sábado, 31 de agosto de 2019

O Povo Pálido - Encontrando os horrores que vivem na escuridão


Entre os vários tipos de estranhos encontros com o sobrenatural, existem aqueles particularmente perturbadores. São incidentes que estão além da nossa capacidade de classificação ou mesmo compreensão. São assombrações, animais misteriosos, alienígenas, criaturas de outras realidades? O que? Não há respostas claras nesses incidentes e eles continuam a nos assombrar na fronteira de nossa razão. 

Uma das histórias mais bizarras e que já ganhou o status de lenda urbana envolve algo que convencionou-se chamar de Povo Pálido. Criaturas que se arrastam, rastejam e espreitam pelas cidades e que constituem uma grave ameaça para todos que tem o azar de cruzar com eles. Mas o que seria o Povo Pálido? 

Provavelmente o casos mais conhecido de contato com essas estranhas entidades é o incidente que ficou conhecido como os "Rastejadores de Fresno". O primeiro relato a respeito dessas criaturas verdadeiramente bizarras e não-identificadas veio à superfície em 1990, quando uma câmera automática filmou alguma coisa estranha espreitando nos arredores da cidade de Fresno, na Califórnia. O video foi feito por uma família que instalou câmeras de vigilância na sua propriedade, temendo a presença de invasores já que os cães latiam noite após noite. As câmeras automáticas eram acionadas quando captavam algum movimento e começavam a filmar. Elas foram distribuídas em lugares chave como no muro de entrada, na porta da garagem e no pátio dos fundos.

A família esperava descobrir alguma raposa ou quem sabe um coiote, talvez até um vagabundo pulando o muro, mas quando assistiram a gravação tiveram um choque ao ver duas figuras pálidas se movendo pelo pátio. As criaturas tinham pernas compridas, estranhamente finas e se moviam de forma estranha. A qualidade da filmagem não permitia ver muitos detalhes, mas parecia claro que eles estavam nus, seus corpos eram muito magros e seus movimentos eram estranhamente fluidos.

 É possível ver essa filmagem no vídeo abaixo:

 O Povo Pálido.


A qualidade da imagem infelizmente é muito ruim, tornando quase impossível discernir detalhes. Contudo a forma estranha e a maneira como essas coisas se movem eram sinistras o bastante para que a família decidisse chamar a polícia. Não demorou muito para que a mídia descobrisse a filmagem e menos ainda para que o tema atraíssem a atenção. Embora a maioria das pessoas tenham firmado que a filmagem ão passava de uma montagem, outros acreditavam que as câmeras haviam filmado algo de outro mundo. A filmagem passou por várias análises técnicas e por uma criteriosa checagem para saber se ela havia sido de alguma forma adulterada. Os testes resultaram na certeza de que ela era genuína, e que mostrava exatamente o que havia sido filmado sem manipulação. 

A suspeita é que as pessoas que criaram a filmagem poderiam ter forjado o aparecimento de criaturas estranhas. Resta saber o que eles ganhariam com isso, já que publicidade aparentemente não era a razão uma vez que a família preferiu se manter anônima. De fato, nunca se ficou sabendo onde a filmagem foi feita e quem foi responsável por ela.

O incidente seguinte ocorreu no Parque Nacional de Yosemite em março de 2011, mais de 20 anos depois. Nesse caso, câmeras de monitoramento foram instaladas por guardas florestais para identificar invasores que vinham vandalizando uma área de camping. Mais uma vez, a filmagem parece ter captado algo que não era exatamente humano. A princípio não se fez conexão com o ocorrido em Fresno anos antes, mas é inegável que os personagens eram muito semelhantes ainda que menores.

As estranhas criaturas parecem andar pela área de camping, movendo-se da mesma maneira peculiar. Ainda que bastante parecidas, não há como dizer ao certo se as criaturas do Yosemite seriam as mesmas vistas em Fresno. Rumores de que seriam espíritos indígenas se espalharam, mas também havia aqueles que tratavam o fenômeno como algo ligado a fantasmas e alienígenas. Ninguém realmente sabia o que pensar.

Algo semelhante a esses incidentes então tomou forma de janeiro de 2004, e um caso documentado pelo pesquisador Albert S. Rosales. A ocorrência alegadamente teve lugar em Manchester, Indiana quando um rapaz estava dirigindo em uma estrada rural próximo dos limites do Condado de Dearborn. Conforme contou a testemunha, o farol do carro iluminou uma criatura alta e pálida de aspecto frágil, agachada perto do acostamento. Quando o carro passou por ela, o motorista conseguiu perceber que a coisa fez um movimento desconjuntado e estanho, entrando na mata e desaparecendo de seu arco de visão.


A coisa segundo ele era grande, "maior do que um homem adulto, atingindo pelo menos 2 metros e meio de altura". Suas pernas eram muito finas e pareciam estranhamente se "fundir" ao tronco. Estranhamente ela não tinha braços, mas havia uma espécie de rosto que mais parecia um borrão. O motorista percebeu que havia um automóvel na sua frente que havia passado pelo mesmo trecho e sinalizou para quem estava à bordo, no caso um casal de idosos. O motorista confirmou que também havia visto aquela coisa estranha na beira do asfalto e que levou o susto de sua vida.

"Aquilo não era um ser humano. Não era um homem, isso posso dizer com certeza". disse o sujeito a época. Ele se movia de uma forma absurda, como se as pernas fossem desconjuntadas. Nas semanas seguintes surgiram mais dois relatos de avistamento da criatura, avistada na mesma estrada. Alguns anos depois, no inverno de 2016, outra testemunha se deparou com algo impossível de explicar em termos racionais. Próximo ao Condado de Davies, Indiana, por volta das 20 horas, ele viu algo difícil de descrever:

"Eu cruzei um campo e estava próximo da estrada secundária que leva até minha casa quando ouvi um barulho vindo de um arbusto a cerca de 10 metros de onde eu estava. Estava escuro, mas eu tinha uma pequena lanterna à mão. Imediatamente virei o facho de luz na direção, pensando que poderia ser uma pessoa. Foi então que vi aquela coisa esquelética, com a pele pálida e as pernas muito compridas. Ela tinha um pescoço flexível e era muito alta, com mais de dois metros de altura. Eu corri sem olhar para trás, patinando pelo campo, caindo e levantando. Disparei pelo mesmo caminho por onde havia vindo. Eu conseguia ouvir a coisa correndo atrás de mim, mas não tentei olhar pra ela pois fiquei apavorado. Me concentrei em correr o mais rápido possível sabendo que ela poderia me alcançar se eu me desconcentrasse".  


Outro caso ocorreu também em Indiana no ano de 2012, em meio a uma tempestade de raios que acrescentava um elemento sinistro ao ocorrido. O incidente teve lugar nos arredores de Michigan City e permanece sem uma explicação razoável. A testemunha chamada Brett Gaines estava passando férias na casa de praia de um amigo próximo ao Lago Michigan. Um blackout causado por uma tempestade fez com que o lugar ficasse totalmente escuro. Por volta de 2 da manhã, ele ealguns amigos saíram de casa para fumar e ver os raios quando de repente perceberam que alguma coisa branca correu por um descampado a cerca de 20 metros de onde eles estavam. O grupo conseguiu perceber que se tratava de uma criatura com pernas compridas que se movia de maneira muito estranha. Ela era pálida, com uma coloração branca cinzenta e sem uma face discernível. 

A polícia foi chamada pelos rapazes e quando as autoridades chegaram Brett descreveu a coisa da seguinte forma:

"Era grande, maior do que um homem alto. Ela parecia brilhar mesmo na escuridão. Era branca ou cinza e com as pernas muito longas e finas. Parecia estar sem roupa e fazia barulho enquanto corria pisando na grama rasteira. Eu não percebi se ele tinha braços, mas acho que não havia. Estava nua e se movia de modo muito esquisito. Ela correu de um extremo da mata para o outro, sem olhar na nossa direção e bem rápido. Deve ter levado uns 5 segundos para atravessar o trecho e nos deu um enorme susto".

Os rapazes declararam que não haviam bebido ou consumido drogas e que não estavam dispostos a ficar nem mais uma noite ali. De fato, eles pediram que a polícia os escoltasse de volta para a cidade de tanto medo que sentiam.

Então, depois de todos esses relatos, o que diabos poderiam ser essas coisas estranhas?

