quarta-feira, 13 de maio de 2020

Explorando os Mythos mais Obscuros: Saaitii, o Senhor do Covil Diabólico


"Eu o vi, pálido e enorme através do funil enevoado e ondulante - 
um focinho igualmente pálido e monstruoso se ergueu daquele abismo insondável... 
Ele se levantou, como um enorme morro. 
Através da camada tênue da parede de névoas eu vi um único olho... 
um olho de porco brilhando com uma compreensão vil."

William Hope Hodgson - 
"The Hog"

O que existe além das muralhas da compreensão e da razão? O que habita além dos limites de nossa compreensão mundana? Que forças esmagadoras espreitam nos umbrais de nossa percepção, buscando pequenas fissuras na nossa psique para invadir nossa mente? Que seres são esses que aguardam pacientes por nossas defesas apresentarem falhas e assim se insinuar em nossa mente e predar as nossas almas?

Saaitii, o Observador na Escuridão, a Besta Guinchante, o Horror que Espreita no Labirinto é um desses horrores que coloca em cheque a noção de que habitamos um universo benigno e bondoso. Uma força perversa, Saaitii é guiado unicamente por seus instintos cruéis e necessidades prementes. O Grande Antigo existe apenas para satisfazer seus desejos primais com extrema voracidade e apetite insaciável. Ele é uma entidade de paixões exacerbadas e com uma vontade volátil que enxerga somente sua própria gratificação

No passado remoto, Saaitii tomou conhecimento da existência da humanidade e se sentiu imediatamente atraído, guiado por seus desejos de sujeitar uma nova espécie aos seus caprichos bestiais. A criatura encontra suas presas, farejando indivíduos cuja consciência vaga inadvertidamente nos limites de seus domínios. Teóricos dos Mythos Cthulhianos acreditam que Saaitii habita uma realidade ou dimensão que de alguma forma está conectada com o mundo dos sonhos. Também há conjecturas que essa dimensão se encontra numa fronteira com o domínio de outro Grande Antigo, Y'Golonac


Saaitii consegue captar emanações psíquicas de pessoas sonhando e escolhe os candidatos mais adequados às suas necessidades - em geral indivíduos sofrendo de depressão, frustrações e desilusões profundas. Uma vez atraído, o ser se conecta ao inconsciente da vítima, arrastando-a para seu covil. A dimensão de Saaitii é descrita como um lugar de total escuridão, um labirinto de túneis cavernosos que se estendem indefinidamente. Esses recessos trevosos são vazios, destituídos de qualquer adorno ou conteúdo. Contudo, através das câmaras ecoam guinchos dissonantes descritos pelos visitantes como algo semelhante ao ruído de milhares de porcos. A cacofonia aterrorizante, verdadeiro coral de grunhidos, roncos e fanfarras reverbera sendo em determinados momentos ensurdecedor. Mas o pior está reservado para o momento em que o Senhor desse Covil Diabólico se manifesta através de um grunhido muito mais forte e pavoroso que todos os outros juntos. Quando Saaitii produz seu urro abominável, todas as outras vozes se silenciam restando um silêncio opressor.

A dimensão só pode ser acessada quando o indivíduo está em sono profundo. Depois da primeira experiência no labirinto, estas vão se tornando cada vez mais frequentes. Saaitii pode trazer uma vítima regularmente, minando suas resistências e deixando seus nervos em frangalhos. Indivíduos sujeitos a essas condições são lentamente exauridos física e mentalmente à medida que seu sono é atormentado por pesadelos cada vez mais vívidos. Testemunhas que acompanharam a ruína das vítimas de Saatii descreveram a situação como um verdadeiro suplício. Uma peculiaridade a respeito dessas pobres almas é que elas são acometidas por uma espécie de transe no qual produzem grunhidos roufenhos semelhantes aos de porcos. São incapazes de despertar, até que a criatura os liberte.

O destino final das vítimas de Saaitii tende a ser terrível. Quando o Deus se cansa de seus jogos, ele simplesmente se manifesta em todo seu esplendor blasfemo em um derradeiro pesadelo, ocasião em que devora a vítima a consumindo por completo. Esta está fadada a jamais despertar. Seu corpo continuará vegetando, mas sua mente se perde para sempre em um estado de coma profundo. Aqueles que conhecem a mitologia de Saaitii se referem a esses pobres infelizes como "Devorados".  

Num passado ancestral, alguns cultos tentaram ganhar o favor de Saaitii, venerando-o através de festivais onde excessos de todo tipo eram praticados. Os cultistas acreditavam que o Deus incentivava perversos bacanais, suntuosos banquetes e outros espetáculos ultrajantes que exploravam prazeres mundanos. Uma seita apócrifa formada na Judeia no século segundo, acreditava que Saaitii era a antítese ao ideal de virtude cristã e que através de seus excessos a divindade poderia ser alcançada. O secto teve curta existência, supostamente tendo sido liquidado pelo próprio Deus. Há sugestões de que o Culto de Saaitii possa ter sido carregado até Roma, encontrando seguidores na corte depravada do Imperador Calígula, mas esses rumores jamais foram comprovados.

