domingo, 31 de julho de 2016

Lago Shawnee - As Lendas sobre o Parque de Diversões mais Assombrado do Mundo



Parques de Diversão são lugares de alegria e diversão, onde famílias inteiras podem se reunir e aproveitar de sua companhia. E embora isso possa ser verdade na maioria das vezes, também é certo que esses lugares podem ser absolutamente sinistros, sobretudo quando os parques são abandonados.

Há uma certa aura de pavor, algo quase palpável envolvendo parques de diversão abandonados. Talvez seja a contradição entre a felicidade que eles conjuravam, com rostos sorridentes e a algazarra de crianças, contrastando com o silêncio sepulcral, o vazio e as estruturas de metal, semelhante a esqueletos de grandes bestas, enferrujando lentamente, expostos aos elementos.

Talvez seja nossa aversão natural a lugares esquecidos e deixados para apodrecer. Ou talvez haja algo mais, algo ainda mais esquisito e difícil de colocar em palavras. Algo que nos faz ter arrepios, que causa desconforto e impinge nas pessoas mais sensíveis um sentimento opressivo.

No Estado da Virgínia Ocidental, nos Estados Unidos, existe um Parque de Diversões marcado por uma passado trágico e por estórias tão brutais de azar e morte que tais elementos macabros se fundem para criar um lugar verdadeiramente perturbador de se visitar. Isso e a aparência grosseira do lugar, com mato dominando o maquinário conferindo aos restos carcomidos uma aparência de completa ruína e decadência.

Algumas pessoas chamam esse lugar amaldiçoado de "O mais aterrorizante Parque de diversões do mundo" e não por acaso, ele é considerado um dos lugares mais assombrados da América. O Parque de Diversões de Shawnee Lake nos dá razões suficientes para continuar temendo esses lugares onde a alegria se foi a muito tempo.


Localizado no Condado de Mercer, na Virgínia Ocidental, apenas algumas milhas de distância da Universidade de Princeton, a área onde o Parque de Diversões do Lago Shawnee foi construído possui uma longa e sombria história. Acredita-se que a área era usada pelos nativos da Tribo Shawnee como cemitério.

Os Shawnee foram quase que completamente extintos pelos colonos brancos nas Guerras Indígenas do século XIX e sabe-se muito pouco a respeito de sua estória. Arqueólogos, no entanto, atestaram que aquela porção de terra, às margens de um lago sinuoso eram utilizadas para enterrar seus mortos. De fato, alguns sugerem que mais de 3000 ossadas humanas tenham sido removidas do solo lamacento quando as obras do parque se iniciaram.

Mas muito antes disso, o lugar testemunhou acontecimentos igualmente tenebrosos.

Em 1781, uma família de colonos brancos conhecida como os Clays, consistindo do pai Mitchel Clay, sua esposa Phoebe Belcher Clay, e suas três crianças, Bartley, Tabitha e Ezekiel se estabeleceram na área onde construíram uma fazenda bem em cima do cemitério. Os Shawnee obviamente ficaram furiosos com o que eles consideravam um sacrilégio para com seus antepassados. Os Clay eram os primeiros colonos a tentar se estabelecer tão longe e desde o início enfrentaram a resistência dos nativos.


A tribo, enfurecida pela profanação de sua terra, alertou repetidas vezes os Clay para que abandonassem o local, mas eles obstinadamente ignoraram os avisos. Em agosto de 1783, um bando de nativos decidiu dar um basta na situação, sobretudo porque havia planos de mais famílias se instalarem na área. Os guerreiros invadiram a propriedade na calada da noite, arrastaram os membros da família para fora e os assassinaram com golpes de machadinha e porretes. Phoebe e Mitchel foram amarrados numa cerca e escalpelados, antes porém, tiveram de testemunhar suas crianças, Bartley e Tabitha, serem empalados e morrerem lentamente. O filho mais velho Ezekiel havia desaparecido e os rastros indicavam que ele havia sido levado. O horror daquela noite sangrenta só foi descoberto semanas mais tarde quando um viajante encontrou os restos da fazenda ainda ardendo em chamas.

O sujeito correu para o assentamento mais próximo onde relatou a estória sem poupar detalhes do horrível incidente. Logo uma posse se formou para caçar os responsáveis por aquele massacre. O bando foi engrossado por voluntários e soldados da 45a Cavalaria que estavam lotados em um forte próximo e eram veteranos de Guerras contra os Sioux, tendo portanto "experiência com índios". Além da vingança, a grande preocupação era descobrir o paradeiro do jovem Ezekiel de 16 anos.