A descrição geral sempre envolve as mesmas características, uma criatura pálida e nua, com pernas compridas e rápida se afastando ou perseguindo as testemunhas. O movimento desconjuntado da coisa parece remeter a alguma criatura de anatomia confusa. Os desenhos feitos por artistas, baseado nos relatos de testemunhas, levam a crer que a criatura realmente não parece algo humano e inteiramente desconhecida. Sua altura variava, mas ela era normalmente descrito como uma entidade alta com mais de dois metros de altura e muito longilínea. Uma das testemunhas chegou a afirmar que parecia algo saído de um video clip de Marilyn Manson. Embora em momento algum, as coisas tenham ferido alguém, sua forma bizarra era suficiente para causar um pavor extremo.  


Mas há outras descrições de Povo Pálido.

Alguns avistamentos de seres pálidos igualmente bizarros ocorreram próximo da cidade de Effingham, no Estado de Illinois. Um caso em especial, registrado na National Cryptid Society data de 2010, e envolve o testemunho de uma mulher chamada apenas de "Jade". A testemunha alegadamente estava passando pelas cercanias do Cemitério de Kasbar próximo das florestas de Effingham na companhia de dois amigos. Quando passavam perto do portão de madrugada, algo inexplicável aconteceu. 

"Eu vi alguma coisa com olhos amarelos brilhantes na beira da estrada. Era pequeno para ser um cervo, mas grande demais para ser um texugo. A medida que nos aproximamos percebemos que era algo não-humano. Era magro, sem cabelo e cinzento. Era estranho... uma coisa! Ele estava agachado , seus braços muito longos abraçando o próprio corpo. Meu coração disparo e fiquei aterrorizada. Eu sabia que aquilo não era humano. 

Ficamos em choque e não conseguíamos correr e nem chegar perto. Eu apenas olhava para aquilo. Ele estava próximo, uns cinco metros, se tanto. Ele então se moveu, devagar. O braço deslizou para o lado e a cabeça grande se levantou, os olhos voltaram-se na nossa direção. Então todos começamos a gritar. Literalmente em pânico! Por meses eu fiquei convencido de que seria um tipo de demônio. Uma coisa diabólica. Nós não chegamos a Kasbar aquela noite, voltamos para casa. Eu não durmo bem desde aquela noite".   


A testemunha depois ficou convencida de que a coisa não era um monstro ou demônio, mas um "carniçal", um tipo de criatura lendária que espreita as pessoas e se alimenta de cadáveres em putrefação.

Sobre carniçais (ou ghouls) sabemos alguns detalhes vindos de lendas bastante antigas.

São criaturas humanoides, mas não propriamente humanas. Eles devoram a carne dos mortos e por isso costumam habitar cemitérios já que ali encontram a fonte de seu sustento. Escavam sepulturas recentes, sabendo que dentro dos caixões encontra-se sua macabra ceia. Eles até podem mudar seus hábitos alimentares, se por acaso o suprimento de corpos se torna escasso. Espreitam pessoas solitárias que se aproximam de seu território, atacam de modo implacável e arrastam suas vítimas para sepulcros trevosos ou túneis escavados no solo pútrido. Lá deixam que elas morram e apodreçam para então se fartar dos restos. 

Imagens de carniçais retratam as criaturas sempre da mesma maneira. Como monstros pálidos, emaciados, quase pura pele e osso, dotados de presas e garras afiadas. Por vezes eles correm de quatro no chão, saltando e ganindo como cães ferozes. São normalmente covardes, mas quando famintos ou em número superior adquirem coragem. Sua postura pode se assemelhar a de um homem, andando eretos para enganar quem os vê apenas à distância. Se engana, entretanto, quem concede a eles atributos humanos: são seres movidos pelas paixões, dentre as quais, a fome é a mais ativa.

Curiosamente, histórias sobre Caniçais começaram a se multiplicar em meados de 2010. Outra, ocorrida também no estado de Illinois relata um encontro com um ser parecido. Perto do por do sol, nas proximidades do cemitério local, uma testemunha e um colega avistaram algo estranho conforme descreveram:

"Algo correu na direção do portão de entrada do cemitério. Meu colega também ouviu e deu um passo para trás de forma instintiva. Estava escuro, mas ainda era possível ver o interior do cemitério - a coisa se esgueirou entre as lápides e parou espiando na nossa direção. Parecia um homem nu, muito pálido e magro. Ele estava acocorado, apenas olhando com curiosidade. Seus olhos eram grandes e pareciam refletir a luz - como olhos de gato! Ficamos paralisados, sem mover um músculo, estávamos apavorados demais. Eu não consegui ver detalhes de seu rosto, mas ele não parecia um homem, tinha um tipo de focinho chato. E definitivamente ele não tinha pelo no corpo, parecia liso da cabeça aos pés. Eu nunca vou esquecer daquilo".

Segundo a testemunha, a coisa os observou por longos segundos e então saltou para o lado desaparecendo na escuridão para sumir entre o jardim de lápides. 


Outros avistamentos se seguiram, entre 2010 e 2013, criando uma sucessão de narrativas a respeito de carniçais como nunca havia ocorrido antes na história dos Estados Unidos.

Histórias vindas de Greenfield, Connecticut, Marsalla, Maine e Courson, Nova Inglaterra se multiplicavam fazendo as pessoas se perguntar a respeito do que as estava causando. Em comum, todas descreviam criaturas estranhamente pálidas, não-humanas, espreitando nos arredores de cemitérios em atitude suspeita. Seres de aparência chocante e assustadora.  

Em Ballard County, no Oeste de Kentucky uma testemunha relatou um encontro ocorrido numa estrada marginal por volta das duas da manhã.  

"Eu vi uma coisa branca e vagamente humana rastejando na margem direita da estrada. Quando passei por ela, pisei no freio achando que poderia ser uma pessoa precisando de ajuda, talvez um acidente. "Você está doido! Não pare!" gritou meu colega no banco do carona que também viu a coisa. Eu olhei no retrovisor e percebi que ela se levantava lentamente. Era como um homem alto e muito magro, de pele tão branca que se destacava mesmo na escuridão. Aquilo me assustou e acelerei para longe. A medida que o carro se afastava, vi que ele ficou de quatro e correu atrás de nós. Eu acelerei mais e ele continuou nos acompanhando por mais de 100 metros. O carro derrapou e eu segui em frente até que a coisa ficou para trás. Nunca vou esquecer aquilo!"


O motorista de Ballard Country jamais foi capaz de explicar o que ele e seu colega viram naquela noite. Mas quando buscaram informações a respeito na internet encontraram referências a avistamentos de criaturas semelhantes, todas com o mesmo nome: Carniçais. As imagens da criatura nas páginas de lendas urbanas se assemelhavam com o que eles viram na estrada marginal, algo magro, pálido e que não parecia humano. 

Todas essas narrativas, feitas por pessoas diferentes em diferentes lugares parecem escapar de nossa capacidade de classificação. Não se sabe ao certo se estamos lidando com criptídeos, fantasmas, monstros, alienígenas ou viajantes de outras dimensões. Seriam devoradores de mortos?  Não podemos descartar ainda a possibilidade de se tratar de simples farsa ou desinformação. No entanto, eles parecem figurar em uma área cinzenta de fenômenos inexplicáveis. Seja lá qual for a origem dessas entidades, se é que elas existem, não há como dizer, ao menos até alguém capturar uma delas. Enquanto isso, a grande histeria do povo pálido parece ter diminuído...

Talvez as criaturas estejam satisfeitas com seu estoque de comida ou em seu lado da realidade, mas até quando?

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Revelando a Ilusão - Mais cinco filmes perfeitos para KULT


E nossa lista de filmes inspiradores para KULT - Divinity Lost continua nesse artigo com mais cinco produções estranhas, bizarras e assustadoras.

Sem delongas, vamos direto para os filmes.

8 Milímetros 
(8 MM/ 1999)



Sinopse: 

O detetive particular Tom Welles (Nicolas Cage) é contratado por uma rica viúva cujo marido faleceu recentemente. Ela encontrou em um cofre um vídeo caseiro em 8 mm que mostra o brutal assassinato de uma jovem, supostamente em um snuff movie (filmes onde mortes são filmadas). Ela quer saber se o filme é verdadeiro e se o marido estava envolvido em sua produção. Welles assume a investigação que o leva para Hollywood e ao assustador submundo das produções pornográficas.    

