sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Narradores Iniciantes - Preparando seu primeiro Jogo de RPG


Um dos momentos mais complicados para começar a narrar aventuras de RPG é justamente decidir por onde começar.

Assumir o papel do Mestre de um jogo de RPG pode ser bastante intimidador visto de fora, especialmente para quem quer fazer isso, mas não sabe exatamente como. Existem tantos sistemas, tantas regras e tantas possibilidades que muitos fãs de RPG preferem nem tentar.

Nesse artigo vou falar a respeito de dicas para quem nunca sentou na cabeceira da mesa e ocupou o assento de Narrador (Mestre, Guardião, DM, Juiz, Contador de Histórias, ou seja lá qual outro nome você quiser usar). Procurei oferecer alguns conselhos práticos, alguns até bastante óbvios, além de encorajar muito os que tem dúvidas a respeito de abraçar essa tarefa.

Por que estou escrevendo esse artigo? 

Simples, porque vejo muita gente querendo narrar RPG mas não fazendo isso por vários motivos - que vão de medo de errar até constrangimento, passando por incerteza quanto a regras até sensação de que não vai agradar aos jogadores. Pessoal, a verdade é que ninguém vai saber ao certo como se sai, até realmente tentar. E tentar é o que todos deveriam fazer em algum momento enquanto entusiastas de nosso Hobby.

O que torna o RPG um passatempo incrível é que não existe maneira certa ou errada de jogar. Existe o Divertido e esse é o objetivo a ser perseguido por todo candidato a Narrador. A meta a ser alcançada é o entretenimento puro e simples. Um jogo não precisa ser perfeito, mas ele PRECISA ser Divertido. 

Relaxe, não tente ser à prova de erros. Isso não é um curso de excelência! Nem todas as aventuras e cenários que você narrar serão perfeitos e memoráveis, mas a simples diversão irá superar, e muito, os temores e incertezas que você tem. Se no curso do jogo, seu público (os jogadores) estiverem ouvindo atentamente, rindo, vibrando com uma vitória, ou tendo momentos descontraídos enquanto imaginam as cenas e acontecimentos, você conseguiu!


O que me habilita a escrever a esse artigo? 

Bom, eu já jogo RPG faz um bom tempo e desde o início agarrei com unhas e dentes a função de Narrador. No início, confesso, porque não tinha outros narradores no grupo, mas depois tomei gosto pela coisa. De fato, eu adoro narrar e me divirto muito contando histórias, descrevendo acontecimentos e desenvolvendo cenários. Não que eu não goste de jogar (adoro!), mas narrar permite aquele algo mais.

RPG podem ser algo extremamente interessante para o Narrador. Conduzir uma aventura de RPG é uma forma de convidar seus amigos a visitar sua imaginação. Abrir uma porta para a sua criatividade e oferecer a todos os que estão em volta a chance de explorar as suas ideias e contribuir para o crescimento destas. Isso sem contar uma série de benefícios que vem por tabela: vencer a timidez, expressar suas ideias com clareza, comunicar e transmitir pensamentos, argumentar e negociar, além de refinar sua lógica e aumentar seu senso de organização.

É um desafio e tanto, mas as recompensas vão valer a pena.

Espero que minha experiência como Narrador possa ser proveitosa para quem está começando. Muito mais do que bancar o "sábio babaca que se acha no direito de dizer aos iniciantes como é", eu gostaria de incentivar os que estão em dúvida. Quem sabe, dar aquele empurrão que faltava... e se ao menos um ou dois leitores se animarem depois de ler isso, terá valido a pena.

Acreditem em mim: cruzar a linha e assumir esse papel será recompensador.

Espero que os pensamentos abaixo sejam úteis e os ajudem nas suas aventuras com seus amigos.

Escolhendo o Jogo mais adequado


Provavelmente a primeira coisa que você deverá fazer quando se convencer a narrar é escolher o jogo mais adequado aos seus anseios. Existem muitos sistemas diferentes e muitos mundos, cada um oferecendo uma proposta distinta. A mecânica é uma parte fundamental disso, mas vamos nos ater primeiro à ambientação.

As chances são boas de que, se você pretende começar a narrar um RPG, você já tenha alguma ideia de como é o funcionamento de uma partida. De fato, é interessante que antes de investir na "carreira de narrador", você experimente ser jogador. Quanto maior a sua experiência melhor. Isso lhe dará uma boa noção de como é a dinâmica de jogo e qual o papel do Narrador. Se você já tem experiência jogando algum sistema, isso tornará a transição muito mais fácil.

