quarta-feira, 12 de junho de 2019

Cinema Tentacular - Cemitério Maldito - "Morto às vezes é melhor"


Stephen King e Hollywood não são exatamente parceiros estranhos. 

Um dos mais famosos e lidos autores da atualidade e a indústria do cinema fizeram repetidas parcerias ao longo dos anos. Algumas com resultados interessantes, a maioria de qualidade mediana, algumas dignas de esquecimento. Enquanto muitas obras interessantes de King permaneçam ainda não adaptadas (The Girl Who Loved Tom Gordon, Revival, e Buick 8, para citar apenas três), é curioso que uma já anteriormente filmada ganhe um remake.

Cemitério Maldito (Pet Sematary) é, sem dúvida uma das mais pesadas, sinistras e macabras novelas de Stephen King. O que em se tratando do autor de Iluminado, It e Carrie, não é pouca coisa. O próprio King disse em entrevistas que de todos seus trabalhos, Cemitério é aquele que mais o assustou e que realmente lhe causou pesadelos. Não é para menos: o romance, lançado em 1983, é uma análise profunda da perda, da tragédia e da loucura, com pinceladas fortes de drama e horror. A história toca em um horror que nenhum pai gostaria de enfrentar, a perda de um filho, e pergunta até onde eles estariam dispostos a ir para apagar tudo e voltar tudo, como era antes.


Para muitos, Cemitério é um dos melhores livros do autor, com certeza ele figura na lista dos fãs como um dos preferidos. Uma história ao mesmo tempo abrasiva e difícil, mas escrita de uma forma tão instigante que não tem como evitar de virar página atrás de página. Eu escrevi uma resenha a respeito do romance aqui no Mundo Tentacular, que está à um click de distância, bastando clicar AQUI

Em 1989, Cemitério Maldito foi adaptado para o cinema, com direção de Mary Lambert e dividiu opiniões. O roteiro cortou alguns detalhes cruciais da trama, para investir pesado na carga dramática. O envolvimento do Wendigo, a criatura do folclore nativo-americano, que no livro é responsável pelo Cemitério, foi suplantada pela tragédia familiar que dá o tom na história. O sobrenatural é apenas uma circunstância para realçar o luto e as repercussões dele. 

Não é ruim! Cemitério Maldito continua sendo um filme macabro e uma bela adaptação e os fãs do horror tendem geralmente a elogiá-lo. Então, por que uma nova adaptação?


Trinta anos se passaram entre o Cemitério original e o novo. Recentemente IT (A Coisa), outra obra quintessencial de King, foi adaptada para o cinema e se tornou um sucesso de público e crítica, um dos filmes de horror com maior bilheteria na história. King continua vendendo como sempre e sua obra não perdeu fôlego. A base de fãs continua grande e o nome "Stephen King" atrai público. Então parecia uma jogada inteligente revisitar o Cemitério Maldito e tentar adaptá-lo para uma nova geração.

Parecia, poderia, seria... mas como dizem, de boas intenções o inferno está cheio.

Dirigido por Kevin Kölsch e Dennis Widmyer, o Cemitério Maldito versão 2019, acaba sendo um filme um tanto anêmico.


Não me entendam mal, a história continua interessante e o roteiro se esforça para construir uma empatia entre o público e os personagens, mas no fim, essa conexão não se concretiza. Em essência, a história continua bastante fiel a novela em que ele se baseia, mas o roteiro toma algumas liberdades, alterando detalhes para quem sabe soar inovador e atrair quem viu o primeiro filme ou leu a novela. Sem estragar a diversão alheia com spoilers, uma das mudanças é considerável, mas no fim acaba não causando o mesmo impacto que as versões anteriores. O filme tem o mérito de ser mais sério do que o anterior e busca preencher lacunas com um sentimento sinistro que permeia boa parte da duração do filme. Funciona em alguns momentos, mas em outros, parece que ficou solto demais.

