domingo, 20 de outubro de 2019

O Ataque dos Homens Mortos - Uma história aterrorizante da Grande Guerra


Não faltam histórias estranhas e narrativas arrepiantes a respeito da já centenária Grande Guerra (1914-1918), episódio histórico que definiu boa parte do mundo como conhecemos hoje.

A Primeira Guerra trouxe o horror do conflito em Escala Industrial, no qual armamentos novos e mortais, táticas antiquadas e um número elevado de envolvidos, contribuíram para desencadear uma tragédia sem precedentes. Entre as armas mais abomináveis empregadas com pioneirismo nos campos de batalha estava uma que se tornou sinônimo de terror; o Gás Venenoso.

Um dos mais perturbadores combates da Grande Guerra aconteceu na Batalha da Fortaleza de Osowiec, no Oeste da Polônia, onde tropas alemãs enfrentaram o mais próximo de verdadeiros mortos vivos.

Era 6 de agosto de 1915 e a guerra estava em seu primeiro ano, com a estagnação que marcou todo conflito já instalada. Com as linhas de frente traçadas, os combatentes permaneciam uns diante dos outros em suas trincheiras, avançando e retrocedendo, ganhando apenas alguns metros que não faziam muita diferença.

No front oriental, os alemães estavam na ofensiva; enfrentavam tropas russas e polonesas que empreendiam uma ferrenha resistência. A defesa se concentrava num antigo forte medieval chamado Osowiec que protegia a entrada de um vale e impedia a invasão dos soldados do Kaiser. Os russos tinham cerca de 900 homens dentro da fortificação, sendo que a maioria deles eram civis que receberam armas e a missão de defender o local. Da posição que ocupavam eles conseguiam perceber a aproximação dos alemães e disparar de um ponto vantajoso. A tática de aguardar e repelir os avanços estava dando resultado e o forte se mantinha inconquistável passados oito meses.


O Comando alemão decidiu então concentrar seus esforços na tarefa de tomar o forte a todo custo. Preparou para isso um assalto pesado. Foram destacados nada menos do que 14 batalhões de infantaria, com sapeiros e artilharia pesada - os temidos canhões Big Bertha do Exército que disparavam os maiores projéteis da época. O objetivo era reduzir a fortaleza à pó e remover esse obstáculo inconveniente.

Os alemães iniciaram o bombardeio e mantiveram uma barragem constante fazendo cair sobre a cabeça dos russos bombas e explosivos. Ainda assim, quando avançavam tentando tomar o forte encontravam homens no alto das muradas prontos para alvejá-los. Por dias, a situação continuou indefinida, com os alemães usando artilharia, mas com os russos mantendo a defesa sem permitir a conquista da posição. Os defensores usavam criptas subterrâneas para se proteger e ficavam escondidos durante os bombardeios, em túneis escavados na rocha.

Finalmente, depois de semanas, os Generais alemães se enfureceram com o revés. Sentiam-se humilhados pelo pequeno contingente capaz de deter batalhões inteiros. Decidiram que precisariam usar a mais temida arma de seu arsenal, o Gás Venenoso. Uma combinação de duas substâncias foi escolhida para ser lançada sobre os russos, o Brometo e o Gás Clorídrico. O Brometo é por si só um componente que causa irritação nas vias respiratórias, mas não chega a ser mortal, contudo, quando combinado com o Gás de Cloro eles formam uma combinação letal. Juntos, viram ácido hidro-clorídrico reagindo dentro do corpo da vítima. Literalmente, no momento que o gás é aspirado, ele reage com a umidade natural do pulmão e se transforma em uma substância que queima a carne e as membranas internas. A vítima morre de dentro para fora. O terror desse cocktail letal não para por aí, afetando as demais mucosas, ele fustiga os olhos, podendo deixar a vítima permanentemente cega, faz o nariz sangrar em profusão e cobre a boca de doloridas feridas.


Contudo, é o sistema respiratório que mais sofre com a ação. As mucosas pulmonares tem uma grave deterioração e começam a dissolver. Com sorte, a vítima morre rápido, afogada em seu próprio sangue que transborda para os pulmões. Poucos minutos são fatais, mas aqueles apenas parcialmente expostos, podem sofrer por semanas com os efeitos danosos. Com a capacidade respiratória reduzida, morrem após uma prolongada agonia.

Os alemães sabiam que o gás teria sucesso em remover os russos e poloneses. O serviço de espionagem havia colhido a informação que seus inimigos não dispunham de máscaras de proteção contra gás. Os russos tinham apenas máscaras de pano, pouco eficazes contra a combinação química.

Os componentes foram colocados em projéteis de artilharia e disparados a alguns metros da entrada do forte. Quando uma nuvem esverdeada se ergueu no campo repleto de crateras de explosões, os homens na murada entenderam o que aquilo significava. Muitos correram para se proteger no interior dos túneis. Outros usaram as máscaras de pano encharcadas com água para tentar respirar, mas isso não os salvou. Alguns em meio ao desespero usaram até mesmo urina para molhar as máscaras, pois acreditavam que tal coisa pudesse bloquear os efeitos.


Os homens começaram a tossir e engasgar, cegos e aterrorizados, muitos deles vomitavam torrentes de sangue. 

Os alemães esperaram alguns minutos e então enviaram um grupo com máscaras para verificar os resultados do ataque. Eles acreditavam que encontrariam apenas corpos se contorcendo e cadáveres, mas ao invés disso se depararam com algo mais bizarro. Haviam sim soldados cobertos de sangue, sujos de vômito e urina, cuspindo pedaços de seus próprios pulmões, mas ainda estavam vivos e dispostos a lutar. As queimaduras químicas afetaram os soldados e os deixaram com uma aparência dantesca. Para os soldados alemães incumbidos de entrar no forte era como se os portões do inferno tivessem sido abertos, vomitando uma legião de mortos vivos furiosos.

