sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Iluminando a Escuridão - O Simbolismo Oculto no filme "O Farol"


Muito como aconteceu na sua estréia como diretor, em "A Bruxa", Robert Eggers fornece imagens com diferentes interpretações em seu filme mais recente "O Farol". Dependendo de como o filme é visto, existem diferentes interpretações.

Simbolismo tem um peso considerável em "O Farol", a história de dois homens travando uma luta contra noções de tempo e identidade numa ilha isolada e distante da civilização. Existe uma explicação para todas as questões levantadas pelo filme? Existe uma resposta ao alcance daqueles banhados pela luz da revelação? Esse artigo tenta oferecer as chaves para algumas portas cuidadosamente trancadas, mas o que se encontra atrás pode ou não ser a verdade... de fato, se há alguma verdade absoluta, é que o roteiro de "O Farol" constrói uma história incomum, nem sempre agradável, mas com certeza bastante provocativa.

Mas antes de seguir adiante é preciso avisar aos que não viramo filme que o artigo a seguir está REPLETO DE SPOILERS. Não há como discutir elementos do roteiro sem citar textualmente trechos e sequências inteiras. Portanto, aqueles que desejam preservar a experiência de assistir o filme sem o parecer prévio, aconselho parara de ler nesse ponto (e retornar ais tarde).

Daqui em diante teremos spoilers.


Primeiro de tudo, é interessante fazer uma recapitulação da trama:

Dois guardas de farol, Ephraim Winslow (Robert Pattinson) e Thomas Wake (Willem Dafoe) chegam a uma tempestuosa ilha isolada no litoral da Nova Inglaterra para um trabalho de quatro semanas. A tarefa deles é manter o farol em funcionamento e fazer a manutenção regular do maquinário. Thomas é um velho marujo veterano com uma perna de pau. Ephraim é escalado para substituir o faroleiro anterior que ficou maluco. Thomas incumbe seu subalterno com trabalhos braçais, carregando pedras e esfregando o chão, decretando que apenas ele pode cuidar da luz no alto da torre. Ephraim mata secretamente uma gaivota, um crime terrível aos olhos do supersticioso Thomas, que acredita que os pássaros são responsáveis por carregar a alma de marinheiros perdidos em alto mar. 

A tensão entre os dois homens aumenta e só é aliviada pelos períodos em que eles bebem até o estupor. Ephraim encontra no primeiro dia no serviço uma pequena estatueta de uma sereia que começa a afetar seus sonhos com visões e alucinações reais sobre uma sereia. Ele se masturba furiosamente sob influência dos sonhos. Depois de matar a gaivota o clima muda drasticamente e uma violenta tempestade começa a cair sobre a ilha colocando a segurança dos homens em risco. Thomas acredita que um barco será enviado para evacuá-los, mas ninguém vem e eles ficam sozinhos e por conta própria.

Durante uma noite de bebedeira, Winslow confessa ao colega que seu verdadeiro nome também é Thomas. Ele assumiu a identidade de um capataz no Canadá, vítima de um acidente que ele falhou em evitar. A revelação faz com que a relação dos homens se torne ainda mais abrasiva, com discussões e troca de acusações. Aos poucos, Ephraim/Thomas começa a ser atormentado por alucinações, enquanto se pergunta a razão pela qual seu colega o impede de acessar  topo do Farol de onde emana a luz.

Irritado, Ephaim acaba tendo acesso ao diário mantido por Wake, repleto de críticas e recomendações para não pagar ao rapaz o que lhe é devido ao fim do trabalho. Winslow confronta o faroleiro sênior a repeito e uma nova discussão irrompe, na qual o rapaz decide deixar a ilha e abandonar seu posto. Antes porém o único bote acaba avariado por Wake que o ataca furioso com um machado. Winslow acaba dominando o colega e o leva para fora com o intuito de enterrá-lo vivo, contudo a briga só é decidida quando o machado é plantado no crânio de Wake.

Com o parceiro morto, Ephraim encontra a chave da sala onde fica escondida a lâmpada que cria a luz do farol. Uma vez banhado pela luz branca, ele grita em desespero e seja lá o que ele tenha visto acaba por afetá-lo de tal maneira que o faz rolar até a base da escadaria. 

A última imagem do filme é a do jovem Thomas/Ephraim caído nas pedras com as gaivotas se alimentando de suas entranhas enquanto ele ainda está vivo.     

E é isso...

Há muito o que ser digerido no filme e muitas lacunas que não foram preenchidas. Eu confesso que quando terminei de assistir o filme fiquei sem entender muita coisa e o que passava pela minha cabeça era o pensamento: "Que diabo foi isso que eu acabei de assistir"? Apenas buscando na internet algumas das minhas suposições começaram a fazer sentido. 

