domingo, 5 de janeiro de 2020

O Farol Maldito - A pavorosa lenda de Tillamook Rock


O que faz de um local, um lugar assustador?

Será uma estranha aura que o torna incômodo? Seria um tipo de presença invisível mas perfeitamente perceptível? Ou seria como uma sombra; fria e imaterial pairando e criando um sentimento inquietante? Não há como dizer, mas é fato que alguns lugares no mundo possuem algo detestável, aterrorizante e incompreensível sobre si.

Certos lugares parecem estar destinados a serem, para sempre, conhecidos como malditos. Um destes lugares fica nos mares bravios da costa noroeste dos Estados Unidos.

Tudo começa com uma ilha chamada Tillamook Rock (Pedra de Tillamook), um pedaço solitário de basalto despontando em meio a um mar feroz à cerca de uma milha da costa norte do Oregon. Ele surge desafiador em meio às águas ferozes e das muitas tempestades que castigam a área, lavando a praia rochosa com ondas que arrebentam violentamente. Sua silhueta entrecortada é como um espectro que surge em meio ao nevoeiro cinzento, criando uma ambiente propício para muitas lendas. Os Nativos que viviam na região consideravam a ilhota como um lugar amaldiçoado, povoado por demônios e espíritos malignos de toda sorte. De fato, é dito que a tribo local evitava se aproximar da ilha à todo custo, considerando um enorme tabu fincar os pés em sua praia pedregosa. Lá, segundo os xamãs haviam cavernas profundas habitadas por criaturas não-humanas que se alimentavam da carne de homens ou que os escravizavam. A respeito desses vastos túneis jamais explorados proliferavam lendas sobre horrores inenarráveis que perduram mesmo hoje.

Se algum dia existiu algum espírito vivendo ali ou não, não importa. O que importa é que o local conhecido como Cabeça de Tillamook era sem dúvida perigoso, oferecendo desde o início uma ameaça às embarcações que cruzavam aquelas águas convolutas. Em 1878, o governo dos Estados Unidos decidiu que o perigo que a área oferecia aos barcos era grande demais e que ele precisava ser dirimido por medidas urgentes. Para sanar a questão era necessário erguer nessa faixa rochosa um farol. Planos foram levados à cabo para o ambicioso projeto.


Entretanto, Tillamok Rock, que sempre estivera naquele mar congelante e espumoso, e era temida há séculos, por nativos e brancos, não se mostraria tão fácil de ser domada. O mapeamento da rocha se iniciou em 1879, e estes sinalizaram com dificuldades desde o começo. O primeiro homem a chegar, um engenheiro chamado John Trewavas, foi tragicamente lançado ao mar por uma onda assim que pisou na praia. Seu corpo foi arrastado pela água e jamais recuperado. Aquilo foi interpretado como um mau agouro pela maioria dos homens que estavam escalados para trabalhar na construção do farol. Eles já haviam ouvido rumores a respeito das lendas dos nativos sobre aquele lugar maldito e todos estavam inquietos. Apesar disso, planos para erguer o farol avançaram, e em 1880 a construção teve início. Vários trabalhadores de lugares distantes, muitos deles que sequer falavam inglês, foram contratados para a empreitada sem que soubessem das histórias enervantes a respeito do local.   

Quase que imediatamente ocorreram revezes que evidenciavam que o trabalho seria complicado, quase como se uma força invisível estivesse ressentida com a presença dos estranhos. Pouco depois de trazer o equipamento e construir um abrigo na praia, uma violenta tempestade desabou sobre a ilhota. Boa parte do material se perdeu e uma equipe de resgate teve que ser enviada para trazer os homens de volta às pressas. A segunda tentativa ocorreu alguns meses mais tarde, em uma época em que normalmente as condições climáticas eram menos preocupantes. De nada adiantou, uma nova tempestade prendeu os homens na ilha sem comida ou suprimentos por quase duas semanas. Durante sua estadia, eles foram atacados por leões marinhos, quase congelaram e definharam. 

Apesar dos enormes obstáculos, uma terceira tentativa foi feita no verão e apesar dessa ter obtido sucesso em estabelecer uma base para iniciar os trabalhos, estes foram incrivelmente temerários. Vendavais e chuvas repentinas dificultavam demais o desembarque do material que seria usado na construção. Para chegar até o local escolhido os homens precisavam escalar um trecho escorregadio de pedra nua e molhada. Tudo isso carregando sacas de cimento, tijolos e ferramentas que precisavam ser levados nas costas. Muitos homens se acidentaram e outros tantos se feriram. 