Uma boa maneira de escolher o jogo mais adequado, é se inspirar em seu livro, filme ou série favoritos. Há vários jogos que buscam inspiração nessas mídias, isso quando não são derivados diretamente deles. Se você já conhece o universo de Star Wars, a trilogia Senhor dos Anéis, a obra de H.P. Lovecraft ou é um entusiasta de história romana, esse conhecimento pode influir diretamente na sua escolha. Nada impede, entretanto, que você busque algo similar. Por exemplo, os mundos de fantasia medieval bebem da fonte de vários filmes e romances, assim como as séries do gênero space opera. 

Encontrar o jogo mais atraente é o primeiro passo para garantir sessões nas quais você e seus jogadores irão se divertir. 

Prepare o seu Mundo 


Cada RPG disponível no mercado oferece uma sessão com dicas e sugestões para os novos narradores. A medida que você ganha experiência, acaba deixando esse capítulo de lado, mas ele costuma ser essencial para quem está começando. As dicas são válidas para entender a proposta do jogo e desenvolver as aventuras em sessões e então, campanhas.

Muitas pessoas preferem construir o seu próprio mundo e deixar voar a imaginação para criar um universo exclusivo, algo só seu. Nada contra!

Entretanto, em um primeiro momento, pode ser interessante focar em um mundo pré-concebido. Se os seus jogadores forem pessoas que tem os mesmos interesses e gostem dos mesmos temas, melhor ainda. É claro, embora a ambientação seja um mundo já fabricado, nada impede que as suas aventuras tenham o seu toque exclusivo.

Comece a sua primeira aventura focando em uma parte pequena do mundo que você construiu ou no qual escolheu contar sua história. As primeiras aventuras geralmente acompanham personagens em início de carreira que estão aprendendo a se tornar heróis, aventureiros, investigadores, etc... são indivíduos que ainda tem muito a aprender e que irão avançar ao longo de sua existência. Mantenha as coisas menores, para ir crescendo com o tempo.

Nas primeiras experiências como narrador grupos pequenos, com 2, 3 ou 4 jogadores funcionam melhor até por uma questão de gerenciamento. É interessante se familiarizar com os personagens e conversar com os jogadores para saber o que eles desejam da história e quais as suas expectativas. uma sessão zero para construir personagens é uma excelente ideia. 

Ouça o que o grupo tem a dizer. Boas aventuras são justamente aquelas que conseguem estabelecer um equilíbrio entre o que o Narrador quer mostrar e o que os jogadores desejam encontrar.

Jogadores geralmente querem se divertir, e a melhor maneira de fazer isso é deixar claro para eles que a ambientação na qual seus personagens estão inseridos está ali para eles explorarem. Um bom Narrador tem orgulho em apresentar seu universo, mas compreende que o importante é focar sua história nos personagens inseridos nele. O papel de protagonistas deve ser dos personagens e se você jogar as luzes sobre eles, eles irão responder à altura e brilhar.

Tenha em mente também que muito da criação e desenvolvimento do mundo é resultado da interação entre os jogadores e o narrador. Geralmente um jogo muito amarrado, que dá importância demais a fatos e coadjuvantes, acaba frustrando os jogadores. Conceda a eles o protagonismo e mantenha a mente aberta para permitir que eles possam interagir com o mundo ao redor deles.   

Lidando com regras e sistema


É interessante conhecer as regras e o sistema para poder conduzir uma aventura de maneira plena e satisfatória. Ler, interpretar, fazer anotações e antecipar situações que possam surgir faz parte do trabalho de narrador. Não há, entretanto, como antecipar tudo, e isso pode parecer assustador à primeira vista, mas com o tempo, você vai perceber que as coisas vão ficando mais fáceis.

Jogos de RPG possuem muitas regras, situações e condições que precisam ser compreendidas para que a partida siga adiante. Mas não fique preocupado achando que uma cena será arruinada se você esquecer algum detalhe das regras. São raros os narradores que conhecem TODAS as regras contidas em um livro, e mais raros ainda os que usam um sistema em sua totalidade. Com o tempo, você vai aprender a improvisar situações e empregar regras próprias com as quais se sentirá mais confortável.

Os jogadores geralmente estarão receptivos e dispostos a relevar algumas falhas quanto a regras, sobretudo se for o seu primeiro jogo.

Não tenha portanto medo de errar!

Não tenha receio também de perguntar aos seus jogadores.

