quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Eddie Gein - Os crimes do Açougueiro de Plainfield (parte 1)



Em 17 de novembro de 1957, a polícia da pequena cidade de Plainfield, no estado de Wisconsin chegou a decadente fazenda pertencente a Eddie Gein. Os policiais suspeitavam que Gein estivesse envolvido no roubo a um armazém e no desaparecimento de uma atendente chamada Berenice Worden. O taciturno sujeito havia sido o último cliente na loja e uma testemunha que passara de carro havia visto ele sentado no meio fio pouco antes do estabelecimento comercial fechar.

Gein era um fazendeiro mal sucedido, conhecido pelos vizinhos como um sujeito quieto e de poucos amigos. Morava em uma casa feia, isolada e escura no fim de uma estrada pouco usada de terra batida. No jardim repleto de erva daninha e mato, haviam sacos de lixo, adubo e velhos eletrodomésticos que ele recolhia na caçamba de seu caminhão e supostamente consertava. Os policiais olharam ao redor e encontraram um gato morto trancado dentro de uma geladeira velha.

O lugar todo cheirava a podridão e decomposição. O xerife Arthur Schley comentou com o delegado que o acompanhava que aquele cheiro não parecia vir apenas do animal morto, mas de todo canto. Com uma lanterna à pilha, os dois vagaram pelo quintal observando os objetos que enferrujavam ao relento. De repente algo bateu no braço do xerife. Quando ele se virou para olhar, percebeu que era uma carcaça humana pendurada no galho de uma árvore. O corpo de uma mulher nua decapitada, fora aberto no abdômen e as vísceras puxadas para o lado de fora. Uma visão medonha sem sombra de dúvida, mas que pareceu horrivelmente familiar numa comunidade onde a caça era comum.

Levou alguns instantes para Schley entender que aquele cadáver não era de um gamo. Tratava-se do corpo de uma mulher horrivelmente mutilada. Ele havia acabado de encontrar Berenice Worden, 50 anos, moradora de Plainfield a sua vida inteira.

Os dois delegados foram até a porta da frente e bateram com as armas em punho. Ninguém atendeu. O xerife foi até a janela e espiou o interior da sala. O susto foi tão grande que ele quase desmaiou: eles haviam encontrado o lugar de um massacre indescritível. Sobre a mesa da sala havia um crânio humano servindo de bacia decorativa. Pedaços de corpo estavam sobre a mesinha de cabeceira, mãos e pés e a toalha que cobria o móvel era feita de pele humana. No candelabro haviam dedos cortados e entranhas penduradas como enfeites natalinos.

Arrombando a porta, eles encontraram outros objetos horríveis: uma cadeira feita de ossos humanos, uma coleção de genitais femininos mantidos em caixas de sapato, um cinto cheio de mamilos, uma cabeça humana preservada em uma caixa de chapéu, um colar de orelhas e narizes... quanto mais eles exploravam a casa, mais troféus dantescos surgiam diante de seus olhos. No armário havia um terno feito de pele humana costurado nos mínimos detalhes. O cheiro de morte e decomposição era insuportável, quase como uma parede invisível que cobria cada cômodo horrivelmente decorado.

Quantos crimes haviam acontecido ali? Quantas vítimas aquele sujeito havia feito?   

Os dois policiais encostaram a porta e aguardaram o retorno do maníaco. Gein apareceu logo em seguida e quando os dois policiais deram voz de prisão ele apenas sorriu e disse: "Olá, posso lhes servir um café?"


Naquele dia soturno, a América conheceria um de seus mais famosos assassinos em série, um homicida que se tornaria objeto de análise e pesquisa e cuja notoriedade atravessaria gerações. Ed Gein se tornaria conhecido em todo país e da noite para o dia ia se converter numa espécie de celebridade macabra.

O autor Robert Bloch iria se inspirar em sua estória para escrever Psycho (Psicose), livro que adaptado para o cinema pelo genial diretor Alfred Hitchcock se tornaria um clássico do suspense. Os horríveis detalhes de sua fazenda dos horrores serviria como base para as atrocidades de Leatherface, o personagem principal de Texas Chainsaw Massacre, filme de 1974. Já em 1989, os assassinatos de Gein seriam a inspiração para o grotesco assassino Buffalo Bill, do sucesso agraciado com o Oscar, "O  Silêncio dos Inocentes".

Gein continuaria fazendo parte do imaginário dos americanos nas décadas seguintes, como um monstro, mas não obstante, um monstro fascinante.

Mas como uma criança evolui para se tornar algo como Eddie Gein? Uma análise de sua infância e de sua vida forneceriam alguns detalhes e pistas.

Edward Theodore Gein nasceu em 27 de agosto de 1906, filho de Augusta e George Gein na cidade de La Crosse, Wisconsin. Eddie era o segundo de dois garotos nascidos do casal. O primeiro rapaz era Henry, que era sete anos mais velho que Eddie.

Augusta, era uma fanática religiosa, determinada a criar seus filhos de acordo com os preceitos religiosos e um severo código moral. Ela via pecado em tudo à sua volta e apavorava os garotos com ensinamentos sobre o inferno e como as almas dos pecadores ardiam nas chamas eternas. Sua pregação continuamente os alertava sobre os perigos da imoralidade e da tentação representada por mulheres de má índole. O caminho para o inferno, segundo ela, era pavimentado com promessas de luxúria. Augusta era uma mulher dominadora e cruel, capaz de controlar sua família com mão de ferro. Seu marido e os filhos se sujeitavam inteiramente ao seu julgamento.


George, era um homem fraco que bebia escondido e não opinava na criação dos garotos. De fato, Augusta o desprezava e o chamava de "a mais covarde das criaturas que Deus colocou na Terra". Ela tomava conta da casa e obtinha dinheiro lavando roupa. A mulher chegou a abrir uma pequena venda em La Crosse até o ano em que Eddie nasceu. Todo o dinheiro que ela conseguia juntar era guardado em potes de geleia e embora a família tivesse uma condição desconfortável, ela não permitia que ninguém tocasse nas economias. Para todos os efeitos eles tinham uma vida quase miserável.

Em 1914, Augusta decidiu que era melhor a família se mudar para um lugar mais cristão do que La Crosse. Ela escolheu uma fazenda isolada em Plainsfield, onde seus garotos poderiam crescer sem  influências malignas ou tentações capazes de despedaçar seu clã. O vizinho mais próximo da fazenda ficava a quase um quarto de milha. Embora a matrona tenha tentado diligentemente manter seus filhos longe do resto do mundo, ela não foi totalmente bem sucedida pois os meninos tinham que estudar. Eddie era um aluno regular, mas sempre muito introvertido e evitado pelas outras crianças. Ele era tratado como um estranho, com modos efeminados e incrivelmente tímido.

Os meninos retornavam para casa do colégio e tinham de fazer um relatório completo de quem haviam visto e com quem haviam falado. Qualquer contato com mulheres, era punido com varas de marmelo e beliscões. Quando Henry disse ter falado com uma menina, a mãe queimou sua língua com um cigarro. Nada restava aos meninos senão a companhia um do outro e da mãe, que eles acreditavam ser a pessoa mais perfeita do mundo.

Apesar das dificuldades, os meninos cresceram e Henry se tornou um trabalhador e um homem de forte integridade na comunidade. Ganhava dinheiro fazendo trabalhos em fazenda, arrumando, consertando e pintando coisas. Eddie o ajudava sempre que possível, mas muitos dos habitantes da cidade o consideravam meio retardado.

A medida que se distanciava dos ensinamentos fanáticos da mãe, Henry se preocupava com o irmão. Em várias ocasiões o mais velho criticava abertamente Augusta, deixando Eddie chocado. Para Eddie, a mãe era um verdadeiro anjo de candura e ele ficava consternado quando o irmão o aconselhava a não ouvir as palavras dela. Henry chegou a propor que o irmão viesse morar em sua casa, quando ele comprou uma pequena propriedade, mas Eddie disse que preferia morrer a deixar a mãe sozinha.