Comentários: 


Oito Milímetros é um filme sinistro e extremamente perturbador. Massacrado pela crítica quando foi lançado, ele parece ter sido redescoberto, tornando-o mais interessante com o passar do tempo. O roteiro segue uma exploração aos porões dos filmes adultos da Califórnia a Nova York. A medida que todo esse lodo vai sendo remexida, você se pergunta se não há limite para a podridão do se humano. 

O elenco surpreendentemente bom é encabeçado por Nicolas Cage (em ótima atuação) e conta com Joaquin Phoenix, James Gandolfini e vários outros rostos conhecidos. O filme é pesado, duro e indigesto, apostando na degradação do personagem que vai aos poucos sendo afetado por tudo o que encontra em sua jornada pelos reinos da pornografia hardcore. Se tem algo nesse filme que chama a atenção é a atmosfera sinistra das situações e a motivação dos personagens. Tudo é sujo, perturbador, pervertido e incômodo.   

Por que ele lembra KULT:


Alguns vão apontar o fato de que esse não é um filme de horror, mas pergunto: "Tem certeza"?

Quando assisti 8 mm pela primeira vez eu não esperava muita coisa, mas quando terminei fiquei sem saber o que dizer. Esse é daqueles filmes que te dão um soco no estômago e ainda te chutam quando você está caído na sarjeta. 

Embora ele não tenha nada sobrenatural, é inegável que não faltam monstros, atrocidades e coisas assustadoras nesse filme. Combustível perfeito para um cenário como KULT. A aura dark, cheia de perversão é bem condizente e pode render excelentes ideias a respeito de como transcorre uma investigação no submundo. Sem falar como a exposição a essas coisas acaba afetando os personagens e mudando seu comportamento.



Livro de Sangue
(Book of Blood/ 2009)



Sinopse:

Uma parapsicóloga disposta a desvendar os mistérios da vida e da morte recorre ao medium Simon McNeal para investigar uma casa assombrada. Simon é um farsante que elabora esquemas quase perfeitos, mas quando ele começa a ver coisas assustadoras, os espíritos se apresentam dispostos a gravar em sua pele suas histórias. Após esse incidente traumático, o charlatão revela a um assassino sua história. 

Comentários:

Eu sou um enorme fã de Clive Barker e embora essa história presente na antologia Livros de Sangue tenha sido bastante adaptada para caber em um longa metragem, ela tem suas qualidades. Livro de Sangue é um filme curioso que usa a ideia batida da "casa assombrada" de uma forma bem original, transformando o endereço maldito em uma "Encruzilhada entre o mundo dos vivos e mortos". Uma verdadeira intercessão para que espíritos falem e expressem seus medos diante do desconhecido.

Barker é um mestre do macabro, do horrível e do imponderado. Ele trabalha cuidadosamente suas histórias criando situações viscerais e expondo o lado mais escuro da alma humana. O filme tem uma boa atmosfera e faz uso de uma Edimburgo arrepiante. As cenas na encruzilhada são muito boas e as imagens dos espíritos vagando em longas filas são dignas de um pesadelo. Pode não ser a melhor das adaptações de Barker, mas é um filme que vale a pena ver, nem que seja pela curiosidade.  

Por que lembra KULT:

Vida, morte, além e extremo. O que existe do outro lado? O que nos espera? Qual o preço da redenção? Esses temas estão presentes em KULT com uma intensidade assustadora.

Em Livro de Sangue, o além se manifesta, disposto a deixar sua marca (de forma literal) nos vivos. As imagens do outro lado, as cenas descoloridas e a procissão de espíritos desencarnados compõem uma paisagem desoladora, pessimista e absolutamente inspiradora. Além da história central, o trecho a respeito do assassino contratado para roubar a pele do "livro" é bizarro o bastante para figurar em KULT.



Os Filhos do Medo
(The Brood/1979)



Sinopse: 

Uma mulher com graves problemas procura ajuda de um excêntrico e pouco ortodoxo psiquiatra que emprega técnicas inovadoras e teatrais para quebrar bloqueios de seus pacientes. Quando sua filha retorna de uma visita, o ex-marido percebe que ela tem marcas de ferimentos no corpo. Incidentes estranhos envolvendo crianças deformadas começam a atormentar a família a medida que a verdade sobre os métodos vem à tona em uma sucessão de morte e violência.

Comentários:

Embora eu já tenha assistido esse filme menor (e menos conhecido) do diretor David Cronenberg um bom número de vezes, ele continua perturbador. Do início ao fim, ele é mórbido e bizarro na medida certa.

Algumas pessoas podem apontar o fato do filme ter envelhecido um pouco, mas na minha opinião o terror continua bem preservado. Certas coisas não mudam! Quem não tem medo de crianças estranhas? Quem não tem receio de tratamentos esquisitos? Quem não desconfia de curas milagrosas? Quem não tem uma história de família que preferia varrer para de baixo do tapete?

The Brood (que poderia ser traduzido como "A Ninhada"), é um filme estranho pra caramba, o que é meio que "chover no molhado" quando falamos da biografia de David Cronemberg que adora fazer filmes esquisitos. Aqui, em início de carreira, ele não apenas experimenta com horror corpóreo - que iria revisitar várias vezes, em especial em "A Mosca", mas cria um suspense quase esmagador. Não faltam boas cenas, sangue e vísceras nesse clássico ainda pouco conhecido.

Por que ele lembra KULT:

Menos óbvio que os demais da lista, Filhos do Medo não envolve o sobrenatural propriamente dito. Seu terror se desenvolve através da noção de um tratamento psiquiátrico bizarro que ajuda a externar traumas e fazer com que horrores da mente assumam forma física.

É o tipo de coisa que poderia figurar facilmente no universo de KULT. Um tratamento experimental criando monstros e horrores que não deveriam existir no mundo real parece simplesmente bom demais para não usar na ambientação. A perversão da ciência, a quebra da moral, da ética e a busca por transcender a forma física são temas muito atraentes. E o que dizer da "ninhada"? 


O Último Portal
(The Ninth Gate)



Sinopse: 

Dean Corso (Johnny Depp) é um negociador de livros raros considerado um mercenário de pouca ética profissional. Ele é contratado por um renomado colecionador para verificar a autenticidade de um de seus volumes mais valiosos. De acordo com as fontes, apenas três cópias desse livro existem, e em três diferentes lugares do mundo. Sua missão vai se tornando cada vez mais perigosa, à medida que ele encontra pessoas dispostas a qualquer coisa para reclamar os mistérios do livro que pode esconder um segredo diabólico. 

Comentários:

Esse é outro filme injustiçado no momento de seu lançamento, mas que foi redescoberto e aos poucos conquistou fãs. O Último Portal é daqueles filmes que envelhecem bem e que vão se tornando melhores a medida que você o asiste repetidas vezes e pega referências.

Ele é bastante sutil. Você enxerga a engenhosidade do roteiro que brinca de esconder deixando a maioria das peças à vista. O mérito do filme é não confirmar ou negar nada. Existe o sobrenatural ou ele não passa de crendice? O livro realmente é diabólico ou apenas um rumor? Algo persegue Corso ou é apenas sua imaginação? Há muitas perguntas e poucas respostas.

O Último Portal é uma declaração de amor do diretor Roman Polanski ao gênero suspense e ao tema ocultismo. Do ponto de vista técnico ele é impecável: elenco, cenografia, fotografia e montagem são excelentes. Isso sem falar da trilha sonora aterradora que pontua o filme e contribui para construir o clima.    

Por que ele lembra KULT:

Corso, o personagem de Johnny Depp é um típico investigador de KULT. Ele usa sua profissão para obter livros raros e ser o melhor no ramo. Claro, ele tem motivações financeiras, mas é o desejo de satisfazer sua curiosidade pessoal a respeito do oculto que o impele. Corso imagina se existe algo mais, e embora se comporte como um cético, está disposto a aceitar aquela dúvida: "E se tudo isso é real?


Além disso, Último Portal acompanha uma investigação que lembra muito a estrutura de um cenário de RPG. O grande tesouro é um livro maldito, extremamente valioso e incrivelmente perigoso. Há inimigos em busca do mesmo prêmio, pessoas assustadoras, gente inescrupulosa e até mesmo cultistas membros de uma Sociedade Secreta. Se lembra KULT? E como lembra!   