O projeto que previa uma construção dentro do prazo estipulado de seis meses acabou atrasando enormemente, acumulando nada menos do que 575 dias para que o modesto farol fosse concluído. Perto da data de inauguração, quando a lâmpada estava sendo trazida para equipar o farol, ocorreu um último e mais grave acidente. A embarcação que deveria aportar na rocha, um vapor chamado Lupatia, se chocou em uma rocha em uma noite de nevoeiro cerrado. Dezesseis homens morreram e o único sobrevivente do naufrágio foi o cão que servia de mascote no barco.   


A despeito de todos os contratempos, o farol, apelidado de "Terrível Tilly", foi aberto oficialmente para operações em 21 de janeiro de 1881. Considerando o ambiente desolado e o absoluto isolamento que a rocha apresentava, foi decidido que uma equipe de quatro (e não dois) faroleiros seriam destacados para monitorar o funcionamento do farol. Estes deveriam ser substituídos a cada 42 dias de serviço, recebendo uma folga em terra de 21 dias para ver a família e descansar da árdua tarefa. Apesar dessas condições e de um bônus no salário, o trabalho era descrito como um verdadeiro "Inferno na Terra".

O frio congelante, os ventos poderosos, longos períodos de furacões que ensejavam ondas titânicas e a inevitável umidade conspiravam para criar as piores condições psicológicas possíveis. Os homens que ficavam de guarda logo se queixavam do incessante ruído da buzina de nevoeiro que ecoava a cada 20 segundos. Nada crescia na rocha, nem uma planta resistia ao constante borrifo da água salgada, cujo fedor salobro preenchia o ambiente dia e noite. Tudo era cinzento e escuro, o sol raramente aparecia e quando o fazia era apenas para trazer à praia colônias de ferozes leões marinhos. Mesmo as gaivotas atacavam os homens, voando baixo e mergulhando para bicá-los. Viver em Tillamook Rock era nas palavras dos homens, enfrentar uma sentença de prisão. Uma semana parecia um mês, 40 dias era como um ano de suplício. No fim das contas, ninguém mais queria o trabalho e tornou-se frequente que os faroleiros destacados para o serviço fossem justamente homens que haviam recebido alguma ação disciplinar e que eram conhecidos como criadores de caso. Uma punição e não um trabalho voluntário. A Terrível Tilly logo passou a ser conhecida por outro nome: "Moedor de Homens", por lentamente alquebrar o corpo e o espírito de seus habitantes.

Ah, e se não bastassem as brutais condições de trabalho, ainda haviam as terríveis lendas que se contava sobre o local.

Os guardiões do farol que retornavam desse lugar miserável e inóspito frequentemente traziam histórias sobrenaturais. As mais simples envolviam o som de passos ouvidos nas escadas do farol, vozes estranhas sussurrando ou gemendo e gritos na calada da noite. Mencionavam ainda portas batendo e objetos desaparecendo apenas para aparecer mais tarde em lugares improváveis. Alguns dos relatos mais estranhos sobre essa atividade vinham de um Guarda Costeira chamado James A. Gibbs, que serviu por um ano no Farol e que relatou suas experiências em um livro sobre sua experiência no Farol de Tillamook Rock. Em sua primeira noite de prontidão ele contou ter visto formas espectrais na luz do farol como se elas estivessem curiosas com a luminosidade. Gibbs contaria ainda sobre passos e uma inexplicável paralisia que afetou ele e seus colegas em uma noite de forte tempestade.  

Em uma muito estranha sequência de eventos, ele contou ter sentido certa vez que uma presença fantasmagórica dividia com ele e seus companheiros o alojamento dos faroleiros. Essa sombra fez com que a temperatura no aposento caísse a um nível insuportável que quase congelou o grupo até os ossos. Em outro incidente inexplicável, os homens teriam visto claramente a assombração espectral de um navio - possivelmente o Lupatia, navegando sobre as águas bravias numa noite de forte tempestade. O navio atravessou as pedras e desapareceu em meio às ondas furiosas como se nunca tivesse existido.


Além das lendas sobre fantasmas, havia as histórias compartilhadas pelos nativos sobre as cavernas habitadas por monstros marinhos e outros seres das profundezas. Por vezes, um ruído macabro semelhante, mas ao mesmo tempo completamente diferente do canto das baleias, ecoava pela rocha deserta. Um lamento longo e triste que trazia medo e desespero nos que ouviam. 

