terça-feira, 8 de dezembro de 2020

R'Lyeh - Os Segredos da Morada Profana do Grande Cthulhu


Mencionada em vários tomos de conteúdo arcano e compêndios esotéricos ligados ao Mythos, a tenebrosa cidadela submersa de R'Lyeh (diz-se Ri-liê) é a conhecida morada do Grande Cthulhu e sua horda.

Localizada nas coordenadas 47 9' S, 126 43" W no Pacífico Sul, há diferentes interpretações quanto ao tamanho e forma da cidade. Em alguns textos é dito que R'lyeh fica em uma grande ilha com quilômetros de extensão, em outros ela é tratada como uma cidade tão vasta que atinge proporções condizentes em tamanho a um continente. É possível que as várias interpretações sejam decorrentes de experiências oníricas que raramente são fontes perfeitas. Uma presunção largamente aceita é que a cidade deveria comportar uma população de seres de dimensões titânicas, tendo o Grande Cthulhu ao menos 40 metros de altura, pode-se supor portanto que a cidade seria imensa.

Também são muitas as interpretações sobre o que representa R'Lyeh. 

É consenso entretanto que a cidade foi construída pelo Grande Cthulhu e seus seguidores no momento em que estes chegaram a Terra há milhões de anos no passado remoto do planeta. Nunca ficou claro se a Ilha/Continente já existia ou se Cthulhu foi o responsável por trazer a massa de terra onde a cidadela seria erigida das profundezas submarinas. Segundo alguns textos religiosos escritos pela raça dos Abissais, R'Lyeh seria o local original de nascimento de sua espécie, oferecida a Cthulhu como presente pelo povo submarino. Uma demonstração de sua devoção e subserviência. Com seus poderes, o Grande Antigo teria ordenado que a cidadela se erguesse das profundezas e fosse moldada para melhor atender suas necessidades como morada definitiva.

Alguns estudiosos do Mythos afirmam contudo que R'Lyeh teria sido construída com um propósito muito mais prático: defender o Grande Cthulhu de seus inimigos. Quando o Grande Antigo chegou à Terra, imediatamente entrou em guerra com a Raça Ancestral (Elder Things) que já habitava o planeta há muito tempo. 


R'Lyeh seria um baluarte inconquistável, uma cidadela de onde Cthulhu podia coordenar suas Crias Estelares no esforço de guerra e se defender de qualquer ameaça que surgisse, O fato da Raça Ancestral, uma espécie possuidora de tecnologia avançada, com vasto saber nuclear jamais ter conseguido conquistar ou aniquilar R'Lyeh contribui para seu status lendário.

Painéis com qualidade artística criados pelos artistas da Raça Ancestral e encontrados em sua cidade na Antártida mostram R'Lyeh como uma espécie de fortificação. A capital inexpugnável e porque não dizer, cabeça de ponte usada por Cthulhu em sua missão de conquista. Os mesmos painéis mostram cenas da titânica guerra com milhares de seres da Raça Ancestral e  gigantescos Shoggoths, investindo contra as muralhas esverdeadas da cidadela, defendidas por Crias de Cthulhu. Exércitos de Abissais e outras monstruosidades indescritíveis também participam desses combates titânicos que devem ter chocado esse mundo atávico.

A construção de R'Lyeh parece ter sido empreendida pelas próprias Crias Estelares (gigantes semelhantes ao próprio Cthulhu, também chamados de Xothianos). A matéria prima de R'Lyeh é composta de rochas extremamente resistentes removidas dos abismos submarinos. Tais pedras ciclópicas de coloração esverdeada foram talhadas pelos servos de Cthulhu na forma de blocos gigantescos pesando milhares de toneladas. Em seguida os blocos foram ordenados em uma grandiosa muralha, compondo a primeira defensa da cidadela. Atrás destas muralhas, haviam outras construções: prédios, templos, obeliscos cujo propósito só podemos supor. É justo, no entanto, afirmar que em seu auge, R'Lyeh hospedou a maioria dos Xothianos que acompanharam Cthulhu em sua peregrinação espacial. Tratava-se portanto de uma cidade, um quartel, um templo e uma capital. Daí a importância de R`Lyeh. 

