segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Histórias Proibidas - A verdadeira (e por vezes escandalosa) história da Bela e da Fera


Conhecedores de literatura sabem que a primeira versão do clássico conto de fadas "A Bela e a Fera" foi escrita por Gabrielle-Suzanne Barbot de Villeneuve. A autora francesa publicou a história no ano de 1740, e sua fábula cativante tinha de tudo: Tramas elaboradas que permitiam uma análise profunda dos personagens, objetos mágicos como um anel capaz de teleportar quem o usasse; personagens como os irmãos ambiciosos, temas societários e denúncias a respeito de como as mulheres tinham casamentos arranjados no passado.

Enquanto contos de fadas como A Bela e a Fera podem ter sua origem traçada até milhares de anos no passado, foram autores como Madame Villeneuve que criaram as versões que se tornaram mais famosas. Elas foram adaptadas, trabalhadas, contadas e recontadas tantas vezes que se converteram em clássicos inesquecíveis. As narrativas ganharam tanta fama que poderiam ser contada por qualquer um.   

A última versão da história, foi o filme da Disney com Emma Watson e Dan Stevens, um sucesso de público e crítica lançado em 2017. Mas essa história não é nem de longe similar a versão original e tantas outras que se seguiram ao longo de décadas.

Na narração da história escrita em 1740, a Bela tinha cinco irmãos, três meninos e duas meninas, filhos de um bem sucedido mercador. Bela era a mais jovem de todos. Como em todas as versões, a personagem fazia jus ao seu nome, era atraente e com uma beleza cativante. Ela era humilde e pura de coração, além de muito inteligente. Suas irmãs igualmente bonitas, eram perversas, mimadas e capazes de qualquer coisa para ferir Bela, de quem tinham inveja.

As coisas pioram quando o pai acaba perdendo toda a sua fortuna. Sua frota de navios mercantes é atingida por uma forte tempestade e de um momento para o outro, a família afunda nas dívidas. Perdem a casa, as roupas, as joias e tudo de valor que um dia possuíam. Certo dia, entretanto, descobrem que ainda tinham uma última fonte de riqueza, um navio que havia aportado em uma terra distante com a sua carga intacta. O pai, confiante de que isso poderia salvá-los, viaja para essa terra com o objetivo de reaver a embarcação e sua preciosa carga.


O pai fica feliz e pergunta aos filhos o que desejam como presente dessa terra distante. Dentre eles, apenas Bela age de maneira modesta. Ela não quer nada de valor ou caro, como suas irmãs e irmãos. Tudo que ela deseja é uma rosa, uma flor de que ela ouviu falar, mas que não existe no lugar em que vivem.

O pai viaja e chega a essa Terra estranha, governada por um Monarca que ninguém vê e que reside em um castelo encantador. O pai fica impressionado com todo aquele luxo e riqueza. Ele fica sabendo que o navio restante foi salvo da tempestade por esse governante e que ele mantém o barco em seu porto em segurança. Os conselheiros do governante oferecem ao mercador um aposento no castelo e agendam uma audiência. Mas o senhor do Castelo não aparece! Ele comunica através dos Conselheiros que a embarcação e sua carga não serão devolvidas e que passaram a ser de propriedade do Governador.

Arrasado, o Mercador decide então partir da propriedade no meio da noite, mas enquanto sai percebe que o Castelo possui um belíssimo jardim com as mais belas flores. Ele entra no jardim e apanha uma rosa para levar de presente, e é então que ouve um rugido furioso. O Senhor do Castelo, a Fera em pessoa aparece irada com a ousadia do convidado que apanhou a mais bela flor do seu jardim.

A Besta avisa que o Mercador precisa ser punido com a própria vida, mas faz uma proposta. O monstro fica sabendo que o Mercador tem uma filha de rara beleza, aquela que receberia a rosa removida do Jardim. Pois bem, diz ele, "Uma beleza em troca de outra. A sua bela filha em troca da rosa que você tentou roubar". O pai fica mortificado, mas acaba aceitando um Acordo de Casamento imposto pela Fera. A menina terá de ser entregue no máximo em um mês e como dote, a embarcação e sua preciosa carga, será devolvida.  


Ao contar o que se passou, os irmãos mal podem acreditar, eles ficam felizes em ouvir que parte de sua riqueza seria restituída. Mesmo sabendo do triste destino da irmã mais nova, continuavam alegres se abraçando e confraternizando. Bela, por sua vez, ouve a história sem dizer nada, e quando esta termina, apenas abraça o pai e diz que irá fazer o necessário. Para muitos, essa é uma denúncia clara contra os casamentos arranjados e como as mulheres do período se tornavam uma espécie de comodidade para ser negociada e trocada.   

Bela vai para o Castelo, cumprindo sua parte no trato. Lá ela é tratada como uma verdadeira princesa, recebendo vestidos, jóias e luxo das mãos dos conselheiros. Mas quando finalmente é apresentada à Besta, sua aparência grotesca a deixa aterrorizada. O monstro por sua vez age de forma perversa, autoritária e ordena que Bela diga que o ama. Mas ela não pode fingir estar satisfeita e se nega a obedecer essa última ordem. Enquanto fica no Castelo, Bela sonha com um Príncipe noite após noite, e imagina que este virá resgatá-la das garras do Monstro. 

Na parte final da trama, Bela negocia com a Besta uma visita ao seu pai de quem sentia muita saudade. A Besta concorda desde que Bela retorne ao palácio logo em seguida para o casamento. Para facilitar, ele entrega à menina dois objetos mágicos: um espelho que permitia ver o que se passava no castelo e um anel que magicamente transportava quem o vestisse de volta. Sem que a Fera desconfie, Bela planeja fugir com a ajuda do pai, desaparecer no mundo e adotar outro nome.


