terça-feira, 24 de novembro de 2020

Os Crimes no Canavial - O Feiticeiro assassino da Indonésia


Um dos mais horrendos casos de assassinato em massa da história envolvia a crença em feitiçaria e poderes mágicos.

Em meados de 1980, um homem chamado Ahmad Suradji trabalhava como criador de gado em Medan, a Capital da Província do Sumatra. Embora ele fosse apenas um simples trabalhador rural, contava a todos que descendia de uma longa dinastia de feiticeiros nascidos com um dom natural para a magia. Ele apontava uma tatuagem como a marca do feiticeiro e alegava ter nascido com aquela marca que denotava sua herança mística.

Suradji costumava contar vantagem para todos à sua volta, afirmando que havia estudado as artes negras, complementando assim sua sabedoria inerente com conhecimento adquirido em livros proibidos. Livro estes escondidos em bibliotecas ocultas e oferecidos apenas a iniciados na magia negra. Ele também se vangloriava de ter sido pupilo de poderosos xamãs que viviam nas montanhas e de curandeiros que realizavam verdadeiros milagres com nada além das mãos nuas. Dizia ser capaz de matar com um olhar, curar todas as doenças do corpo e da alma e até realizar a maior das proezas, operar a ressurreição dos mortos. Embora muitos o considerassem na melhor das hipóteses um contador de vantagem e na pior um demente, ele acabou criando uma aura de mistério ao seu redor. Alguns achavam que aquele sujeito simplório dominava segredos milenares.


Suradji havia estabelecido uma certa reputação, muito além do seu histórico de delinquência juvenil e roubo, atividades que marcaram sua vida até então. Ele buscou se separar desse passado, fabricando (ou melhor, inventando) uma vida pregressa. Apresnetando-se como um curandeiro conceituado ele passou a oferecer seus serviços e aconselhamento aos que o buscavam. No início dos anos 90 vivia em uma cabana decadente e isolada, mas aos poucos as coisas começaram a melhorar. Ele era chamado de Datuk Maringgi, ou Grande Bruxo, pelos que o procuravam. Diziam que ele tinha ao seu alcance o poder de trazer saúde, beleza e dinheiro através de barganhas e rituais. Em certa ocasião, ele afirmou ter sido o responsável por criar uma tempestade que varreu a capital do país provocando centenas de mortes. Suradji disse ter causado essa catástrofe para mostrar aos políticos do que era capaz. Isso lhe valeu ainda mais fama e reconhecimento popular. Para muitos era inegável que aquele sujeito franzino tinha em suas mãos vastos poderes sobrenaturais. 

A fama foi boa para Suradji que passou a viver em uma casa comprada com doações de seus clientes. Sua agenda de atendimento estava cheia e ele oferecia a alguns poucos escolhidos a oportunidade de aprender seus segredos, aceitando aprendizes. 

Mas ainda que ele parecesse apenas mais um farsante como tantos outros que alegam ter faculdades especiais e exploram a ignorância das pessoas, havia um segredo macabro oculto. Suradji teria um lugar garantido na história da Indonésia como um dos criminosos mais prolíficos do país, protagonista de um caso medonho que transbordava para o reino do paranormal e da bizarrice.

De acordo com o próprio criminoso, tudo começou com um sonho.


Suradji contou que seu pai, um suposto feiticeiro o visitou em um sonho. A experiência foi tão vívida e real que Suradji ficou em estado de choque por alguns dias, atônito com o incidente. A mensagem do pai era clara e determinava o que o rapaz deveria fazer para se igualar em poder e clamar para si a sua herança mística. O espírito disse que Suradji precisava beber o sangue, as lágrimas e a saliva de 70 mulheres para aumentar seus poderes sobrenaturais e no processo ganhar a imortalidade. Parecia uma tarefa difícil de ser completada, mas Suradji não duvidou em momento algum que seria capaz de cumprir. Ele, tampouco questionava o resultado, aos seus olhos, o sinal era inequívoco. O pai o procurou de além túmulo em forma espiritual e disse o que deveria ser feito. Ele não iria questionar esse sinal. Após jejuar por dias e meditar, ele chegou a conclusão que a melhor maneira de coletar os fluidos, seria simplesmente matar as mulheres e tomar à força. Ele diria mais tarde:  