Cidade das Sombras 
(Dark City/ 1998)


Sinopse: 

A vida de John está prestes a se tornar um inferno! Ele é caçado pela polícia, acusado de ser um serial killer, responsável por vários crimes que não lembra ter cometido. Enquanto tenta compreender o que está acontecendo ele precisa lidar com uma mulher que diz ser a sua esposa e com um misterioso médico que pretende continuar seu tratamento. Para piorar, um grupo de indivíduos estranhos também está no seu encalço, pessoas que possuem extraordinários poderes e que parecem controlar uma cidade onde é sempre noite e da qual não existe saída.

Comentários:

Para muitos, Dark City é um dos melhores filmes de Ficção Científica dos anos 1990. Muitas pessoas o comparam com Matrix e não é à toa. Infelizmente, os dois foram lançados bem próximos um do outro e isso acabou prejudicando o filme que acabou sendo injustamente chamado de plágio. A questão central deles é similar: "O que é a realidade"?

Diferente de Matrix, Dark City dispensa mais tempo com esses questionamentos do que com sequências de ação.  Há muita filosofia nas entrelinhas do roteiro e ele deixa escapar uma crítica ao sufocante mundo em que vivemos, onde isolamento e melancolia criam uma existência vazia.

Tudo isso para dizer o óbvio: esse é um filmaço!

Vale a pena assistir uma, duas, três vezes para pescar referências e perceber o que pode ter passado batido na primeira vez. Dark City é daqueles filmes para ser descoberto.

Por que ele lembra KULT:

Um mundo ilusório que não é o que parece ser? Confere!
A sensação de um pesadelo do qual não tem como despertar? Confere!
Estranhos poderes que começam a despertar a medida que se descobre o mundo real? Confere!
Bizarros seres que tentam manter a Ilusão de normalidade? Confere! Confere! Confere!

Assim como Matrix, Cidade das Sombras parece perfeitamente adequado para o universo de KULT. As noções e ideias parecem calcadas em cima do mote central da ambientação, e embora, o terror ceda lugar ao sci-fi, é fácil fazer uma comparação.

Na minha opinião, um filme que é quase uma adaptação do jogo.



Bônus:

E para quem gostou da lista de 10 filmes, aqui vai um décimo primeiro de bônus. Não se trata de um filme, mas de um episódio da série Masters of Horror.

Cigarrete Burns
(John Carpenter's Cigarrete Burns/ 2005)



Sinopse:

Kirby Sweetman é contratado para determinar a existência de um lendário filme de horror, "La Fin Absolue du Monde". Seu contratante é um excêntrico colecionador que lhe oferece uma recompensa. O filme, cujo título se traduz como 'O Absoluto Fim do Mundo" supostamente transforma seus espectadores em maníacos homicidas. A medida que Kirby busca pistas e procura pela única cópia restante, ele se aventura num mundo secreto e macabro. 

Comentários:

Esse talvez seja o melhor e um dos mais memoráveis episódios da série "Masters of Horror". E não é para menos!

Com a direção segura de John Carpenter eu sabia que esse seria bom, mas não esperava tanto. Eu adoraria que fosse um longa metragem e não apenas um episódio de quarenta minutos, porque a história é boa demais. A peregrinação do protagonista em busca do "Le Fin Absolue Du Monde" parece uma descida aos porões do inferno. Os rumores a respeito do filme e sua própria existência são questionadas, mas não faltam pessoas interessadas em colocar as suas mãos nele.

Cigarrete Burns (que se refere a marcação no canto das fitas de filmagem) envolve obsessão, loucura, e morte. Ele lembra bastante outros filmes, alguns inclusive nessa lista, mas há elementos de enorme originalidade e momentos do mais puro terror.    

Por que ele lembra KULT:


Na boa... eu não vou falar nada a respeito desse.

Quanto menos melhor, mas Cigarrete Burns é uma das coisas mais próximas do universo aterrorizante de KULT.

Que tal assistir por conta própria e tirar suas próprias conclusões? 



Aqui está o episódio na íntegra:



Outros filmes que se encaixam em KULT: 

E para quem quer mais material? Bom, aqui vai uma lista que pode ser especialmente adequada. Alguns são bastante óbvios, outros nem tanto

Hellraiser - Renascido do Inferno e Hellraiser II - Hellbound Heart (1986-87)
Coração Satânico (Angel Heart/ 1986)
O Mistério de Candyman (Candyman/1992)
Seven, os Sete Crimes Capitais (Se7en/1995)
Mandy (2018)
A Estrada Perdida (The Lost Highway/1997)
Scanners, sua mente pode destruir (Scanners/ 1981)
Videodrome, a Síndrome do Vídeo (Videodrome/ 1983)
Viagens Alucinantes (Altered States/1980)
Cidade dos Sonhos (Mulholand Drive/2000)
Linha Mortal (Flatlinners/ 1990)
A Cela (The Cell/ 2001)
Silent Hill (2006)

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Erguendo o Véu - Filmes para inspirar cenários de KULT - Divinity Lost (Parte 1)


KULT é um RPG complicado.

Para quem leu a resenha em duas partes respeito dele, publicada recentemente aqui no Blog, percebeu que se trata de um RPG incomum e que escapa do convencional.

Eu sempre achei que uma das melhores maneiras de entender a proposta de uma ambientação é comparando ela com filmes que tem uma premissa semelhante. Por isso, preparei uma seleção de dez filmes que podem ser assistidos como referência a KULT. São filmes de horror, alguns recentes, outros mais antigos. 

Em comum, o fato de todos serem viscerais, perturbadores e estranhos. Alguns destes são fáceis de serem encontrados em Netflix e outras plataformas de stream, outros já passaram na televisão ou são velhos conhecidos dos fãs do horror. Eles compõem um panorama bastante assustador que vai ser um prato cheio para os fãs do gênero.

Então, sem mais delongas...   

A Dark Song 
(A Dark Song/ 2016 - Irlanda/Reino Unido) 


Sinopse: 

Ainda de luto e se recusando a aceitar a morte de seu único filho, Sophia (Catherine Walker), planeja usar o sobrenatural como ferramenta de vingança. Ela aluga uma mansão isolada no interior do País de Gales e se sujeita a complexos preparativos sob a tutela de Joseph Solomon (Grant Oram) um calejado e cínico ocultista. Solomon é contratado para ensinar tudo o que ela precisa saber a respeito de um Ritual. Determinada a seguir em frente, apesar dos perigos e sacrifícios envolvidos, Sophia terá de descobrir até onde está disposta a ir para completar sua vingança.    

Comentário: 

Filmes de horror vem em várias formas. Alguns são sobre sangue e vísceras, sobre sustos e arrepios ou a respeito de monstros aterrorizantes, mas há alguns que conseguem ser simplesmente perturbadores. E esses são ótimos! Bons filmes de horror conseguem incomodar e fazer com que você pense a respeito dele horas ou mesmo dias depois de assistir. Estes geralmente te obrigam a perguntar o que você faria se estivesse na pele do protagonista. O que você faria se fosse com você? Como você reagiria? Dark Song é um filme sutil, alguns diriam até parado. Mas ele consegue ser bastante assustador em sua simplicidade diabólica. O que torna esse filme especial é a construção das cenas e a preparação para seu climax. A atmosfera vai se tornando cada vez mais claustrofóbica e sinistra, a medida que os personagens escorregam cada vez mais para o lado sombrio. E quando cruzam um determinado ponto, não tem mais volta! A Dark Song que foge de clichês e aposta em uma história muito original disposto a ser assustador sem recorrer a choque e sustos.    

Por que ele lembra KULT: 

Todo esse filme cheira a Kult. Nele a gente percebe o quão perigoso pode ser se meter com forças sobrenaturais e como isso pode demandar sacrifício das pessoas. Boa parte do filme é a respeito dos preparativos para um ritual, o restante é como lidar com  as suas consequências. Em KULT magia não é apenas formular meia dúzia de palavras, passes e misturar ingredientes. A coisa é bem mais complexa e Dark Song exemplifica perfeitamente como funciona essa dinâmica.

Além disso, Dark Song é bizarro! A atmosfera rescende a KULT e a gente percebe desde o início que, seja lá o que vai acontecer, será ruim para os personagens e trará repercussões.  