A chave para entender "O Farol" é compreender a relação entre o roteiro e uma série de mitos, fábulas e folclore que tomam emprestados conceitos da mitologia grega, das teorias de Jung, do horror de H.P. Lovecraft e superstições de marinheiros.

Relacionados abaixo estão alguns tópicos:

Dois Thomas ou apenas um?



Uma das teorias mais controversas a respeito do filme é que desde o início não são dois personagens no Farol, mas apenas um. Ocorre que os dois Guardiões do Farol seriam rigorosamente a mesma pessoa em uma crise de identidade. A confusão se daria pelo fato de que eles seriam o mesmo indivíduo em momentos diferentes, rememorando fatos de seu passado e confrontando elementos de seu presente e futuro.

O fato de coincidentemente os dois personagens terem o mesmo nome, Thomas, poderia indicar algo nesse sentido.

Se essa teoria for levada em consideração, os acontecimentos mostrados no Farol seriam uma reflexão do personagem tentando se reconciliar consigo mesmo e compreender quem ele foi quando jovem (Winslow) e no que ele se transformou depois de velho (Wake). Ele estaria tentando completar uma espécie de ciclo, confrontando seus erros e enganos.

Para corroborar ainda mais essa teoria, existem pessoas que apontam para o som de uma perna se quebrando na cena em que Ephraim rola as escadas da torre - e sabendo que o Wake é definido pela perna ausente seria uma forma de mostrar como tal coisa teria acontecido.

Além disso, temos ainda a questão do tempo que é abordada por Wake quando este pergunta ao colega quanto tempo eles já estão no Farol pois manter o tempo ali parece impossível. "Três semanas? Dois dias?" ele questiona e Iphraim é incapaz de responde ao certo pois os dias e noites parecem sempre iguais. Seria a ilha um tipo de Limbo ou um Purgatório onde o personagem tem que buscar a expiação de seus pecados? Sendo que o primeiro passo é reconhecê-los... exatamente o que Iphraim faz ao reconhecer seu verdadeiro nome e história. Dali em diante matar o seu "outro eu" poderia ser uma forma de apagar quem ele viria a se tornar.

E se Thomas Wake jamais existiu?



Há muitas teorias de fãs e análises a respeito de elementos ocultos do filme. 

Embora o roteiro de Eggers explique a razão para que a estação seja operada por dois homens, no mundo real, muitos faróis eram atendidos por um único operador que ficava na estação por períodos de até 20 dias. Isso não era exatamente seguro, mas isso acontecia com enorme frequência. Apenas faróis mais importantes e em localidades cruciais recebiam dois ou até quatro operadores.

Em referência a Ephraim, ele poderia ter sido enviado para a estação depois que o operador anterior morreu em um acidente. Se esse é o caso, então o personagem de Thomas Wake nunca existiu. Ele ão passaria de uma alucinação na mente fraturada de Ephraim.

Se isso soa muito estranho, leia até o fim...

Os defensores dessa teoria dizem que as discussões entre os dois faroleiros são completamente infrutíferas. Em muitas ocasiões, Ephraim se comporta como se as palavras de Thomas fossem uma voz em sua cabeça, ecoando, reverberando e repetindo. Na cena em que os dois repetem "O que?" um para o outro de modo incansável isso fica bem claro. 

As superstições de marinheiros, as explosões de raiva e a forma como Thomas o diminui poderiam ser sinal de uma doença mental. Além disso, considere a troca do nome e o desejo de começar do zero, em um lugar afastado, isolado, sem pessoas que o acusem. Talvez ele consiga fugir de todos, mas de uma pessoa ele não consegue escapar: de si mesmo!

Ao criar um companheiro falso, Ephraim tenta permanecer são, mas a solidão acaba o levando à loucura.

Mas isso não é tudo!

A cena com a sereia demonstra que ele é capaz de imaginar presenças ao seu redor. Ao passo em que, quando ele "assassina" Wake, ele o faz depois de tentar restabelecer sua identidade verdadeira, momento em que teoricamente ele não precisava mais de uma presença fantasiosa. 

As Gaivotas como símbolo de maus agouros 



Thomas Wake afirma ser um ex-marinheiro e portanto ele conhece todo tipo de superstição e respeita os costumes dos homens do mar. Não é raro que marujos tenham suas crenças sobre coisas que trazem azar ou atraem maus agouros. Em um trabalho perigoso como o deles, qualquer coisa fora do comum pode ser interpretado como um sinal.

