quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Livros Perigosos - Versões do Malleus Maleficarum com conhecimento dos Mythos


Em sua obra, H.P. Lovecraft nunca citou textualmente o Malleus Monstrorum, o infame Manual de caça às bruxas. Provavelmente ele considerava que o livro não tinha nenhuma utilidade prática no Universo dos Mythos. Um materialista convicto como Lovecraft não daria razão a crenças e práticas religiosas que na sua opinião não passavam de tolices anacrônicas de um tempo obscuro. Portanto, as coisas descritas pelos autores do Martelo das Feiticeiras seriam mera superstição e ignorância.

No entanto, uma das ideias centrais no universo dos Mythos é que na incapacidade de compreender a natureza alienígena dessas criaturas de poder cósmico, alguns as interpretariam à luz das crenças conhecidas. Tais seres poderiam ser encaixados em mitologias, sistemas de crenças particulares e religiões, quase sempre vistos como demônios a serem evitados, temidos e combatidos.

Parece perfeitamente razoável assumir que um livro importante como o Malleus Maleficarum tivesse recebido atenção não apenas de caçadores de bruxas, mas de pessoas que lidaram com a ameaça dos Mythos de Cthulhu. É provável que nesse contexto existissem obras apócrifas do tratado original redigido por Kramer e Sprenger, livros que abordariam aspectos específicos de um mal ainda mais pernicioso do que o da Feitiçaria e da bruxaria.

O Livro Básico de Chamado de Cthulhu menciona brevemente esse tomo abominável (pg 236 da Edição New Order), mas essa pode ser considerada a versão simples do livro que pode ser achada em livrarias, bibliotecas ou mesmo na internet. Horrível como pode ser, seus leitores não perdem parte de sua sanidade ao folhear suas páginas.

Contudo, quando as palavras dos caçadores de bruxas se misturam ao conhecimento ancestral, a coisa muda de figura.

A seguir, temos algumas versões deturpadas do Malleus Maleficarum que se referem ao Mythos e que podem ser interpretados como Tomos de Conhecimento Profano, se não de forma integral, ao menos em parte.

Para efeitos práticos, usei o padrão de estatísticas dos livros e tomos de Chamado de Cthulhu 7th.

MALLEUS MALEFICAR
em alemão e latim, autor desconhecido, c. 1499

Perda de Sanidade: 1D4
Myhos de Cthulhu: +2/ +4 por cento
Nível de Mythos: 6
Tempo de Estudo: 3 semanas
Feitiços Sugeridos: Contactar Divindade Nyarlathotep (na forma do Homem Negro)

Uma das primeiras adaptações revisionistas do manuscrito original, esse volume único possui cerca de 90 páginas adicionais que parecem ter sido encartadas em uma edição como uma espécie de acréscimo ao texto. O título foi alterado para "Malleus Maleficar" provavelmente como parte da revisão ou um erro de gramática.

A encadernação é provavelmente do final do século XV, um típico trabalho dos tipógrafos alemães da cidade de Speyer, na Alemanha central.

As páginas adicionais mencionam detalhes a respeito do Homem Negro, um poderoso avatar de Nyarlathotep (tratado no texto como Narlato). O texto menciona a existência de seitas de feiticeiras na Alemanha, dedicadas a adorar o Homem Negro, que em troca de favores carnais e sacrifícios de crianças não batizadas, concedia recompensas na forma de magia e poder. O livro descreve um extenso ritual que permite contatar o Homem Negro e um encantamento que supostamente serviria para prendê-lo em um círculo de magia. Uma vez capturada, a criatura atenderia os desejos de seus captores. É provável que o Ritual seja uma versão do Feitiço Contatar Nyarlathotep e que a parte sobre a captura da entidade seja uma grosseira deturpação.

O livro contém também anotações nas bordas das páginas do texto original, contendo apontamentos que tentam corrigir as observações dos autores. Infelizmente parte do livro foi danificado e algumas páginas se perderam com o passar do tempo. 

O volume foi incorporado ao acervo da Biblioteca Municipal da Cidade de Nuremberg. Antes ele fazia pare de uma coleção particular, tendo sido doado anonimamente em 2002.

Der eingelöste Vorschlaghammer
em alemão, autor desconhecido, c. 1600

Perda de Sanidade: 1D3
Myhos de Cthulhu: +0/ +1 por cento
Nível de Mythos: 3
Tempo de Estudo: 2 semanas
Feitiços Sugeridos: nenhum

O título dessa versão revista e largamente reescrita pode ser traduzido grosseiramente como "O Martelo Redimido". Ele foi escrito no fim do século XVI e é uma versão expurgada do Malleus escrita por autor desconhecido, possivelmente um alto membro do clero.