A retribuição dos colonos foi rápida e violenta. Fortemente armados, eles capturaram e persuadiram um nativo a revelar a localização da aldeia Shawnee - supostamente fixada na margem oposta ao cemitério. Eles rumaram para lá com uma sede de sangue incontrolável. Mesmo para os padrões da época a mortandade foi exagerada: em meio ao ataque, mulheres e crianças foram chacinadas, o mesmo acontecendo com velhos que foram perfilados e fuzilados.

Mas foi quando os homens encontraram indícios do que havia acontecido com o jovem Ezekiel que tudo passou a ser justificado em meio ao frenesi justiceiro. Os Shawnee tinham costumes severos e haviam sequestrado Ezekiel com um propósito horrendo. O xamã da tribo realizou um ritual no qual a pele das costas e peito do rapaz fora esfolada e usada para confeccionar um tambor, usado para apaziguar os maus espíritos. O clamor de sangue após essa descoberta dantesca só aumentou e resultou em mais barbárie.

Narrativas da época detalham como bebês Shawnee foram colocados em sacos de couro e atirados no lago para morrerem afogados. Como mulheres foram violentadas repetidas vezes e depois incendiadas vivas com alcatrão. E como o escalpo de todos os guerreiros foi removido com facas para se tornarem mórbidos troféus daquilo que passou a ser chamado corriqueiramente de Campanha Shawnee.

O Horrível Massacre lançou uma nuvem rubra e maligna sobre todo entorno do lago. Nas décadas seguintes, os colonos se recusavam a ocupar a área alegando que vozes abafadas, gritos e luzes espectrais costumavam se erguer dos barrancos lamacentos que terminaram por engolir os cadáveres insepultos e os restos da aldeia.  


Mas o tempo passou, e embora a memória dos acontecimentos pérfidos daquele ano brutal ainda fossem lembrados, muitos detalhes foram se apagando.

Com o crescimento do Condado de Mercer, a região da fazenda Clay passou a atrair novamente o interesse de pessoas que almejavam ocupar as terras, a despeito de seu passado tumultuado. Foi lá que um empreendedor do ramo da diversão chamado Conley T. Snidow resolveu arrendar as terras em 1926. Não se sabe ao certo se Snidow tinha conhecimento do passado sangrento ou simplesmente não se importava, o fato é que ele acreditava que a área poderia ser o local perfeito para montar um Parque de Diversões. Desde a metade do século XIX muitas famílias de mineradores haviam sido atraídas pela pujante indústria de carvão que se estabeleceu na Virgínia. Todas essas pessoas precisavam de passatempo e diversão e Snidow farejou um mercado consumidor.

De início não parecia nada muito complicado em montar o parque. Alguns carrinhos, uma roda gigante e pequenos pedalinhos para deslizar pelo lago foram trazidos de New Jersey. Gradualmente o parque foi aumentando de tamanho com a adição de um salão de dança, piscinas e pequenas estruturas oferecendo jogos de azar e atrações circenses. O Parque foi um sucesso imediato e por algum tempo a aura de horror sobre o local pareceu desanuviar.

Nos anos 1950 as atrações incluíam carrinhos de bate-bate, uma pista de motocicletas infantis, passeios de pônei e até uma Montanha Russa. Ao que parecia, o Parque de Diversões ironicamente batizado com o nome Lago Shawnee era um lugar agradável para se passar o dia entre família e amigos. Mas a tragédia logo iria lançar uma sombra sobre toda diversão e brincadeiras, e proporcionar ao lugar um novo gosto de morte.

Foi em 1950 que ocorreu a primeira morte no Parque do Lago Shawnee. Uma menina de 9 anos foi atropelada por um caminhão de entregas que estava dando ré. Ele esmagou a criança enquanto ela estava brincando nos balanços. A morte foi trágica, mas nada que abalasse a frequência do público ou suscitasse medo. Então em 1966, outra morte, dessa vez de um garoto de 11 anos chamou a atenção da mídia. O menino se afogou no lago do parque depois de ser arrastado pelo sistema de escoamento - até hoje, alguns afirmam que ele teria sido assassinado e lançado no lago. A criança foi considerada desaparecida por semanas até que mergulhadores localizaram o corpo jazendo num atoleiro.


Embora essas tenham sido as mortes mais famosas ocorridas no parque, há rumores que muitas outras tenham acontecido, como um inexplicável acidente no qual um homem caiu (ou se atirou) da Roda Gigante e outros seis incidentes (alguns segundo relatos fatais) envolvendo brinquedos com a manutenção falha. Teria havido ainda um trágico acidente na montanha russa, mas uma vez que não há registros concretos do ocorrido, não há como dizer ao certo se ele de fato ocorreu.