Uma das crenças dos marinheiros mais tradicionais está relacionada às gaivotas. Esses pássaros brancos com tons de cinza nas asas são companheiros frequentes dos homens do mar, sinalizando a existência de terra e sendo atraídos por barcos de pesca. O som agudo produzido por eles é sinal de que a terra está próxima, e por isso os marinheiros tendem a evitar machucá-los.

Algumas fontes afirmam que gaivotas trazem má sorte, especialmente se elas tem características que as diferenciam das demais. Uma gaivota com uma pena preta, um sinal peculiar ou um olho ausente, pode ser reconhecida e se uma gaivota em especial é vista repetidas vezes, pode ser sinal que ela está seguindo o marinheiro por algum motivo. Uma lenda recorrente é que as gaivotas sabem e vêem tudo que acontece em alto mar, para esses pássaros, portanto, não existem segredos. Uma gaivota, albatroz ou outra ave marinha é uma lembrança constante de que sempre há testemunhas para transgressões cometidas. Não importa o quanto se tene esconder alguma coisa, alguém sempre saberá.

Além disso, os pássaros são associados com sobrevivência e muitas vezes eles procuram comida nas praias. Não é raro quando um homem morre em alto mar, que seu corpo seja arrastado para uma praia e é menos raro ainda que os pássaros sejam os primeiros a encontrá-lo. Aves marinhas se alimentam de restos e isso inclui seres humanos. Eles buscam as partes macias do corpo e são atraídos pelos olhos, em geral a primeira parte a ser bicada e devorada. Muitas pessoas consideram os olhos a "janela da alma" e daí decorre a crença de que as aves extraem a alma dos mortos dessa forma. Elas passam então a reter a alma do morto.

Por esse motivo, muito marinheiros acreditam que é mau agouro matar um pássaro que está transportando a alma de um marinheiro morto.

Quando Thomas alerta Ephraim para não ferir os pássaros, a sua principal preocupação é não mexer com a alma dos mortos pois estes podem se vingar. Depois de matar uma gaivota que o atormentava repetidas vezes, as coisas saem de controle na ilha. 

No filme, a maldição é bem real. O ato de matar um pássaro em um acesso de raiva é compreendido como o início da queda de Ephraim rumo à loucura e perdição. Eggers brinca com esse conceito no roteiro, logo depois do pássaro ser morto, os ventos mudam de direção, como se um acontecimento estivesse ligado ao outro numa espécie de causa-efeito.

A Conexão Lovecraftiana



Em uma entrevista concedida ao Los Angeles Times, Eggers deixa claro que ele se inspirou nos contos de H.P. Lovecraft para criar o roteiro de seu filme.

O termo "lovecraftiano" tem ganhado força mais e mais frequentemente para descrever isolamento, impotência e insanidade. A mitologia de Lovecraft está repleta de "deuses ancestrais" e horrores cujo mero vislumbre invoca ruína e danação.

Resta então a pergunta: "O Farol" é Lovecraftiano?

E a resposta: Sim, muito.

Não no sentido de trazer monstros e horrores cósmicos, mas ao apresentar uma história em que a loucura está espreitando e desejosa, tenta se apoderar de um homem, levando-o às raias da insanidade através do isolamento completo e da esmagadora impotência.

O Farol em si pode ser interpretado como um abominável e enigmático Deus Ancestral. Ele é a coisa mais estranha do filme, e domina a cena. Quando os personagens não estão caminhando à sua sombra, estão olhando para cima e observando sua luz ou pior, estão dentro dele. A fonte de seu poder é a luz, alimentada pelo seu serviçal mais fiel, Thomas Wake, que a deseja apenas para si. Em indisfarçável êxtase ele se banha sob o seu brilho purificador como um devoto fanático.

Como um Deus Ancestral, o Farol ecoa uma buzina de nevoeiro que oprime os habitantes da ilha durante todo o filme. Suas demandas precisam ser satisfeitas, diariamente, sem nenhuma falha. Thomas age como um feitor, ordenando a Winslow que trabalhe e faça conforme ele manda. Os dois homens são como escravos do Farol, fazendo tudo por ele, entregando-se de corpo e alma a mantê-lo em funcionamento.

E como ocorre com os cultos devotados aos Deuses Ancestrais, existem regras quanto ao que é considerado proibido. Apenas Wake (que tem o nome sugestivamente significando "despertar") poderia ser compreendido como o detentor dos segredos do Deus. Ele experimentou a luz do farol e obteve à partir dela um tipo de conhecimento exclusivo sobre o mundo. É claro, essa revelação lhe custou a sanidade (alguém tem dúvida que o homem é louco?), fez dele um supersticioso (que se rende a crenças) e que deseja guardar apenas para si a experiência (ele se nega a compartilhar com Winslow acesso ao topo).