Mártires 
(Martyrs/2008 - França)


Sinopse: 

Brutalmente abusada, aprisionada e torturada desde a infância, a jovem Lucie escapa de seus captores e faz amizade com Anna, outra alma amargurada que vive num orfanato. Quinze anos mais tarde, Lucie acredita ter encontrado aqueles que a atormentaram e massacra uma família inteira enquanto experimenta alucinações. Qual o significado dessas visões grotescas e qual o segredo por trás de seu sofrimento? Em meio a revelações, Anna descobrirá que é preciso encarar horrores antes de atingir a salvação.


Comentário:

Mártires é um dos filmes mais sinistros, violentos, e perturbadores que eu já assisti. Quando me indicaram ele pensei que fosse exagero de gente querendo promover. Não é! O filme era tudo o que diziam e ainda mais... esse aqui me deixou realmente incomodado. Pra começar o tema central é indigesto e dependendo da atenção que você dispensa a ele, pode ter certeza, ele vai ficar "sob a sua pele" por um bom tempo.

Para quem fica perturbado com violência e gore, melhor passar longe. Obviamente esses não são os únicos fatores que tornam esse filme aterrorizante, mas assistir impassível cenas de cortes, surras e mutilação com efeitos muitíssimo realistas é duro. É o roteiro convincente e bem amarrado que te obrigam a suportar tudo isso e ir até o fim, apesar de seu melhor julgamento. Eu assisti uma única vez e foi mais do que o suficiente. Não sei se teria ânimo para ver de novo, mas é um baita filme de horror.    

Por que ele lembra KULT: 

Um dos temas recorrentes de KULT é violência e a busca por cruzar os limites. Em Mártires a violência e o sofrimento é usado como ferramenta para transcender todos os limites impostos pela nossa existência. Só isso já torna esse filme uma perfeita metáfora para o Além do Véu.

Se isso não fosse o bastante para colocar esse filme na lista obrigatória de quem quer ter um lampejo da ambientação, basta dizer que ele é perverso. Tem coisas ali que vão fazer você virar a cara em desgosto, se sentir enojado e te fazer tentar esquecer. Mas vai ser tarde demais... vai por mim, esse aqui é brabo!



Pi
(Pi/ 1998 - EUA)


Sinopse: 

Em Manhattan, protegido por seis fechaduras e trancas vive Max Cohen, um matemático e mestre em computadores. Desde a infância ele tem dores de cabeça terríveis e ele tenta se manter longe de outras pessoas com exceção de um velho professor. Ele é obcecado por padrões matemáticos. Suas teorias a respeito de padrões abrem as portas para Wall Street, mas ele se interessa mesmo é pelos mistérios ocultos na Torah. Examinando os textos sagrados ele começa a ter lampejos do que está oculto e isso leva a alucinações e as dores de cabeça ainda mais fortes. Quais segredos ele poderá descobrir mergulhando de cabeça nos textos cabalísticos?    

Comentário:

O que mais impressiona nesse filme independente é o quanto ele é diferente. Eu não consigo comparar Pi com nenhum outro filme que eu tenha assistido em termos de roteiro e estilo. Ainda que seja um filme claramente produzido com orçamento apertado ele consegue ser visualmente impressionante e deixar sua marca. Preto e branco e confuso, Pi demora a engrenar e você fica sem entender muito no início, até que começa a compreender as implicações por traz da mente do protagonista. O visual atordoante traduz a mente alucinada do sujeito e as milhões de conexões que ele faz ao analisar as coisas mais simples até as mais complexas em busca de padrões.

E tem a paranoia! A medida que Max vai descobrindo as conexões ele vai ficando cada vez mais convencido de que tudo no mundo está encadeado. Seguem-se alucinações, loucura, devaneios e visões pra lá de estranhas.  

Por que ele lembra KULT:

O tema de um mundo secreto que pode ser acessado se você souber exatamente onde procurar e analisar é puro KULT. Em Pi a mente analítica do matemático permite que ele correlacione todos os elementos da realidade e passe a compreender os mistérios existentes. E essa compreensão ao mesmo tempo que destrava as portas para grandes mistérios, lentamente o faz escorregar para a insanidade. Conhecimento e perigo estão intimamente ligados, no filme e no RPG que explora esses mesmos conceitos.

A paranoia de Max que se vê cada vez mais confuso e se sente perseguido por grupos dispostos a fazer de tudo para evitar que ele descubra a verdade também é perfeito. Basta substituir os operadores da Bolsa querendo lucrar por feiticeiros e outras pessoas interessadas em romper o véu em benefício próprio e os religiosos ortodoxos por carcereiros interessados em impedir seu despertar. Pronto! É perfeito para entender KULT. 


Alucinações do Passado
(Jacobs Ladder/ 1990 - EUA)



Sinopse: 

Em 6 de outubro de 1971, no Vietnã, o soldado americano Jacob Singer é ferido por uma baioneta durante um ataque de seu pelotão. Ele então acorda no metrô de Nova York, voltando para casa depois de um dia exaustivo de trabalho no correio. Jacob é divorciado, vive com uma colega em um pequeno apartamento e sente falta de seu filho, que morreu em um trágico acidente. Ele passa a ser assombrado por pesadelos nos quais se vê atormentando por criaturas aterrorizantes em diferentes momentos de sua vida.   

Comentários

Esse filme! Ah, esse filme me deixou apavorado quando eu era criança. Alucinações do Passado (ou Jacobs Ladder - a Escada de Jacob) é um filme complicado ao ponto de muita gente simplesmente desistir dele por não entender. Eu mesmo tive de assistir algumas vezes até entender e mesmo assim, sempre que assisto encontro algo diferente ou que não havia percebido.

O mistério central na trama, o que está acontecendo com Jacob e por que está acontecendo com ele é ambíguo e difícil de explicar. Não é um filme em que as peças do quebra-cabeça se encaixam de repente e você consegue entender. Ele demanda um certo grau de reflexão e imaginação de quem estiver assistindo para tirar suas próprias conclusões.

E isso sem mencionar o choque que ele causa. As imagens das alucinações são apavorantes e você realmente se sente mal pelo sujeito que está passando por essa situação. É como mergulhar no pesadelo de outra pessoa e testemunhar seus maiores medos.

A atmosfera do filme é perfeita. Os atores ótimos e os diálogos muito bem escritos. A explicação de um dos personagens a respeito do papel de anjos e demônios ainda é de arrepiar e as cenas dentro do manicômio mantém o impacto original. Sei que fizeram um remake dele recentemente, mas estou com receio de assistir. Certos filmes são perfeitos da maneira em que foram concebidos e mexer neles parece simplesmente errado ou incrivelmente desnecessário. 

Por que ele lembra KULT:

Quanto menos se falar a respeito desse filme melhor. As surpresas dele e os elementos ocultos são melhor apreciados se pegarem o espectador sem saber nada.

O que posso dizer, sem medo, é que ele parece um pesadelo e que a medida que Jacob vai afundando nele, as coisas ficam cada vez mais surreais e bizarras. Como em um cenário de KULT, o herói sofre pra caramba e demora a compreender seu papel na trama. E quando se vê totalmente envolvido por essas revelações, descobre que há muitas outras e que até o momento viu apenas a ponta do iceberg.

Se você pretende narrar KULT e quer entender como se dá a deterioração mental dos personagens, então assista esse filme. Não vai se arrepender.


O Último Trem
(The Midnight Meat Train/ 2008 - EUA)


Sinopse: 

Um fotógrafo free-lancer vaga pelas ruas de Nova York em busca de imagens que mostrem a verdade sobre a metrópole. Ele acaba ouvindo rumores a respeito de um assassino em série responsável pelo desaparecimento de várias pessoas e que comete seus crimes por razões desconhecidas. Sua investigação acaba levando-o até o gigantesco sistema de metrô da cidade, o reduto do matador que esconde uma motivação especial para seus crimes.   


Comentários:

Baseado no conto de Clive Barker, o filme envolve uma investigação no lado obscuro de uma cidade grande. Quais os segredos que se escondem nas entranhas de uma metrópole? O que acontece na escuridão onde ninguém vai? Qual o preço para manter as coisas como estão?