"Meu pai não me aconselhou a matar ou cometer crimes. Mas eu sabia que levaria muito tempo convencer 70 mulheres a me entregar de bom grado aquilo que eu precisava, e eu tinha pressa. Eu sabia que não poderia esperar. Por isso tomei a decisão de matar".  

Para atrair suas vítimas, Suradji oferecia a elas seus serviços sobrenaturais para resolver problemas e remover obstáculos. O Datuk Maringgi já era bastante conhecido pelos seus rituais e por lançar magias que visavam curar, matar ou atrair boa sorte. Pessoas vinham de longe para buscar seu aconselhamento e sabedoria e ele escolhia entre elas suas vítimas. Aproveitando essa confiança estabelecida, Suradji atraia mulheres até lugares isolados com o pretexto de conduzir rituais especiais. Um destes lugares era um canavial abandonado próximo de sua casa que servia perfeitamente aos seus planos. O monstro então dominava suas vítimas, as imobilizava e amarrava em uma clareira no centro da plantação. Lá ele tinha todo tempo de que precisava. Para extrair a saliva obrigava as prisioneiras a cuspir em sua boca e lambia as lágrimas que escorriam pelo rosto delas. Já o sangue, o assassino obtinha fazendo pequenos cortes para verter filetes lambidos diretamente do corpo.


Durante o ritual ele as enganava, dizendo que as libertaria tão logo terminasse. Mas em nenhuma oportunidade essa promessa foi cumprida. O feiticeiro eliminava suas vítimas cortando suas gargantas e deixando que se afogassem em seu próprio sangue. A seguir, ele as enterrava com a face voltada na direção de sua casa para que elas assistissem suas realizações.

A loucura demente de Ahmad Suradji se estendeu por um período de 11 anos, no qual ele produziu mais de 40 vítimas com idade entre 12 e 30 anos. Em um determinado momento ele precisou desenterrar cadáveres para acomodar novas vítimas. As autoridades suspeitavam que um assassino estava agindo, mas não imaginavam o tamanho do horror que enfrentavam. A polícia só chegou ao nome do Bruxo quando começou a investigar o desaparecimento de uma mulher chamada Sri Kemala Dewi.

Dewi, de 21 anos havia ido até a casa de Ahmad Suradji no dia 24 de abril de 1997, contrariando suas instruções de manter em sigilo a visita. Ela fez um conhecido leva-la até lá pedindo que ele não contasse a ninguém. Contudo, quando Dewi desapareceu o amigo procurou a polícia. Detetives começaram então a desconfiar do místico e decidiram vigiar seus passos. Descobriram que ele tinha o estranho costume de entrar no canavial à noite e ficar lá por horas. Dois investigadores decidiram vasculhar, eles sentiram um forte fedor de podridão vindo de algum lugar no interior, mas não foram capazes de localizar a clareira. Ainda assim, os dois acharam uma bolsa com documentos de outra vítima desaparecida há três anos.

Com esse forte indício, a polícia visitou a casa do bruxo e enquanto o interrogava, uma equipe fazia buscas no canavial. Suradji tentou se eximir de qualquer culpa, dizendo desconhecer o nome e fotos das mulheres desaparecidas, ainda que uma busca na casa tenha revelado uma mala com objetos que mais tarde foram confirmados como pertencentes a suas vítimas. Ao mesmo tempo, o grupo de peritos conseguiu chegar até a clareira medonha onde apodreciam os cadáveres de Dewi e das demais mulheres.

