. Construir seu personagem, já tendo em mente um conceito, é algo rápido e intuitivo, cinco minutos e está feito! 

Há ainda alguns pormenores.

O que seria de um jogo lovecraftiano sem um medidor de sanidade? Ratos nas Paredes possui um sistema de sanidade que contempla ir perdendo a noção da realidade e escorregar gradualmente na loucura a medida que se desenvolve problemas mentais cada vez mais severos. Também, bem no estilo das ambientações de horror cósmico, os personagens são frágeis e suas vidas estão sob constante ameaça - monstros e criaturas podem matar um personagem em uma rodada, assim como facadas ou disparos de armas de fogo. E aqueles que não morrem, podem carregar para sempre as cicatrizes de batalhas e velhos ferimentos. 

Os adversários e antagonistas são definidos através de blocos de estatísticas sucintos que permitem encontrar os detalhes pertinentes que serão úteis na interação com os personagens dos jogadores.

O jogo serve bem tanto a campanhas quanto aventuras one shot. É possível dosar o grau de horror desejado, permitindo construir cenários com um clima mais pulp, no qual é possível enfrentar os horrores empregando magias, rituais e armas encantadas ou em um estilo clássico no qual o horror cobra seu preço a cada revelação bombástica. A ambientação padrão do livro básico são os anos 20, mas é possível adaptar facilmente a época e construir aventuras em outros períodos, seja medieval, clássico ou futurista.

Ratos nas Paredes está chegando ao Brasil através de Financiamento Coletivo no Cartarse, promovido pela Editora Fábrica. Uma curiosidade é que a versão nacional será totalmente diferente da edição gringa no que diz respeito ao visual e arte. Sem entrar em detalhes, a versão original tinha uma arte um tanto genérica, já a nossa edição ficará à cargo de Diego Bassinello que promete dar um perfil mais Lovecraftiano ao produto final. Pelo pouco que foi disponibilizado como exemplo do estilo gráfico a ser usado, o resultado deve ser bem atraente. O novo conceito inclui ainda uma nova capa e ficha de personagens.

Junto com o Financiamento também está sendo oferecida uma aventura introdutória

Eu tive a oportunidade de jogar uma aventura online de Ratos nas Paredes narrada pelo Stefano Pelletti e achei a proposta bem interessante. Para um jogo leve, voltado intensamente para a interpretação e narrativa, o sistema funciona bem e deixa o mestre muito à vontade para desenvolver sua história sem ficar preso a mecânica. Para quem está começando ou que deseja um jogo leve para apresentar a novos jogadores é uma excelente pedida ouvir o ruído desses ratos.

Página do Financiamento Coletivo: RATOS NAS PAREDES


terça-feira, 19 de março de 2019

Senhor das Máscaras - Falecimento do autor de Masks of Nyarlathotep


Ontem tivemos a triste notícia da morte de Larry DiTillio que trabalhou na industria dos RPG e que é conhecido entre os fãs de Chamado de Cthulhu como o idealizador de Masks of Nyarlathotep, uma das mais famosas e queridas campanhas.

A Chaosium, onde Larry trabalhou por anos, se manifestou a respeito de seu falecimento através de Mike Mason, editor da linha de Chamado de Cthulhu. Ele escreveu na página oficial da editora:

"Acordei hoje pela manhã e recebi a notícia do falecimento de Larry DiTillio.

Larry foi uma pessoa que deve ser reconhecida por sua participação na indústria dos jogos ou do entretenimento, e um homem cuja contribuição para Chamado de Cthulhu não pode ser subestimada.Antes dele começar a criar, escrever e roteirizar para a televisão, o primeiro amor de Larry foram os jogos de tabuleiro. É possível conferir o trabalho dele nos primeiros livros lançados pela Chaosium, como Ye Book of Monsters (Vol I & II), H. P. Lovecraft’s Dreamlands, Terror Australis (primeira edição), Demon Magic para Stormbringer, e vários artigos para a antiga revista da Chaosium, Different Worlds. Mas acima de udo, Larry será lembrado como o homem que criou Masks of Nyarlathotep, estabelecendo a visão de como deveriam ser as campanhas de Chamado de Cthulhu dali em diante. Ao criar essa campanha ele deu início a uma revolução no design de cenários cujos efeitos são sentidos até hoje.

