segunda-feira, 1 de julho de 2019

A Lei do Contágio - Um fungo capaz de contaminar, controlar e matar


"A natureza é sábia".

Eu não consigo colocar em palavras o quanto essa frase me incomoda. Não por ser uma inverdade, mas por que a natureza é muitas outras coisas antes de sábia, sendo que IMPLACÁVEL me parece ser a mais flagrante.

Nos implacáveis jogos da evolução e sobrevivência, não há espaço para os fracos. Aqueles que não são capazes de se adaptar ou se valer de suas vantagens acabam sendo removidos do tabuleiro evolutivo. Como resultado: morte, extinção e esquecimento.

Em uma notícia especialmente medonha do mundo natural, cientistas descobriram detalhes a respeito de um fungo que afeta cigarras de uma maneira até então desconhecida. Ele compele seus hospedeiros a acasalar muito depois de seus genitais se desfazerem e transforma seus corpos em simulacros para uma doença mortal que se espalha, domina e mata todos que toca.

O fungo em questão é chamado Massopora cicadina, e seus efeitos quando compreendidos na sua extensão são nada menos do que perturbadores. Na pratica, os pobres insetos são dominados e compelidos a procriar desesperadamente, se tornam incapazes de evitar esse impeto e assumem um comportamento simplesmente bizarro. Que os perverte e vai contra sua natureza. 

Uma equipe de pesquisadores norte-americanos que analisaram uma população de cigarras infectadas pelo fungo patogênico, encontraram efeitos similares a anfetaminas e outros compostos químicos psicoativos.


A agressividade e a forma como esse fungo atua sobre seus hospedeiros surpreendeu até mesmo pesquisadores como Norman Keyser, um dos maiores especialistas em fungos no mundo e que já viu praticamente de tudo.

"Esses compostos psicoativos afetam as cigarras como se fossem drogas que causam mudanças comportamentais acentuadas. Imagine a pior viagem induzida por drogas potentes, multiplicada por 1000. Ainda assim não será perto do que elas experimentam.".  

A forma como este patógeno fungal produz moléculas e enzimas pode abrir caminho para a industria farmacêutica desenvolver drogas e substancias únicas. Entretanto, quando analisamos os detalhes a respeito do M. cicada, nossa primeira reação é querer manter distancia dele e de tudo que ele representa.

O fungo parece se desenvolver em lugares onde a população de cigarras se concentra, infectando arvores e o solo onde as larvas se desenvolvem. Muitas vezes, estas acabam nascendo já infectadas, prontas para espalhar a doença para os outros membros de sua especie. As cigarras contaminadas produzem os esporos em seus próprios corpos, liberando-os a medida que voam e se aproximam de outros membros da especie. Um espécime contaminado desenvolve bolsas tumorosas, grandes e repletas de esporos. Estas crescem no corpo inteiro quase dobrando o peso do inseto. Essas bolsas estouram quando próximas de outros espécimes e os esporos são responsáveis pela transmissão. Um  breve contato já é suficiente para dispersar o fungo que em pouco tempo pode afetar toda população.

Para aumentar as chances de contagio, o fungo ainda tem alguns truques na manga.

Um deles é fazer com que os portadores do sexo masculino voem de uma maneira que remete as fêmeas da especie, atraindo assim outros machos em uma dança confundida com a do acasalamento. O fungo também compele os machos a mutilar a si mesmos, produzindo ferimentos com suas mandíbulas para que eles se tornem semelhantes as fêmeas. Basicamente, eles arrancam os próprios órgãos genitais, preenchendo as cavidades abertas com esporos prontos para espalhar a infecção.


As fêmeas da especie são igualmente afetadas nessa guerra biológica. Seu sistema reprodutor se transforma em uma fabrica de esporos que são produzidos ate que seus corpos se tornem grotescos, deformados e inchados. Em seguida, elas voam na direção do solo e morrem. Seus corpos literalmente explodem de dentro para fora, espalhando os esporos no solo onde se encontram as larvas e os ovos, contaminando tudo.

Se isso não fosse o bastante, o fungo age diretamente no comportamento das cigarras infectadas. Elas se transformam em zumbis com um único propósito: acasalar. Mesmo debilitadas pela falta de comida ou feridas pelo contato sexual repetido, as cigarras continuam buscando parceiros, muitas vezes morrendo na ânsia de cumprir a programação estabelecida pelo fungo.

"Adultos infectados mantém uma atividade sexual frenética na qual trocam de parceiros repetidamente. Comparativamente, seria como um humano adulto ter 20 ou 30 relações sexuais em um único dia, incapaz de conter seu impeto. O método hostil de contágio adotado por esse fungo é tão engenhoso quanto aterrorizanteSe tal coisa acontecesse com seres humanos, nossa sobrevivência enquanto especie estaria ameaçada".

Transferindo os elementos dessa infecção fúngica das cigarras para a raça humana, temos o enredo de um filme de horror absurdamente medonho. 


