sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Buritaca - A verdadeira Cidade Perdida nas Selvas da Colômbia


Há lugares perdidos no mundo e neles estão ocultos segredos ancestrais.

Povos antigos e civilizações esquecidas surgiram, floresceram e desapareceram ao longo dos séculos, deixando para trás artefatos de seu tempo e ruínas que marcaram sua passagem. A busca por estes lugares perdidos e seus tesouros inestimáveis, por vezes revelam mistérios até então inacessíveis. Fragmentos de histórias até então desconhecidos e testemunhos de vozes que há muito se calaram.

Nas majestosas montanhas da Sierra Nevada de Santa Marta, na parte mais ao norte da Colômbia encontra-se um destes lugares remotos. Encravado em um vale 1300 metros acima do nível do mar, sob densa vegetação tropical e escondido por imensos maciços rochosos se encontram as ruínas de Buritaca, que ganhou fama de ser uma autêntica Cidade Perdida.   

Com uma avançada arquitetura creditada aos nativos Tairona, Buritaca um dia se ergueu na encosta da montanha com construções elaboradas de pedra: templos, casas, escadarias e grandes palácios. Segundo especialistas ela teria prosperado a partir do ano 800 dC, hospedando uma população que em seu auge compreendeu 8 mil pessoas. A área que um dia correspondeu a grande cidade é pelo menos 10 vezes maior do que a famosa Machu Picchu e parece ser reminiscente do mesmo período histórico. De fato, acredita-se que Buritaka era a maior e mais movimentada cidade no extremo norte do Império Inca. Um centro populacional avançado com comércio e religião que atraía viajantes e unificava o poder em toda a região. Haviam estradas calcadas e caminhos que levavam até Buritaca e este era o destino final de mercadores e viajantes.


A cidade com mais de seis quilômetros quadrados preencheu em determinado momento de sua existência todo o vale. Para continuar crescendo, seus habitantes iniciaram um processo de verticalização, levantando pavimentos inteiros conectados por rampas e escadarias. Vista do alto Buritaca lembra um grande formigueiro, um verdadeiro labirinto de caminhos tortuosos e corredores estreitos ascendendo pela encosta, formando ângulos quase impossíveis. Haviam ainda canais de irrigação para levar água e acessos com calçamento por onde subiam animais e mercadorias. Postos de observação na parte alta a cidade permitia que guardas vigiassem todo o vale impedindo invasões.  

Casas e templos foram erguidos em lugares estratégicos para combinar com a posição das estrelas, corpos celestiais e calendário, sobre fundações circulares com até 12 metros de diâmetro. O Templo principal só pode ser alcançado através de uma subida ingrime de 1200 degraus até o terraço superior, onde no auge existia um observatório astronômico, possivelmente um dos maiores do Império Inca. Entre os habitantes de Buritaka se encontravam observadores das estrelas, que conheciam vários segredos do tempo e do espaço.


A cidade inteira foi cuidadosamente planejada e meticulosamente detalhada. Os construtores conheciam noções avançadas de engenharia que lhes permitiu desenhar os prédios aproveitando perfeitamente o espaço disponível. No total existem 169 terraços de pedra que correspondem a habitações coletivas na cidade. Campos de plantio, poços artesianos e silos foram distribuídos ao longo da cidade com o objetivo de combater qualquer escassez. Acredita-se que os operários em Buritaca se organizavam em grupos de trabalho cada qual com especializações bem definidas. O transporte de material, por exemplo, era feito por um sistema de polias incrivelmente avançado, diferente de tudo que já foi visto na América do Sul.   

O povo de Buritaka tinha um sistema de governo baseado na religião. Seus chefes tribais faziam parte de uma elite de xamãs que alegava controlar as forças da natureza e do pensamento humano, além de comungar com poderes superiores do cosmos. Os Deuses dos Tairona eram forças cósmicas que habitavam além do céu e que partilhavam parte de seu conhecimento e incríveis presentes se estivessem satisfeitos com seus seguidores. Uma das principais crenças de Tairona envolvia um processo xamanista de troca de energia através do qual, acreditavam, seria possível transcender a condição humana e adquirir conhecimento de regiões distantes do universo. Graças a esses rituais teriam recebido de suas divindades o conhecimento necessário para realizar os impressionantes feitos de engenharia e metalurgia. Muitos dos artefatos religiosos encontrados na cidade se referiam a animais totêmicos e entidades sobrenaturais vindas dos céus em navios voadores ou em grandes anéis de ferro.   

Infelizmente os habitantes de Buritaca abandonaram a cidade após receberem notícias de que outros assentamentos haviam sido atacados e tomados pelos espanhóis. Seus habitantes fugiram para o interior e para as montanhas, temendo a invasão dos conquistadores e principalmente as doenças que estes traziam consigo. Em 1590, a cidade já havia sido inteiramente evacuada pela população residente e não demorou até ela ser reclamada pela natureza em poucas décadas.


Os descendentes dos nativos Tairona sabiam da existência da cidade e essa informação chegou aos conquistadores que ouviram narrativas sobre uma cidade perdida nas montanhas. Companhias de conquistadores se organizaram para subir as montanhas em busca da cidade, mas a maioria dessas expedições acabou retornando sem encontrar o local. Tribos hostis, doença e a natureza selvagem se mostravam um obstáculo quase intransponível. As lendas mencionavam uma cidade que escondia enorme riqueza e que abrigava um vasto tesouro em ouro, prata e pedras preciosas. De fato, por ser um centro populacional, Buritaca realmente dispunha de enorme riqueza. Histórias sobre estes tesouros chegaram aos ambiciosos espanhóis que acreditavam na existência de uma Ciudad Perdida de Oro, verdadeira Eldorado em algum lugar daquelas montanhas. 