Masks First Ed
Embora a Chaosium já tivesse publicado as Campanhas Shadows of Yog-Sothoth e Fungi From YuggothMasks era maior, mais épica, mais dinâmica, e tinha seu coração centrado na fragilidade humana e na corrupção desencadeada pelos Mythos. Ao invés de tratar de uma força invisível, Masks coloca os vilões no centro dos acontecimentos, tornando Masks um cenário repleto de personagens que viviam e respiravam. Larry contava que a ideia principal para escrever Masks veio até ele depois de escrever uma biografia a respeito de Jomo Kenyatta para um programa de televisão. Chaosium pediu a ele por algo que fosse mais do que "outro cenário de casa assombrada", então Larry usou seus conhecimentos a respeito de folclore africano para desenvolver uma trama a respeito de uma expedição perdida - A Expedição Carlyle. Desse ponto em diante, Masks nasceu e o resto é apenas história. 
Masks of Nyarlathotep foi um sucesso instantâneo, ganhando prêmios e gerando muitas horas de jogo para grupos ao redor do mundo. É um fato que todos aqueles que jogaram essa campanha, possuem histórias de batalha para compartilhar - em geral descrevendo a morte dramática de um personagem ou uma sequência de insanidade enquanto os personagens tentavam encontrar o paradeiro da Expedição Carlyle. O mais importante é que  atrama da campanha era tão empolgante que ajudava na interpretação dos jogadores. Além da ameaça do Deus Exterior em pessoa, os Cultos que Larry criou pareciam tangíveis e reais, e não funcionavam isoladamente – eles mantinham contato entre si, cooperando para completar um grande plano, além de caçar os investigadores e tornar suas vidas muito mais difíceis. Com isso, Larry ajudou a trazer a ambientação da campanha para o mundo real, rejeitando a noção estática de NPCs que participam da aventura somente através dos jogadores. 
Masks New Edition
Quando eu comecei a trabalhar na nova Edição de Masks of Nyarlathotep eu conversei e trabalhei com Larry. Embora ele estivesse afastado do meio dos jogos fazia algum tempo, mantendo sua aenção em vários desenhos animados como He-Man, She-Ra, Beast Wars, Murder She Wrote, The Real Ghostbusters, e um dos meus programas favoritos, Babylon 5, o amor de Larry pelo jogo continuava. Nós comnversamos a respeito da nova edição e modernizamos o texto e Larry estava satisfeito que Masks receberia o amor e atenção que merecia. Ele sempre foi totalmente solidário e ansioso pela nova edição, com a qual ele se mostrou muito satisfeito. Foi uma honra conversar com ele a respeito do jogo, seus pontos de vista a respeito da presença de Cthulhu nas várias mídias, e a nova série de televisão inspirada por Lovecraft em que ele vinha trabalhando – ele até mencionou seu interesse em escrever para uma série baseada nos Cthulhu Mythos, algo que seria sem dúvida incrível, mas que infelizmente agora jamais irá acontecer. 


Como mencionei no início, a criação de Larry em Masks of Nyarlathotep deu início a uma revolução no design de aventuras de RPG. Foi o seu sucesso que ajudou a popularizar o jogo Call of Cthulhu e apresentá-lo àqueles que desejavam sentir o que era cruzar o caminho dos Grandes Antigos. Graças a Larry tantas pessoas jogaram e continuam jogando Call of Cthulhu. E por isso, a contribuição de Larry não deve ser esquecida. 
Obrigado, Larry por sua visão, criatividade e sabedoria. Sentiremos a sua falta.
Mike Mason
March 2019
*     *     *
Desde a morte do autor, várias pessoas tem contado trechos interessantes e engraçados a respeito de sua experiência jogando ou mestrando com Masks of Nyarlathotep.

Eu joguei Masks em duas oportunidades e narrei uma vez, e é realmente uma campanha diferente. Não apenas por ser extremamente longa, detalhada e difícil, mas por permitir grandes momentos. Praticamente todos os capítulos possuem um grande momento em que o mestre e os jogadores tem a oportunidade de brilhar através de descrição e interpretação, e é isso, na minha opinião, que ajuda a construir uma grande história.

Minha história a respeito de Masks vem de quando eu joguei pela primeira vez. Comprei o Complete Masks of Nyarlathotep em meados de 1998 para um amigo narrar para o grupo. Nós estávamos vindo de Horror on the Orient Express e ansiosos por uma nova campanha de Chamado de Cthulhu. 