As ordens dos russos e poloneses era manter posição até o fim. Mas ao invés disso, os homens sabendo que iriam morrer, fizeram aquilo que era menos provável: contra-atacaram. Os alemães não esperavam um ataque e muitos que estavam simplesmente aguardando nas trincheiras, comendo ou descansando, foram surpreendidos pelo avanço de uma coluna de moribundos possuídos. O avanço desabalado ficou conhecido como O Ataque dos Homens Mortos, pois era exatamente isso que eles pareciam.

De acordo com algumas fontes, menos de 100 homens tomaram parte do ataque, mas a visão daquela cena foi o suficiente para atingir os alemães em cheio. Ninguém esperava ter que encarar tal pesadelo. É possível que a visão dos resultados do gás tenha causado um dano psicológico nos soldados, pois a maioria daqueles homens jamais haviam presenciado o uso do gás. Naturalmente temiam que aqueles expostos a ele pudessem transmitir seus efeitos. Em uma palavra, ficaram aterrorizados.


Os alemães começaram a debandar em massa, retrocedendo sem olhar para trás. Abandonando suas posições, muitos ficaram presos no arame farpado ou esqueceram de campos minados. Os russos não pararam e continuaram perseguindo o batalhão horrorizado. Há relatos de que alguns gargalhavam e gritavam, talvez pelo efeito que os devorava internamente, mas o fato é que aquilo acrescentou ainda mais terror à investida.

Pode parecer improvável que 100 homens prestes a morrer conseguissem colocar para correr mais de 7 mil. Mas é isso que diz a história... A 226a Infantaria Russa, chamada de Regimento Zemlyansky entrou para a história, mas um nome se destacou em meio aos demais, o sub-tenente Vladimir Kotlinsky. Ele não era o oficial de maior graduação, mas foi quem deu a ordem de contra-atacar.

Sua missão não tinha esperança de sucesso, mas os homens sob seu comando decidiram que lutariam até o último fôlego e tombariam em combate. Kotlinsky morreu durante a investida, dizem que gargalhava e brandia numa mão uma pistola e na outra uma pá com a qual golpeava os inimigos em fuga.    

Após o ataque, nenhum dos soldados russos e poloneses sobreviveu. Segundo os cálculos, além dos que participaram da investida, outros 350 homens foram encontrados mortos dentro do forte e cerca de 100 nos túneis abaixo da fortaleza. Curiosamente após o ocorrido, a Fortaleza acabou sendo destruída com cargas explosivas. O comando alemão não desejava usar as instalações depois do ocorrido e os próprios soldados detestavam a ideia de ficar ali dentro. Logo rumores se espalharam - boatos de que os russos haviam levantado dos mortos para defender o forte.


O Ministério da Guerra Alemão tentou censurar as histórias sobre soldados mortos vivos, mas como impedir que tamanho rumor fosse compartilhado? Além das histórias, o lugar se converteu numa espécie de Terra Devastada, com a grama se tornando negra e as folhas das árvores amareladas e ressecadas. Objetos de metal ficavam oxidados, incluindo armas, fragmentos de bombas e veículos. Tudo parecia coberto por uma camada de limo esverdeado. Uma das explicações oficiais para o incidente é que a concentração de gás foi mal calculada e isso permitiu que alguns homens resistissem aos seus efeitos por mais tempo. Nunca saberemos ao certo... 

Os alemães abandonaram as ruínas da Fortaleza e seguiram em frente invadindo a Polônia, mas logo a Guerra iria empacar novamente e uma nova Terra de Ninguém iria se desenhar. 

A Conquista da Fortaleza foi celebrada pelos alemães como uma grande vitória, todavia, havia pouco a comemorar. Os russos por sua vez aproveitaram a História de Coragem de seus homens para contagiar os demais. Todos soldados que combateram na Fortaleza ganharam comendas por bravura e o sub-tenente Vladimir Kotlinsky foi postumamente agraciado com a Medalha da Ordem de São Jorge, uma das mais importantes condecorações da Rússia czarista.

Apesar da derrota, os russos não esqueceram do ocorrido. Músicas e adaptações da história foram escritas. Uma canção tradicional com o título "Os Russos jamais se rendem", se tornou muito popular e passou a ser cantada pelos soldados para motivá-los. Infelizmente após a Revolução de 1917, a música foi censurada pelos bolcheviques que não queriam os soldados do regime anterior sendo admirados. Ainda assim, a canção podia ser ouvida nos campos da Segunda Guerra, quando os russos precisavam acreditar que era importante jamais se render.


A Canção tinha a seguinte letra:

Dezenas de soldados russos fariam a diferença.

Eles não aceitariam seu destino

Queimados até os ossos

Eles correram para a Batalha

A medida que o inimigo fugia 

O medo os contaminava

Aqueles que viam

O Ataque dos Homens Mortos


A Banda Sabaton compôs um álbum temático só a respeito da Grande Guerra e dedicou uma música ao acontecimento. 

É claro, o nome não poderia ser outro além de "O Ataque dos Homens Mortos".


4 comentários:

  1. Vale lembrar que George Orwell fez uma referência clara a isso no seu livro "A revolução dos bichos". Não sabia dessa história, mas agora que li pude fazer a comparação.

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  2. A bravura de poucos supera números Jesus Cristo veio no tempo dos romanos
    E seus ensinamento de fé supera reis ,estadistas e governos e o tempo.

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