sexta-feira, 29 de março de 2019

Eldritch Horror - Resenha do jogo de tabuleiro


Por Wellington Batiston

“No céu noturno, os planetas e as estrelas se alinharam, sinalizando o fim da humanidade. Numa única noite, tragédias assolam a raça humana em todos os cantos do globo.”

— “Chegou a Hora” – Carta de Mito do Eldritch Horror

Eldritch Horror segue o clássico lema de "ame-o ou odeie-o", criado no final de 2013 pela Fantasy Flight Games, teve como designers Corey Konieczka e Nikki Valens.

É um moderno jogo de tabuleiro cooperativo com temática de horror cósmico e uma rica ambientação baseada no universo Cthulhiano criado por H.P. Lovecraft.

O jogo pertence à família de jogos conhecida como “Arkham Horror Files”, sendo considerado por muitos como uma continuação direta de Arkham Horror.

Os jogadores incorporados no papel de investigadores devem percorrer o mundo, em uma corrida contra o tempo, para tentar evitar que um dos Grandes Antigos desperte e traga o fim da Humanidade.


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COMO O JOGO FUNCIONA?

O jogo possui uma estrutura relativamente simples, podendo ser jogado de 1 a 8 jogadores que durante a preparação do jogo (Setup), escolherão um investigador dentre uma lista de 12 possíveis. 

Os jogadores como um grupo escolhem qual Grande Antigo enfrentarão, no jogo base são: Azathoth, Cthulhu, Shub-Niggurath e Yog-Sothoth. Após isso organizam o deck de Mito de acordo com o instruído na carta do Grande Antigo, colocam o marcador de “Perdição” no valor indicado pelo mesmo e colocam pistas e portais iniciais no tabuleiro de acordo com o número de investigadores em jogo, para finalizar um personagem é escolhido para ser o “Investigador Líder”.




O tabuleiro representa o mapa-múndi, com diversas localidades interligadas por rotas marítimas, rotas de trem ou rotas selvagens. Em uma corrida contra o tempo, turno após turno, os investigadores vão percorrendo o globo, tentando resolver os mistérios para impedir que o Grande Antigo desperte.

Cada turno é dividido em três fases: Ações, Encontros e Mito.

— Durante a fase de Ações, começando pelo “Investigador Líder” e seguindo em sentido horário cada investigador deve realizar até duas ações (não podendo repetir), essas ações podem ser: Viajar, Comprar Itens, Trocar, Descansar, Usar Habilidade, etc.

— Durante a fase de Encontros, cada investigador deve resolver os efeitos de uma carta de eventos referente ao local onde se encontra, essas podem ser cartas de localidade (genérica ou específica), cartas de pesquisa (Pista), encontro em outro mundo (tentar fechar um portal) ou então um encontro de expedição.

Caso haja algum monstro no mesmo espaço do investigador, ele deverá resolver o encontro de combate com o mesmo antes de partir para o evento local.

— Durante a fase de Mito, o “Investigador Líder” compra uma carta de Mito e resolve seus efeitos, o que normalmente acelera o despertar do Grande Antigo ou causa todo tipo de sofrimento físico e/ou mental aos investigadores. Ao final da fase de Mito, se os investigadores tiverem concluído algum Mistério, o “Investigador Líder” compra o próximo mistério a ser resolvido, caso já tenham resolvido os três mistérios eles vencem o jogo. Porém se ainda não resolveram os três mistérios e o deck de Mitos chegar ao fim eles perdem o jogo.


IMERSÃO

A imersão deste boardgame é muito bem trabalhada, todas as cartas possuem um texto narrativo que vão se amarrando um no outro formando a história. Praticamente quase todas as cartas do jogo possuem esses textos, apenas uma minoria não tem (que são algumas cartas de itens). 

Desde o início do jogo na escolha dos personagens, com o histórico de cada um deles, mais a narração da missão do Grande antigo, os textos vindos das cartas de eventos, e dentro desse círculo outras narrações causadas por outras cartas (como magias, por exemplo), tudo se fecha numa única história. Raramente os textos não têm uma ligação narrativa fácil (bem raro), mas mesmo quando isso acontece quem já tem alguma intimidade com os Mythos consegue fazer uma ligação entre eles para montar uma história.