O roteiro escapa um bocado da história original de Barker, que foi publicada como um dos episódios de Livros de Sangue, antologia de contos curtos de horror moderno. Essa história por sinal foi meu primeiro contato com Barker e onde eu me tornei fã. Confesso que eu esperava um pouco mais, mas esse filme dificilmente é ruim. Há muitos méritos na forma como o diretor escolheu filmá-lo, como se fosse uma viagem de trem ao coração do horror mais aterrorizante.

Sangue, gore, vísceras e medo. O Último Trem (que poderia ter mantido o título ao pé da letra "Trem da Carne da Meia-Noite") tem um pouco de tudo. Talvez a trama pudesse ser um pouco mais elaborada, mas não no fim das contas não importa. Ele é uma desculpa para hora e meia de horror, choque e medo de boa qualidade.

Para uma resenha completa, vale a pena ler AQUI

Por que ele lembra KULT:

Clive Barker é um nome ligado diretamente a KULT.

Os autores do RPG sempre afirmaram que a obra de Barker, especialmente a novela The Hellbound Heart (que nós conhecemos como Hellraiser - Renascido do Inferno) serviram como base para muitas ideias contidas em KULT. Desse modo, filmes inspirados por Barker parecem perfeitos para o contexto da ambientação.

O Último Trem funciona muito bem para contextualizar um cenário de KULT. Nele, o ambiente sufocante, claustrofóbico e sujo das metrópoles é usado como pano de fundo para o horror mais profundo. Quais os segredos que se escondem da população e o que acontece sem que as pessoas saibam? Grandes centros urbanos, repletos de gente são parte importante na ambientação. As cidades de concreto e vidro são o esconderijo das maiores e mais medonhas entidades. Elas vivem em meio aos homens e mulheres, extraindo deles o terror que alimenta a ilusão. O assassino do filme e seus mestres parecem ser personagens perfeitos para uma sessão do jogo. Da mesma maneira, o fotógrafo em busca da verdade também funciona como um excelente exemplo de personagem dos jogadores.


Bom já foram cinco filmes...

Fiquem conosco para a segunda parte desse artigo, que vai completar a lista de referências cinematográficas para KULT.

domingo, 25 de agosto de 2019

A Criatura - O Caso do estranho espécime de Kyshtyn


Por vezes surgem casos esporádicos de restos pertencentes a criaturas estranhas que não parecem naturais deste mundo. Esses cadáveres são normalmente mumificados e já achados sem vida, causando todo tipo de debate e discussão a respeito de sua origem. O que são esses seres? De onde vieram? E como vieram parar aqui?

Um dos casos mais bizarros envolve a descoberta de uma criatura alegadamente encontrada viva em uma região remota da Rússia. O ser teria sido achado e tratado por humanos, apenas para desaparecer deixando uma série de perguntas sem resposta.

A estranha história começou no verão de 1996, quando uma senhora de idade chamada Tamara Prosvirina estava dando uma volta pelos arredores do Vilarejo de Kaolinovy, próximo de Chelyabinsk Oblast, região central dos Montes Urais. Certo dia, ela voltou para casa trazendo algo enrolado em um cobertor. Tamara chamou a coisa de "seu bebê" e disse tê-lo encontrado no bosque, aos pés de uma árvore próxima do cemitério. Quando as pessoas se aproximaram para ver, ela segurou o objeto mais perto de seu corpo e se negou a mostrá-lo dizendo que seu nome era Alyoshenka. Aquilo era estranho, e considerando a idade avançada da mulher, alguns consideraram que ela pudesse estar dando mostras de senilidade. No entanto, logo a situação se mostraria ainda mais bizarra do que se imaginava.

No dia seguinte, após acalmar a idosa e deixar claro que nada aconteceria ao seu "bebê", três mulheres do vilarejo, inclusive a nora de Tamara, conseguiram a permissão para ver a criança. Quando o pequeno pacote foi aberto, uma das mulheres saiu correndo em pânico, enquanto as outras duas ficaram estupefatas de horror. A criatura foi descrita como um ser pequeno, com não mais do que 25 centímetros, pele escura e cinzenta e marcas de tom marrom na cabeça. Ela não tinha cabelo ou pelos, seus olhos eram grandes, com pupilas verticais como os de um réptil ou gato, com uma boca pequena, fina e sem lábios. Nos lados da cabeça haviam buracos correspondendo aos ouvidos, mas não orelhas. Os dedos eram finos e longos, com pequenas garras. Ele não possuía umbigo ou genitália, também não tinha pálpebras e produzia um ruído de estalos enquanto respirava através de seu minúsculo nariz achatado.


Prosvirina contou que a criatura era incapaz de consumir alimento sólido, uma vez que sua boca era muito pequena e sem dentes. Ela o alimentava com leite e mel, sendo que ele também lambia pequenos pedaços de chocolate. A senhora contou que a criatura bebia pouca água, mas que não demonstrava muito interesse por nada que ela tivesse tentado dar a ele. O "bebê" raramente movia os membros, mas esticava a cabeça e a virava quando detectava algum som. 

As mulheres que viram a criatura garantiram que a coisa estava viva, mas que não podia ser uma criança humana. Uma delas, Nadia, nora de Tamara, descreveu da seguinte maneira o que aconteceu:

"Tamara já estava bastante velha, mas ainda dava conta de viver sozinha. Naquele dia, nós fizemos uma visita para saber como ela estava e levar comida. Ela parecia animada, ainda que preocupada. Quando perguntei o que estava acontecendo ela disse que iria nos mostrar, mas que não deveríamos contar a ninguém. A coisa estava no centro da cama, coberta e cercada por travesseiros. Ela estalava e fazia ruídos estranhos. Eu podia ver que ela se mexia, amparando a cabeça e tentando se levantar, como fazem os bebês recém nascidos. Ela tinha uma boca pequena e uma língua vermelha. Parecia com um bebê, mas era toda estranha. A cabeça era muito grande, na forma de uma cebola. A cor era marrom e o corpo cinza. Eu perguntei onde ela havia encontrado aquele monstrinho feio e ela disse que ele estava na floresta. Ela o chamava de Alioshenka. Eu pensei que poderia ser algum animal, mas não uma criança".


Nadia contou ainda que a coisa produzia um cheiro estranho que ela não conseguia descrever. Era um odor azedo ainda que não totalmente nauseante. Ela concluiu que o cheiro vinha da criatura que estava suando. "Eu vi minha sogra passando um pano naquela coisa e limpando esse suor".

A essa altura, vizinhos e pessoas próximas já haviam ouvido boatos sobre a coisa estranha que estava acontecendo na casa. Poucos, no entanto, receberam permissão da senhora de ver seu "bebê". Alguns mais preocupados resolveram chamar as autoridades para que tomassem uma providência. Quando homens da guarda chegaram, Prosvirina protestou veementemente e disse que não permitiria que levassem sua "criança": Alyoshenka morreria sem a sua proteção. 

Um oficial de polícia chamado Vladimir Nurtdinov acalmou a senhora enquanto um médico examinava a criatura. Uma verificação rápida constatou que ela não se movia ou respirava e que aparentemente estava morta. Depois de mostrar que ela não tinha reação, Tamara concordou em permitir que o corpo do "bebê" fosse recolhido pela polícia. O corpo foi colocado em uma caixa de sapato improvisada como caixão e levado para a pequena delegacia de polícia em Chelyabinsk.


Um médico legista que trabalhava para a polícia local, o Dr. Vladimir Bendlin foi convocado para ajudar. Bendlin era um sujeito influente no governo e bastante respeitado. Ele ordenou que o corpo fosse colocado em um congelador, filmado e fotografado. Duas amostras foram retiradas dele: sangue e pele para a realização de testes. Bendlin disse que o mais provável é que os restos pertenciam a uma criança nascida com uma doença congênita e que a má formação decorria de nascimento prematuro. Sugeriu ainda que a criança tinha uma estrutura óssea anômala, órgãos e fisiologia de origem incerta.   
Bendlin enviou fotografias e videos para médicos e cientistas russos na esperança de que alguém jogasse uma luz sobre o que era a coisa. Mas ele não se restringiu a pesquisadores convencionais, compartilhando o material também com uma Associação de Ufologia. A descoberta causou enorme sensação e ganhou os jornais, com muitas pessoas acreditando se tratar de um ser alienígena. Naquela mesma semana, conhecidos de Bendlin, ligados a um grupo de ufólogos, requisitou sua autorização para estudar os restos mortais e um pouco a contra gosto, ele acabou concordando. O cadáver foi levado e nunca mais devolvido. 