Eggers comentou a respeito do "mistério da luz" e em uma entrevista falou da influência de Lovecraft em seu filme: 

"Eu sei bem que existe um mistério a respeito das luzes, e compreendo que ele está aberto a teorias. Existem claras influências lovecraftianas no filme, mas se ele é realmente lovecraftiano cabe a cada um dizer. Claro, quando o personagem de Robert acha o diário de Willen, ele poderia estar repleto de devaneios e loucuras místicas a respeito de Dagon, o que explicaria que Dafoe é um tipo de cultista e parte de um Culto devotado a seres das profundezas. Nesse contexto, os tentáculos seriam a influência do Deus agindo sobre a sua mente. E quando eles surgem para Robert, ele também se vê afetado. Nós poderíamos fazer isso, mas preferimos deixar em aberto para especulação". 

O simbolismo do Farol



É fácil subestimar a forma como o principal prédio no filme de Eggers fortalece a narrativa do filme.

Em seu sentido mais simples, o Farol é um símbolo que guia e ajuda as pessoas a encontrar a rota correta em meio a escuridão. Como um navio levado a uma costa em segurança, esse conceito pode ser visto de várias maneiras, inclusive como uma metáfora religiosa. No sentido bíblico, Deus pode ser descrito como uma espécie de Farol para seus seguidores, que seguem a sua luz sem se desviar do caminho. Isso pode estendido ao judaísmo onde Deus lançava uma luz que guiava o povo prometido durante a escuridão no Egito. Cavando ainda mais fundo, uma luz em meio a escuridão pode ser interpretado como uma visão do maniqueísmo - uma luta sem fim entre a luz e as trevas.

Eggers no entanto navega para longe de conceitos religiosos e encara o farol como uma espécie de representação de privilégios. Os níveis do farol são representados de forma que o topo seja o local mais desejado, mais perto da luz. Na base dele, está o nível mais baixo onde depois de uma bebedeira homérica os faroleiros se entregam a todo tipo de comportamento desagradável. Como os mais baixos homens eles elevam a cabeça e tentam ver a luz e desejam se deixar envolver por ela.

Pense no que existe fora do farol. Corpos em decomposição, gaivotas barulhentas e a desagradável cabana ocupada pelos dois. Eggers faz um tremendo uso de luz e sombras para enfatizar o simbolismo de cada pavimento. O topo é luminoso e imaculado e os interiores são escuros e claustrofóbicos. Não por acaso, o personagem de Pattison termina aos pés do farol, após rolar as escadas do nível mais alto e chegar até a base. Como um herói grego, a revelação e a conquista é transitória e logo ele se vê na pior das situações: abandonado aos pés do farol sendo devorado por pássaros.

E por falar em gregos...

Thomas é a representação de Proteus



Em uma entrevista Eggers revelou que uma das principais inspirações para compor os personagens e a trama do filme. Ele recorreu aos antigos mitos gregos para dar personalidade aos seus protagonistas.

Prometeu e Proteu jamais participaram da mesma história na mitologia grega, mas nesse filme eles parecem encarnar respectivamente em Winslow e Wake. Teriam os deuses encarnado em seres humanos e estariam Eles destinados a repetir Seus papéis em uma escala menor?

Em uma das cenas no ato final Winslow insulta as habilidades de Wake em preparar uma lagosta e recebe como resposta uma espécie de maldição que conclama a fúria dos sete-mares e do próprio Poseidon.

Essa maldição é lançada depois de uma bebedeira alimentada por querosene misturada com mel. Wake e Winslow estão prestes a se enfrentar em uma briga, depois que o rapaz descobre que seu oficial sênior escreveu em seu diário palavras ofensivas que o colocam com um incapaz que sequer merece receber seu salário. 

Proteus no mito grego é uma representação do próprio "velho do mar", uma figura taciturna, estranha e colérica. Detentor de enorme conhecimento, mas que prefere manter tudo para si mesmo, sem compartilhar com os outros a sabedoria acumulada ao longo de seus muitos anos. Wake parece saber tudo o que acontece no Farol, ele parece ciente de todos os acontecimentos, desde a morte da gaivota até o fato de que ninguém os virá buscar.