Ao chegar em casa, os irmãos de Bela revelam um plano para assassinar a Fera e fazer com que a irmã se torne herdeira de tudo que pertence a ela. De fato, eles já enviaram um assassino para colocar na bebida do monstro um veneno mortal. Bela fica dividida entre concordar com o plano ou alertar o futuro marido. Ela acaba observando o espelho e vê a Fera andando pelo jardim de rosas e bebendo um gole do vinho envenenado. Logo em seguida, ele cai e começa a sofrer os efeitos da substância. Bela continua dividida até que a imagem no espelho mostra a fera expirando. Ela então usa o anel e retorna ao palácio para tomar a Fera em seus braços enquanto ela morre. Magicamente após a sua morte, seu corpo sofre uma transformação e se torna o príncipe com quem Bela sonhava. Fica sabendo então, através de um conselheiro, que a Fera era um príncipe amaldiçoado que havia se tornado um monstro. E assim continuaria até que uma mulher demonstrasse compaixão por ele.

A história, com um final agridoce termina com Bela ordenando que o príncipe seja sepultado no Jardim de Rosas e que os irmãos e irmãs sejam banidos para sempre pelos seus atos maldosos. Seu pai é chamado para viver no Castelo e se torna o seu Conselheiro. Mas a tristeza de Bela é demasiada e ela morre, sendo enterrada ao lado do Senhor do Castelo. No exato local crescem duas flores entrelaçadas. 

Versões posteriores dessa trama familiar foram resumidas, e algumas acabaram se tornando ainda mais populares do que a original de Madame Villeneneuve. Esse é o caso da versão de Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, cuja versão datada de 1756 ganhou ainda mais drama e emoção.


Por exemplo, a versão de Beaumont relata um diferente ângulo de como Bela se torna a filha favorita do mercador. Inicialmente, ela seria  afilha de um Rei e de uma fada, e a menina sofre por ser o resultado de um amor proibido. Para que a criança não fosse ameaçada por humanos e fadas, sua descendência é escondida, ainda que sua beleza fosse de alguma forma sobrenatural, temperada pela humildade humana. 

O protagonista masculino principal, um jovem príncipe, é também vítima de magia negra. Ele é transformado na Besta, aós desafiar as mesmas fadas que ameaçavam Bela. Pelas condições da maldição, ele  só poderá retornar a sua forma normal quando uma jovem, que nada sabe a respeito de sua origem, se apaixonar por ele e aceitar se casar.

Novamente o fim da história é trágico, já que as fadas acabam por fazer Bela abandonar a Fera, e deixá-lo sozinho para morrer. Ela só descobre tarde demais que ele é o príncipe pelo qual nutria uma paixão secreta, e então acaba se unindo ao seu amado na morte. Mais uma vez, o tom de tragédia governa a história que francamente nada tem de infantil.

É nessa polêmica versão que a Fera, tomada de luxúria tenta tomar Bela à força, fazendo com que ela corra para uma floresta e seja encontrada pelas fadas. Em seguida, ela é convencida de que só a morte da Fera poderá libertá-la. Em outra cena bastante inadequada para crianças, sabemos que o pai adotivo da Bela também nutria pela menina desejos irrefreáveis. Em determinado momento ele planeja casar com Bela (que tem apenas 11 anos!), mas sabendo que um casamento de conveniência poderia ser melhor para seus negócios prefere se conter para que a menina seja negociada ainda imaculada.

Ironicamente podem ter sido justamente esses elementos chocantes que garantiram a longevidade da história. Até mesmo o infame Marquês de Sade se debruçou sobre o conto da Bela e da Fera para usar os personagens de maneira bastante inadequada relatando em detalhes a relação de alcova estabelecida entre a Bela (linda e virginal) e a Fera (degenerada e pervertida). Na versão de Sade, a bestialidade da Fera não reside apenas em sua aparência grotesca, mas em seus atos libidinosos e no desejo de torturar e submeter Bela aos seus desejos mais bizarros. Em uma legítima trama de Sade, a mocinha em determinado momento não sabe se deve ceder ou não a vontade da Fera e aos seus próprios desejos ocultos.

A transição da história original de conto dramático e indecoroso, para um conto de fadas se deu gradualmente, com adaptações que suavizavam os aspectos mais grotescos da trama e se concentravam no verdadeiro amor que no fim libertava a Fera de sua aparência bestial.

Com o tempo, a história passou a se dirigir às crianças convertidas no público alvo, mas como acontece frequentemente nos Contos de Fada, as coisas não são o que aparentam.

ADENDO:

E para quem achou interessante, talvez queira saber as versões que nossas avós não contaram de Chapeuzinho Vermelho e Flautista de Hamelin. Basta clicar nos links abaixo:

O Horror Oculto em Chapeuzinho Vermelho

A Terrível Verdade sobre a História do Flautista de Hamelin

4 comentários:

  1. foda-se, doido! a narrativa composta por Frau Beaumont é por assaz superior a da Disney! valeu pelo grande informativo!!! já vou procurar se tem em alemão ou em inglês pra ler!

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  2. Também nutro uma admiração e interesse muito grande por contos de fadas e suas origens perversas. Gostei bastante dessa matéria e aguardo ansiosos as próximas. Um abraço!

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  3. Caramba! A bela e a fera original é muito mais interessante! Me deu até um nó na garganta!

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