terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Seres de Ib - Os Habitantes da Cidadela de Pedra Cinzenta


Muito antes dos humanos conquistarem a Terra de Mnar, uma Cidadela de Pedra Cinzenta existia à beira de um lago sem nome.

Dizem as lendas que a cidadela não foi construída, simplesmente surgiu em uma noite de lua cheia, aparecendo onde antes não havia nada. Os poucos que a conheciam, chamavam o lugar de Ib, mesmo sem saber quem havia dado esse nome ou o seu significado.

As casas de pedra em Ib tinham uma arquitetura incomum, com ângulos retos, em formato de caixote e encimadas por estranhas cúpulas oblongadas. Lado a lado, as casinhas quadradas se espalhavam ao longo da margem do lago plácido. Eram construções rústicas de ardósia cinzenta que lhes concedia um aspecto grosseiro. Sua distribuição era incerta, sem respeitar ruas ou espaçamento entre as construções. Essas casas não tinham janelas ou adornos, parecendo todas iguais, as portas, meros losangos na fachada frontal conduziam às moradias de um único cômodo. Lá dentro; escuridão completa. Os moradores não viam necessidade de lareiras ou fogareiros. O interior ermo era dominado por estruturas de pedra bruta, coral branquicento e uma alga esverdeada, comum em todo entorno do lago. A mesma alga se espalhava pelas vielas tortas, depositadas nos cantos e ali deixadas para apodrecer ao sol.

As únicas construções que se destacavam, além das casas, eram monólitos de pedra escura, raiada com veios esverdeados que se espalhavam pelo que poderia ser considerado os limites da cidadela. Esses monólitos variavam em altura, alguns com metro e meio, outros com mais de três metros. Aos pés deles, ajuntava-se montes de alga seca, usada para acender fogueiras em noites específicas quando as pedras assumiam importância nos rituais religiosos. Muito se perguntou a respeito da origem desses monólitos, mas ninguém foi capaz de determinar que tipo de pedra era aquela que lhes dava forma. Não era natural de nenhum lugar de Mnar, disso todos tinham certeza.


Próximo da orla do lago, descansando em um tipo de pedestal maciço despontava o único monumento trabalhado de Ib. Era uma estatueta verde-mar, cinzelada no formato de uma criatura reptiliana, um monstro de aparência desagradável e maligna enrodilhado como uma serpente prestes a dar o bote. Diziam que aquele era Bokrug, o Senhor do Lago, espécie de Dragão aquático que habitava as profundezas onde dormia. Era a divindade principal da Cidadela, talvez a única. 

Os estranhos Habitantes de Ib jamais foram encontrados em outros lugares de Mnar e ninguém conhecia suas origens. Raramente se afastavam do entorno do lago e dos limites de sua cidadela cinzenta, fazendo-o apenas para coletar algas nas margens mais afastadas ou para pescar peixes, camarões e caranguejos que habitavam os bancos de areia e eram facilmente capturados e depositados em cestas de alga trançada. 

Esses Seres de Ib, que assim passaram a ser genericamente conhecidos, eram incrivelmente estranhos aos olhos dos humanos. Não era apenas a aparência deles que causava incômodo, mas algo em seus modos evidenciava um elemento não-natural, como se eles fossem absurdamente inadequados. De fato, os primeiros homens que os viram se sentiram imediatamente incomodados por eles. Achavam-nos asquerosos e sempre que os encontravam buscavam se afastar e mantê-los o mais longe possível. Os primeiros exploradores que os encontraram os descreviam em termos gerais como "detestáveis" e essa parecia ser a impressão geral de todos.

É difícil explicar os fatores que causavam a total incompatibilidade entre humanos e os Seres de Ib. Alguns conjecturam se não haveria um elemento oculto, um tipo de memória genética adormecida que deflagrava uma aversão natural. Contudo, é possível que o sentimento fosse puramente derivado de preconceitos e antipatias formados ao longo de uma convivência forçada. 


Fisicamente eram humanoides com estatura média entre 1,40 e 1,70, pesando não mais do que 60 quilos. A pele fina e elástica, tinha um tom verde oliva, podendo assumir uma coloração verde escura ou acinzentada quando eram afastados de fontes de água. Eram totalmente lisos, úmidos e gelados ao toque. Eles não possuíam cabelos ou pelos corporais, mas seus corpos tinham verrugas na barriga, genitais e pescoço. Tudo indica que os Seres de Ib fossem anfíbios, adaptados a vida dentro e fora d'água, começando suas existências na água e fazendo a transição para a terra sem jamais, entretanto, se afastar de áreas alagadas. Não há menção a respeito de filhotes e não se sabe como se dava a reprodução da espécie. Tampouco se sabe se eles possuíam alguma divisão sexual.

As características mais marcantes dos Seres de Ib dizem respeito a sua feiura pungente o que era amplamente citado pelo povo de Sarnath. O rosto era marcado por pústulas, emoldurado por grandes olhos esbugalhados, bocas largas com lábios moles e caídos, curiosas orelhas e fossas nasais gotejantes. Os braços e pernas eram compridos e finos, pouco musculosos e não muito articulados. As mãos e pés terminavam em quatro dedos de mesmo tamanho e com pequenas garras. Camadas de pele fina ocupavam o espaço entre os dedos. Ao andar, o faziam com um gingado, deixando pegadas úmidas por onde passavam. Suas secreções exalavam um odor pungente e desagradável reminiscente de amônia. 