Na segunda aventura, jogamos na casa de um colega, um veterano de muitas sessões de Cthulhu. Ele interpretava um explorador britânico de família nobre. Seu background incluía um conhecimento profundo de história, arqueologia e antropologia, que nós havíamos decidido, seria extremamente valioso para o grupo quando viajássemos para a África e para a Ásia onde ele possuía uma série de contatos.

Pois bem, na aventura em Londres, o grupo já havia perdido dois membros em Nova York (quem já jogou a campanha sabe como esse capítulo pode ser brutal). O jogador em questão teve de fazer um novo personagem e o explorador britânico parecia uma boa aposta!

Infelizmente, o sujeito que deveria ter sido o responsável por nos guiar através de selvas, desertos e territórios inóspitos não sobreviveu a sua primeira aventura.

Não é ter perdido o personagem ou ter perdido de maneira feia que torna essa história curiosa, mas o fato de como o jogador tentou evitar sua morte. Muitas vezes, havíamos comentado o quanto era absurdo que no livro de regras de Chamado de Cthulhu (5a edição) havia as estatísticas para uma Armadura africana confeccionada com couro de elefante. Ninguém jamais havia ousado pedir ao mestre para ter algo semelhante pois ela era considerada uma apelação absurda.

Pois bem... o jogador, conseguiu convencer nosso mestre (sabe-se lá como) a permitir que ele tivesse uma armadura africana de pele de elefante em sua mansão londrina. Talvez o mestre não esperasse que ele tivesse a coragem de usar por conta das risadas que aquela apelação haviam rendido entre os jogadores anteriormente. Mas já diz o ditado: "Nunca subestime a capacidade de apelação dos seus jogadores". 

Em determinado momento da aventura, nós investigadores, tínhamos que seguir os rastros dos cultistas e descobrir o antro secreto onde eles estavam realizando seus rituais. O grupo se armou e preparou para invadir o covil dos cultistas, quando então, o jogador controlando o explorador sorri e diz que seu personagem vai pegar sua arma secreta, que estava no porta malas do carro.

Não demora e ele aparece vestindo a armadura de Couro de Elefante, o que provocou risos, choque e consternação em todos na mesa. Usar aquilo era o máximo da apelação, ainda mais em um cenário em plena Londres.

Para se defender o jogador disse: "Ora, meu personagem é um explorador!" e depois completou em um sussurro apenas para os demais jogadores - "além do mais, é Masks of Nyarlathotep, essa campanha é má demais e não quero perder outro personagem!"

Para encurtar a história, o grupo entrou no covil dos cultistas: enfrentou cenas que custaram sanidade, deram tiros pra todo lado e finalmente uma criatura dos confins do espaço/tempo foi invocada e lançada contra o pobre grupo. Nosso amigo com armadura de pele de elefante, até então, havia conseguido driblar os ataques normais, tiros e facadas, mas quando teve que enfrentar o bicharoco de outra dimensão, o reforço não adiantou nada. O grupo resolveu fugir, mas usando a couraça reforçada, o sujeito não conseguia correr... acabou se tornando um alvo fácil para o monstro. Não vou entrar em detalhes sanguinolentos, mas posso assegurar que ele nunca mais foi visto novamente.

E o pior de tudo é que o sujeito na armadura de Couro de Elefante acabou sendo a única baixa daquela sessão memorável. E claro, depois daquilo, ninguém jamais deixou ele esquecer que foi o ÚNICO JOGADOR ATÉ HOJE A USAR A MALDITA ARMADURA DE COURO DE ELEFANTE EM UMA AVENTURA DE CHAMADO DE CTHULHU.

Boa campanha! 

domingo, 17 de março de 2019

O Mundo brutal das Modernas Caça às Bruxas


Nós gostamos de pensar que vivemos atualmente em um mundo civilizado guiado pela razão e ciência, onde superstições e crendices estão mortas e enterradas, exceto por alguns poucos lugares que ainda preservam essas crenças ancestrais de nossa história. 

Ledo engano...