Outro fator que ajuda na Imersão, que do meu ponto de vista foi uma jogada genial dentro da mecânica, são as cartas dupla face. Com elas algumas coisas acontecem aos jogadores, seja por atos deles ou simplesmente por capricho do destino, o verso não pode ser lido até que o jogo mande, em algum momento no decorrer do jogo o verso da carta será revelado para contar o como aquela situação e/ou escolha afetou o jogador. Temos dois tipos de carta dupla face que precisam de atenção especial, que são:

— Cartas de Condição: Existem variados tipos de condições que seu investigador pode vir a receber no decorrer do jogo, essas cartas são a representação disso, algumas podem ser frutos direto das ações do investigador, como por exemplo as condições de "Abençoado", "Dívida" e "Pacto Obscuro", ou podem ser conseqüências de lidar com os Mythos, como por exemplo as condições "Amnésia", "Delírio" e "Paranoia". Ou simplesmente podem ser apenas caprichos que o cruel destino guarda para os investigadores, tais como as condições "Amaldiçoado", "Lesão nas Costas" ou "Lesão Interna".

Sempre que um investigador recebe alguma condição, ela fica ali junto da carta do investigador causando penalidades ou dando bônus (o que é raro), até o derradeiro momento em que o jogo manda você virar a carta, ler o seu verso e sofrer as conseqüências, às vezes podem ser coisas simples, como seu personagem tomar algum dano e ter a chance de fazer um teste para se livrar da condição. Às vezes podem ser efeitos mais sérios, como descartar a condição atual e ganhar uma nova, pois num surto de loucura existe a possibilidade de você ter feito um Pacto e ter sofrido Amnésia logo depois, e só descobrir isso quando o "Algo" vem cobrar a sua parte da barganha.

Bem resumidamente, para aqueles que já jogaram Chamado de Cthulhu, as cartas de condições (especialmente as de Loucuras) conseguem passar o gostinho - mesmo que amargo - dos infortúnios que um investigador acaba sempre sofrendo, tais como os acessos de loucuras ou os terríveis ferimentos que muitas vezes podem incapacitá-lo.


— Cartas de Magias: Aqui não há pontos de magias, ou outra mecânica de limite de utilização de magias, qualquer um pode usar magia livremente, desde que respeite a regra de não repetir ação. Mas o que realmente limita o investigador de usar magia é que ela sempre tem um preço, e em diversas vezes não é barato. Assim como as "Cartas de Condição", existe no jogo mais de uma cópia da mesma carta de magia (mudando somente o verso), para assim que o investigador adquirir uma magia, não ficar sabendo qual o seu preço, só ficará sabendo quando lançar o feitiço pela primeira vez. Particularmente acho essa mecânica da magia em carta de dupla face muito boa, aos jogadores do RPG de Chamado de Cthulhu (e outros sistemas similares) vão conseguir sentir aquele gosto de que a magia cobra o seu devido preço, os investigadores usuários de magia, por diversas vezes vão se pegar pensando e calculando se vale a pena o risco de tentar usar alguma magia ou não. E o efeito nem sempre é um só, geralmente no verso da carta tem mais de um efeito diferente, que depende do nível de sucesso de quem lançou o feitiço obteve.



As cartas dos investigadores também contribuem muito para a imersão no jogo sendo que todas tem um breve histórico de cada personagem, e também a descrição de alguns eventos após sua morte para os outros investigadores resolverem. São dois eventos, um se você morreu por dano físico e outro evento caso tenha morrido por perda de sanidade. E esses eventos explicam mais sobre a história de cada investigador. Juntando as essas histórias de cada investigador e avaliando seus atributos e habilidades é possível fazer uma analise mais profunda de cada um e chegar a alguns detalhes de sua história que não são mencionados diretamente na sua ficha.

Como, por exemplo, vamos dar uma olhada em "Silas Marsh":

Esse investigador é um marinheiro que tem uma forte ligação com o Mar, essa ligação é refletida em sua habilidade e em sua passiva. Suas proficiências estão entre as melhores do jogo, o mais equilibrado, diga-se de passagem, é um bom combatente e um bom sobrevivente, porém a sua fraqueza se encontra em sua mente baixa. Quando junta as peças do quebra cabeça, e nota que ele possui capacidades quase sobre humanas, especialmente quando está no Mar, mais o fato de ser natural de Innsmouth, e membro da família Marsh, consegue-se entender o porquê dele ser tão forte e o porquê de ter a mente já abalada, e um de seus eventos de morte concede mais pistas para esse quebra cabeça. Para quem não juntou essas pistas sobre esse investigador recomendo que leia "A Sombra sobre Innsmouth".