Na maioria das vezes, eles vão se mostrar perfeitamente participativos e irão ajudar a tirar alguma dúvida que possa surgir. Existe a possibilidade de um ou mais deles também serem narradores e como tal poderão vir em seu auxílio na iminência de uma dúvida de sistema. Contudo, é importante deixar claro que é seu jogo que está sendo jogado e que você tem a palavra final no que diz respeito a ele.

Se for o caso, tenha o Livro do Mestre ao seu alcance e se preciso, verifique uma regra na qual tem dúvida. Ninguém irá criticar um mestre que procura ser justo e correto na resolução de uma cena e para isso recorre ao livro.

Mas um conselho: não abuse disso! Alguns jogadores podem se sentir frustrados se você interromper demasiadamente a narrativa para caçar a página onde uma regra de rodapé está escondida. Por vezes, o mestre tem a prerrogativa de improvisar e decidir o resultado de uma cena conforme achar melhor, com o intuito de não atrapalhar a fluidez do jogo.

Nada incomoda mais do que a atenção demasiada aos aspectos de sistema em detrimento da narrativa. Essa é uma diferença fundamental entre RPG e Boardgame. No primeiro existe a Interpretação (role), no segundo vigora uma observância estrita às regras e mecânica.

Se tudo mais falhar, e as coisas se tornarem engessadas por conta de dúvidas quanto a regras, sinta-se livre para dizer: "Eu vou decidir que isso funciona da seguinte maneira, mas irei checar mais tarde".

Transmita A Experiência do Jogo


Uma aventura é uma troca de experiências e ideias.

Cabe ao Narrador guiar os jogadores através das veredas de sua aventura, descrevendo os acontecimentos e eventos com certo grau de entusiasmo. Jogadores adoram participar de histórias, mas para que a experiência seja válida é preciso haver três elementos:

a - Empolgação,
b - Envolvimento
c - Instigação.

Toda aventura PRECISA desses elementos.

Empolgação diz respeito a tudo que torna a aventura interessante, atraente e inesquecível. O que faz o jogador sair de sua casa, sentar em uma mesa e ouvir a narrativa. Se uma aventura não consegue ser empolgante, as horas se arrastam e  a experiência de jogo será incompleta, até maçante. Para empolgar os jogadores é essencial saber o que eles desejam e dar a eles toneladas daquilo. Um bom Narrador "vende" a sua aventura e acena para os jogadores com doses cavalares daquilo que eles antecipam. 

Envolvimento diz respeito a retratar o mundo, os eventos, cenas e encontros da maneira mais colorida e evocativa possível. Via de regra, quem joga RPG tem uma imaginação fértil e gosta de ouvir uma boa história. Cada vez que você descreve uma cena em detalhes e pergunta ao jogador (no papel de um personagem) o que ele fará a seguir, você permite que ele participe da aventura, interagindo e podendo mudar o mundo com a sua decisão. 

Instigar é provocar os jogadores com mistérios, dúvidas e suspense. Estabelecer um elemento de intriga é uma das melhores maneiras de cativar a atenção dos jogadores. Se eles não souberem um detalhe da trama, se eles tiverem de lidar com imprevistos ou se tiverem a curiosidade provocada, sem dúvida, eles irão participar mais ativamente da trama. 

Se você tiver essas três coisas em sua sessão pode ter certeza de que ela vai ser um sucesso.

Não encare o jogo como uma Competição


É curioso, mas muitos Narradores de RPG, sobretudo iniciantes, se sentem frustrados ou mesmo chateados se não conseguem vencer os jogadores ou superá-los.

Eles cometem um erro crasso quanto a premissa do RPG. Não se trata de uma competição, mas de uma interação entre os indivíduos.

O Narrador não é a personificação dos vilões ou dos oponentes que aparecem na sua história e menos ainda um oponente a ser batido. Quando o narrador constrói uma masmorra cheia de armadilhas, povoa uma nave com alienígenas bizarros ou cria um monstro cheio de tentáculos, ele não o faz para "vencer" os jogadores ou demonstrar que é "mais preparado". Ele o faz pois esses elementos serão interessantes, desafiadores ou excitantes na trama. 

A história jamais pode ser encarada como uma disputa, não importa o quanto o Narrador adore seus monstros, sua masmorra ou seu vilão favorito. Eles são acessórios para os personagens dos jogadores, os verdadeiros protagonistas da história.  Nada pior que uma aventura em que os NPCs são perfeitos à prova de erros, na qual uma armadilha é intransponível ou onde um monstro é virtualmente imune a todos os ataques mesmo os mais poderosos. 