Existem lugares no mundo, por vezes até bastante avançados e no coração de países desenvolvidos, onde a crença nas artes negras e forças malignas continua forte como sempre, onde magia é considerada como algo real e perigoso e onde o medo do desconhecido permeia a sociedade influindo na vida das pessoas. Onde quer que exista uma crença diferente e pouco compreendida, existem aqueles decididos a destruí-la a todo custo, e embora muitos de nós possamos considerar os preceitos de algumas crenças como estranhos e incompreensíveis, existem aqueles dispostos a ir além. Perseguições, nos mesmos moldes das Caça às Bruxas de séculos atrás, continuam existindo em todos os cantos do mundo com alarmante frequência. Existe um mundo sombrio sob o nosso, onde para todos os efeitos magia, monstros e demônios são levados muitíssimo a sério, e onde batalhas contra essas forças tem lugar. E quer se pense que essas forças existem ou não, pessoas continuam morrendo.

Embora o termo "Caça às Bruxas" se refira a prática de encontrar, capturar e eliminar bruxas, ele é usado para cobrir um grande número de situações envolvendo punir transgressões de natureza espiritual. Isso pode incluir feitiçaria, magia negra, o uso de talismãs, totems e objetos místicos, o lançamento de magia, a realização de rituais e outras formas de emprego de magia. A crença que essas coisas são reais, está presente e muitas regiões do mundo, incluindo o Oriente Médio, muitas nações da África, em particular na África sub-Saariana, bem como em ilhas no Pacífico, regiões isoladas na América do Sul, na India, Nepal, Indonésia, Papua Nova-Guiné e partes da África do Sul, entre outras. Nesses lugares, diferentes modalidades de magia são consideradas muito reais, e seu uso é tido como uma séria ameaça à populações, mesmo em países modernos como a India e Arábia Saudita. Contudo, esse temos também persevera nos lugares menos esperados como nos Estados Unidos e na Europa que experimentaram o que podemos chamar de caça às bruxas moderna.


Existem muitas razões para alguém ser suspeito de praticar bruxaria.Por vezes a suspeita surge em função da crença que uma pessoa trouxe azar ou sofrimento para outra através de palavras cheias de maus agouros, maldições ou pragas. Em algumas culturas, maldições são tão temidas que considera-se possível matar através de palavras, e mais, uma maldição pode ser rogada não apenas sobre uma pessoa, as uma família, um vilarejo ou até uma cidade inteira.

Em alguns lugares, tudo que é necessário para que o clima de medo se instale é um acidente, uma seca prolongada ou um terremoto. Basta então que alguém seja apanhado agindo de maneira "suspeita" para ser rotulado como bruxo e responsável pelas tragédias que se abatem sobre outras pessoas. Doença, mortes inesperadas, loucura e uma miríade de calamidades, bem como simples azar e obra do acaso também podem ser enxergados como a ação de feiticeiros que manipulam forças malignas. Quando um terrível terremoto destruiu o Haiti, muitos acreditavam que o tremor havia sido causado por feiticeiros, o mesmo tendo acontecido no Paquistão em 2006, quando pessoas foram perseguidas em zonas rurais do país após um tremor mais forte.

O nascimento de animais e crianças com deformidades congênitas também são um sinal para muitos inequívoco da presença de feiticeiras operando suas magias nas proximidades. O princípio é que a presença de energias malignas afetam diretamente mulheres grávidas e a formação do feto. Em algumas regiões da Indonésia, mulhres grávidas são proibidas de sair de casa nos últimos 4 meses de gravidez, período em que, segundo as tradições, o feto pode ser pervertido pela ação de feitiçaria. Em regiões da Terra do Fogo, acredita-se que mulheres devem usar um patuá feito de pregos de ferro em volta do pescoço para anular as influências nefastas de feiticeiras.

Acusações de bruxaria também podem surgir quando uma pessoa é acusada de agir com inveja, avareza, ciúme, vingança ou simplesmente descaso diante de algum acontecimento. O "olho gordo" (ou "evil eye" em muitos países, literalmente traduzido como "olho maligno") é um tipo de maldição na qual uma pessoa afeta o sucesso e felicidade da outra,  simplesmente desejando a ela o pior. O que para nós, pode parecer muitas vezes, simples crendice, pode ser visto como crime em outras partes do mundo. Na Grécia é muito comum usar-se um amuleto na forma de olho para espantar o mau olhado, enquanto em Timor Leste pessoas podem ser detidas sob acusação de ter olhado para outras de maneira considerada suspeita.