Em 1944, Henry morreu em um acidente muito estranho. Eddie foi a única testemunha, e afirmou que o irmão havia caído do alto de um galpão quando os dois tentavam apagar um incêndio acidental. Embora Eddie tenha chamado a polícia, seu testemunho era na melhor das hipóteses contraditório e confuso. Talvez sua fama como mentalmente inepto tenha lhe poupado de um interrogatório mais elaborado. Embora Eddie jamais tenha reconhecido qualquer participação na morte de Henry, policiais escreveram no relatório que o cadáver apresentava ferimentos condizentes com agressão.

Quando as autoridades procuraram Augusta para informá-la da morte do primogênito ela respondeu de forma fria. "Meu filho havia se desgarrado do rebanho dos justos. Apenas lamento que ele vá para o inferno, mas nós colhemos aquilo que plantamos", teria dito ela.

Anos mais tarde, o legista do condado de Plainsville teria dito que a causa da morte de Henry Gein fora asfixia por estrangulamento. O ferimento em sua cabeça por sua vez teria sido causado por um objeto pesado, um porrete provavelmente, usado para que ele desmaiasse.  Eddie jamais foi apontado como suspeito da morte e o certificado de óbito, definia a morte como "acidente".

Em 29 de dezembro de 1945, a vida de Eddie viraria de cabeça para baixo. Após uma série de derrames, que já a haviam deixado inválida, Augusta Gein morreu em casa.

Eddie ficou devastado de tal forma que chamou um vizinho apenas três dias depois da mãe estar morta. O cadáver estava limpo e trocado, como se ela ainda estivesse viva. O escritor Harold Schechter em seu livro "Deviant" escreveu que Eddie "havia perdido seu único amigo e seu único amor de uma vez só. Pela primeira vez ele estava sozinho no mundo".   

Ele ficou na fazenda que pertenceu a família após a morte da mãe, vivendo de trabalhos ocasionais e consertos. As pessoas não tinham motivos para desconfiar de Eddie que embora fosse calado e estranho, não parecia alguém perigoso. Eddie comprou um caminhão com guincho e vagava pelas estradas oferecendo seus serviços manuais. Em casa, ele lacrou o quarto que pertenceu a sua amada mãe, mantendo-o impecável quase como um templo em sua memória. Ele preservou seus objetos e roupas impecáveis. Na penteadeira havia uma escova com seus cabelos que permaneceu intocada por anos. Muito se questionou que Eddie assumia a identidade da mãe, como ocorria com o personagem Norman Bates que vestia suas roupas e copiava seus trejeitos. Psiquiatras acreditam que Eddie era incapaz disso. Ele considerava a mãe uma figura quase divina e não acharia "respeitoso" imitá-la.


Eddie passou a usar apenas o quarto, a sala e a cozinha da fazenda. O resto dos aposentos ficavam fechados. O recatado fazendeiro passava seu tempo livre lendo estórias de detetives, de horror ou aventura. Ele colecionava almanaques médicos sobre anatomia, relatos de soldados da Segunda Guerra sobre câmaras de gás dos nazistas e revistas contendo casos reais de detetives de polícia.  Ele também gostava de ouvir rádio, uma das poucas coisas que ele descobriu ter interesse após a morte da mãe que não permitia tal passatempo. Quando caía a noite, Gein andava pela estrada ou passeava em seu guincho, sempre sozinho como se estivesse matutando alguma coisa. Às vezes era visto rindo ou falando sozinho.

Foi durante esses passeios após o por do sol que Eddie começou a se comportar de maneira bizarra. Eddie conhecia um antigo cemitério próximo de casa e fazia visitas noturnas frequentes ao local. Passou a dormir sobre lápides e tumbas, dizia que tentava ouvir se as pessoas enterradas por acaso não estariam vivas. Em certa ocasião, pensou ouvir um arranhar na tumba e correu até em casa voltando com uma pá. Desenterrou o caixão e se deparou com os restos mumificados de uma mulher.

Embora Eddie jamais tenha se sentido á vontade na companhia do sexo feminino, ele se sentiu estranhamente à vontade na presença do cadáver exumado. Embora ele tenha jurado que jamais praticou necrofilia, estar diante de cadáveres femininos de alguma maneira saciava seus desejos e permitia um alívio das sua ansiedades. Ele contou que havia sentido enorme prazer removendo o caixão do solo e abrindo a tampa encontrara algo que passou a completar a sua existência. Sua curiosidade com a anatomia feminina o levou a obter alguns troféus que pudesse carregar para casa e analisar com mais cuidado. Desse primeiro cadáver ele removeu pedaços que colocou em um saco e dirigiu para a fazenda depois de enterrar o que havia restado.  

Gein começou a ler os obituários dos jornais locais em busca de notícias sobre mulheres recém enterradas. Na noite seguinte ao funeral, ele invadia os cemitérios, exumava o cadáver e retirava dele os órgãos e partes que mais lhe chamavam a atenção. Colecionou vários pés, mãos, dedos, orelha, lábios, seios, vaginas e até cabeças. Um de seus passatempos era cozinhar as cabeças em panelas de pressão até que elas encolhessem... Ele contou que às vezes visitava a cidade usando um colar de cabeças humanas encolhidas do tamanho de pequenas cebolas por dentro da camisa. Depois de ter sido capturado, Eddie disse que também usava uma camiseta e uma espécie de calção feitos de pele humana esfolada e costurada extraídas de cadáveres.

Até esse ponto, o comportamento excêntrico de Eddie Gein ainda não havia evoluído para assassinato, mas isso estava prestes a mudar. O assassino em série dentro dele ainda estava sendo criado e em breve iria aflorar em uma série de horríveis crimes.

(Continua)

domingo, 26 de outubro de 2014

A Fera-Humana de Ontário - A assustadora vida de Hjalmar Moilanen


Em janeiro de 1914, havia um "fera-humana" à solta próximo de Kenoa, Ontário. 

Mas ao contrário dos muitos rumores a respeito de Sasquatches, Wendigos e “espíritos malignos da floresta” que fazem parte do folclore dos nativos canadenses, esta besta foi devidamente capturada e aprisionada.

Descrito como um “maníaco furioso” tão selvagem que após sua captura teve de ser trancafiado em uma jaula de ferro, a estória de Hjalmar Moilanen, a fera homicida de Ontário, foi relatada pelos jornais em 28 de janeiro de 1914 chegando a ser publicada em Nova York, Boston e Washington. Um periódico de Chicago chamado The Day Book, imprimiu a estória repetidas vezes, sempre com grande sucesso editorial.

A estória conforme contada pelo Day Book era a seguinte:

“BESTA HUMANA” PRESO POR ASSASSINATOS DE INDÍGENAS

Kenosha, Ont., 28 de Janeiro  – A "Besta Humana" que atende pelo nome de Hjalmar Moilanen, ex-morador residente de Aurora, Minnesota, que vinha aterrorizando igualmente índios e lenhadores, foi perseguido pela polícia montada e capturado nas florestas geladas de Ontario. O homem foi preso em uma jaula de ferro para que não possa escapar.  
Os índios que vivem na reserva próxima acreditam que sua floresta está infestada por espíritos malignos e que um destes espíritos teria possuído o corpo de Moilanen. Várias famílias abandonaram suas casas e migraram para oeste do território após a captura do criminoso, acusado de assassinatos e outros atos atrozes.
 O artigo descreve Moilanen como um “lunático homicida”, que após ser aprisionado "chocou a todos com gritos horrendos de gelar o sangue nas veias e com o relato de dezenas de assassinatos sanguinolentos".


Há várias menções ao caso, mas todas elas se concentram basicamente na captura de Moilanen e no "espetáculo" que ele desempenhava para os que o visitavam na cadeia. Não há informações sobre o destino do criminoso, se ele chegou a ser julgado e nesse caso, qual foi a sua sentença. Também não há informações pertinentes no que diz respeito a veracidade de muitos de seus alegados crimes.

