domingo, 2 de fevereiro de 2020

Cinema Tentacular: Cor que Caiu do Espaço - Resenha do Filme baseado na obra de H.P. Lovecraft


Não é de hoje que os fãs de H.P. Lovecraft aguardam por um bom filme inspirado nas suas histórias.

Não faltaram tentativas de adaptar o autor para o cinema, mas sejamos francos, na maioria das vezes o resultado foram produções no máximo medianas. Sendo que muitas não passam de uma completa perda de tempo, esquecíveis ou que ao menos adoraríamos poder esquecer de tão ruins.

Parece uma sina! Uma verdadeira maldição que impede a realização de bons filmes baseados nos contos de Lovecraft. O que falta? O que impede um roteirista de seguir a história, manter os personagens e situações e principalmente, tratar de uma maneira respeitosa o material original? 

Não deveria ser tão difícil, deveria?

Entendo que Lovecraft escreveu histórias complexas, mas o trabalho de adaptá-las em um bom roteiro não deveria ser tarefa tão complicada. Os filmes, no entanto, parecem esbarrar em uma série de problemas que vão desde a falta de um bom diretor ou roteiro, até uma equipe de produção fraca ou mesmo baixo orçamento.


Talvez por conta disso, o anúncio de que Cor que Caiu do Espaço ("Color out of Space") seria produzido chamou tanto a atenção. Fazia anos que uma produção Lovecraftiana não criava tanto burburinho. A produção sinalizava com um roteiro escrito por fãs de Lovecraft, o diretor seria Richard Stanley que abandonaria sua longa aposentadoria para dirigir, ele contaria com um bom orçamento e até um nome de peso foi escalado para compor o elenco: Nicholas Cage.

Com tudo isso, a expectativa sobre o projeto apenas cresceu.

Nos meses que antecederam seu lançamento, os fãs discutiam qual seria o resultado, esmiuçavam os rumores em busca de alguma notícia, alternando ansiedade e temor a medida que pipocavam informações e imagens da produção. 

A ansiedade se explica: Cor que Caiu do Espaço é uma das histórias mais emblemáticas de Lovecraft. Ela constitui seu maior flerte com a ficção científica, embora existam elementos de terror bem discerníveis. O conto, escrito e publicado em 1927 na Revista Weird Tales, só foi descoberto pelos leitores nas décadas seguintes e aos poucos foi conquistando seu lugar como um dos clássicos do gênero. Embora seja uma das histórias mais acessíveis escritas por Lovecraft, ela possui todos os elementos que imortalizaram sua obra. Está lá a insignificância humana, o medo diante do desconhecido, o poder esmagador de um universo indiferente e doses maciças de tensão, loucura e medo.

Cor que Caiu do Espaço é Lovecraft em estado puro. Horror Cósmico em seu auge.


Recentemente consegui assistir ao filme e essa resenha se propõe a tentar entender onde ele acerta e onde ele falha, sem incorrer em spoilers que estraguem a diversão alheia.

O veredito, no entanto, eu posso adiantar: Embora não seja um filme ruim, não foi dessa vez que Lovecraft ganhou uma adaptação cinematográfica à altura de sua obra.

Se Cor que Caiu do Espaço não será lembrado como o filme que rompeu o paradigma e que alçou Lovecraft a um novo patamar, ele também não é um desastre como muitos antecipavam. No fim, o filme deixa um gosto amargo na boca, pois poderia ter sido muitíssimo melhor, bastando para isso um pouco mais de capricho, sobretudo no que diz respeito ao Roteiro. É inegável que o filme carecia de uma revisão e principalmente de melhores personagens. 

A forma como ele começa é promissora, com um trecho pinçado diretamente do conto e imagens de um isolamento opressivo. O filme parece que vai conseguir sustentar esse tom, mas não demora muito para que ele vá diluindo essa proposta em algo que remete às típicas produções de horror dos anos 80. Temos um núcleo familiar clássico - pai, mãe e três crianças, cuja existência cotidiana é quebrada por um acontecimento inesperado. A partir de então, eles precisam lutar contra essa ameaça. Tudo bem, o filme ao menos não cai no erro de seguir através do viés de um drama familiar, mas ainda assim, as personagens que integram a Família Gardner deixam muito a desejar.


Nathan e Margareth Gardner (Nicholas Cage e Joely Richardson) são um casal que vive em uma fazenda no interior da Nova Inglaterra (nos arredores de Arkham!), com seus três filhos; Lavínia (Madeleine Arthur), Benny (Brendan Meyer) e Jack (Julian Hilliard). Eles levam uma vida relativamente tranquila criando lhamas (sério, lhamas!) e cuidando de seus próprios afazeres. A rotina da família é quebrada por um incidente inusitado: um meteorito despenca do espaço e vai aterrizar justamente na propriedade deles.