Um dos problemas ao meu ver é que o filme ficou corrido demais. As coisas vão acontecendo em um ritmo rápido, como se os diretores tivessem pressa de chegar logo na parte do sangue e arrepios. Construção e desenvolvimento são coisas essenciais em qualquer boa história (vide Hereditário e A Bruxa), e o roteiro do filme poderia se beneficiar com um ritmo mais lento, que ajudasse a conectar a história e apresentar os personagens.

Para quem não conhece nada a respeito de Cemitério Maldito, a trama acompanha os Creeds, uma família que se muda para uma área rural do Maine (sempre o Maine!) na esperança de encontrar seu cantinho no paraíso. Infelizmente acabam achando um pesadelo aterrador. Louis (Jason Clarke) e Rachel (Amy Seimetz), tentam se estabelecer na comunidade com seus filhos Ellie (Jeté Laurence) e Gage (Hugo Lavoie), de 8 e 3 anos respectivamente. A família rapidamente fica amiga de Jud Crandall (John Lithgow), o vizinho que sempre viveu na cidadezinha e conhece não apenas o modo de vida local, mas os  seus segredos mais profundos. Quando o gato de Ellie morre em um acidente na perigosa estrada onde trafegam caminhões em alta velocidade, Jud compartilha com Louis o segredo a respeito de um lugar sagrado, localizado além do Cemitério de Animais. Trata-se de um terreno místico usado no passado pelos nativos e que possui poderes sobrenaturais. Contudo, esse lugar acabará trazendo graves repercussões para a família quando uma nova e mais terrível tragédia se abater sobre eles. 


As atuações são muito boas e a escolha do elenco parece ter sido muito acertada. O veterano ator John Lithgow é perfeito para o papel do vizinho e atua com solenidade e sabedoria, mas é Jeté Laurence quem brilha como a filha, Ellie. Nessa versão, ela tem muito mais importância que seu irmãozinho e aproveita a oportunidade para produzir os melhores momentos do filme. O casal de protagonistas dá conta do recado, mas a pressa em acelerar acontecimentos faz com que o mergulho na loucura dos personagens soe um tantinho forçado. O filme poderia ser bem mais interessante se tudo ocorresse de forma gradual, mas ele perde um pouco a mão na ânsia de ir direto para a parte dos sustos. A amizade entre Louis e Jud, que é um dos pontos centrais do livro, mal é explorada no filme. Também ficam de fora os pais de Rachel, os piores sogros da história. 

Assim como aconteceu no filme da década de 1980, o roteiro da nova versão diminui o envolvimento do Wendigo como causador dos infortúnios pelos quais a família passa. Embora ele seja citado brevemente, a trama assume que a força macabra que habita o terreno além do Cemitério é algo sem nome e que não pode ser explicada de forma racional. Não é ruim, mas deixa em aberto algumas questões que poderiam ser relevantes.

Além do excelente trabalho do elenco, o filme se esforça para criar uma atmosfera macabra. A cena em que crianças seguem em procissão para o cemitério de animais, vestindo máscaras é triste e sinistra na medida perfeita, mas logo essa aura de estranheza se dissipa. As aparições do espírito que tenta avisar Louis de que a desgraça acompanha aqueles que tentam alterar o inevitável, também poderia ser melhor explorada. Há alguns sustos, que felizmente não são gratuitos e o sangue não é exagerado. O final do filme, é diferente da versão original e conclui a trama de uma maneira que se não é sensacional, ao menos acaba sendo satisfatória.


De um forma geral, o filme é pouco mais do que um entretenimento rápido com alguns arrepios ocasionais. Poderia ser muito mais intenso, já que o material no qual ele se baseia é literalmente combustível para pesadelos. Em mãos mais capazes, Cemitério Maldito tinha tudo para se tornar um filme memorável, mas a sensação é que desperdiçaram essa chance uma segunda vez para apostar no "certo, ao invés do duvidoso".  

O novo Pet Sematary pode ser mais sólido e contar com melhores atuações, mas infelizmente falha justamente em causar choque e perturbação, um pecado grave em filmes de terror que se propõem a ir além do convencional. No fim das contas, fica a frase que é dita em um momento chave "Morto às vezes é melhor".

Trailer:



Poster:


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