Imagine centenas de homens e mulheres infectados por esse fungo atroz, seus corpos deformados pela infecção de esporos. Eles se sentiriam compelidos a atacar sexualmente outras pessoas, de ambos os sexos, para transmitir sua doença letal. Sem se importar com a moral ou ética, esses portadores simplesmente iriam se atirar sobre as suas presas com o intuito de transmitir a moléstia fervilhando em seus corpos. Fariam sexo dezenas de vezes por dia, para garantir a dispersão dos esporos. Sem se preocupar com necessidades básicas como comer ou dormir, agiriam como zumbis.

Ao mesmo tempo, as fêmeas se tornariam viveiros vivos. Seu organismo se devotaria exclusivamente à produção de esporos. Seu ventre e útero, infestado por patógenos, desenvolveria massas tumorosas de esporos que fariam seus ventres se distender grotescamente. Assim uma quantidade absurda de esporos seriam estocados em seus corpos. E quando estivessem no limite, elas simplesmente explodiriam com uma violenta liberação de gases, espalhando a doença no ar, para infectar novos hospedeiros. 

Terror! 

Terror completo e sem precedente dentro de nossa própria natureza.

Claro, estamos extrapolando os conceitos com objetivo de ser o mais aterrorizante possível em nossas descrições. Não se sabe de fungos na natureza capazes de afetar sistemas nervosos complexos como o do ser humano, mas os fungos estão sempre se adaptando. E é com frequência que descobrimos algo novo (e aterrorizante) a respeito deles.


As cigarras conseguem evitar sua extinção uma vez que também se adaptam ao efeito dos esporos e desenvolvem resistência, mas a cada geração, os fungos também sofrem mudanças para afetar uma nova geração até então, imune. Se um dia uma geração de cigarras não conseguir se adaptar a tempo, é possível que todas acabem sendo infectadas, desaparecendo para sempre. Nesse caso, talvez o fungo busque outro tipo de hospedeiro e quem pode imaginar que especie ele irá escolher.

Dizem que a natureza é sábia.

Eu fico com implacável!

Pergunte às pobres cigarras.

*     *     *

E para quem quer se assustar um pouco mais com a interação de fungos e insetos, recomendo esse artigo AQUI.

E esse outro, a respeito de mais uma demonstração adorável de parasitas agindo na natureza: AQUI AGORA.

6 comentários:

  1. Cara, que coisa mais The Last Of Us foi essa?
    Excelente artigo! Como de Praxe.
    Parabéns!

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  2. Seria possível imaginar um fungo gigante que joga no ar esses esporos pra Call of Cthulu?

    No estilo boss. Sou um mestre benevolente e gosto de criar criaturas detestáveis.hehehhe

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    1. Dione, só dá... posso imaginar as criaturas fungoides de Yuggoth criando uma dessas cohsas para afetar a humanidade e controlar sua vontade. Poderia ser um mecanismo para causar a extinção humana em caso de necessidade.

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  3. Amigo, recomendo estudo das teorias de Terence Mkenna, ele era estudioso de cogumelos e alegava que eles haviam vindo de outras galáxias, e que faziam simbiose com a vida animal dos planetas nos quais chegavam, troca essa na qual eles cediam aos animais consciência e intelecto, e usavam eles pra se reproduzir, indo de planeta em planeta até chegar no sol.
    Isso explicaria porque cogumelos mesmo sem fazer fotossíntese e em ambientes fechados, crescem em direção a luz do sol.
    Poderia ser só uma teoria, acontece que os cogumelos de fato auxiliaram na comunicação e cultura do homem pré histórico, e existem diversas pinturas rupestres de pessoas "misturadas" com cogumelos.
    Teoricamente, desenvolvemos consciência e intelecto a partir da manipulação do fogo, porque nós passamos a aquecer a carne, e a partir daí, era como um alimento pré digerido, e já que não gostávamos tanta energia caçando e coletando alimentos, nem digerindo, usamos essa energia pra desenvolver o intelecto.
    Só que, alguns cogumelos superam em 10× a quantidade de proteínas de um pedaço de carne, e não precisam ser cozidos pra serem consumidos, então mesmo nisso, talvez os cogumelos tenham nos auxiliado.
    Fora que o fenômeno da Micorriza, na qual toda uma floresta é conectada por redes de fungos, que as árvores usam pra se conectar.
    Aí tu vê que está consciente por causa de um fungo, que fungos fazem a manutenção do seu corpo em total sintonia contigo, que fungos fazem manutenção das florestas, que estão em todo lugar, junta tudo que eu disse, com o fato de que quem usa cogumelos alucinógenos experimenta sensações ou necessidade de se unir a um todo, e percebe que a teoria não é tão absurda.

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    1. Fantástico! Não conhecia essas teorias que vinculam o desenvolvimento da inteligência humana ao poder dos fungos, embora já tenha lido a respeito de como a alimentação de uma forma geral, pode ter influido. Vou pesquisar um pouco mais a respeito, pois é um tema muito interessante. Obrigado pela dica.

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  4. Sobre a Micorriza já li, a teoria e que os fungos serviriam como uma espécie de rede neural para o contato entre as arvores. Também é muito curioso!

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