Posteriormente, confrarias se formaram em torno do Grande Antigo, abraçando o ideal de transcender limitações morais e éticas. Pequenos grupos de cultistas se concentraram na Paris pré-Revolução e na Londres Victoriana, mas nenhum desses prosperou por muito tempo. O último culto devotado a Saaitii surgiu nos anos 1960 na cidade de San Francisco, formado por entusiastas de drogas que as usavam como forma de transcender limites.

Existe controvérsia entre estudiosos dos Mythos sobre Saaitii poder ou não assumir uma forma física no mundo real. Sabe-se que ele prefere se manifestar em sonhos na segurança de seu Covil, mas tudo indica que ele possa também surgir fisicamente, ainda que por pouco tempo e sob circunstâncias específicas - mediante sacrifícios, rituais e alinhamentos estelares. Tanto na forma física quanto na astral, ele surge como uma visão nefanda.


Saaitii assume a aparência de um horror porcino, decorrendo daí a alcunha "o Porco" pela qual ele é conhecido. Para um observador atento, no entanto, fica claro que a medonha aparência de Saaitii meramente lembra um suíno, sendo bastante diferente na prática. Trata-se de um ser grotesco e imenso, com o corpo inchado e os flancos cobertos por uma couraça grossa acinzentada. Nas costas desce um emaranhado de pelos escuros sebosos, enquanto o restante do corpanzil de coloração rósea perolada se mostra consideravelmente mais flácido. A criatura possui uma dezena ou mais de pernas terminando em cascos pretos fendidos que servem para sustentá-lo, ainda que ele seja capaz de flutuar livremente no ar. Quando o faz, as pernas ficam pendendo livremente. Saaitii pode ficar de pé, em uma forma mais ou menos humanoide ou com as patas plantadas no solo.

A face da criatura chama a atenção pelo horror que conjura. Ele possui um único olho negro no centro da testa, um par de orelhas cartilaginosas que abanam constantemente e um focinho chato, bastante similar ao de um porco. Dele escorre uma caudalosa secreção mucosa. Saaitii conta com um conjunto de três bocas de onde despontam presas similares às de javalis e dentes quadrados sem ponta. Suas mandíbulas são fortes o suficiente para mastigar os ossos de um homem adulto. Seu hálito quente exala um fedor ocre de putrefação decorrente dos restos que apodrecem nas suas presas. 

Saaitii não é capaz de falar, mas "o Porco" domina faculdades telepáticas e as usa para incutir na mente de seu interlocutor imagens vívidas do que deseja. Apesar de sua aparência bestial, ele é dotado de aguda inteligência, podendo barganhar se compelido a fazê-lo. A criatura tem um profundo desprezo por humanos e normalmente vê nossa espécie como fonte de alimento ou diversão. Como está constantemente faminto, Saaitii raramente negocia, preferindo devorar quem encontra pela frente para então retornar à sua dimensão - aliás, é por essa razão que a maioria dos Cultos devotados a ele falharam em prosperar.


Tomos de conhecimento esotérico versando a respeito dos Mythos de Cthulhu raramente mencionam Saaitii, concedendo a ele o status de uma divindade de menor importância. A exceção é o Manuscrito Sigsand, um tratado escrito no século XIV por membros de uma ordem religiosa monástica. O livro trata de diferentes tipos de assombrações e monstruosidades, dedicando-se a esmiuçar a origem de tais seres e estabelecendo métodos para se defender deles. É sabido que uma cópia do Manuscrito pode ser achada na Biblioteca de Bodleia no Reino Unido. 

Uma segunda cópia desse volume se encontra na posse do lendário caçador de fantasmas britânico Thomas Carnacki. Segundo rumores, Carnacki teria encontrado Saaitii em sua própria dimensão em um épico confronto metafísico no qual emergiu vitorioso. Na ocasião, ele livrou uma vítima da influência da criatura evitando que fosse devorada. Se levado à sério, tal confronto pode ter sido o ponto alto da carreira do renomado ocultista.

2 comentários:

  1. Perfeito artigo. Pena que tem muito pouco material do Hodgson em português.

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  2. Incrível postagem, amo cada uma sobre os Mythos, são incríveis, sobre Saaitii, existe um Youkai no folclore japonês chamado Baku, um ser q devora os sonhos, e dependendo de sua fome, podem causar o coma das pessoas, alem dessa similaridade ambos tem uma aparência "Suina", um possível relato do outro lado do globo desse Terror Cósmico, achei interessante linkar haha

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