Pior do que o mero azar, o bólido espacial carrega em seu interior uma força extraterrestre que se entranha no solo, contaminando o lugar com sua mácula. Aos poucos, ele começa a mudar o ambiente, exercendo uma perigosa influência sobre a natureza e sobre os membros da família, transformando a vida deles num inferno.

A premissa é simples e direta: Uma família atormentada por um horror que ninguém é capaz de compreender e que não se sabe como enfrentar. Contudo, para essa história funcionar, seria preciso estabelecer um mínimo de simpatia com os membros da família. E é justamente aí que o filme dá sua primeira derrapada. O problema é que fica difícil se importar com o destino dos personagens e menos ainda torcer por eles. Além de imensamente estereotipados os personagens são absurdamente sem graça.


Peguemos Lavínia, por exemplo, que se propõe a ser a protagonista da trama: ela é a típica adolescente que tem uma relação tumultuada com os pais e que sonha em sair de casa, ainda que no fundo ame a família. Ela busca algum consolo em wicca e mexe com rituais neo-pagãos, o que não tem a menor importância para a história, além de colocar na trama um ridículo exemplar do Necronomicon de Simon - livro fake lançado nos anos 70, que é tão real quanto nota de três reais. Seu irmão Benny, o adolescente maconheiro de bom coração também não contribui em nada na trama e o caçula Jack, está lá apenas para fazer o papel de criança creepy que parece ver o que os adultos ignoram. Nenhum deles desperta qualquer empatia e se eu tivesse de escolher alguém para torcer, ficaria com o Cachorro da Família.

Os pais não são muito melhores... Theresa está enfrentando uma doença grave e é amparada pelo marido que tenta preservar o relacionamento, coisa que também não interessa em absoluto. De fato, Nicholas Cage está tão deslocado nesse filme que é até difícil justificar sua presença. Sério mesmo, poderia ser virtualmente qualquer ator desconhecido no lugar dele que não faria a menor diferença, talvez fosse até melhor. 

Não me entendam mal, eu gosto do velho Nic Cage, ainda o considero um bom ator, como demonstrou recentemente em Mandy, mas quando ele exagera, a coisa degringola feio. E aqui, infelizmente ele está totalmente surtado! Parece o típico trabalho protocolar, que muitos atores encaram para pagar o aluguel. Exagerado, sem graça e com caras e bocas, chega a ser difícil assistir ele tentando convencer no papel de um pai de família e empresário no ramo da criação de lhamas. A cena em que ele ordenha uma lhama beira o constrangedor, coisa de completa vergonha alheia.


O melhor personagem do filme é um engenheiro hídrico chamado Ward Phillips (Elliot Knight) que está fazendo um levantamento no Vale do Rio Miskatonic para a construção de um reservatório. Ward é o primeiro a perceber algo de errado no meteorito que caiu nas terras dos Gardner e começa a investigar os bizarros incidentes. Esse aliás é outro ponto em que o roteiro deixa a desejar: ora, quando as coisas começam a ficar estranhas, beirando o inexplicável, a família reage de maneira peculiarmente calma. Estamos falando de mudanças na natureza, de comportamento atípico e de coisas pra lá de esquisitas. Apesar de tudo, os Gardner parecem não se importar e resolvem ficar na fazenda apesar dos pesares.

Ward também tenta convencer um hippie doidão chamado Ezra (Tommy Chong - o comediante da dupla Cheech & Chong) que vive ali nos arredores, que há algo errado desde a queda. Ezra também não parece muito interessado na história, mesmo percebendo que as coisas estão mudando rapidamente ao seu redor.

Não há uma explicação conveniente para esse comportamento estranho dos personagens. O roteiro sugere que a cor tem influencia sobre as pessoas, fazendo com que elas se tornem agressivas, impulsivas e dispostas a brigar pelas razões mais idiotas. Se até então a Família Gardner não era muito agradável aos olhos do espectador, a coisa fica ainda pior a partir de então. Eles se tornam literalmente insuportáveis e você chega a querer para que a cor os destrua de uma vez por todas.


Outro problema é tudo parece acontecer de modo acelerado. O filme não permite que a tensão vá se instalando de maneira gradual, ao invés disso, tudo parece corrido e de um momento para outro Nathan se transforma de pai dedicado em um babaca capaz de xingar os filhos e trancafiá-los para que não saiam de casa. Enquanto o núcleo familiar vai se isolando na fazenda, experimentando alucinações cada vez mais perturbadoras, fica difícil não se perguntar: "porque eles simplesmente não dão o fora"? Mas ninguém o faz, o que soa pra lá de estranho já que o ambiente assim como a unidade familiar estão claramente se esfacelando. Na história original, que se passa no final do século XIX, dá para entender que os moradores da fazenda estejam isolados e impedidos de fugir, mas no filme nos dias atuais, nada os impede de pegar o carro e escapar. 

Outro momento pra lá de desnecessário do roteiro ocorre quando Lavínia usa o já citado exemplar fajuto do Necronomicon para realizar um ritual de proteção. Uma cena tão ridícula que parece estar lá apenas para encher linguiça. Por sinal, o nome Lavínia foi pessimamente escolhido uma vez que é o nome da personagem central de Dunwich Horror.