Diante da descoberta, o assassino simplesmente sorriu e reconheceu sua culpa: "Vocês me pegaram", disse tranquilamente. Durante o interrogatório concedido aos atônitos investigadores, ele contou o seguinte: 

"Nós todos somos seres humanos, temos nossas forças e nossas fraquezas. Se minha contagem está correta, eu matei 42 mulheres. Não me arrependo! Fiz isso com um propósito. Eu não esperava ser apanhado, não queria ser apanhado como alguns disseram. Eu desejava ter completado a minha meta. Mas não tentei fugir quando a polícia me visitou, pois eu estava resignado de meu destino". 


Nas semanas seguintes, Suradji foi conduzido até o canavial repetidas vezes. Ele se mostrou totalmente cooperativo com as autoridades e os auxiliou a localizar e identificar vários dos cadáveres recuperados na plantação. De fato, como ocorre com muitos assassinos em série, ele parecia estar feliz com a atenção que recebia, ainda que fosse considerado o homem mais odiado da Indonésia.

Apesar de sua ajuda, a polícia acreditava que Suradji havia feito muitas outras vítimas cujos corpos jamais foram encontrados. Consideravam que na casa do assassino foram encontrados objetos pessoais de outras mulheres desaparecidas. Contudo, para todos os efeitos, o responsável se limitou a reconhecer a morte das 42 mulheres encontradas nas proximidades de sua casa. 

O julgamento de Ahmad Suradji foi um acontecimento único na história judicial de seu país. Durante os procedimentos ele fez acusações que implicavam uma de suas três esposas, chamada Tumini, afirmando que ela teria participado dos planos de pelo menos uma dúzia de mulheres. Seu papel era escolher e convencer as mulheres a confiar em seu assassino. Tumini também esteve presente em alguns crimes tranquilizando a vítima amarrada no centro do canavial. Finalmente, ela teria admitido ter ajudado a cavar e enterrar os restos, em troca de receber anéis, pulseiras e até peças de roupa das vítimas. Uma busca em sua casa revelou vários objetos pessoais que foram reconhecidos por parentes e amigos de vítimas. Acusada, a cúmplice disse que o marido havia cometido mais de 70 crimes, ainda que ela não tivesse provas para sustentar essa acusação.

No final dos procedimentos, os jurados consideraram Suradji culpado e o sentenciaram a morte. As três esposas dele, que no final se descobriu serem irmãs também foram condenadas à prisão perpétua, como cúmplices, mas posteriormente libertadas. O feiticeiro ao ouvir a sentença disse que não temia a morte e que seus poderes lhe garantiriam a vida eterna, mesmo que fosse executado. De fato, até a data da execução, ele se gabava de que não seria ferido e que qualquer um que tentasse matá-lo seria vitimado por uma maldição letal. Acredita-se que por essa razão o método escolhido para eliminar o assassino tenha sido o fuzilamento. Dos dez soldados reunidos para a tarefa, metade deles tinha em suas armas balas de festim e os demais balas reais. Assim, ninguém saberia quais dentre eles havia desferido o disparo fatal. O corpo do feiticeiro foi examinado posteriormente e descobriu-se que apenas um tiro havia o atingido, mas que este fora suficiente para causar sua morte.

Na Indonésia, um país em que a magia é vista como real e muitos habitantes supersticiosos recorrem a feiticeiros, muitas pessoas  consideraram o caso do Dutuk Maringgi como uma transgressão do uso da magia. Um curandeiro local comentou: "O caso desse Feiticeiro é uma aberração. Se o indivíduo não possui a educação adequada e o professor correto, coisas ruins como essa podem acontecer".

De fato, o incidente manchou bem pouco a fama de feiticeiros e bruxos que continuam sendo um importante aspecto da vida cultura local, mesmo num país majoritariamente islâmico que trata magia com enorme severidade. Especialistas em magia negra e intermediadores espirituais continuam sendo muito comuns, podendo ser achados facilmente tanto em grandes cidades quanto nas zonas rurais. O mundo ocidental pareceu bem mais chocado com os aspectos aterradores desse caso envolvendo um serial killer do que o povo da Indonésia.

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