O Padre Espanhol Cristobal de Molina, cronista e conhecedor do idioma Queshua, acompanhou pelo menos três expedições armadas que buscaram pela cidade no século XVI. Todas falharam, sendo que em uma delas, um desmoronamento nas montanhas sepultou a maioria dos homens. O religioso chegou ao ponto de alertar futuros exploradores a respeito de uma maldição lançada pelos antigos xamãs. Dizia que espíritos malignos, monstros sanguinários e deuses pagãos habitavam o lugar impondo um regime de terror aos que se aventuravam por aquela região não mapeada. Temia-se muito os espíritos dos antigos xamãs que podiam se transformar em feras assustadoras.

Mas apesar de relatar as inúmeras dificuldades enfrentadas pelos exploradores, haviam aqueles que tinham êxito parcial em suas empreitadas. De tempos em tempos, uma expedição retornava com histórias sobre construções colossais, escadarias abandonadas e templos perdidos no meio da mata. Para apoiar suas narrativas, muitas vezes exageradas e fantasiosas, apresentavam artefatos trazidos desses lugares: ídolos, ferramentas e peças de ouro sólido.


Por séculos a região permaneceu isolada, engolida por uma densa selva fechada. Ainda assim, ela continuava atraindo muitos guaqueros (caçadores de tesouros) que acreditavam nas antigas lendas. Por vezes eles traziam consigo velhos mapas ou se amparavam em alguma descrição feita pelos conquistadores ou outros exploradores. Nativos também compartilhavam histórias sobre a cidade e mencionavam lendas contadas pelos avós de seus avós, ou por antepassados ainda mais distantes.

Em 1973, um grupo de exploradores localizou por acidente uma estranha formação rochosa coberta pela vegetação da selva. Escavando a área eles descobriram o que se mostrou ser uma antiga estrada com calçamento de pedra. Esse caminho os levou até uma enorme escadaria oculta que por sua vez conduzia ao coração de Buritaca. A cidade havia sido inteiramente coberta pela vegetação e era quase impossível discernir os prédios de pedra, ainda que parte de seu traçado arquitetônico fosse perceptível à olho nu. A notícia da descoberta acabou vazando e nos três anos que se seguiram o mercado negro de artefatos arqueológicos do Período Inca foi inundado por notáveis peças. As autoridades acabaram descobrindo que estas haviam sido encontrados nas Montanhas de Santa Marta e que esta vinha sendo explorada por um número cada vez maior de guaqueros.


Apenas em 1976, uma expedição oficial, liderada pelos arqueólogos Gilberto Cadavid e Luisa Fernanda Herrera e auxiliada por guaqueros que serviam de guias, chegou à região. A jornada do vilarejo mais próximo até onde o trecho da estrada foi achada consumiu 12 dias de árdua viagem cortando uma área de vegetação tão fechada que as copas das árvores transformavam o dia em noite. Os exploradores apelidaram lugar de "Inferno Verde" diante das monumentais dificuldades enfrentadas que iam de deslizamentos e chuvas torrenciais, até a presença de cobras venenosas e imensas tarântulas. Seguindo a escadaria de pedra, o grupo atingiu o centro da cidade onde conduziram escavações preliminares que resultaram em descobertas significativas. Fotografias e análises topográficas provaram sem sombra de dúvidas que o sítio, no passado havia sido uma cidade de dimensões consideráveis. 

A descoberta causou grande alarde na comunidade científica, sendo tratada como uma segunda Macchu Pichu. O governo da Colômbia aprovou a exploração do sítio denominado Buritaca 200 logo em seguida. Soldados e engenheiros foram enviados para limpar a área e permitir a construção de um campo de pouso para helicópteros que pudessem abreviar a perigosa jornada pela selva.

Líderes de tribos locais, como os Arhuaco, Koguis e Wiwas, todos descendentes dos Tairona, declararam posteriormente ter conhecimento da existência do sítio e que este era visitado regularmente antes mesmo da ampla divulgação de sua descoberta. Eles teriam mantido silêncio sobre ele como forma de preservar a herança de seus antepassados. Para muitos, o lugar era um tabu, habitado pelos xamãs do passado e portanto não deveria ser perturbado.


Desde seu descobrimento o sítio, batizado com  nome Parque arqueológico Ciudad Perdida Teyuna se converteu num dos mais importantes centros históricos da Colômbia. Do interior das construções foram resgatados incontáveis artefatos posteriormente enviados para museus e instituições não apenas na Colômbia mas em todo mundo. O parque é administrado pelo Instituto Colombiano de Antropologia e Historia (ICANH) que anualmente envia expedições de escavação, mapeamento e recuperação das ruínas. Nos últimos anos as expedições se tornaram ainda mais difíceis em face da presença das FARC na região. Acampamentos de guerrilheiros e narcotraficantes constituíam um enorme perigo para as expedições e muitas delas tiveram de ser canceladas por falta de segurança.

Os arqueólogos que visitaram a Cidade Perdida reconhecem que sabem ainda muito pouco a respeito dela. Menos de 20% da cidade foi escavada, mas expedições mais criteriosas esbarram na falta de recursos. Muitas universidades estrangeiras se ofereceram para conduzir pesquisas no sítio, entretanto, o Governo colombiano é extremamente zeloso a respeito de permitir o acesso de especialistas vindos de outros países, considerando o sítio como um tesouro nacional.

Sem dúvida ainda há uma infinidade de tesouros e mistérios aguardando serem descobertos no local, mas por enquanto, estes segredos continuarão enterrados.  

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