O autor afirma ter feito uso recorrente do livro em seu trabalho como Inquisidor e "caçador de bruxas" na Alemanha do período. Em tom de confissão ele diz que jamais acreditou realmente no livro ou em seus métodos e que se valeu dele apenas para granjear poder e influência entre o clero, às custas de acusações infundadas e processos viciados na maioria das vezes contra inocentes. O autor prossegue descrevendo inúmeros julgamentos manipulados e fraudes legais em que tomou parte ativamente.

Ele explica que sua compreensão a respeito de teologia mudou radicalmente após um episódio ocorrido na Baviera quando ele atesta ter encontrado uma feiticeira verdadeira, dedicada a servir forças nefastas que seriam muito mais tenebrosas que Satã e suas hostes infernais. O Inquisidor menciona entrevistas conduzidas com essa bruxa, com o uso de tortura na qual ela confessa seus muitos pecados e a existência de entidades que habitam "além do tempo, além do espaço". Ao fim do processo de interrogatório, o Inquisidor afirma que a acusada desapareceu de sua cela possivelmente recorrendo a algum prodígio mágico para fugir da sentença. Posteriormente ele menciona ter sofrido retalhação por parte da bruxa que havia torturado, sendo perseguido por ela e seus aliados demoníacos, tanto desperto quanto em seu sono.

Temendo pela sua vida e decidido a encontrar redenção, o autor se retira da vida clerical e se torna um eremita. Nesse período, escreve o livro no qual busca denunciar a falsidade do Malleus Maleficarum e a verdade sobre as forças ancestrais que habitam a Terra. 

O livro foi publicado em uma pequena tiragem em 1610 em Leipzig, e dado o seu conteúdo, denunciando o Malleus Maleficarum, acabou sendo incluído no Index Librorum Prohibitorum. A maioria dos exemplares foram recolhidos e queimados, restando apenas duas edições sobreviventes, ambas atualmente em coleções particulares na Europa. 

DER HEXEN HAMMER - Edição de Mogúncia
em alemão, autor desconhecido, c. 1620

Perda de Sanidade: 1D6
Myhos de Cthulhu: +3/ +6
Nível de Mythos: 12
Tempo de Estudo: 7 semanas
Feitiços Sugeridos: Maldição Pavorosa de Azathoth, Pó de Ibn-Ghazi e Invocar/ Vincular Serviçal dos Deuses Exteriores.

Uma das edições mais perfeitas e completas do Malleus Maleficarum, ela foi impressa em Mainz em dois volumes por uma gráfica especializada em bíblias e ligada ao próprio Johannes Gutemberg criados do processo.

O livro foi provavelmente presenteado ao Cardeal da Cidade de Colônia em 1624, constando no registro de sua biblioteca particular.

Diferente das demais edições, esta trazia um apêndice possivelmente censurado nas demais cópias do Malleus. Esse apêndice com cerca de 30 páginas incluía um trecho presente no Necronomicon, versando a respeito das Peregrinações de Al Hazred e de sua jornada à legendária Irem, Cidade dos Pilares. O trecho descreve entre outras coisas um Culto Canibal que existia nas ruínas decrépitas da cidade, rituais doentios praticados por seus habitantes e uma série de encantamentos visando ao realizador invocar os Serviçais dos Deuses Exteriores.

Ironicamente o conteúdo adicional da Edição da Mogúncia só foi descoberto em 1750 por um ambicioso bibliotecário chamado Dieter Stamph que trabalhava para a Cúria de Colônia. Percebendo essa diferença no livro Stamph fez uma cópia do apêndice e negociou sua publicação. Ele foi denunciado em 1754 e excomungado por heresia no mesmo ano. Não se sabe se a cópia de Stamph sobreviveu ou não, mas é sabido que o bibliotecário tentou negociar o material em Strassbourg em 1756, ocasião em que foi assassinado.

A Edição da Mogúncia, a primeira a ser identificada com o título alemão "Der Hexen Hammer" ficou em poder da Universidade de Colônia e por um curto período de tempo foi confiscada pelos agentes da Sociedade Thule e incorporada a coleção particular do Comandante SS Heinrich Himmler. O livro foi encontrado apenas em 2016, em meio a uma vasta coleção recuperada na Noruega (para saber mais a respeito leia a notícia no LINK).

Uma vez recuperado e devidamente identificada a Edição do Hexen Hammer retornou ao acervo da Cúria da Cidade de Colonia de onde havia sido removido em 1937.

MAZZA DA STREGA - Edizione del Nunzio Paolo di Genova
em Latim com anotações em italiano por Titus Pauli, c. 1552

Perda de Sanidade: 1D3
Myhos de Cthulhu: +1/ +3 por cento
Nível de Mythos: 9
Tempo de Estudo: 3 semanas
Feitiços Sugeridos: Convocar Divindade (Nyogtha)

Essa edição do Malleus Maleficarum foi produzida em uma gráfica de Gênova em uma tiragem de não mais do que 400 exemplares. Muitos deles ainda podem ser encontrados em coleções e acervos espalhados pela Itália.