Na semana seguinte, Bendlin chegou para trabalhar e descobriu que sua clínica havia sido fechada. Lá dentro, ele encontrou homens do governo russo que explicaram que ele deveria cooperar, entregando todos seus relatórios, fotografias, filmagens e é claro, o pequeno cadáver. Quando ele explicou que este havia sido entregue para um grupo de pesquisa, eles pediram mais informações e saíram. 


Os homens não disseram mais nada, recolheram todo material que ainda estava na clínica inclusive as amostras e fotografias. Para todos os efeitos, eles entraram em contato com aqueles que recolheram o cadáver, mas estes jamais confirmaram se entregaram os restos ou não. Simplesmente não deram nenhuma declaração, o que leva a crer que foram de alguma forma coagidos a não falar sobre o assunto. Supõe-se que os restos tenham sido levados para uma instalação de pesquisas, mas tudo isso não passa de conjecturas. A única informação foi que se tratava de um bebê humano com graves deformidades e que ele seria estudado. Nada mais!

Enquanto isso, Prosvirina, a mulher que havia encontrado o "bebê" recebeu uma visita. Homens chegaram em um dia e conduziram um interrogatório à portas fechadas. Um médico teria diagnosticado que ela sofria de stress mental e recomendou internação em uma instituição especializada. A mulher ficou internada por quase 6 meses, quando foi liberada. Mas para tornar tudo ainda mais estranho, assim que deixou a instituição ela foi atropelada. Testemunhas disseram que ela foi vista dançando no meio de uma estrada, quase como se estivesse em transe. Os prontuários na instituição, bem como entrevistas misteriosamente "desapareceram" do arquivo.
  
Ela teria sido assassinada? Foi uma queima de arquivo ou um lamentável acidente?

Parentes e vizinhos da Tamara contaram que foram coagidos a assinar documentos oficiais nos quais não deviam contar o que viram. Disseram que Tamara se negou a assinar tais documentos e que por isso teria sido calada. Quem pode saber ao certo?


O cadáver passou a ser conhecida como "A Criatura" ou "o Anão" de Kyshtym. 

Ele não foi visto depois de ter sido entregue aos pesquisadores e supostamente recolhido das mãos destes por supostos investigadores governamentais. Há rumores de que ele poderia ter sido vendido para um colecionador ou entregue a estudiosos estrangeiros. Infelizmente, tudo parece imerso em especulações.

Defensores da teoria de que se tratava de um ser alienígena acreditam em uma operação de acobertamento. Os mais céticos sugerem que os restos pertenciam a uma criança gravemente deformada. Outra teoria bastante difundida é que os restos pertenciam a um feto humano deformado pela radiação produzida pelo acidente de Kyshtym. Nessa catástrofe, ocorrida em 1957, lixo nuclear vazou da usina de Mayak liberando radiação em uma área de 20 mil quilômetros quadrados. O acidente, é considerado hoje como o terceiro pior desastre nuclear da história, atrás apenas de Chernobyl e Fukushima.

O Dr. Bendlin afirma ter prosseguido em suas investigações a despeito de ameaças e pressão que ele alegou sofrer. Ele contou que criaturas similares teriam sido vistas vagando pela área onde o feto foi encontrada. Afirmou ainda que partículas de DNA da criatura foram recolhidas no cobertor e travesseiros usados por Tamara Prosvirina para dar a criatura algum conforto. Estas amostras de "suor" ou secreções foram enviadas para o Instituto de Medicina Forense de Moscou.

Os resultados foram curiosos.



Um dos genes descobertos nas amostras de DNA recolhidas não corresponde a genes pertencentes a seres humanos ou animais. Nenhuma amostra no laboratório se encaixava no gene. Os especialistas em genética jamais encontraram uma molécula de DNA tão longa. Alguns, no entanto, supõem que isso se deve a contaminação e má qualidade das amostras recolhidas. 

De qualquer maneira, o mistério continua.

O que seria a criatura de Kyshtym e de onde ela teria vindo? Seria ela apenas um feto com má-formação, e se for assim, como explicar que algumas pessoas testemunharam ele se mover, comer e respirar? Seria tudo uma fraude? Quem ficou com os restos e por qual razão? Houve algum tipo de acobertamento dos incidentes? E se sim, quem teria agido nesse sentido? 

Sem um corpo é difícil responder a qualquer uma dessas intrigantes perguntas.

Testes posteriores das amostras de pele, realizados pela Dr. Irina Yermolaeva atestaram que o corpo não era fabricado e que se tratava de um genuíno corpo mumificado. Suas conclusões apontavam que se tratava de uma criança prematura e com doença congênita, algo que ela atribuiu ao desastre nuclear de 1957. 


Em 2004 cientistas fizeram uma declaração de que a Criatura de Kyshtym era um feto feminino prematuro com severas deformidades, ainda que o consenso não tenha sido total. A assistente clínica Lyubov Romanowa especializada em deformidades que analisou as fotografias declarou "jamais ter visto algo semelhante" em fetos humanos afetados por radiação. Segundo ela, "nem mesmo em Chernobyl viu-se algo parecido". 

O extraordinário caso da Criatura continua sem uma solução e o debate a respeito de sua origem provavelmente nunca erá fim. 

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

RPG do Mês: Kult, Divinity Lost - Conclusão da Resenha


Concluindo a resenha de KULT - Divinity Lost.

Uma campanha de KULT se inicia com um primeiro vislumbre além da Ilusão e a partir daí, os personagens começam a explorar o esquema em busca da verdade. Em um jogo com tal proposta, os personagens não deveriam ser "pessoas normais", por isso o jogo propõe a criação de personages "com algo mais".

Os personagens são indivíduos que de alguma forma sentem a existência de algo além. Eles descobrem que a vida é mais do que trabalhar, ganhar dinheiro, comprar coisas, procriar e morrer. É justamente esse inconformismo que servirá para abrir seus olhos e expôr a mentira que permeia condição humana. Os jogadores podem escolher diferentes arquétipos que fornecem as linhas gerais para a construção dos personagens. Cada arquétipo segue uma proposta dentro da ambientação, e fornece ideias que se encaixam no panorama do jogo.

Uma verdade inconveniente a respeito das edições antigas desse RPG é que as regras eram muito fracas. Elas pareciam incomodamente raquíticas para comportar um jogo dessas dimensões o que acabava amarrando e atrapalhando a fluidez das sessões. KULT - Divinity Lost reparou esses problemas ao converter o jogo para o Sistema Apocalipse World.


Eu não sou um conhecedor desse sistema de regras, então vou fazer um breve sumário de como elas funcionam, sem me aprofundar nos pormenores.    

A essência do jogo está em algo chamado Moves (Movimentos) que são testes feitos para serem comparados em uma tabela de resultados. Cada movimento tem um gatilho (por exemplo "Investigar uma cena", "enganar um NPC" ou "reagir a um acontecimento apavorante") e uma tabela que define os resultados. Em geral uma rolagem de 15 ou mais é um sucesso. De 10 a 14 um sucesso parcial. E 9 ou menos constitui uma falha. O jogo usa dois dados de 10 lados que são somados para obtenção do total.

Durante a criação dos personagens, os jogadores distribuem pontos de modificador +2, +1 e +0 para suas estatísticas básicas de Fortitude, Reflexos e Força de Vontade. Cada personagem possui ainda modificadores de +3, +2, +1, +1, +0, -1 e -2 para distribuir em atributos secundários que definem seu Carisma, Frieza, Intuição, Percepção, Razão, Alma e Violência. Como você deve ter intuído, esses modificadores refletem os pontos fortes e fracos dos personagens. Eles serão acrescidos ou diminuídos do rolamento de dado nos testes. Cada movimento é baseado em uma combinação de Atributos que fornecem um bônus ou uma penalidade.  

Além disso, o sistema disponibiliza uma extensa lista de vantagens e desvantagens que deverão ser escolhidas pelos jogadores dependendo de seu arquétipo e que irão conceder benefícios ou complicadores adicionais no momento de tentar os Movimentos. Não existe uma lista de habilidades, todas elas decorrem diretamente dos atributos básicos e das vantagens escolhidas.