Quando Winslow fica furioso e parte para cima de Thomas, socando sua face, vemos que ele se transforma e por um segundo temos um vislumbre da sua forma real: ensopado pela água do mar, com tentáculos no lugar das pernas, seu corpo cheio de craca e algas. Um único chifre de coral servindo de coroa em sua cabeça. Ele é Proteus desmascarado, o Velho Homem do Mar, Filho do poderoso Poseidon. Proteus representa a mudança do mar e seu caráter imprevisível. 

E se Thomas é Proteus, então...

Ephraim é a representação de Prometeus


Após atacar e matar Thomas Wake, na forma de Proteus, Winslow considera a si mesmo valoroso para obter o conhecimento oculto no Farol. Disposto a ganhar o saber proibido ele ascende as escadas em espiral que conduzem ao topo, ansioso pela derradeira revelação.

O farol e a luz cativam Winslow e o atraem desde o início. Quando chega até lá, ele e envolvido pela luz e em êxtase grita. Mas o peso desse conhecimento proibido se prova grande demais para ser suportado. A intensidade desse brilho representa o peso de um conhecimento arrebatador. E Winslow reage à altura. Em um grito gutural ele demonstra que sua realidade se foi para sempre. Ele rola as escadas, quebrando ao mesmo corpo, mente e espírito.

Quando vemos Winslow novamente ele está praticamente irreconhecível. Destruído! Tombado na base do farol, ele está cercado de gaivotas que se aproximam para devorar suas entranhas. Ele está fadado a viver com pássaros bicando seu corpo, em uma alusão clara ao Mito Grego de Prometeu.

Na mitologia grega, Prometeu é o Titã que roubou o Fogo dos Deuses que ardia no Monte Olimpo e o deu à humanidade. O fogo representa a centelha do conhecimento e a busca pelo saber secreto que apenas os deuses deveriam ter acesso. Como punição pelo seu crime, Zeus ordena que Prometeu seja acorrentado em uma pedra e forçado a suportar o fardo de ter uma águia devorando seu fígado. O órgão se regenera apenas para ser comido novamente, condenando o titã a uma agonia eterna.

A alusão ao Mito de Prometeu parece muito clara e Eggers não esconde que ela foi inspiração para o apocalíptico final do filme.   

O que existe afinal na Luz do Farol?


Todo simbolismo de "O Farol" ainda deixa uma imensa pergunta em aberto na derradeira cena. A pergunta que não quer calar é o que significa a Luz do Farol?

O final enigmático, quando Ephraim abre a porta para o topo da torre é ambíguo. O roteiro não menciona o que existe dentro da lâmpada, nem explica de onde vem o seu poder. Portanto, existem várias formas de compreender o significado dessa luz.

O Farol pode ser interpretado como um Templo, devotado a alguma entidade sobrenatural, ou mesmo um semi-deus que tem em Thomas a figura de um Guardião (ou sacerdote). A teoria explicaria os tentáculos no início do filme sempre que a luz do farol banha alguém ou exerce sobre ela influência. Nesse caso, a luz seria a forma como a entidade se comunica ou transmite seu saber. "Saber esse extremamente perigoso". Essa teoria se encontra em perfeita sintonia com o Horror lovecraftiano, fonte da qual, como vimos, o filme bebe.

Mas isso não explica o que o jovem Winslow vê na luz.

Assim como o fogo que Prometeu roubou do Olimpo, a luz no topo da torre pode representar tudo: todo o conhecimento existente. Infelizmente, o rapaz não é capaz de lidar com esse poder tão intenso e acaba sofrendo as consequências.

*     *     *

Bem é isso...

Talvez esse artigo tenha ajudado ou elucidado alguns pontos, mas é possível também que ele tenha tornado tudo ainda mais confuso.

"O Farol" é um filme complexo e para ser honesto - o interessante a respeito dele é justamente ser aberto a interpretações. Enquanto algumas dessas teorias não passam de bobagem, outras parecem tocar em aspectos essenciais do roteiro. Uma coisa é certa, o filme fornece material para ampa discussão e análise.

5 comentários:

  1. Assisti ontem e fiquei bem impressionado com alguns diálogos. Dafoe arrebenta na interpretação.

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  2. Assisti o filme hoje de madrugada, diretor excelente e as interpretações a altura, principalmente a do Dafoe, já no farol eu tive a impressão de que o Winslow queimou as mãos e até os olhos (na parte onde ele está sendo devorado pelas gaivotas o ferimento dos olhos não coincide só com eles terem sido arrancados)

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  3. essa "série" de artigos com tema farol foi muito boa,especialmente esse aqui e o penúltimo,meus parabéns.

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    1. com "penúltimo" eu me refiro ao artigo sobre tillamook rock só pra deixar claro,aquele foi muito bem feito.

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