A falta de fontes aponta para a possibilidade de que toda a estória não passe de uma farsa exagerada, algo que os jornais da época chamavam de "whoppers". Os whoppers eram comuns no início do século, particularmente em cidades na fronteira americana, eles envolviam estórias bizarras, criadas como entretenimento barato, que a maioria das pessoas esclarecidas julgavam absurdas. Típicos Whoppers do período envolvem o avistamento de serpentes marinhas, veículos aéreos desconhecidos, chuvas de sangue, a descoberta de monstros e é claro, o mais famoso de todos, o mítico Pássaro Trovão, cuja fotografia, empalhado na parede de uma casa no Arizona pelo Tombstone Epitaph se tornou um exemplo célebre de exagero jornalístico.  

Mas se a estória não passa de uma farsa, isso significa que Hjalmar Moilanen nunca existiu? E mais, significa que ninguém praticou os alegados atos terríveis contra indígenas entre 1913-1914?

Comecemos falando de Hjalmar Moilanen.

Não se sabe quase muito a respeito da origem dessa obscura figura. Supõe-se que ele tenha sido um imigrante sueco ou dinamarquês - o nome é claramente nórdico, o que reforça a suspeita de sua origem. Segundo os boatos, Hjalmar chegou aos Estados Unidos em 1887, ele teria nascido em Gotenburgo e feito a travessia para a América em uma época de grande fluxo migratório. De fato, muitos suecos deixaram seu país de origem nessa época para se estabelecer no norte dos EUA e no Canadá, regiões de clima gelado como a sua pátria natal.

Infelizmente, não existem documentos ou papéis oficiais sobre a migração de Hjalmar, o que não chega a ser exatamente estranho, visto que os registros nessa época eram falhos e não cobriam todos os recém chegados. Uma vez na América, ele teria se instalado em Ontário, esperando uma determinação para alocação, ou seja, o recebimento de uma terra e de uma lavra para subsistência como acontecia com a maioria dos imigrantes recém chegados. O Canadá concedia esse benefício para atrair pessoas para se estabelecerem em regiões isoladas. Se isso é verdade, Hjalmar deve ter recebido um pedaço de terra, algum dinheiro e mais alguns benefícios para ajudá-lo nos primeiros e difíceis anos. 

É fato que muitos dos imigrantes se desencantavam com as dificuldades e acabavam abandonando as terras recebidas, negociando-as com quem oferecesse algo por elas. Dessa forma, talvez ele tenha seguido para Aurora, no estado americano de Minessota, como afirma o artigo de jornal. Em Aurora, há apenas uma menção a um cidadão chamado H. Moilanen que podemos presumir se tratar de Hjalmar. Ele teria sido preso em uma briga de bar em Aurora, na qual acabou ferindo gravemente um outro frequentador com uma faca. É uma evidência um tanto dúbia, mas com o histórico da "besta-humana" é possível que seja o mesmo indivíduo que cultivava a disposição para a violência desde cedo.

O que alguns comentam é que Hjalmar poderia ter sido preso por essa altercação em Aurora e em seguida mandado para alguma instituição de correção penal. Por volta de 1905, vários prisioneiros no norte do país receberam um indulto governamental, a fim de serem enviados para a fronteira com o Canadá para trabalhar em estradas e obras de infraestrutura. Alguns creem que Hjalmar tenha recebido esse benefício e aproveitado para escapar da justiça e retornar a Ontário.

Os rumores sobre as atividades de Moilanen na fronteira são variados. Dizem que ele era um homem grande e corpulento, quase um gigante com mais de dois metros de altura, cabelos ruivos acobreados e uma barba vasta que lhe descia pelo queixo e era amarrada em tranças. Hjalmar seria forte como um touro, tendo trabalhado como lenhador por algum tempo, o que lhe deu habilidade no manejo do machado e intimidade com o clima gélido. Ninguém sabia sua idade, mas tinha certamente mais de 40 anos, dentes brancos e compleição caucasiana. Ele teria arranjado emprego como vaqueiro, trabalhando um tempo em fazendas. Mais tarde, conseguiu trabalho como peleiro e caçador, ocupação difícil que envolvia longas jornadas pela paisagem gelada e períodos de absoluta solidão. Foi nesse período de sua vida que Moilanen começou a praticar os crimes pelos quais se tornaria conhecido e que mais tarde lhe garantiriam o apelido de besta-humana.

Praticamente em todas as descrições, é dito que Hjalmar Moilanen era um sujeito agressivo e violento. Basta acrescentar outra faceta de sua personalidade - a intolerância, para ter uma combinação explosiva. Seu ódio pelos nativos americanos (na época, índios) era legendário e aqueles que alegavam tê-lo conhecido pessoalmente, diziam que ele não se furtava de humilhar e repelir os nativos. O estopim para seu ódio teria sido um ferimento sofrido numa emboscado realizada por nativos em 1906. Moilanen teria perdido as peles que vinha coletando antes do inverno chegar e que lhe renderiam um bom dinheiro. Ele também teria escapado com vida apenas por milagre. A estória, entretanto, jamais foi confirmada.

Os que conheceram Moilanen dizem que ele se gabava de ser um exímio rastreador. Diziam também que ele se gabava de outras façanhas menos nobres: rastrear e matar índios. Moilanen contava para quem quisesse ouvir que durante as suas jornadas pelo interior do Canadá costumava fazer caçadas e abater os índios que encontrava na desolação. Na sua concepção, qualquer nativo fora das reservas, merecia levar um tiro. Entre uma cerveja e outra, nos bares e saloons da fronteira, Moilanen relatava como costumava derrubar os "pele-vermelha"; atirando neles pelas costas, agindo de surpresa após segui-los ou simplesmente apunhalando-os com faca ou machadinha. Ele teria relatado certa vez como havia massacrado toda uma família - mulheres e crianças inclusive, usando uma espingarda e um sabre de cavalaria. Nessa ocasião, um frequentador do bar o chamou de mentiroso e Moilanen apresentou como prova de seu feito um medonho colar com dez orelhas humanas que ele usava ao redor do pescoço como amuleto para dar sorte.

A fama do caçador como assassino frio se espalhava. Os nativos diziam que ele tinha um "espírito sanguinário" dentro de si, algo maligno que o compelia a matar. Os habitantes das reservas sussurravam que ele era um Wendigo, e os anciãos afirmavam que em mais de uma ocasião, Moilanen havia matado e cozinhado suas vítimas, devorando seus corações. As autoridades canadenses não conseguiram provas, mas estavam sempre atentas para as ações de Moilanen, o problema é que nas áreas isoladas onde ele costumava se meter não havia ninguém para testemunhar os crimes. As vítimas às vezes, sequer eram encontradas. Mesmo a Polícia Montada não tinha provas de seus crimes hediondos.  

Em junho de 1913, o caçador teria tido uma séria desavença com um grupo de nativos que vivia na Reserva de Cheromak, nos arredores de Kenoa. A situação, é claro, descambou para a violência. Moilanen foi ferido com um golpe de machadinha que quase lhe arrebentou o crânio, ou assim dizem as lendas. Ele foi levado para um hospital onde acabou sendo salvo de novo, por milagre. A estória acabou alimentando os boatos de que ele tinha o corpo fechado pelos espíritos e que não podia ser morto por arma nenhuma. 

Dizem, entretanto que o ataque deixou graves sequelas no caçador e fez com que ele se tornasse ainda mais furioso: ele falava sozinho, gritava, gargalhava como louco e sacava sua faca para qualquer um que ousasse contrariá-lo.

Na véspera do natal de 1913, o ódio incontido de Moilanen explodiu num surto homicida. Ele invadiu a Reserva Cheromak, matou dois adultos e um jovem nativo à tiros. Todos acreditavam que depois desse ataque ele fugiria para além da fronteira, mas o caçador simplesmente se escondeu na floresta e esperou a polícia sair em perseguição. Na noite seguinte, ele retornou à reserva, armado com espingarda, machado e facas. Nesse ataque, ele teria feito pelo menos uma dúzia de vítimas inclusive mulheres e crianças abatidas de forma sanguinária.

O horror da chacina fez com que a Polícia Montada de Ontário fosse chamada e empreendesse uma perseguição ao caçador. Ele finalmente havia deixado a região e fugido para o sul na esperança de cruzar a fronteira. Para escapar se embrenhou na floresta onde desapareceu. Foram necessários vários dias de busca para que ele fosse encontrado, graças, sobretudo, ao esforço de rastreadores nativos chamados para auxiliar na captura. 

