terça-feira, 10 de novembro de 2020

Cinema Tentacular: O que Ficou para Trás: Resenha do Filme da Netflix


O que fazer quando você acredita que deixou inferno para trás, mas ele insiste em acompanhá-lo? 
Esse é o drama dos protagonistas de "O que Ficou para Trás" (His House/ 2020), filme de horror britânico que acaba de estrear no Netflix e que vem chamando a atenção dos espectadores da plataforma de streaming.

Com uma direção segura e francamente bastante assustadora Remi Weekes construiu um filme que foge do lugar comum das casas assombradas e situações familiares que frequentam o gênero. De certa maneira, ele revitaliza esse subgênero do horror, investindo em um roteiro que combina elementos de drama familiar e denúncia a respeito da dramática situação dos refugiados das guerras genocidas da África.    

Nos primeiros 20 minutos, Aquilo que Ficou para Trás, parece mais um drama do que um horror sobrenatural. O pesadelo humanitário é apresentado de forma nua e crua, com a via crucis de um casal sudanês buscando asilo numa fria Grã-Bretanha. 


Bol (Sope Dirisu) e Rial (Wunmi Mosaku) arriscam tudo em uma perigosa travessia num barco superlotado tentando deixar seu país natal partido pela guerra e encontrar a segurança longe da área de conflito. Mas um trágico acidente em alto mar faz com que eles questionem seus motivos depois que a filha morre afogada na travessia. Após essa tragédia e um tempo de luto encontramos os dois vivendo num centro de detenção onde eles aguardam pela regularização de sua situação. Logo no início eles conseguem sua própria casa nos arrabaldes de Londres. O lugar, em terrível estado de conservação, com a parte elétrica caindo aos pedaços e com móveis desgrenhados, parece um barraco mal ajambrado, mas para quem perdeu tudo é um verdadeiro palácio.

O alívio inicial e o sentimento de felicidade, entretanto, são lentamente substituídos pelo medo a medida que eles percebem que não estão sozinhos na casa e uma força maligna está à espreita.


Tendo como cenário uma parte não especificada da Inglaterra, extremamente cinzenta e úmida, o roteiro segue os passos do casal lutando para se ajustar em uma terra cujo exterior é quase tão assustador quanto o interior de sua casa assombrada. Seus encontros com vizinhos e demais habitantes são ásperos e desagradáveis, o que demonstra claramente que ser tolerado, é algo muito diferente de ser bem vindo. Nesse panorama, adaptação parece difícil, para não dizer impossível.

Obrigados a seguir uma lista estrita de regulamentos comunicada por um aparentemente indiferente funcionário da imigração (Matt Smith), o casal precisa demonstrar que está se adaptando, sob o risco de ser mandado de volta para seu país natal. 

Aí é que começa o terror. 


De início as coisas parecem discretas, mas a escalada de horror é vertiginosa. Logo o casal passa a entender que trouxe consigo da África algo perverso e interessado em destruir sua chance de felicidade. O peso da culpa e o devastador efeito de uma existência vazia torna a narrativa ainda mais claustrofóbica. É claro, existe um terrível segredo compartilhado pelo casal, algo que eles preferiam esquecer, mas que é constantemente jogado em sua face pela força diabólica que os atormenta. Eles não são, no final das contas, vítimas do acaso, existe uma razão para um espírito maligno estar habitando atrás de suas paredes, explorando suas emoções e tentando levá-los a loucura. 

Enquanto Bol tenta se tornar parte da cultura que o recebeu, sua esposa, Rial, entende que de nada adianta fingir que tudo está bem. Ela é a primeira a compreender a natureza da coisa que está atrás deles e o que a entidade pretende.

Em meio a intimidação do ambiente e das pessoas, os dois acabam se fechando na casa que se torna uma espécie de prisão da qual não existe escapatória. A medida que a relação dos dois vai se deteriorando, a casa em que vivem também parece cada vez mais dilapidada. 


O casal de protagonistas Mosaku e Dirisu são perfeitos e concedem uma carga emocional devastadora que acompanha o ritmo do filme. Trilha sonora e efeitos simples, mas extremamente convincentes completam a produção extremamente bem cuidada. As cenas em que o espírito manipula a percepção dos personagens para atacá-los são nada menos do que sinistras, ainda mais quando intercalam flashbacks da fuga e imagens surreais do acidente em alto mar.

Ao longo de apenas 93 minutos de duração, O que Ficou para Trás consegue transmitir uma experiência de horror turbulento e incômodo que vale a pena ser conferida.

2 comentários:

  1. Ótima surpresa, gostei muito deste filme. A cena da mulher na vizinhança me lembra as estranhezas de Jacob's ladder

    ResponderExcluir