Mulheres em muitos países são acusadas de bruxaria meramente por demonstrar impulsos sexuais. Em várias nações do Oriente Médio, uma mulher que demonstre exagerado interesse em atividade sexual pode ser considerada como uma bruxa. Algo pior ocorre em certas regiões da África em que o prazer sexual feminino é tido como algo essencialmente maligno e duramente combatido. Em algumas tribos subsaarianas, mulheres sofrem mutilação genital ao chegar na puberdade para evitar que elas sintam prazer durante o sexo. Ainda existe a crença de que o prazer feminino de alguma forma, rouba o prazer masculino ou ser
ve para extrair a força do homem.


Todas essas crendices e tradições presentes em culturas tão diversas e distantes demonstram uma preocupação constante e influenciam o surgimento de alegados "Caçadores de Bruxas". Sua função é desmascarar e revelar a presença de bruxos, combater suas ações e finalmente eliminá-los de uma vez por todas. Em alguns lugares, essa eliminação pode ser realizada através de exorcismos e rituais religiosos, mas em outras, "eliminar" significa exatamente exterminar.

Em muitas áreas onde se acredita em magia negra, tudo o que é necessário para que uma caçada tenha início é uma acusação. Investigações podem ser instauradas, direitos são facilmente quebrados e punições severas são impostas aos transgressores. Se o acusado tiver sorte, há algum tipo de sistema de justiça envolvido. Nesses lugares os suspeitos de bruxaria enfrentam algum tipo de julgamento, ainda que na maioria das vezes seja algo primitivo, injusto e meramente formal. tribunais investidos com autoridade podem decidir o destino de uma pessoa baseado em mera especulação e testemunhas. Os procedimentos destes tribunais e de seus oficiais se baseiam inteiramente em suas próprias crenças e superstições. Contudo, o pior é quando não há sequer julgamento ou decisão oficial, tudo que basta é um caçador carismático e uma turba impressionável que aceite sua palavra. Punições violentas como chibatadas, marcas de vergonha e banimento são algumas das penas, mas linchamentos e tortura também ocorrem. 
  
Em Gana, uma nação na África, Caça à Bruxas acontecem com surpreendente frequência nas regiões rurais. Uma das maneiras de se reconhecer se um acusado tem ou não envolvimento com magia negra envolve cortar o pescoço de uma galinha e lançá-la sobre uma mesa. Se ave morrer de costas a pessoa é inocente, mas se ela cair de frente o acusado é um bruxo. Em Zambia, espelhos são usados para verificar o reflexo de um acusado de bruxaria já que aqueles envolvidos com magia tem um reflexo "estranho". Ironicamente quem verifica o reflexo é um feiticeiro reconhecido que presta serviços para a justiça. Ele é capaz de dizer com certeza se o reflexo apresenta sinais de ter envolvimento com magia proibida ou se a pessoa realizou um simples ritual de "magia branca". 

O ofício de "Buscador de Bruxos" é bastante importante na África do Sul, onde indivíduos especialmente treinados são capazes de discernir um trabalho de magia negra de um simples e inocente ritual. Caçadores empregam um vasto repertório de métodos que os ajudam a extrair confissão, estes vão desde humilhação pública e exposição até tortura pública. No Zimbabue até poucos anos atrás existiam leis que permitiam usar ferros em brasa para extrair confissões de acusados de feitiçaria. Em tribunais mais "civilizados", uma corte é formada para trabalhar as acusações e analisar as evidências. Não há advogados, mas oficiais que estudam o caso com suposta imparcialidade e cuja função é dar a sua opinião sobre cada caso.


Mas isso é quando acontece um julgamento. Na maioria das vezes, a mera suspeita é suficiente para encarar alguém como culpado de praticar magia negra. De qualquer maneira, uma vez que alguém é condenado pela prática de bruxaria as repercussões dependem principalmente de sua cultura. Em Camarões, pessoas que são condenadas por bruxaria são obrigadas a consumir uma quantidade enorme de carne até vomitar o que, segundo as crenças, ajuda a expulsar as forças malignas que habitam seus corpos. Em Gambia, feiticeiros são aprisionados em centros de detenção onde recebem uma espécie de tratamento que os ajuda a purgar as energias demoníacas de seus corpos. Para isso, eles devem consumir bebidas e misturas especiais que provocam vômito e diarreia que ajudam a expelir o mal. Da mesma maneira, em Zambia, bruxos são obrigados a beber uma poção especial chamada kucapa, que supostamente extinguem a magia em seu organismo impedindo que eles prossigam em suas atividades.