A essa altura, eu comecei a achar que o filme acabaria sendo uma total perda de tempo. Por mais que eu estivesse tentando gostar de Cor que Caiu do Espaço e encontrar nele méritos, estava difícil achar algo em que me agarrar. Mas eis que inesperadamente, aos 45 minutos do segundo tempo, vem o final e este consegue salvar um pouco as coisas.

O ato final de Cor que Caiu do Espaço é um caos total, mas permite um vislumbre de legítimo Horror Cósmico na tela. A sequência quando a Cor finalmente emerge de seu esconderijo, deixando um rastro de morte e devastação na sua passagem, instalando pavor e loucura nas testemunhas, quase consegue redimir o começo e desenvolvimento sofríveis até então. Se não é o suficiente para salvar o filme, ao menos é o bastante para torná-lo tolerável.


A escolha de uma fonte luminosa roxa para representar a Cor funciona bem, apesar de muitos terem reclamado. Na prática, ficaria difícil representar uma cor que não existe, e a escolha do tom roxo doentio acaba criando uma identidade visual ligada ao estranho e bizarro. Não é exatamente uma novidade já que Aniquilação seguiu uma fórmula semelhante. Os efeitos especiais práticos não comprometem e o filme entrega uma boa quantidade de cenas com gore e body horror

Os fãs se dividiram quanto a Cor que Caiu do Espaço.

Alguns a consideraram uma adaptação adequada que faz o possível para atualizar o conto original aos dias atuais e cujo resultado foi satisfatório. Outros acharam o filme bem abaixo do esperado e criticaram muitos aspectos da produção. No fim das contas, Cor que Caiu do Espaço não é um filme desastroso, mas poderia ter sido consideravelmente melhor. Fica o sentimento de que ele chegou perto de acertar, mas ao mesmo tempo, ficou muito distante de seu objetivo.

De toda forma, Richard Stanley terá mais duas oportunidades de ajustar a sua visão particular do Universo Lovecraftiano já que ele está confirmado para dirigir outras duas adaptações. Sabemos que a próxima será Dunwich Horror, já a terceira está sendo mantida em segredo, mas fala-se que pode ser The Shadow Over Innsmouth.

Quem sabe no próximo...

Trailer:


Poster:


16 comentários:

  1. Realmente o filme deixou a desejar se comparado com produções de Hollywood, assisti ontem e pra ser sincero me despertou mais interesse quando surgia na tela as frases de Lovecraft. Parabéns pela resenha, está condizente com o que senti no filme.

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    1. https://www.filmesonlinehdgratis.com.br/a-cor-que-caiu-do-espaco-player-1

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  3. Pelo que pesquisei não saiu em nenhuma sala no Brasil; assistir acho que só baixando pela internet neh?

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  4. Quando fiz faculdade de cinema criei o termo: Síndrome de Stephen King. Pra cada 5 minutos de filme bom, você tem que aguentar 30 minutos de cenas inúteis e diálogos idiotas. Mas gostei do final apocalíptico.

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  5. Vi o filme ontem, e caramba, achei fantástico , bem numa vibe Mandy(que por sinal também e ótimo)

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  6. A filme Annihilation (2018) parece muito mais com uma adaptação digna de "Color of Out Space" que esse aí. Felizmente eu não tenho a tradição de criar espectativas. Esperemos as próximas.

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  7. a Lavínia é a personagem crentral em "dunwich horror"? lembro que ela era só a mãe do personagem central, o Wilbur eu acho, eu achei o nome da menina uma referênciazinha menor mas divertida.
    mas eu concordo com a crítica do MT, o filme é mediano no máximo, podia ter sido muito melhor, mas acabou sendo só "meh".

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  8. Não vi essa versão ainda. Gostei da versão alemã desse conto ("Die Farbe"), de 2010. É bem fiel ao original, com algumas adaptações menores, como a mudança do local para a Alemanha.

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  9. Se ainda nao assistiram ao filme " underwater" ou "ameaça profunda" como foi traduzido para o português, eu recomendo fortemente que o façam. U ultimo ato faria lovecraft sorrir, ou gritar...

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  10. Realmente o maior problema do filme é o ritmo. Se tivessem acertado o ritmo teria resolvido o problema secundário dos personagens rasos.

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    1. O pior que não é só o ritmo, se fosse só isso teria sido bom.

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  11. Tentei assistir o filme hoje e infelizmente não consegui ir até o final, achei ruim demais. Realmente, é impossível ter alguma empatia pela família, somente pelo cachorro =)
    A impressão que tive foi que a intenção era fazer um filme B (de propósito ou não), mas não deu certo.
    Ótimo blog, adoro e venho sempre aqui!

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    1. Sua análise diz exatamente o que eu senti vendo esse filme, decepção total.

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