Famoso nas outras versões do jogo, Divinity Lost reedita os Dark Secrets (Segredos Negros) dos personagens, dessa vez "obrigando" que todos os personagens adotem ao menos um deles. Esses segredos são na nova ambientação uma espécie de catalizador emocional que serviu para "abrir os olhos" dos personagens para a realidade do mundo. Esses Segredos são realmente apavorantes e medonhos, coisas que vão desde ter sido vítima de experimentos, de ter tido contato com espíritos, ter realizado algum pacto demoníaco ou ainda ter cometido algum crime ou atrocidade. Os Dark Secrets ganharam uma importância crucial no jogo e são uma ferramenta para mergulhar na alma dos personagens, por vezes encontrando algo especialmente atroz ou reprovável. 

Uma das coisas mais bizarras em KULT é justamente a possibilidade de interpretar indivíduos que não apenas sofreram coisas horríveis, mas que muitas vezes cometeram atos moralmente questionáveis. Mais um motivo para que o grupo tenha maturidade em explorar essas facetas.   

Sendo absolutamente franco, eu ainda não testei o sistema para dizer se gostei ou não, o que posso dizer é que no papel ele parece bem sólido e promissor. O Apocalipse Engine tem fãs ardorosos que elogiam bastante sua fluidez e simplicidade, o tipo da regra que privilegia o jogo descritivo e rápido. Em resumo: meu tipo de regra e o estilo de jogo que me agrada.

Uma coisa interessante que mesmo um iniciante no sistema pode perceber é que os Monstros e criaturas possuem um bloco de estatísticas com números bem superiores. Isso se dá porque os horrores de KULT são coisas que os personagens não devem enfrentar. Para quem está habituado com Chamado de Cthulhu, não causa surpresa que os inimigos sejam extremamente poderosos. Aqui a coisa é realmente desigual, e a morte pode chegar rapidamente se um jogador quiser enfrentar de peito aberto uma dessas abominações.



O livro é excepcional em explicar as regras e o sistema. Tudo vem acompanhado de exemplos e descrições que ajudam não só a entender a mecânica, como absorver o estilo do jogo e suas muitas nuances. KULT a meu ver demanda um Narrador com certo traquejo e experiência na condução de aventuras. Não estou dizendo que um iniciante não possa narrar uma sessão desse jogo, mas me parece importante saber como transitar entre situações limítrofes e descrever cenas viscerais com detalhes que nem todos teriam estômago para fazer.

Uma vez que a ambientação é tão diferente, o livro propõe dicas e soluções para estruturar a sessão e escrever seu próprio cenário. É claro, muitos podem imaginar que cenários de KULT são estranhos e estes não estão errados em assumir a dificuldade em escrever essas histórias. Eu definiria o jogo como um Horror Hardcore, com doses generosas de investigação e mistério e um pouco mais do que uma pitada de sanguinolência e medo. As informações de como conduzir a narrativa, como centrar o foco nos personagens, manter o ritmo e criar excitação e expectativa são extremamente valiosas, não apenas para esse jogo, mas para qualquer outra ambientação no gênero horror.

O terço final do livro é de longe o meu preferido e que mais me impressionou. Ele trata dos Segredos e Verdades sobre a Ilusão e ergue o manto sobre os seres aterrorizantes e as bombásticas revelações da ambientação. Ali estão não apenas as estatísticas dos horrores mais medonhos que vi em muito tempo (e isso dito de um fã de Cthulhu!), mas ideias para usá-los em sua história e descrições cruas que parecem saídas da cabeça de um demente. Sério mesmo, algumas dessas descrições são combustível de pesadelos que vão fazer o motor de sua imaginação rodar em altíssima octanagem. O livro desfralda ainda as terras além da Ilusão, lugares que os personagens poderão visitar em seu caminho para a iluminação, ou para onde serão arrastados aos berros por algum carcereiro vingativo.

Finalmente temos uma vasta coleção de magias e rituais que os personagens poderão obter e desenvolver ao longo do seu desenvolvimento. Em KULT, não há algo como nível de experiência, mas isso não significa que os personagens ficarão estagnados, pelo contrário, poucos jogos evocam com tanta força a noção de que conhecimento é poder (ainda que extremamente perigoso).


Há diferentes Caminhos que permitem ascender na direção da Divindade - a saber Sonho, Paixão, Morte, Loucura e Tempo-Espaço, cada qual com seus riscos, recompensas e pormenores. Os jogadores podem usar um ou mais destes caminhos em suas buscas, mas nenhum é tranquilo ou "normal". Tudo é profundamente estranho e degenerado, então esteja preparado para assistir e permitir que seu personagem tome parte em situações realmente bizarras.

A despeito de seu teor indigesto, o texto é fluido, bem escrito e incrivelmente cativante. Você sente vontade de continuar lendo e não parar até ter concluído o trecho e então seguir para o próximo. Nada é gratuito, e as informações, embora pesadas, são nada menos do que fascinantes. Eu reconheço que leio devagar e que gosto de voltar e ler trechos novamente, mas aqui, li em uma sentada só.  

Finalmente, precisamos comentar sobre o aspecto físico de KULT - Divinity Lost e aqui cabem vários parágrafos. pois o visual do jogo é impressionante.

Falamos muito a respeito do capricho e cuidado que as editoras dispensam ao material de RPG atualmente. Existe um novo e louvável padrão de apresentação e qualidade que os Livros tem seguido - capa dura, papel de qualidade, marcador de páginas, etc. Mas por vezes é necessário elogiar um novo patamar de excelência atingido. E esse livro merece ser elogiado. 

KULT é um dos livros mais bonitos que já vi.


A qualidade gráfica é nada menos do que excepcional, com um acabamento e diagramação impressionantes. Tudo ali parece ter sido trabalhado com esmero e dedicação, contribuindo para um resultado notável. O livro oferece uma profusão de páginas escuras de um preto atordoante. Por sinal, jamais vi um livro com tantas páginas escuras. As primeiras 40 páginas do livro (que tem cerca de 350) são PRETAS, com um pequeno texto e uma arte arrebatadora em painel.

A capa é sensacional, uma das minhas favoritas, no mesmo patamar da icônica ilustração do anjo dividido por uma tesoura que ilustrava a primeira edição. Quando participei do Financiamento Coletivo havia a chance de escolher entre duas opções de capa, a primeira com a personagem em destaque vestida e a segunda (exclusiva para o FC) com os seios à mostra. Eu preferi a segunda. É um trabalho fantástico de Bastien Lecouffe Deharme, um dos principais artistas envolvidos no projeto do livro. A personagem em perspectiva parece saída de uma tela renascentista.

A arte é aliás um elemento usado como instrumento para desarmar o leitor. 

Não me entenda mal, ela é incrivelmente boa, mas dolorosamente minuciosa. Nunca se viu tantos detalhes anatômicos em estilo full-frontal in your face (total frontal na sua cara). Não me refiro apenas a nudez e sexo, aos corpos mutilados e sanguinolentos, mas a detalhes menores que chocam pelo aspecto visceral. As expressões dos personagens retratados parecem remeter a painéis medievais, extraídos de vitrais góticos ou telas à oleo. Expressões de dor e sofrimento, ocasionalmente de êxtase e prazer se multiplicam pelas páginas escurecidas. 

As cenas de paisagens e vistas urbanas são contemporâneas, retratando cidades escuras e sujas, com arranha-céus de aço e concreto desafiando céus enevoados. O ambiente de KULT é o das metrópoles populosas e frias, com arquitetura arrojada e desafiadora, mas ainda assim, prisões que o próprio homem construiu, como gaiolas douradas.


Eu sempre fui um fã de KULT, tanto da ambientação, quanto de sua proposta. Sempre achei ele estranho e fascinante na medida certa. Narrei algumas vezes e joguei ainda menos, mas cada sessão foi uma experiência diferenciada. Há uma mística a respeito desse jogo, algo que beira o proibido e que por isso talvez o torne tão atraente.

O que posso dizer, sendo um veterano do sistema (ouso me considerar como tal), é que KULT jamais esteve tão bem representado quanto nossa quarta edição.

Eu pretendo testar esse jogo em breve, não é o tipo de "fera" que ficará para sempre na estante. Bestas como essa, por vezes querem sair e precisam ver mesa de jogo. Eu só espero estar à altura de controlá-la depois. 

Já dizia o velho ditado: "jamais conjure algo que não pode controlar".