A lenda diz que Hjalmar Moilanen não se rendeu facilmente, resistindo aos seus perseguidores com a fúria de uma fera acuada. Alguns dizem que ele estava nu, com o corpo coberto com o sangue da matança e enfurecido a ponto de espumar pela boca. Ele teria atacado seus perseguidores com uma faca de caça, sendo subjugado com golpes de porrete e coronhadas até a inconsciência. 

Nessas condições foi arrastado até Kenoa e jogado numa cela algemado. À noite quando acordou, esbravejava, uivava e dava gritos raivosos que deixaram os cidadãos apavorados. O homem parecia realmente uma besta selvagem: sujo de sangue, com os olhos injetados, o cabelo desgrenhado e o aspecto geral de ferocidade primitiva. Tentava morder qualquer um que se aproximava, urinava em todo canto e se negava a vestir roupas. O povo local não o queria ali, os nativos diziam que ele era o próprio Wendigo e não queriam mais ouvir os seus gritos. Muitos foram embora temendo os a fúria dos espíritos. Para ser transportado a Ontário ele foi surrado até desmaiar, amarrado e amordaçado numa carroça. Ao chegar à cidade, havia uma jaula de ferro o aguardando.

Curiosamente, esse é o fim abrupto da estória. 

Não há registros mencionando o julgamento ou a condenação de Moilanen o que levanta dúvidas sobre cada linha desse texto. Os jornais não citam o processo contra ele e nem dão conta de qual foi o seu destino, apenas registram que em Ontário ele continuou se comportando como uma besta selvagem, o que lhe valeu o apelido.

Como pode não haver nenhuma menção ao que aconteceu com o caçador? Teria ele arranjado uma maneira de escapar de sua jaula ou a justiça teria sido efetuada de forma extra-judicial? Na ausência de qualquer documento ou informação, as fronteiras entre lenda e realidade acabam se confundindo e misturando, fazendo com que qualquer explicação, não importa o quão bizarra e questionável, se torne minimamente plausível.

Nesse contexto, os nativos podem estar certos, pois o boato de que o espírito do Wendigo o ajudou a fugir, vigorou por muitos anos. E junto com ele, o temor de que a besta-humana poderia um dia retornar.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

As Bestas Aladas de Hastur - A Anatomia dos Byakhee


"Foi então que ouvimos o som de asas. Um som diferente de tudo o que já tínhamos ouvido e que poderíamos considerar normal. Não era o rumor de uma revoada de pássaros, mas o bater vigoroso de um único par de asas. Grandes e coreáceas. Logo soubemos que nada no planeta fazia aquele som".

Vários Antigos possuem uma associação com raças de criaturas. Estas espécies, diversas demais para serem satisfatoriamente catalogadas agem como cultistas, como escravos ou ainda como serviçais. Há raças independentes que enfrentam o poder dos deuses (ou de entidades poderosas) e não se sujeitam a eles. Algumas dessas raças terminam sendo aniquiladas pelo poder esmagador das divindades do Mythos. Incapazes de fazer frente a eles acabam obliteradas, lançadas no esquecimento.

Por outro lado, há aquelas raças que escolhem por conta própria se converter em servos fiéis dos horrores do Mythos. Assim acontece com as criaturas das profundezas oceânicas, os Abissais, que estão intimamente vinculados a Cthulhu. As criaturas negras conhecidas como Proles Amorfas por sua vez devotam sua existência maldita ao Deus Sapo Tsathoggua, e apenas a ele devem obediência perpétua. Outro exemplo seriam os Vampiros de Fogo que dançam ao redor de Cthugha, a Chama Primordial, cumprindo sua vontades e desejos. 

Mas entre as raças servis, os Byakhee, talvez sejam aqueles que possuem o elo mais inquebrantável.

Servos de Hastur, a Entropia Viva e de seus avatares, sobretudo o Rei Amarelo, os Byakhees são tão vinculados a essa entidade que em suas aparições, é quase impossível não haver ao menos alguns deles presentes. Quando invocado em seus templos, Hastur é escoltado por hostes inteiras de byakhees que voam como uma falange frenética, rodopiando ao redor de seu mestre. Nas ocasiões em que o Rei Amarelo é chamado para assumir sua posição régia no trono, por vezes byakhees são igualmente convocados, postando-se ao lado do trono como dignatários, exercendo a função de defender seu amo. Mesmo quando agindo solitariamente, os byakhee estão de alguma forma associados a Hastur, seja descendo dos céus para proteger um templo da presença de profanadores ou para capturar sacrifícios como parte de algum ritual.

Muitos sectos devotados a Hastur consideram que os Byakhee são uma ferramenta que o deus empresta aos seus cultistas para fazer sua vontade ser cumprida. Um secto herético, surgido na Palestina no início da cristandade, consideravam os byakhee como o equivalente a anjos, que serviam ao designo de um Deus único. Essa associação dos byakhees com figura angelicais, não é exclusiva, na Rússia Imperial, um culto fundado em São Petersburgo (do qual segundo boatos o próprio monge louco Rasputin, fez parte) tratava essas criaturas como mensageiros divinos. 

O conceito, no entanto, não é compartilhado por todas as seitas dentro do círculo de adoradores de Hastur. Para muitas seitas, os byakhees não passam de servos, abaixo da posição dos sacerdotes e cultistas líderes. Na África Ocidental, um culto dedicado a Hastur, praticava um ritual específico no qual um byakhee, especialmente invocado, era sacrificado. De sua pele era confeccionado um manto, de suas asas uma capa, de seus dentes colares e de seus ossos, apitos usados para chamar outras criaturas. Os alto sacerdotes desse culto, ativo até meados do século XVIII, no atual Camarões, usavam essa indumentária com grande distinção. Os malignos Tcho-Tcho que veneram Hastur e habitam o Planalto de Tsang, no Nepal, também consideram os Byakhee com meras bestas; úteis em seus planos, mas não obstante, inferiores.

De fato, uma das principais funções dos Byakhee, ao longo das eras, foi servir de montaria para poderosos feiticeiros e magos. Dizem as lendas que Eibon, o feiticeiro da Hiperbórea cavalgava nas costas de um Byakhee que obedecia as suas ordens. O árabe louco, Abdul Al Hazred, também citava essa função, e possivelmente foi ele quem cunhou o termo "montaria estelar" para se referir aos byakhee. No Necronomicon ele diz textualmente que os byakhee são a montaria consagrada dos grandes feiticeiros e que cavalgar um deles é a prova cabal de que o bruxo atingiu sua maturidade mística. É possível que seja em face dessa associação do byakhee como montaria, que algumas ordens herméticas utilizam o título cavaleiro - para citar uma, os Cavaleiros do Crepúsculo Prateado (Knights of Silver Twilight).

Mas aqueles que pensam nos byakhee como meras bestas de carga, se enganam ao assumir que eles possuem inteligência inferior. Um byakhee pode ser tão inteligente quanto um ser humano, sendo capaz de entender idiomas, de formar uma linha de raciocínio e de realizar tarefas complexas que denotam poder cognitivo. Não é raro que eles também possuam conhecimento arcano, e que dominem a arte da feitiçaria.

Como ocorre muito frequentemente no universo enigmático do Mythos, não existe um consenso sobre a origem dos Byakhee. Há um consenso entretanto que seja uma raça interestelar, sendo que a maioria dos teóricos assumem que eles venham de Aldebaran. Uma corrente defende que os byakhee foram um dia a raça dominante de um planeta assimilado pelo Rei Amarelo e invadido por Carcosa, um acontecimento que resultou na loucura de toda espécie. Outros acreditam que a raça como um todo, firmou um pacto com Hastur que levou à destruição de seu planeta natal. Essa destruição os transformou em uma raça sem um lar, o que os forçou a adotar Carcosa e o espaço interestelar como sua casa. Há indícios de que os byakhee também estão presentes em outros mundos, em especial aqueles que giram ao redor de estrelas negras ou que são sujeitos a esmagadora atividade gravitacional.