Bem, no geral todos os 12 investigadores possuem alguma referência a algum conto Lovecraftiano, e todos são pessoas normais, de profissões normais que caíram nessa vida de investigação seja por cruzarem com algo sobrenatural ou porque foram arrastadas para essa vida. Dentre as opções de escolha de investigador temos:

— Akachi Onyele - A Xamã

— Charlie Kane - O Político

— Diana Stanley - Cultista Arrependida

— Jacqueline Fine - A Vidente

— Jim Culver - O Músico

— Leo Anderson - Chefe de Expedição

— Lily Chen - Artista Marcial

— Lola Hayes - A Atriz

— Mark Harrigan - O Soldado

— Norman Withers - Astrônomo

— Silas Marsh, - O Marinheiro

— Trish Scarborough - A Espiã

DIFICULDADE

Considerado pela maioria dos blogs/sites especializados em Boardgame, como um dos Boards mais difíceis, Eldritch Horror vem com o lema de "ame-o ou odeie-o". Olhando em diversos fóruns e afins, grande parte do pessoal que o odeia é justamente por causa da sua dificuldade ou pelo "fator sorte", muitas situações do jogo são resolvidas com lance de dados e há jogadores que condenam essa dependência da sorte. Mas deixe-me explicar porque essa dependência de sorte ajuda na imersão, pelo menos do meu ponto de vista.

Esse "fator sorte" não é só dos tabuleiros da Arkham Horror Files, mas sim do universo Lovecraftiano, porque na lógica histórica dos contos, os investigadores estão enfrentando coisas além da compreensão, além da capacidade humana. Todos os que venceram algo desse porte, só venceram com "um golpe de sorte", quem leu os contos ou já jogou algum RPG, mesmo de Cthulhu, sabe que por melhor que seja o seu personagem, por mais bem construído e bem preparado que seja, ainda assim estará suscetível a tudo ir por água baixo a qualquer momento, o que representa a fragilidade da raça humana. Essa sensação de fragilidade que a dependência de sorte nos dados traz, é o que - mecanicamente falando - aproxima os jogadores da essência do horror cósmico.

O “fator sorte” é o que me faz sentir que o jogo pegou a essência desse estilo então eu não vejo como ponto negativo, pelo contrario, para mim é mais um ponto positivo para ele.

DOWNTIME:

Vamos falar agora sobre a parte feia do jogo, o Downtime.

Para quem não sabe, dentro do universo dos boardgames o termo Downtime se refere ao tempo de inatividade de um jogador, o tempo que ele fica esperando até chegar a sua vez novamente.

Devido a quantidade de texto que há no jogo para manter uma boa imersão a espera do jogador para que a sua vez chegue novamente pode demorar. Se todos os jogadores estiverem bem focados no jogo, o mesmo flui facilmente e a demora não chega a ser um problema, porém se um jogador não estiver com tanta atenção no jogo e ficar disperso na mesa, seja mexendo no celular ou com conversar paralelas, a falta de atenção afeta os demais e acaba deixando o jogo maçante pela demora.

Há grupos que jogam sem ler os Textos Narrativos para reduzir bastante o Downtime, porém, do meu ponto de vista, isso destrói toda a imersão do jogo e perde o melhor dele que é a ambientação.

Bom, dentre os prós e contras do jogo, para quem gosta do universo Lovecraftiano, eu recomendo muito. Não tem a mesma imersão que jogar uma partida de RPG, porém consegue chegar perto disso. Lembrando ainda que Eldritch Horror saiu aqui no Brasil através da Galápagos Jogos. Em uma próxima oportunidade falarei sobre as expansões dele e/ou seus irmãos da linha “Arkham Horror Files”.

Até breve e que Cthulhu não poupe os seus sonhos.

“Sentado num restaurante para uma refeição ordinária, você percebe o quão estranhas parecem ser as pessoas ao seu redor. Após tudo o que viu e todos os segredos fantásticos que aprendeu, você consegue se considerar como uma delas? O garçom pede que você pare de riscar a mesa com a faca.”

— “Magica Traiçoeira” – Carta de Mito do Eldritch Horror

*     *     *

Wellington BatistonRPGista desde os 13 anos, narrador desde os 15. Fascinado por Horror e Lovecraft. Nas horas vagas arrisca a tentar criar sistemas de RPG e nos últimos anos se viu apaixonado pelo universo dos Boardgames.

8 comentários:

  1. Excelente texto,pena q o preço salgado as vezes torna inviável o jogo para o grande público

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  2. Eu o comprei e é meu tesouro <3
    Pena que nem sempre tenho com quem jogar :/

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  3. Parabéns, pela resenha, mestre!

    Aguardando por mais textos bons, inclusive sobre os RPGs que jogamos desde que quando éramos moleques.

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  4. Show!! melhor texto que descreve essa maravilha de jogo, e tive o prazer de jogar com o melhor, Wellignton bastiton!!

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  5. Excelente game! Acho que o que mais gostei nele foi essa ambientação, o clima da tenção da possibilidade de vencer ou ser derrotado.

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  6. Ótimo. Cara obrigado pela resenha. Vou tentar comprar para jogar com meu grupo.

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  7. Aguardo as resenhas das expansões. E também do jogo " Fiasco ".

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