As punições no entanto podem ser bem mais violentas e humilhantes. No Iêmem um acusado de feitiçaria pode receber até 10 chibatadas em praça pública por usar de sortilégio ou por usar magia. Se a magia for com o intuito de matar ou ferir, a pena pode ser aumentada e o criminoso pode receber uma marca de ferro quente na face, no pescoço ou na mão. Em Omã, a pena por praticar bruxaria pode ser o banimento e a renúncia da família que declara a pessoa como se estivesse morta. A pena prevê ainda que ela seja destituída de seus bens e forçada a usar uma marca que a identifique como feiticeira, uma condição que equivale a se tornar um pária.  

Em alguns países, o governo detém o direito de deter, punir e executar aqueles que são acusados de bruxaria. É dever do Estado sancionar a ação de "caçadores de bruxas" e fornecer um devido processo legal para que os acusados enfrentam o processo. Esse é o caso expresso da Arábia Saudita. onde indivíduos acusados de praticar magia negra são decapitados em praça pública. Mais comum do que esse método, em certas partes do Irã e Afeganistão, os acusados de praticar magia podem ser  apedrejados até a morte, surrados com pedaços de pau e até mesmo incinerados dependendo das leis locais. Muitos acusados preferem fugir, antecipando o que está por vir, antes que um bando furioso os procure para obter a punição.    

Mesmo que o condenado não enfrente a pena capital, eles devem esperar algum tipo de brutalidade e violência. No Sudão, até alguns anos trás, mulheres acusadas de praticar magia negra enfrentavam uma pena cruel que previa que elas fossem entregues a oficiais que tinham liberdade para estuprá-las. Homens acusados de feitiçaria no Djibuti podem perder a língua, a mão direita ou até mesmo os genitais. Em Gana, os acusados são enviados para reservas especiais - os campos de bruxos, onde podem viver, desde que prometam jamais deixar os limites dessa área demarcada.  


É estranho, mas aqueles que procuram esses santuários acabam encontrando o mesmo tipo de superstição que os fizeram correr. Muitos dos refúgios são controlados por feiticeiros credenciados que preparam poções e realizam exorcismos com o intuito de inibir os poderes dos recém chegados. Além disso, os limites das reservas são "magicamente protegidos" por totems que impedem a realização de magias - ou assim dizem.

Uposagn é uma bruxa, acusada de ter realizado um ritual de magia negra que matou uma mulher em sua aldeia no interior de Gana. Para escapar da perseguição, ela aceitou se confinar em um dos campos e se submeter ao "tratamento" que elimina sua magia. Ela vive no Campo Gnani há mais de dois anos:

 "Eu herdei os meus poderes do meu avô. As pessoas que me perseguiam vieram uma noite. Fui perseguida durante a madrugada por uma multidão armada com machetes. Eles me bateram com porretes e tentaram me matar. Por pouco não conseguiram. Eu resolvi vir para Gnani. Meus poderes não funcionam aqui, os feiticeiros retiraram eles através dos seus rituais assim que cheguei. Ao menos aqui, me sinto segura".

Esse tipo de perseguição empreendido contra feiticeiras e bruxos sempre foi comum, mas nos tempos modernos parece ter aumentado. Não há um número, mas acredita-se que mais pessoas são mortas hoje, acusadas de bruxaria do que em qualquer outro período da história, inclusive na Idade Média. Os casos de violência contra praticantes de magia negra são tantos que fez as Nações Unidas e grupos de direitos humanos estimarem que milhares de pessoas são mortas anualmente , e possivelmente milhões são torturadas, agredidas, feridas e banidas. As Caça à Bruxas são frequentes e autoridades locais tendem a fechar os olhos para violência e violações, isso quando não participam ativamente  delas. Surpreendentemente muitos casos não estão restritos a áreas rurais afastadas e zonas rurais com pessoas sem educação e supersticiosas. Em Papua Nova Guiné, por exemplo, a crença em magia negra e bruxaria persiste em todas as cidades, mesmo na Capital Port Moresby. Lá, não é raro que os jornais tragam notícias a respeito de bruxos capturados e pessoas sendo processadas por se valer de magia negra.