A edição descrita aqui pertenceu ao Núncio de Gênova Titus Pauli (1532-1596) um importante mensageiro eclesiástico responsável por estabelecer relações diplomáticas da Santa Sé no Norte da Itália. A história apagou a maioria das realizações do clérigo, mas as anotações escritas nas bordas do livro atestam que ele tinha enorme interesse nos aspectos práticos da Caça às Bruxas e no combate à Feitiçaria. Mais do que isso, as observações de Pauli incluem notas sobre processos judiciais e comentários de próprio punho, no qual ele dispõe sobre feiticeiras que na sua opinião praticam "o que há de mais escuro, dentro da magia negra".

As anotações do Núncio mencionam um Culto devotado a um demônio identificado como Nyoghta, a Coisa que não Deveria Existir. As anotações incluem trechos de um interrogatório conduzido em Genova no qual uma mulher, acusada de bruxaria, dispõe sobre suas práticas sórdidas em conluio com essa terrível entidade. Ela relata sacrifícios de crianças e de fetos, a criação de familiares, o assassinato de pessoas inocentes e a glorificação de seres nefastos.

Após a morte do Núncio, o livro foi incorporado a Biblioteca da Abadia de la Cervara, na região de Santa Margherita de Liguria. O livro ficou em poder da Biblioteca até a propriedade da Abadia ser vendida na metade do século XX. O acervo foi comprado por um colecionador italiano em 1967 e segundo rumores arrematado recentemente por um colecionador chinês que permaneceu anônimo.

EL MARTILLO, con anotaciones del clérigo Ramiro de las Mercedes, querido hermano de la Orden de la Purificación.
em espanhol, autor Ramiro de las Mercedes, c. 1620

Perda de Sanidade: 1D6
Myhos de Cthulhu: +1/ +4
Nível de Mythos: 9
Tempo de Estudo: 10 semanas
Feitiços Sugeridos: Encantar Apito, Encantar Adaga Sacrificial e Chamar o Viajante do Vazio (Invocar Byakhee)

O Tribunal do Santo Ofício não funcionou apenas na Europa e nas colônias da America do Norte, ele esteve presente em outros cantos do mundo, em especial na América Espanhola. Quando os Conquistadores viajaram para a América do Sul em busca de todo ouro e prata que pudessem pilhar, levaram consigo padres interessados em catequizar aqueles povos. À força se necessário. Durante a colonização encontraram resistência para domar o julgavam ser um espírito pecaminoso. Montaram no Novo Mundo versões dos Tribunais da Inquisição, os temidos Autos de Fé. 

Em Lima, a mais rica colônia espanhola, ocorreu um desses atos públicos em 1639, comandado pelo Inquisidor mor Ramiro de las Mercedes. O religioso era membro da Orden de la Purificación, braço da Inquisição que tinha conhecimento do Mythos, ainda que os interpretasse como entidades demoníacas.

Ramiro afirmou ter encontrado no Novo Mundo, em especial em Lima indícios da presença de cultos e divindades nefastas que ainda eram veneradas pelos nativos que descendiam dos Incas. Embora existissem pequenos grupos devotados a Hastur e Yog-Sothoth, em seu zelo fanático, a Inquisição fez inúmeras vítimas inocentes. Durante os dois anos da campanha para "limpar" a Colônia, ocorreram muitas prisões, tortura e execuções. Os primeiros prisioneiros, membros do Culto de Hastur revelaram a Ramiro as bases para seus ritos mais sagrados. O Inquisidor mor, fez anotações de seus progressos e posteriormente redigiu um adendo ao Malleus Maleficarum que chamou El Martillo (O Malho), uma compilação de interrogatórios e investigações a respeito de cultos na colônia.

Em 1641, o Inquisidor escreveu uma carta a Santa Sé afirmando ter extirpado o germe da heresia na Colônia. Contudo, antes de deixar a colônia, de las Mercedes foi envenenado, vindo a falecer à bordo do navio que o levaria ao México, onde planejava realizar uma cruzada semelhante.

O livro foi recolhido por um seguidor próximo do Inquisidor que copilou os capítulos escritos por de las Mercedes que se referem especificamente a Hastur (chamado Xhastur) e a mitologia do Rei Amarelo, conforme os testemunhos obtidos. Ele cita ainda torturas, o uso de feitiços contra os cultistas e apresenta uma lista de hereges que foram executados. 

O trabalho de Ramiro de las Mercedes jamais foi publicado, embora o malho tenha sido copiado por membros da Ordem e preservados em Igrejas ou bibliotecas eclesiásticas simpáticas a obra da Organização.

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