Os byakhee são conhecidos por sua capacidade de se deslocar através do espaço. Eles são imunes ao frio e ao vácuo espacial e podem viajar naturalmente sem serem afetados por qualquer condição adversa. O que os torna tão resilientes a essas condições, normalmente insustentáveis para qualquer forma de vida, é um mistério completo. Essas criaturas são dotadas de um órgão, até onde se sabe, exclusivo da sua espécie, chamado hune. Ativando esse apêndice, localizado em seu abdômen, os byakhee conseguem afetar a realidade, dobrando as distâncias interestelares tão velozmente que para o observador eles parecem se teleportar de um ponto para o outro. A velocidade dessa viagem é tão alucinante, que supera a velocidade da própria luz, permitindo ao Byakhee singrar distâncias incríveis em meros segundos. Sabe-se de feiticeiros, que usaram esse método de viagem interestelar para chegar rapidamente em pontos normalmente inacessíveis do cosmos, tais como Celaeno, Aldebaran, Formalhaut e até o Trono de Azathoth que dizem, se localiza no centro do Universo. É claro, para empreender uma viagem dessa natureza, o feiticeiro precisa realizar preparativos e consumir ao menos uma dose do hidromel espacial (space mead). Apenas usando essa substância entorpecedora, o feiticeiro pode acompanhar o byakhee em sua jornada em segurança. Aqueles que não sabem desse detalhe, experimentam uma ruína completa, tendo seus átomos dispersos no espaço assim que o hune é acionado.

Metafísicos já tentaram explorar os mistérios da maneira única dos byakhee se deslocarem pelo espaço, mas até onde se sabe, ninguém teve sucesso em explicar o funcionamento do hune. Em 1965, no auge da corrida espacial, cientistas ligados ao Delta Green conjecturaram que os byakhee poderiam representar uma solução para a exploração espacial, excluindo de uma vez por todas qualquer limitador quanto a distância e velocidade. Há rumores de que engenheiros e cientistas tenham dissecado mais de um byakhee tentando compreender o funcionamento do hune ao longo dos anos 1970, mas isso pode ser mero boato. Extra oficialmente, o Delta Green colocou um fim ao projeto, com a eliminação de todos os cientistas envolvidos, inclusive alguns que tinham no passado associação com a Wunderwaffen nazista. Do outro lado da cortina de ferro, acredita-se ter existido um projeto análogo financiado pelos soviéticos na década de 1950. Mais recentemente, os chineses teriam tentado a mesma abordagem. O status atual desses projetos é desconhecido. 

Para invocar um byakhee, o feiticeiro deve proferir uma série de palavras cabalísticas e invocar o nome do próprio Hastur. Uma combinação de palavras usada pela Irmandade do Símbolo Amarelo envolve a seguinte invocação:

"Iä! Iä! Hastur! Hastur cf'ayak 'vulgtmm, vulgtmm, vulgtmm! Ai! Ai! Hastur!"

Se Aldebaran estiver acima do horizonte e se o feiticeiro utilizar um apito, especialmente um feito com o osso do fêmur de outro byakhee, as chances de sucesso são consideravelmente maiores. Nessas circunstâncias positivas, a criatura surge direto do espaço, com o corpo semicongelado pelo frio do vácuo através do qual viajou. Por vezes, um Símbolo Ancestral deve ser usado para fazer com que o byakhee se sujeite a acatar ordens. Mas que sirva de aviso que nem sempre, isso funciona! Muitos feiticeiros que acreditavam ser capazes de controlar um byakhee, acabaram retalhados pela criatura que eles próprios conjuraram.

A aparência física dos Byakhee é difícil de ser descrita. Muitos cronistas tentaram descrevê-los, mas nenhum foi bem sucedido em encontrar os adjetivos que melhor os definem. Na ânsia de tentar dizer o que eles são, as testemunhas buscam compará-los a animais com os quais eles guardam mínima semelhança. Na Grécia, os Byakhee foram comparados às míticas hárpias, e talvez como já sugeriu mais de um estudioso, eles sejam a base para a lenda desses e de outros seres alados como o grifo e a manticora. Certos tomos afirmam que nenhum Byakhee é igual a outro, podendo ter características únicas que diferenciam enormemente membros da mesma raça, ao ponto de por vezes ser difícil encará-las como parentes.

O Necronomicon se refere ao Byakhee como sendo uma quimera monstruosa com características que remetem a aves, répteis, mamíferos e até insetos. Há espécimes com bicos, chifres e escamas, coexistindo com pelos, olhos multifacetados e antenas. O mais provável é que as características análogas a animais de nosso planeta seja um mero acidente, pois os Byakhee são inegavelmente alienígenas. Quanto a coloração, os Byakhee são normalmente pálidos, predominando o branco, o bege e o marrom claro, mas sabe-se de criaturas com escamas amareladas, azuladas e até esverdeadas.  Não é impossível achar um Byakhee totalmente negro, capaz de se mesclar com a escuridão como uma sombra. A pele é no mínimo três vezes mais densa do que a dos seres humanos.

Uma característica está presente em todos espécimes: as poderosas asas que os impulsionam em seu voo. Todo Byakhee possui ao menos um par de asas, em geral semelhante às de morcego, em suas costas. Essas asas são vigorosas e podem bater com enorme rapidez permitindo a criatura se lançar no ar e imediatamente ganhar altura. A envergadura do Byakhee varia a cada espécime, os maiores, podendo facilmente atingir 6 metros de comprimento. Nunca se registrou a velocidade do vöo da criatura em nossa atmosfera, mas há motivos para crer que espécimes maiores poderiam se deslocar a mais de 200 quilômetros por hora.

O Byakhee geralmente possui membros superiores que lembram braços, com mãos, essas dotadas de cinco dedos terminando em garras curvadas como foices. As mesmas garras estão presentes nos pés, sendo principalmente usadas para escavar e agarrar, mas também para atacar seus inimigos. O ferimento causado por essas garras resulta num corte profundo e possivelmente letal. Com sua inteligência, os Byakhee parecem conhecer o suficiente da anatomia de outros seres para visar áreas delicadas como a garganta de alvos humanos.

Além de ter uma visão bem desenvolvida, os Byakhee possuem um faro apurado que lhes permite diferenciar o odor particular de cada pessoa. Quando enviados por feiticeiros em missões de assassinato, um Byakhee geralmente é suprido com alguma peça de roupa ou com sangue extraído de sua vítima para que assim possa encontrá-la e exterminá-la. Há relatos de Byakhees viajando vários quilômetros para cumprir suas missões depois de serem invocados. As criaturas são incapazes de se comunicar em qualquer idioma humano, mas elas parecem compreender ordens e instruções, especialmente quando seu interlocutor se vale de idiomas antigos, bem como línguas mortas.

Outra peculiaridade dessas criaturas é seu gosto por sangue. Um byakhee aparentemente não precisa se alimentar, mas o prazer que eles sentem drenando sangue fresco de uma presa recém abatida pode ser descrito como inebriante. Há casos de Byakhees que capturam suas presas e as carregam para lugares isolados onde cortam alguma veia e as penduram de cabeça para baixo, a fim de facilitar a extração do precioso líquido. Outros sugam diretamente do corpo de suas presas, usando para isso línguas longas e tubulares que agem como cânulas. Um byakhee é capaz de drenar litros de sangue em poucos minutos, deixando uma presa do tamanho de um humano adulto exangue. Não se sabe quais ao as outras fontes de nutrição dessas criaturas, se é que estas existem na prática.

Há controvérsia no que diz respeito a uma separação por gênero nessas criaturas. Se existe tal distinção, não é possível discernir características típicas de machos e fêmeas. Não se sabe virtualmente nada a respeito da reprodução da espécie, jamais tendo sido encontrados filhotes ou evidência de acasalamento.

Por fim, é preciso admitir que embora os Byakhee sejam conhecidos por feiticeiros e círculos de praticantes de magia há milênios, na prática, pouco se sabe a respeito de sua natureza.

E é provável que jamais venhamos a conhecer todos os mistérios dessa obscura raça alienígena.