Em 1967, após o incidente com o garoto afogado, o Parque do Lago Shawnee foi fechado. O dono do empreendimento foi acusado de desfalques e envolvido num escândalo de prostituição infantil. Ele declarou falência e sem dinheiro, a área foi toda abandonada caindo em desuso.

O Parque ficaria abandonado por décadas, a ferrugem corroendo os restos dos brinquedos cercados pela vegetação até 1985, quando um homem chamado Gaylord White conseguiu comprar as terras almejando reabrir o parque. Entretanto, talvez por conta da história de mortes ocorridas e pelo passado, o empreendimento foi um terrível fracasso. Ele se manteve aberto por apenas três anos até fechar novamente após um acidente na Montanha Russa que por milagre não terminou em tragédia.

A essa altura, estórias de fantasmas já haviam se espalhado atraindo a atenção de curiosos. Presenças incorpóreas, espíritos de índios e o som de gritos eram frequentemente ouvidos e vistos por aqueles corajosos (ou tolos) a ponto de visitar o local à noite.

O Parque foi transformado em um Pesque e Pague em 1989, mas este também fracassou, sobretudo porque havia um rumor persistente de que cadáveres foram encontrados boiando no lago. Em 1993, ossadas vieram à tona num barranco e arqueólogos chamados para verificar se eles pertenciam a nativos Shawnee julgaram impossível determinar sua origem. Alguns afirmavam que eles eram mais recentes, talvez do início do século XX. A quem pertenciam aquelas ossadas, ninguém até hoje sabe.


Considerando seu passado assustador, os arredores do Parque Lago Shawnee parece perfeito para estórias sobre fantasmas e assombrações. Alguns dos fenômenos mais comuns associados com o parque abandonado envolvem uma misteriosa sensação de estar sendo observado ou seguido, súbitos ataques de pânico e a sensação de mãos incorpóreas agarrando e empurrando. Há também testemunhos de objetos se movendo, sombras ameaçadoras espreitando e pontos que repentinamente se tornam frios. Isso além, é claro, de balanços que se movem a despeito de não haver vento, estalos e ranger de máquinas e peças caindo. Há muitas descrições de ruídos inexplicáveis no parque, desde risadas de crianças, a choros de bebês e brados furiosos no que muitos alegam ser palavras no dialeto Shawnee. Alguns já citaram ainda ver um espírito de um guerreiro nativo-americano vagando pelo parque com a parte de trás da cabeça arrebentada por um disparo de rifle. Esse suposto Guerreiro Shawnee teria corrido atrás de mais de uma pessoa criando o rumor de que o fantasma pertenceria a um chefe tribal. Fotos tiradas no Parque supostamente provam a presença de vultos e globos de luz inexplicáveis se erguendo do lago ou dos atoleiros próximos.  

Gravações feitas por parapsicólogos garantiram ao Parque do Lago Shawnee muito de sua reputação como assombrado. Uma gravação feita em 1987 é possível ouvir um som arrepiante de objetos batendo e de gritos em um idioma desconhecido. Em outra gravação de 1992 é possível ouvir várias vezes a palavra "Não" sendo sussurrada, seguindo de gemidos e de um forte estrondo, causado por um banco da roda gigante que naquela noite caiu. Uma terceira gravação obtida por um programa de "caçadores de fantasmas" em 1998 registrou o que parece ser uma voz infantil repetindo as palavras "Eu quero balançar" e "Eu estou balançando" enquanto os balanços se moviam sem parar. 


A área dos balanços aliás é considerada a mais assombrada do parque. Visitantes relatam ter visto os balanços enferrujados de ferro rangendo e e se movendo sozinhos. Aqueles que sentam nos balanços também sentem um estranho frio. Há rumores do avistamento de uma menina sentada nesses balanços sempre triste e chorando. Algumas testemunhas identificaram o fantasma como a criança que morreu na década de 1950.

A reputação pelo inexplicável, bem como a atmosfera assustadora reinante transformou o Parque de Lago Shawnee em uma atração para caçadores de sustos e alegados parapsicólogos. O parque foi foco de vários programas de TV a respeito do sobrenatural, incluindo o "Scariests Places on Earth" da ABC, o "Ghost Lab" do Discovery Channel e "The Most Terrifying Places in America" do Travel Channel. Ele também possui um episódio especial no "Lugares mais Assombrados" da National Geographic.  

Durante uma filmagem em 2005 do programa "Scariest Places", a equipe se recusou a entrar no parque depois de ouvir sons estranhos à noite e o bater de um tambor. Um dos médiuns do programa supostamente teve um ataque de pânico que resultou em sua hospitalização. Na mesma noite, uma estrutura de ferro pertencente a Montanha Russa desabou no exato local onde a equipe de filmagem planejava colocar seu equipamento de mixagem. É claro, todos esses acontecimentos serviram para manter aceso o interesse e curiosidade macabra sobre o Parque. 