Os Abissais foram responsáveis por adornar R'Lyeh com uma rica coleção de colunas, estátuas, baixo-relevos e elevados. Isso explica a presença de uma arquitetura mais ou menos humanóide que por vezes confunde os visitantes e os inspira a pensar que algumas partes da cidade decorre de engenheiros humanos de um passado remoto. Foram ps Abissais também que cobriram as paredes dos prédios com curiosos textos hieroglifos (os conhecidos Glifos de R'Lyeh) que constituem um testemunho indecifrável dessa época ancestral. 

Dentre as obras de estatuário que adornam a cidade, encontramos uma infinidade de estátuas do Grande Cthulhu. Em diferentes tamanhos e formas, elas estão em todo canto, em fachadas e no alto de pórticos, no centro de praças e em monumentos grandiosos. Muitas delas possuem um perturbador realismo que faz com que o observador imagine estar diante do próprio Lorde da Cidadela decrépita. Algumas dessas estátuas foram danificadas e outras acabaram sendo removidas da cidade, oferecidas a cultistas e sociedades secretas que as tem como artefatos intimamente ligados ao Deus Cthulhu. Uma das estátuas na decadente cidade de Innsmouth teria sido removida das profundezas pelos Abissais e entregue aos híbridos que dominavam a pequena cidade pesqueira localizada na Nova Inglaterra. Há boatos de que a medonha estátua em poder de um culto vodu em Nova Orleans também teria vindo de R'Lyeh. De toda forma, a matéria prima dessas estátuas tende a ser um enigma para os que analisam sua composiçãOo geológica. 


Uma das características principais de R'Lyeh diz respeito a sua arquitetura absolutamente alienígena.

A aludida Geometria não-Euclidiana empregada pelos Xothianos não faz sentido para a mente humana. É virtualmente impossível entender os conceitos ou a maneira como pórticos, arcos e linhas foram concebidos e como eles se mantém de pé. Do ponto de vista humano a cidade parece um amontoado de passagens e construções que desafiam a noção de normalidade. Vagando pelas tortuosas ruas de R'Lyeh é impossível saber se está subindo ou descendo, se uma escada conduz ao topo de uma estrutura ou para o pavimento inferior, se o lado examinado é o direito ou esquerdo. 

É possível andar por uma viela e se distanciar do ponto para onde se está seguindo. Plataformas e escadarias que cruzam a cidade de um lado a outro se erguem em ângulos inconcebíveis e a base de construções gigantescas parecem incapazes de conter tamanho peso. Não é exagero dizer que estudar a bizarra arquitetura de R'Lyeh pode levar uma pessoa a loucura. A mente humana não está preparada para conceitos que extrapolam a noção de três dimensões e a exposição prolongada a essas condições pode causar desorientação, náusea e confusão mental. Em alguns casos a condição pode ser permanente e a vítima vir a sofrer de uma severa agorafobia até o fim da vida.

Através de manuscritos sabe-se que uma catástrofe atingiu R'Lyeh em algum momento do passado remoto da Terra, possivelmente por volta de 850 milhões de anos atrás. A causa desse cataclismo pode ter sido um evento astronômico, o dramático resultado da Guerra contra os Deuses Antigos (Elder Gods) ou uma arma secreta desconhecida da Raça Ancestral. Não há um consenso, mas os efeitos dramáticos que antecederam a hibernação do Grande Cthulhu constituem um dos momentos chaves na existência do planeta. 

Seja qual for a razão que levou R'Lyeh a afundar sob as ondas do Oceano Pacífico, o fato é que ela se  tornou a partir de então, o Sepulcro para Cthulhu e seus seguidores. Esse evento de proporções cósmicas, implicou em um efeito imediato que forçou o Grande Antigo a um estado de inatividade que muitos comparam com a morte. Contudo, o Deus primevo não está morto, pois sonha...

Enquanto dorme profundamente, nem mesmo o transcorrer de uma ou mil eras podem decretar a morte de Cthulhu. Esse é aliás um dos mantras repetidos à exaustão pelos seus fanáticos cultistas ao redor do globo: 

"Não está morto o que pode eternamente jazer,
e em incontáveis eras, mesmo a morte pode morrer

Em seu sepulcro na decrépita R'Lyeh,
o morto Cthulhu aguarda, sonhando".