Tenha em mente que ao Narrador cabe a função de contar a história, não torcer por ela, muito menos manipulá-la ao seu favor. Poucas coisas são mais irritantes do que um Narrador que joga contra os jogadores e que tem prazer em se vangloriar de ter exterminado os personagens.

Um bom Narrador está lado a lado com os jogadores da primeira a última aventura, acompanha o crescimento dos personagens que integram a sua crônica e dá a eles as oportunidades para brilhar. Ele é um mediador que pode (e até deve) lamentar o destino de um personagem, mas ao invés de comemorar um resultado negativo ou ignorá-lo, se esmera para dar a essa tragédia significado e destaque.

Últimos pensamentos


Não, eu não espero conseguir dissecar por completo a "arte de narrar uma aventura de RPG" através desse ensaio grosseiro.

Mas espero que através dele possa ter fornecido algum discernimento a respeito da minha vivência como Narrador e algumas dicas úteis. Seria impossível cobrir todos os aspectos, dos maiores aos menores, daquilo que pode acontecer em uma sessão de RPG.

É como disseram os engenheiros da NASA aos astronautas na primeira missão à Lua: "Não há como prepará-los para tudo o que pode acontecer, então é melhor lidar com as situações a medida que elas forem acontecendo". 

O Narrador também entra sem saber o que vai acontecer em uma aventura, o que eu posso dizer é: ouça, descreva, pondere, decida e divirta-se. E não se dê por satisfeito ou por vencido...

A graça do jogo é justamente não saber o que seus jogadores irão fazer, como irão reagir ou que resposta darão às suas descrições ou ao resultado aleatório dos dados. E se no fim da sessão eles estiverem sorrindo satisfeitos com o tempo que passaram juntos, então, missão cumprida.

O importante é continuar jogando.

Adoraria ler comentários e suas próprias dicas, fiquem à vontade para contribuir com esse artigo. Como disse, ele não encerra a discussão sobre o tema. 

2 comentários:

  1. Descobri o RPG de Chamado de Cthulhu ouvindo os nerdcasts, isso em 2018. Passei meses sonhando em jogar mas não encontrava grupo pra isso; lembrei que eu ainda tinha contato de uns amigos do tempo do colégio e perguntei se eles topavam tentar jogar um RPG de mesa e logo de cara consegui 4 jogadores. Depois disso veio a guerra pra aprender como se jogava e dei de cara com o Fast Play da 7ª Edição, engoli o livro e pra minha surpresa vi que as regras eram muito fáceis (e muito diferentes das que eu tinha entendido pelos podcasts do jovem nerd).
    Fiz anotações sobre o sistema, ouvi os podcasts todos novamente pra captar a atmosfera do jogo, e em seguida veio o primeiro problema: qual cenário utilizar pra primeira sessão? O fastplay tinha o cenário clássico A Assombração, mas eu sinceramente não gostei muito. E procurando por cenários cheguei nesse blog maravilhoso, na postagem sobre os melhores cenários de Chamado de Cthulhu, e logo de cara vi o Limiar da Escuridão na lista, pesquisei sobre e vi que tinha na 6ª edição do Livro-Jogo, fui atrás do material e decidi começar por ele.
    Nunca senti tanto frio na barriga pra começar a fazer alguma coisa (a introduzir a primeira sessão de RPG da minha vida), mas foi a melhor sensação que já tive!
    Desde então nos reunimos pra jogar quando todos estão livres; já jogamos Um Farol na Escuridão, A Assombração, No Limiar da Escuridão, No Man's Land e mais recentemente o maravilhoso Behold The Mother (um pj sobreviveu, um ficou insano e um foi destroçado no final, mas foi memorável, inclusive fiz a tradução desse cenário e dos seus handouts [inclusive coloquei um design legal neles pra dar aparência de velho ou de jornal ou de carta] e quem quiser posso mandar por e-mail).
    Agora, estou preparando nossa primeira campanha, que será o famigerado Horror no Orient Express. (Eu ia começar com Masks, mas mandei um e-mail pra New Order perguntando sobre a possibilidade dessa campanha chegar ao Brasil e eles me disseram super entusiasmados que a chance é altíssima e que eu aguardasse as novidades do ano de 2020, então Masks pode estar vindo por aí pra nos deixar insanos *-*)
    Enfim, o conselho que eu tenho pra dar é: pare de pensar e de ter medo e comece!!!
    Postagem sensacional

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