Mais de um homem mencionou o avistamento de criaturas escamosas manquitolando pelas pedras, enquanto as ondas arrebentavam ruidosamente na praia. O que quer que fosse, espreitava e observava com curiosidade, como se estivesse esperando um momento de descuido dos homens. Não por acaso, todos estavam sempre alerta, e quando menos se esperava os gritos de alguém quebrava o silêncio sepulcral para apontar na direção de alguma coisa que se erguia em meio às ondas apenas para afundar em seguida. Em meio à espuma marinha, coisas que ninguém conseguia ver por inteiro, apareciam e mergulhavam nas águas congelantes deixando apenas o abanar de uma nadadeira. Os supersticiosos falavam de serpentes marinhas, de sereias, tritões e de dragões com corpo de tartaruga e cara de cavalo. A fauna variada das lendas dos sete mares desfilava diante dos olhos arregalados dos faroleiros e assim as histórias se multiplicavam.

Uma história especialmente estranha diz que um faroleiro chamado Digby procurava avidamente pelas misteriosas cavernas que supostamente desciam até o coração da rocha e que eram mencionadas pelos nativos. Ele havia ouvido um rumor a respeito de um tesouro escondido nessas grutas alagadas e estava decidido a encontrá-lo. Certo dia, Digby estava andando pelos arredores sozinho como sempre costumava fazer quando desapareceu sem deixar vestígios. Seus companheiros o procuraram em todo canto e acabaram concluindo que ele havia sofrido algum acidente na praia. Dias se passaram e quando ninguém mais esperava achar sinal do sujeito, ele ressurgiu batendo a porta do farol, quase matando a todos de susto. Estava pálido, molhado e apavorado. Levaram Digby até uma cama e constataram que ele não estava ferido, embora sofresse de hipotermia.

Digby oscilou em um estado de semi-consciência no qual despertava de quando em quando para proferir algum tétrico devaneio. Os homens sentados ao lado da cama ouviam atônitos coisas sobre "túneis alagados" e "monstros que habitavam na escuridão". Ele havia conseguido encontrar a saída de um labirinto, mas a experiência de passar dias na escuridão indevassável se encarregara de levar sua razão. Quando uma embarcação veio render os homens, levaram Digby à bordo e ele jamais se recuperou. Teria terminado seus dias em um pensionato que zelava por almas perdidas como ele, homens que tiveram um vislumbre de algo inexplicável.


Ao menos dois suicídios teriam ocorrido no farol, o primeiro envolvendo um marujo que disse ter visto uma serpente marinha e que cortou os pulsos por não suportar a lembrança aterradora que não saía de sua mente. Outro teria se lançado no coração de uma tempestade, bradando que queria ser levado de uma vez, pois não suportava nem mais um dia naquela rocha infernal.

Os relatos e histórias assombrosas continuaram ao longo de toda história de ocupação de Tillamook Rock. Finalmente depois de décadas de uso, o Farol se tornou obsoleto, uma vez que outro, maior e mais potente, cuja luz alcançava maior distância, foi erguido no litoral. A última equipe a ocupar o complexo abandonou o local em novembro de 1957.

Incidentes estranhos continuaram acontecendo e sendo noticiados por embarcações que navegavam perto o bastante do rochedo insalubre. Coisas inexplicáveis, como por exemplo, presenças fantasmagóricas e luzes brilhando no alto da construção desativada, se tornaram recorrentes. Com os ocasionais avistamentos de serpentes marinhas e coisas menos comuns. Em uma bizarra nota de rodapé na já medonha história da Terrível Tilly, nos anos 1980 a rocha foi convertida em um columbarium, um depósito de urnas contendo as cinzas de pessoas cremadas. Por alguns anos o prédio ficou conhecido pelo nome romântico de "Eternidade no Mar", isso antes de fechar em 1999. As urnas supostamente ainda estão lá e lá ficarão, provavelmente, para sempre.

Em anos mais recentes, Tillamook Rock se converteu em um santuário de pássaros, considerado como parte do Refúgio de Vida Selvagem do Oregon e listado como um local de importância histórica pelo seu passado. Visitantes não são permitidos na ilha.

Começamos esse texto falando a respeito do que torna um lugar assustador e o que faz uma localidade ser considerada maldita. Talvez existam lugares que simplesmente tenham sobre si uma sina e que parecem detestar a presença humana, lutando, quase como organismos vivos para serem deixados em paz. Se existe um exemplo de lugar que pareça determinado a ficar sozinho, esse lugar, sem dúvida, é o Farol de Tillamook Rock.

E talvez seja melhor que ele continue desabitado, ao menos pelos vivos.   

3 comentários:

  1. Uma parte de mim se questiona querendo saber respostas racionais para ocorridos como esse, a outra me arrepia os pelos da nuca quando eu entro em algum lugar ruim

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  2. Lugar medonho e história fantástica

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  3. Ótimo lugar para tirar umas férias!

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