Byakhee - The Flight of the Star Steeds


"That's when we heard the powerful sound of wings, a sound unlike anything we've ever heard and considered normal." It was not the sound of a flock of birds, but the vigorous beating of a pair of leather wings. I soon realized that nothing produced that sound. At least, nothing on this planet "

Several Great Old Ones have an association with races of alien creatures. These species, too diverse to be satisfactorily cataloged, act as cultists, as slaves or as servants. There are independent races that face the power of the Gods (or other all powerful entities) and do not submit to them. Some of these races are eventually annihilated by the overwhelming power of Mythos deities, unable to deal with them, they are obliterated, ruined and cast into oblivion.

On the other hand, there are those races that choose for themselves to become faithful servants of the Mythos Entities. So it is with deep-sea creatures, the Deep Ones, who are intimately attached to Cthulhu. The black and amorphus things known as Spawn of Tsathoggua, dedicate their cursed existence to the Sleeping God of N'kai, and owe to him, perpetual obedience. Another example would be the Vampires of Fire, a race of flaming beings dancing around Cthugha, the Primordial Fire, fulfilling its desires.

But among all the Lesser Servant Races, the Byakhee, perhaps have the most unbreakable link.


Loyal Servants of Hastur, the Unspeakable and his many avatars, especially the King in Yellow, the Byakhees are so attached to this entity that when It manifests, is common to have several of them present. When invoked in his temples, Hastur is escorted by entire hosts of Byakhee who fly like a frantic phalanx, spinning around their master. On occasions when the King in Yellow is called upon to take place on his throne, He appears accompanied by byakhees, standing next to the throne as dignitaries, performing the functions of defending and guarding their master. 

Even when acting alone, the Byakhee are somehow associated with Hastur, whether it be descending from heaven to protect a temple from the presence of invaders or to capture sacrifices as part of some ritual.

Many sects dedicated to Hastur consider that the Byakhee are a useful tool that the Great Old One gives the cultists to fulfill His will. A heretical sect, which arose in Palestine early in Christendom, regarded the Byakhee as the equivalent of angels, who served God as their emissaries. This association of the byakhees as angelic figures is not the only one. During Crusades, Byakhee flock were confused with the appearance of angels. In Imperial Russia, a cult founded in St. Petersburg (of which, according to rumors the mad monk Rasputin was part) treated these creatures as divine messengers. Even in the Great War, reports of soldiers on the Western front may have been motivated by sightings of Byakhees

The concept, however, is not shared by all cultists within the circle of worshipers of Hastur. For some sects, the Byakhees are no more than servants, beneath the chief priests and cultists who make up the cult.

In West Africa, a group dedicated to Hastur, practiced a specific ritual in which a single byakhee was specially invoked to be sacrificed. From the skin they made a cloak, the leather of the wings served to create drums, their teeth and claws became ornaments and the bones, whistles, used to call other creatures. The high priests of this cult, active until the middle of the eighteenth century in present-day Cameroon, used these objects with great distinction.

The evil Tcho-Tcho people who worship Hastur and inhabit the Plateau of Tsang in Nepal, also consider the Byakhee as inferiors; useful in their plans, but nothing but simple beasts of burden.


In fact, one of the chief functions of the Byakhee over the ages was to serve as a mount for powerful sorcerers and magicians. Legends say that Eibon, the Hyperborean sorcerer rode on the back of a Byakhee who obeyed his orders. The mad Arab, Abdul Al Hazred, also quoted this function, and possibly it was he who coined the term "stellar mount" to refer to the byakhee. In the Necronomicon he says textually that the Byakhee are the consecrated mount of the great sorcerers and that to ride one of them is the full proof that the wizard has attained his mystical maturity. It may be in the face of this association of the byakhee as a mount that some mystical hermetic orders use the title Knight to name their high ranking members - such as the Knights of Silver Twilight.

But those who think of the Byakhee as mere animals deceive themselves by assuming that they possess inferior intelligence. A byakhee can be as intelligent as a human being, being able to understand languages, to form a line of reasoning and to perform complex tasks that denote cognitive power. It is not uncommon for them also to possess arcane knowledge, and to master the art of witchcraft.

As so often happens in the enigmatic universe of Mythos, there is no consensus about the origin of the Byakhee. 

It is true, however, that they are a interstellar race, and most theoreticians assume that they come from Aldebaran. Some researchers argue that the Byakhee were once the dominant species of a planet conquered by the King in Yellow. Others believe that the race as a whole, struck a pact with Hastur that led to the end of their home world. This destruction made them a homeless species, forced to adopt the worlds claimed by Hastur and the space as their new home. 

There are indications that byakhee are also present in other planets, especially those that revolve around black stars or that are subject to overwhelming gravitational activity.


These alien creatures have an organ, so far as is known, unique to their species, called hune. By activating this appendix, located in their abdomen, the byakhee can affect reality, folding the interstellar distances so fast that for the observer they seem to teleport from one point to the other. The speed of this journey is so mind-boggling that it overcomes the speed of light itself, allowing the Byakhee to take incredible distances in mere seconds.

It is known of sorcerers who have used this method of interstellar travel to reach normally inaccessible points in the cosmos such as Celaeno, Aldebaran, Formalhaut and even the Throne of Azathoth in the center of the Universe. Of course, to undertake such a journey, the sorcerer must make preparations and consume at least one dose of Space Mead. Only by using this numbing substance can the sorcerer accompany the byakhee on his journey in safety. Those who do not know this detail, have their atoms dispersed in space as soon as the mount's hune begins to vibrate.

Metaphysicians have already tried to explore the mysteries of the unique byakhee way of moving through space, but as far as anyone knows, no one has succeeded in explaining how the hune works.

In the early 1950s, rocket scientist and occultist Jack Parsons (one of the pioneers in aerospace engineering) conjectured that the byakhee could represent a solution to future space exploration, eliminating once and for all any question concerning distance and speed. There are rumors that Parsons has dissected more than one byakhee trying to understand the functioning of the hune, but this may be mere hearsay.

Other rumors have claimed that engineers apart of the Nazi Wunderwaffen Project also showed interest in the Byakhee's unique abilities.
On the other side of the iron curtain, it is believed to have existed an analogous project funded by the Soviets in the 1960s. More recently, the Chinese would have tried the same approach. The current status of these projects is unknown.

To invoke a byakhee, the sorcerer must utter a series of kabbalistic words and the name of Hastur himself. A combination of words used by the Brotherhood of the Yellow Symbol involves the following invocation:
"Iä! Iä! Hastur! Hastur cf'ayak 'vulgtmm, vulgtmm, vulgtmm! Ai! Ai! Hastur!"

If Aldebaran is above the horizon and the Sorcerer used a whistle, especially one made with the bone of the femur of another byakhee, the chances of success are considerably greater. In these positive circumstances, the creature emerges straight out of space, its body half frozen by the cold of the space vacuum through which it traveled. Sometimes the Elder Sign must be used to cause the byakhee to comply with orders. But be warned that not always, this works! Many sorcerers who believed themselves capable of controlling a byakhee were sliced in ribbons by the very creature they conjured.

The physical appearance of the Byakhee is difficult to describe. Many chroniclers tried to describe them, but none succeeded in finding the adjectives that best define them. In the eagerness to try to say what they are, the witnesses try to compare them to animals with which they bear the slightest resemblance. In Greece, the Byakhee were compared to the mythical harpies, and perhaps as more than one scholar has suggested, they are the basis for the legend of these and other winged beings such as Griffin and Manticore. Some arcane tomes state that no Byakhee is equal to another, and that they may have unique characteristics that greatly differentiate members of the same race, to the point of sometimes being difficult to regard two creatures as kin.

The Necronomicon refers to the Byakhee as a monstrous chimera with characteristics that refer to birds, reptiles, mammals and even insects. There are specimens with beaks, horns and scales, coexisting with fur, multifaceted eyes and antennae. Most likely, the characteristics similar to that of animals on our planet are a mere accident, as the Byakhee are undeniably alien. As for color, the Byakhee are usually pale, predominating white, beige and light brown, but there are creatures with yellowish, blueish and even greenish scales. It is not impossible to find a Byakhee totally black, able to merge with the darkness like a shadow. Their flesh and skin is at least three times denser than that of humans, the same value for their bone structure.