Embora R'Lyeh tenha submergido, certas condições específicas fazem com que a cidadela venha à superfície de tempos em tempos. Em períodos pré-determinados por alinhamentos estelares, R'Lyeh rompe a superfície e surge em sua esplendorosa glória. Quando isso ocorre, as emanações telepáticas do Grande Cthulhu se tornam mais poderosas levando a levantes de fervor religioso, insanidade em massa e distúrbios ao redor do mundo. Existe a confirmação de tsunamis, maremotos, atividade sísmica e vulcânica associada a esses momentos. É possível que mais de uma catástrofe do passado tenha sido ocasionada pela convulsão de R'Lyeh.

A última vez que a Cidade decrépita emergiu foi em 1925 e o acontecimento foi relatado no trabalho redigido pelo Professor George Gammell Angell da Universidade Brown, bem como na Narrativa de Johansen, o capitão do navio Alert, cuja tripulação explorou pessoalmente a cidadela.

A maioria das descrições de R'Lyeh são aliás originárias dessas duas fontes. 

Os devaneios causados pelas emanações telepáticas do Grande Cthulhu em tempos de estrelas favoráveis, permite que o Deus toque a mente de pessoas sensíveis, enviando a elas sugestões e visões bastante nítidas de seu lar submerso. Essas pessoas sonham com o surgimento de R'Lyeh das profundezas e com a exploração de suas ruas e arquitetura. Não raramente essas mesmas pessoas experimentam um surto de inspiração artística macabra que as leva a compor, escrever, pintar ou moldar peças baseadas nas visões que experimentaram. A arte dos tempos antigos pode ter sido mesmo influenciada pelas visões e alguns cultistas acreditam piamente que Cthulhu seria um patrono da arquitetura e da engenharia, por mais bizarro que seja essa noção.

Outra fonte de informações sobre R'Lyeh decorre de lendas compartilhadas por marinheiros e velhos homens do mar. No folclore dos sete mares, sussurrado e temido, existe uma infinidade de estórias sobre cidades submersas que rompem a superfície atraindo navios e tripulações para um terrível fim. 

Em se tratando de R'Lyeh, não poderia haver destino mais mortal.

Na Polinésia e Sul do Pacífico, há uma fartura de lendas e mitos sobre cidades submarinas que vem à superfície de tempos em tempos, marcando o prenúncio de eras e horrores inenarráveis. De fato, mais de um mito sobre o Fim dos Tempos envolve justamente o surgimento de cidades das profundezas. 

Segundo a descrição de Johansen, R'Lyeh é uma ilha com aproximadamente 20 quilômetros de lado a lado. Várias praias e baías surgem recortadas na costa tomada por densa concentração de algas e Sargaço tão espesso que em certos pontos pode suportar o peso de um homem adulto. Essa vegetação marinha de coloração verde-oliva adere a qualquer superfície como piche. Quando atingida pelo sol, as algas ressecam rapidamente exalando um odor profundo de corrupção.

A planta da cidadela colossal jaz distribuída na base de uma rocha plana que faz parte de um mega-platô obsidiano com vários aclives e declives. A muralha que cerca a cidadela foi erguida com imensos blocos de pedra de coloração verde doentia e é dotada de passagens ogivais com mais de 30 metros de altura. Guiar-se pelo local é desconcertante devido ao tamanho titânico dos degraus e escadas que precisam ser galgados, sem falar na arquitetura enlouquecedora. O interior de R'Lyeh é pavimentado com paralelepípedos úmidos e gotejante, coberto de algas, limo, sargaço e animais trazidos das profundezas. Imensas piscinas se formam em depressões mais profundas e vias são inundadas pela água salobra. O odor opressivo da maresia é desconcertante, com o vento soprando um ar salgado e pungente.
























Os prédios em ruínas com enormes domos abaulados, torreões com horrendas gárgulas acocoradas e portões arqueados ocultam interiores sombrios de escuridão quase indevassável. Sons guturais podem ser ouvidos emergindo desses interiores pérfidos: sussurros, gorgolejo e arrotos. Em alguns momentos cânticos blasfemos que não poderiam ser produzidos por gargantas humanas emergem do interior de fossos escuros. Prédios decrépitos servem como o lar de formas de vida inumanas: Xothianos, mestiços dos Abissais e possivelmente crias do próprio Grande Cthulhu, como Ghatanathoa e Zoth-Ommog. 