Recentemente, uma quantidade assustadora de casos ajudaram a lançar uma luz sobre ocorrências de caça às bruxas. Em 2008, uma sanguinária perseguição no Quênia resultou na captura e queima de 11 pessoas acusadas de bruxaria bem diante de autoridades e testemunhas que não conseguiram impedir o linchamento. Em 2012, no Nepal, Dhegani Mahato, uma mulher de 40 anos, foi acusada por um chefe tribal de ter provocado uma doença em uma pessoa do vilarejo em que viviam. Os membros da família de Mahato a agrediram com porretes e pedras até que ela perdesse a consciência, em seguida atearam fogo ao seu corpo com gasolina, a matando. Ao menos nesse caso, a polícia agiu prendendo 10 pessoas envolvidas no assassinato, mas as penas foram mais leves do que o esperado. Também em 2012, Maria Berenice Martinez, foi acusada de bruxaria em sua cidade Santa Barbara, na Colombia. Ela teve os cabelos raspados, foi arrastada pelas ruas e agredida por populares. Quando ela enfim foi resgatada, seus perseguidores atearam fogo a sua casa e ela morreu no ncêndio.

No ano seguinte, 2013 também ocorreram vários casos de caça às bruxas noticiados pela imprensa. Talvez o mais famoso e perturbador tenha ocorrido em Mount Hagen, Papua Nova Guiné. A jovem Kepari Leniata de 20 anos foi acusada pela família de ter matado um menino de seis anos usando magia negra. A mulher foi capturada em sua casa, surrada, despida, coberta de gasolina e publicamente incendiada diante de centenas de pessoas que gritavam e aplaudiam a cena medonha. A polícia não foi capaz de intervir. No mesmo ano ocorreu um segundo caso em Papua, dessa vez envolvendo três mulheres e dois homens que foram feitos prisioneiros e torturados com ferros em brasa por vinte dias em uma cadeia. A acusação contra eles era de que praticavam feitiçaria e que estavam em conluio com forças diabólicas. Os cinco acabaram sendo assassinados e seus corpos incinerados. Também em 2013, outras quatro mulheres foram torturadas e uma delas decapitada após serem acusadas de bruxaria, mais uma vez em Papua.

Enquanto isso, na India, um casal em Assam, foi acusado de praticar magia negra. Os dois foram agredidos por uma turba violenta que usou machetes e machadinhas para matá-los e em seguida esquartejar os cadáveres. A violência não ficou confinada lá. Em Chattisgarh, uma mulher idosa foi assassinada à pedradas e sua filha estuprada por uma multidão que as acusava de realizar magias e roubar cadáveres.


Engana-se quem pensa que essa onda de Caça às Bruxas se restringe aos lugares menos desenvolvidos. 

Em 2014, Carlos Alberto Amarillo brutalmente matou sua namorada e uma de suas filhas usando um martelo. O local onde ocorreu essa tragédia não era um recanto isolado do terceiro mundo, mas a cidade de Nova York. Amarillo estava convencido que as mulheres eram bruxas e estavam conspirando para matá-lo usando magia negra. Identificadas como Estrella Castaneda, de 56 anos e Lina Castaneda de 25, as duas foram encontradas mortas com fronhas enfiadas na cabeça e mãos amarradas nas costas. O assassino contou às autoridades que ele estava sob ataque de magia negra lançada por mãe e filha que realizavam trabalhos de vodu. Em 2010, na Inglaterra um rapaz de 15 anos foi torturado e morto no East London depois de ser acusado de praticar bruxaria. Um tio foi o principal responsável pelo assassinato, ele dizia que o rapaz estava envolvido com magia negra.

Tais casos chocantes tem se multiplicado de maneira alarmante e caçadores de bruxas modernas tem agido cada vez mais impunemente. O tamanho do problema é desconhecido já que muitas mortes acabam acobertadas ou não são satisfatoriamente investigadas pelas autoridades. Em outros casos, os assassinatos acabam sendo sancionados pelo próprio governo que incentiva e promove as execuções de alegados feiticeiros e bruxos como uma maneira de "limpar a sociedade". 

É notável que embora a maior parte de nós acreditemos viver na era da razão e em tempos esclarecidos, tal coisa continue acontecendo. Muitos acreditam que a Caça às Bruxas é algo relegado ao nosso passado e momentos menos agradáveis de nossa história. Infelizmente, na realidade, trata-se de algo incrivelmente contemporâneo. A "luta contra magia negra" e "feitiçaria" continua sendo travada e muitos de nós não fazemos nem ideia do que está acontecendo. Não importa se acreditamos que a magia existe ou não, essas mortes são reais e vão continuar acontecendo.