One characteristic is present in all specimens: the powerful wings that propel them in their flight. Every Byakhee has at least one pair of wings, usually bat-like, on its back. These wings are vigorous and possess tremendous speed, allowing the creature to launch into the air and immediately gain height. The size of the Byakhee wings varies for each specimen, the largest can easily reach 6 meters spread. The creature's flying speed in our atmosphere has never been determined but it is likely that they can travel more than 200 kilometers per hour..  

The Byakhee usually has upper limbs that resemble arms, with hands endowed with five long toes ending in claws curved like scythes. The same claws are present on the feet, being mainly used for digging and grabbing, but also for attacking enemies. The injury caused by these claws results in a deep and possibly lethal gash. With their intelligence, the Byakhee seem to know enough of the anatomy of other beings to target delicate areas, such as the throat of human targets.



In addition to having a well-developed view, the Byakhee have an accurate scent that allows them to determine the particular smell of each person. When sent by sorcerers on murder missions, a Byakhee is usually supplied with some garment or with blood drawn from his victim so that he may find her and kill her. There are reports of Byakhees traveling long distances to accomplish their missions after being summoned. Creatures are unable to communicate in any human language, but they seem to understand orders and instructions, especially when their interlocutor uses ancient languages as well as esoteric languages.

Another peculiarity of these creatures is their particular taste for blood. A Byakhee apparently does not need to feed, but the pleasure they feel by draining fresh blood from a prey can be described as intoxicating. There are cases of Byakhees that capture their prey and carry them to isolated places. There they cut a vein and hang the prey upside down in order to extract the precious liquid. Others suck directly from the body of their captive, using long, tubular tongues that act like cannulas. A byakhee is able to drain gallons of blood voraciously, leaving a prey the size of a adult human dry within minutes. It is not known if they have other sources of nutrition, if they really exists at all.

There is controversy regarding a separation by gender in these creatures. If such a distinction exists, it is not possible to discern typical characteristics of males and females. Virtually nothing is known about the reproduction of the species, never having been found pups or evidence of mating.

Finally, it must be admitted that although the Byakhee have been known to sorcerers and circles of magic practitioners for millennia, in practice little is known about their nature.

And we may never know all the mysteries of this obscure alien race.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

2,000,000 de visitas - Obrigado a todos (em especial a Brown Jenkin)


Vou contar um segredo que nunca revelei aqui no Blog: Brown Jenkin, a medonha criatura meio homem e meio rato, descrita no conto "Os Sonhos na Casa da Bruxa" (The Dreams in the Witch House) esta sempre vigiando o que eu escrevo.

Tenho certeza que ele está fazendo isso agora, espreitando de alguma fresta, lendo o que estou escrevendo no computador. Eu posso ouvi-lo caminhando atrás das paredes, espionando com seus pequenos olhos de rato o cursor se movendo e formando as palavras... tenho certeza que ele é muito crítico e sempre temo que, se não gostar de algo que escrevi, vai me atacar com seus dentes afiados. 

O leitor deve estar se perguntando o que Brown Jenkin tem a ver com esse artigo (ou se está na hora de eu buscar ajuda profissional). 

Vamos colocar da seguinte forma: Brown Jenkin é ao menos em parte responsável pela criação do MUNDO TENTACULAR.

Simples assim!

Voltemos a 2008, quando eu escrevia um Blog que tratava de temas mais genéricos. Ele falava do que convencionamos chamar de cultura pop: literatura, desenhos, quadrinhos, filmes, RPG, games, e uma série de outras coisas... o nome não importa. Era um blog pequeno que já não existe faz tempo e que nunca me empolgou. No "auge" contava com cinco seguidores que junto com alguns anônimos, foram responsáveis por talvez algumas centenas de visualizações no espaço de vários meses. Não era grande coisa, e francamente, o visual era de doer.

A cada semana eu cogitava se aquela não seria a postagem derradeira e se valia a pena escrever algo que provavelmente ninguém iria ler ou se importar. Achei melhor encerrar a existência do tal blog, mas antes, decidi que iria escrever sobre um tema que sempre me interessou e que eu sempre deixava para a semana seguinte: a Literatura Fantástica de H.P. Lovecraft.

Eu sempre gostei de Lovecraft, de seus contos e é claro, do RPG inspirado neles. Mas nunca tinha escrito à respeito. Num final de semana chuvoso, sentei na frente do computador e comecei a escrever. O tal artigo ficou extenso, e por isso, resolvi publicar em três partes. Seria meio que um "The End" do blog e cheguei a redigir a despedida que concluiria sua existência quando a última parte fosse ao ar.

Na semana seguinte, para minha surpresa, o blog estava com oito membros e um número maior de visitas. Fiquei animado e postei a segunda parte. O fenômeno se repetiu e apareceram mais dois seguidores e (pasmem!) comentários pedindo a continuação da matéria.

Um dos comentários dizia algo mais ou menos assim:
"Olá! Eu li com muita atenção os artigos a respeito de H.P. Lovecraft. É uma pena que um dos grandes autores de horror não seja muito conhecido aqui no Brasil, mas se esses artigos o apresentaram a novos leitores, então você deveria se orgulhar. Adoraria se existisse um Blog em português  sobre o tema, quem sabe você poderia escrever um pouco mais sobre os Mythos de Cthulhu em futuros artigos. O que acha?"
O comentário era assinado por "Brown Jenkin" e concluía da seguinte maneria:

"Faça isso, ou vou roer seu coração".


Conhecendo o personagem, e sabendo que "roer corações" é exatamente o que ele faz no conto, a ameaça soava ao mesmo tempo divertida e preocupante.

Na semana seguinte, publiquei a parte final e depois a despedida do Blog. Como era de se imaginar ninguém se manifestou positiva ou negativamente a respeito do fechamento do Blog - ninguém, a não ser "Brown Jenkin" que escreveu nos comentários:
"Quer dizer que não vai ter mais nenhum artigo sobre Lovecraft, Cthulhu e os Mythos?"
A pergunta ficou sem resposta por vários meses. Durante esse período eu fiquei com aquela ideia na cabeça; criar um Blog dedicado ao horror cósmico de Lovecraft e de seus colegas do Círculo lovecraftiano, que falaria de filmes, quadrinhos, séries e dos RPGs por eles inspirado. Falaria também de coisas estranhas, de mistérios insolúveis, enigmas do desconhecido e de coisas bizarras que parecem extraídas desses mesmos contos assustadores. Com isso sempre haveria assunto porque, nada é mais estranho do que o mundo em que vivemos.

A grande questão era saber se um blog assim atrairia o interesse de leitores. Quantas pessoas teriam vontade de ler sobre essas coisas e voltar na semana seguinte em busca demais? 

Quase desisti diante dessa questão. Mas aí pensei no Brown Jenkin e na sua promessa de "roer meu coração"... (melhor não arriscar!)

O Blog nasceu oficialmente em junho de 2009 e recebeu o nome MUNDO TENTACULAR.

De lá para cá, se passaram cinco anos e meio, e hoje após a postagem de 908 artigos, comemoramos uma expressiva marca que eu nunca cogitei um dia alcançar: 2.000.000 de visitas e mais de 400 seguidores registrados.

O que posso dizer é um sincero MUITO OBRIGADO a todos os nossos leitores recorrentes e ocasionais. Obrigado por virem aqui diariamente, semanalmente, vez ou outra ou apenas agora. É um privilégio, recebê-los como leitores e leitoras que reservam um pouco de seu tempo livre para explorar, comentar, debater, criticar ou elogiar nossos artigos.

Quanto ao Brown Jenkin, eu só tenho a agradecer pelo impulso inicial para a criação do Blog e por nunca ter cumprido sua ameaça, sinal de que ele está satisfeito - pelo menos, tão satisfeito quanto pode ficar um roedor com cara de gente.

O Mundo Tentacular continuará até o dia em que os poderes dos Mythos resolverem despertar, e então... bem, esperamos que eles sejam benevolentes com quem sempre se esforçou para falar bem deles. 

Até as estrelas se alinharem, fiquem conosco, e aproveitem para perder um pouco de sua preciosa sanidade.

Iä! Iä! Cthulhu Fhtagn! Iä! Iä!