Aqueles que exploram esses fossos ignotos, atraídos pela curiosidade ou loucura raramente retornam, embora haja rumores sobre pessoas que trouxeram destes, tesouros e relíquias como nunca antes vistas. Tais objetos valiosos, removidos de uma infinidade de naufrágios ao longo das eras e depositados com reverência pelos abissais, cobrem o chão desses antros imemoriais.

Os arredores de R'Lyeh possuem áreas fervilhando com nodos de energia desconhecida. Pináculos são iluminados por eletricidade crepitante que serpenteia de um lado para o outro como se fosse algo vivo e pulsante. Por vezes, raios são atraídos do céu e captados por essas estruturas. Descargas elétricas viajam de um pináculo para outro criando faíscas selvagens que iluminam a paisagem com um fulgor sobrenatural. Indivíduos atingidos por essas descargas desaparecem de imediato. Já foi conjecturado que esse é um sofisticado sistema que permite se locomover de um extremo da cidadela para outro através da dissolução dos átomos. A teoria contudo jamais foi comprovada pois ninguém atingido foi visto novamente.

Há rumores que Guardiões especialmente designados para proteger R'Lyeh. Estes protetores habitam cavernas e grutas na base da ilha em cavernas inacessíveis. Tais criaturas amorfas vagam pelos dutos inundados ou se esgueiram pela fachada dos prédios em ruínas, dispostos a agarrar e puxar os invasores para o interior de um dos prédios em ruínas. Tais criaturas destituídas de vontade própria podem muito bem ser descendentes de Shoggoths capturados e alterados pela ciência e magia dos Abissais. Em uma narrativa, parte da tripulação de um navio desembarca para explorar a ilha e (certamente) após viver situações desesperadoras retorna apenas para encontrar seus companheiros mortos e a embarcação destruída por entidades amorfas.   

A mais magnífica construção da cidadela se ergue no alto de uma espécie de palatino ladeado por duas dúzias de obeliscos de pedra escura perfilados. Estranhos símbolos foram esculpidos nestes obeliscos que descrevem toda a história de R'Lyeh. Afortunadamente os Glifos de R'Lyeh são quase indecifráveis, mas compreender o mínimo do que está escrito ali é o bastante para enlouquecer. Dizem que a Cidade sem Nome no centro do deserto da Arábia possui essa mesma história nos seus pilares. O lendário árabe louco Abdul Al-Hazred teve acesso a elas em suas Peregrinações e as descreveu no Necronomicom. 


O que torna esse prédio tão singular é a aura de maldade, ameaça e simbolismo profano que a permeia. Trata-se do Sepulcro do Grande Cthulhu que dorme por detrás de colossais portões maciços adornados pelo Símbolo Ancestral.

A menor perturbação dessas portas desperta o Grande Cthulhu e faz com que ele busque punir aqueles tolos o bastante para interromper seu sono. Em 1925, quando o Deus Adormecido despertou pela última vez, parte da tripulação do Alert foi varrida pelas garras inclementes de Cthulhu enquanto os demais enlouqueciam numa tresloucada fuga. Cthulhu os seguiu, deixando um rastro de morte e cadáveres esmagados.

Sabe-se que R'Lyeh está fadada a emergir um dia em caráter permanente, mas até essa data fatídica, a cidadela ou partes dela podem aparecer por curtos períodos de tempo. Algumas horas ou até mesmo alguns dias dependendo da conjunção que a trouxe à superfície. Ao retornar para seu lugar de descanso nas profundezas, a submersão causa fortes ondas que viajam velozmente podendo se tornar tsunamis devastadores. Já foram feitas especulações de que o tsunami que atingiu  mar do sul da China em 1782 (deixando mais de 70 mil mortos) possa ter sido causado pela submersão de R'Lyeh.

Não podemos imaginar quando a cidadela virá à tona novamente, mas quando acontecer é claro, sua presença nefasta se fará sentir não apenas no Pacífico Sul, mas na mente dos homens em todo planeta.

Enquanto isso, Cthulhu aguarda, pois o tempo está ao seu lado, como sempre esteve.

3 comentários:

  1. O engraçado é que foi mais ou menos nessa região do Pacífico que gravaram aquele Bloop kkk

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  2. Mais uma vez, excelente artigo, King!

    E agora finalmente tenho a pronúncia correta da cidade!

    Obrigado!

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  3. 'próprios', 'composição'. excelente artigo. regado com referências e informações interessantes.

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