Nunca se soube de Seres de Ib eram capazes de se comunicar verbalmente, mas sabe-se que eles  produziam um ruído roufenho semelhante a um coaxar. Esse ruído podia ser ouvido mais frequentemente quando as criaturas estavam sob algum tipo de excitação, muito embora ele não parecesse ser um idioma. O coaxar podia ser ouvido sobretudo nas noites de lua cheia durante os rituais realizados em Ib.

As cerimônias invariavelmente envolviam um tipo de reunião aos pés dos monólitos de pedra espalhados pela cidadela. As criaturas acendiam piras na base dos monólitos e dançavam grotescamente ao redor deles executando saltos e rodopios. Por vezes as evoluções eram acompanhadas do coaxar característico, de chocalhos e flautins que ditavam um ritmo mais ou menos cadenciado. Os rituais sempre terminavam perto da estátua de Bokrug que ocupava um lugar de destaque na cidadela. As criaturas batráquias se atiravam diante da estátua e segundo testemunhas realizavam sacrifícios de tempos em tempos. Esse boato levantou suspeitas de que os Seres de Ib conheciam e dominavam um tipo de feitiçaria. 


Foram esses rumores que deram aos humanos o pretexto para atacar Ib e massacrar seus habitantes. Quando Sarnath ainda era jovem e a população não chegava a 5 mil, espalhou-se um boato que os Seres de Ib eram os responsáveis pelo sumiço de crianças na calada da noite. Não se sabe o número exato de vítimas e se os de Ib realmente estavam envolvidos, mas isso serviu para mobilizar os guerreiros de Sarnath num violento ataque. Até onde se sabe, não houve reação além de tentativas de fuga. O massacre, uma vez iniciado, prosseguiu por um dia e meio. Quando concluído todos os Seres de Ib haviam sido exterminados. Os corpos foram lançados no lago que assumiu uma cor verde escura, possivelmente decorrente da cor do sangue dessas criaturas.

Sabe-se que a vingança dos Seres de Ib eventualmente atingiu Sarnath e que ela envolveu diretamente o Deus Bokrug. Tal vingança, identificada pelo sacerdote Taran-Ish como uma Maldição demorou um milênio para atingir Sarnath, mas quando se abateu sobre a cidade em seu ápice, atingiu proporções catastróficas por meio de enchentes devastando a cidade por completo.

Também foi mencionado que criaturas semelhantes aos Seres de Ib surgiram em meio ao nevoeiro que se ergueu do lago e pousou sobre diferentes distritos de Sarnath. Estes seres foram responsáveis por massacrar boa parte da população, sobretudo aqueles que estavam no Palácio Real por ocasião das festividades da vitória sobre Ib. Como os seres de Ib conseguiram promover essa chacina é um mistério, visto que até então eles haviam se mostrado combatentes de pouca habilidade.

Poucos textos devotados ao Mythos de Cthulhu mencionam os Seres de Ib, contudo os Papiros de Ilarneck que podem ser consultados por exploradores da Terra dos Sonhos, citam alguns detalhes a respeito deles. A raça atenderia pelo nome de Thuum-ha e eles seriam nativos de uma outra realidade - ou estado superior, acessado em raríssimas ocasiões. Nestas, transferência seria possível, resultando em intrusão de indivíduos nessa ou naquela realidade. 


É perfeitamente possível que em algum momento intrusões semelhantes tenham ocorrido na Terra. Os relatos envolvendo o surgimento de cidadelas habitadas por seres não-humanos presentes na antiguidade, podem se referir a tais eventos. Os mitos das tribos Navajo se referem a um povo estranho que surgiu da noite para o dia no Monument Valley, no passado remoto. Eles foram enfrentados pelos guerreiros que os expulsaram de volta para um lago que desapareceu em meio a um denso nevoeiro. Existem lendas semelhantes na Civilização Harapeana que viveu no Vale do Indus no século XIX aC. Finalmente na Cultura Chavin do Peru pré-Inca, se encontra menção da vinda de um povo meio-sapo que habitava uma cidadela de pedra surgida às margens do Lago Titicaca. Ironicamente em todas essas lendas, a violência acabou explodindo entre nativos e os estranhos seres batráquios. 

Há teorias que relacionam os Seres de Ib com os Abissais, mas ao que tudo indica as espécies não possuem qualquer vínculo. Os Cilindros de Kadatherom, outro documento redigido na Terra dos Sonhos e que supostamente foi traduzido por Sacerdotes Purana da India meridional, menciona que os Thumm-Ha estavam familiarizados com divindades obscuras e possuíam suas próprias tradições místicas. Seitas chegaram a venerar o Deus Sapo Tsathogua e o obscuro Senhor dos Reinos Caóticos Yibb-Tstll, estes dissidentes, no entanto, constituíam uma minoria, sendo a maior parte dos Seres de Ib fiéis à Bokrug.

Alguns teóricos do Mythos acreditam que os antigos Sumérios estabeleceram contato com os Seres de Ib e utilizaram portais que lhes permitiu voltar no tempo e visitar a cidade. Tábuas de argila recobertas de caracteres cuneiformes, encontradas em escavações nas Ruínas de Nipur, mencionam essa jornada empreendida por magos que visitaram não apenas Ib e Sarnath, mas outras cidades da Terra de Mnar.

Não se sabe de nenhuma interação atual entre humanos e Seres de Ib, o que não significa que tal coisa não possa vir a acontecer.

2 comentários:

  1. esse cenário todo de Sarnath, Ib e os monstros anfibios aí, parece muito a parte de todo o universo lovecraftiano, parecem até umas versões beta dos Deep Ones. xD

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  2. legal saber algo mais sobre esses seres além do fate de serem feios e de terem sido exterminados.

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