Brown Jenkin, nosso incentivador  

sábado, 18 de outubro de 2014

Pântano de Sangue - Quando mil soldados japoneses foram massacrados por crocodilos


Nos anais das guerras, inúmeras atrocidades foram cometidas por seres humanos contra seus semelhantes. O teatro de Guerra do Pacífico Sul durante a Segunda Guerra Mundial foi especialmente brutal, com múltiplos massacres e selvageria como raramente visto na história. Ainda assim, um dos momentos mais sangrentos e assustadores não foi promovido por mãos humanas, mas pelas presas e garras do mundo animal. Nos últimos meses do conflito, um pelotão com mais de mil soldados japoneses, que estava em uma remota ilha, entrou em um pântano infestado por crocodilos e jamais retornou; um desaparecimento que pode ser considerado como a maior carnificina causada por animais na história humana.
Por seis semanas, durante janeiro e fevereiro de 1945, o pântano infestado de crocodilos da Ilha de Ramree, localizada na Baia de Bangala na costa de Burma, foi o palco de uma sangrenta batalha entre japoneses e as Forças Aliadas. A Batalha de Ramree foi parte vital da campanha de Burma e foi iniciada com o objetivo de desalojar as Forças Imperiais Japonesas que haviam se instalado na ilha em 1942. Em 26 de janeiro de 1945, a Marinha Real Britânica acompanhada da 36a. Brigada de Infantaria indiana empurrou os inimigos da costa para o interior da ilha, tencionando estabelecer ali uma pista de pouso e decolagem. Não foi fácil expulsar os japoneses, eles haviam se preparado para resistir espalhando minas, ninhos de metralhadora e arame farpado que tornavam uma tarefa complicada avançar poucos centímetros pelo terreno irregular. 

Após uma longa e sangrenta batalha, as tropas aliadas conseguiram ganhar um trunfo, flanqueando a fortaleza japonesa e expulsando seus ocupantes, aproximadamente 1000 soldados, com disparos de morteiro e artilharia. Os soldados japoneses em fuga abandonaram a base e constituíram uma linha de defesa na esperança de que um batalhão maior pudesse se reagrupar e ajudá-los. Essa ajuda nunca veio. Os britânicos conseguiram cercar todos os lados, e não sobrou outra alternativa aos japoneses senão continuar retrocedendo para o interior pantanoso de Ramree. As tropas penetraram cerca de 16 quilômetros através de um terreno lamacento e com atoleiros, repleto de mosquitos e outros insetos peçonhentos. Ignorando a promessa dos britânicos de que os prisioneiros seriam bem tratados, os oficiais mandaram fuzilar aqueles que cogitaram a rendição. Foi nesse ponto que teve início o terrível martírio das tropas.

Supõe-se que os oficiais nipônicos acreditavam que cruzando o pântano conseguiriam atingir uma área mais elevada, mas a jornada era por demais árdua. Os soldados logo se viram atrasados pela lama densa e pegajosa que detinha seu progresso. Dezenas sucumbiam a doenças tropicais e pelo ataque de cobras, aranhas e escorpiões que se escondiam nos arbustos. O calor era sufocante. Ao longo de vários dias, a fome e a sede se tornaram incômodas companheiras de viagem. Os homens caíam pelos cantos e não tinham forças para levantar. Quando eles descansavam um pouco, eram bombardeados por navios na costa e pelas tropas britânicas que haviam desembarcado grandes canhões posicionados nos limites do pântano.
Japanese forces retreating.
Forças japonesas em retirada.
Mas o pior ainda estava por vir. Uma noite, tropas britânicas que estavam patrulhando a periferia do pântano ouviram o som de disparos e os gritos de pânico dos soldados japoneses. Logo ficou evidente que alguma coisa estava acontecendo no coração do pântano e que os soldados pareciam estar enfrentando uma força maligna que os estava fazendo em pedaços. Os britânicos receberam ordens para ficar de prontidão e não adentrar o pântano. Os soldados de guarda ouviram os gritos a madrugada inteira e só podiam imaginar o que estava acontecendo. 

Os japoneses sabiam que a Ilha de Ramree era infestada por ferozes crocodilos de água salgada, uma espécie de réptil extremamente agressivo e que pode atingir até seis metros de comprimento e pesar quase uma tonelada. Quando os exaustos soldados entraram cambaleando no pântano, foi como se uma sineta avisasse aos crocodilos que o jantar estava servido. As roupas sujas de sangue dos feridos atiçaram os animais que vieram às centenas para atacar. Os soldados foram cruel e impiedosamente massacrados pelas bestas, e os sobreviventes contaram como os agressivos animais se lançavam às centenas contra os homens, arrastando-os em suas bocas para dentro da água onde os dilaceravam. Os soldados tentavam atirar para todo lado, mas os animais não se intimidavam com seus esforços de resistir. Alguns subiram em árvores e outros tentaram correr, mas quando um crocodilo fixava seus olhos em uma vítima avançava como uma máquina implacável de matar. Os relatos mencionam como os animais apareciam do nada, atacavam e arrastavam suas vítimas para as águas turvas que logo se tornavam vermelhas. Os homens se reuniam em grupos, uns de costas para os outros para vigiar, mas de nada adiantava. 

O naturalista Bruce Stanley Wright descreveu o cenário em seu livro "Wildlife Sketches Near and Far" de 1962:
Aquela noite foi horrível para as tropas que estavam posicionadas na borda do pântano e ouviram tudo. Alguns homens tiveram de ser dispensados da patrulha por não suportar os gritos que vinham lá de dentro. Os crocodilos atraídos pelo som da batalha e pelo cheiro de sangue convergiram aos milhares para o interior da ilha usando os mananciais rasos para se esconder e atacar de surpresa. O ataque do crocodilo de água salgada é rápido e certeiro, o animal se move com precisão, saindo da água apenas o suficiente para alcançar seu alvo e mordê-lo com presas afiadas capazes de triturar ossos como se fossem gravetos. Os crocodilos se concentraram nos feridos e naqueles muito extenuados ou aterrorizados para correr. O crocodilo de água salgada tem uma particularidade tenebrosa: ele continua atacando mesmo que tenha obtido carne suficiente para se fartar. Ele costuma afundar suas vítimas na água em tocas alagadas onde acumulam um estoque de carne. Os soldados que conseguiram correr foram perseguidos na escuridão, tendo que fugir através da lama que impedia sua retirada. Mesmo os que conseguiram subir em árvores não estavam à salvo. Os crocodilos aguardavam pacientemente até que a fome os obrigasse a descer e muitos preferiram acabar com o horror colocando uma bala na cabeça. O som dos disparos e gritos foram se tornando mais raros a medida que os homens morriam, mas por vezes era possível ouvir o som das mandíbulas se fechando e os urros de dor. O som de milhares de crocodilos massacrando mil homens é algo raramente ouvido na Terra e não deve ser algo agradável. Quando amanheceu, urubus e abutres sobrevoavam o pântano, ansiosos para limpar aquilo que os crocodilos haviam deixado. Dos cerca de 1000 soldados japoneses que entraram no pântano de Ramree, apenas 20 foram encontrados com vida.
Crocodile-attacks-5
Alguns dos sobreviventes que conseguiram sair do pântano e se entregaram aos britânicos, estavam em estado de choque, feridos ou cobertos com o sangue de seus companheiros. Nunca se soube o número exato de soldados que encontraram seu fim no pântano, mas a despeito da confirmação do número exato, o Guiness Book of Records coroou essa tragédia como "O maior número de vítimas humanas num mesmo ataque de animais". 

O pavoroso incidente na Ilha de Ramree ganhou uma aura quase lendária entre os veteranos da Guerra no Pacífico, ao lado do relato similar do naufrágio do USS Indianápolis que custou a vida de centenas de marinheiros, vítimas do ataque furioso de tubarões. 

Hoje, a Ilha de Ramree continua muito semelhante como era em 1945. Um lugar selvagem e inóspito, cuja quietude costuma ser enganosa. Os crocodilos de água salgada continuam vivendo nesse pântano, e talvez, os fantasmas dos soldados feitos em pedaços ainda vaguem sem destino através de seus charcos lamacentos.