Embora a área esteja aberta a visitação pública e exista um camping próximo, há placas avisando aos visitantes para tomar cuidado e não explorar o local à noite devido ao perigo de acidentes. Não obstante os avisos, desde 2000, as autoridades de Mercer reportaram pelo menos 15 acidentes nos arredores do Parque, sendo dois destes fatais.


Recentemente, indivíduos tem tentado obter lucro com a reputação do Parque oferecendo visitas guiadas para visitantes. Entre 25 e 31 de outubro uma festa chamada Dark Carnival, apresentando visitas e até uma Casa Assombrada que é montada nos arredores do Parque abandonado. Visitantes desse tour podem explorar os arredores, desde que se comprometam a ficar na companhia dos guias. Desde que as visitas se iniciaram, não houve nenhum incidente grave, embora algumas pessoas insistam que sentem tremores, mãos espectrais e áreas gélidas.

Se lugares abandonados são naturalmente assustadores, então parques de diversão devem ser ainda mais arrepiantes. Se existe alguma assombração responsável por acidentes que marcaram a história do Parque do Lago Shawnee nós jamais saberemos, mas com certeza esse lugar traduz uma sensação esmagadora de desamparo, desolação e pavor. Seria esse sentimento de medo e a tendência a ver fantasmas em lugares semelhantes apenas a força de nossa imaginação aflorando?  Ou tais lugares realmente parecem transbordar com energia negativa represada pelas suas muitas tragédias? 


Talvez, a melhor maneira de descobrir a verdade seja dar uma volta pelo Parque abandonado após o cair da noite e esperar que algo aconteça...

Se você tiver coragem.

*     *     *

Só um pequeno adendo: 

Esses casos sempre são mais bacanas quando a gente tem um testemunho particular para contribuir com o texto.

E nesse caso eu tenho um.

Quando eu era criança, acho que devia ter uns 9 ou 10 anos de idade, fiz uma viagem com meus pais e ficamos na casa de uns parentes em Santa Catarina. Eles tinham uma casa de praia no litoral sul e todos fomos para lá naquele ano. Lembro que perto havia um terreno baldio com os restos de um parque de diversões abandonado, um daqueles bem fuleiros que costumam ser montados nas férias, principalmente em cidades do interior.

Meus tios contaram que o parque havia sido montado dois anos antes e que não foi desmontado pelo responsáveis, ficando abandonado daquele jeito. "Uma vergonha!". Nesse meio tempo, os brinquedos haviam enferrujado, havia enormes poças de água estagnada e mato crescendo para todo lado. Claro, disseram que não era para ir até lá, já que poderia ser perigoso.

Mas é óbvio que para quem cresceu nos anos 1980, dizer a uma criança que ela "não pode ir a um lugar", soava como um convite, quase uma obrigação. Meus primos, é claro, conheciam o parque e estavam acostumados a visitá-lo. Após muito insistir, naquela tarde demos um jeito de escapar e explorar as ruínas do Parquinho. Lembro até hoje que o nome dele era "Parque de Bombinhas", o nome estava em um letreiro quase apagado, sobre o portão de entrada que saltamos para entrar. 

E realmente, o lugar era sinistro!

Sabe aquelas estruturas de ferro retorcido? Mato selvagem crescendo em todo canto? Piscinas de água barrenta? Lixo, ferragens e lembranças descartadas? Pois é... tinha tudo isso.

Havia um bate-bate com alguns carrinhos amassados num canto, um roda-roda tipo centopeia todo descascado e várias estruturas que deviam ter sido usadas para brinquedos desativados. Ah sim! Tinha um carrossel com os cavalinhos e carruagens mais medonhas que eu já vi na minha vida. 

Mas pior do que a aparência de ruína e abandono, era o silêncio que reinava. Sabe quando o silêncio é completo e a gente torce para ouvir qualquer coisa para quebrar aquela sensação inquietante? E mesmo nós, crianças que éramos, ficamos sem ousar fazer brincadeiras típicas de nossa idade. Não parecia certo... simplesmente parecia inapropriado romper o silêncio daquela ruína onde risadas não eram mais bem vindas.

Fantasmagórico? Assombrado? Eu realmente não vi nada... mas se há certos lugares que não são bons para a imaginação, aquele parquinho mequetrefe apodrecendo ao sol, era um deles. O cenário ideal para um conto de Stephen King, que até então eu nem pensava em ler. 

Nós fomos embora logo... estava perto do fim de tarde e ninguém queria ficar ali depois do anoitecer, ainda mais que lembranças de "Pague para Entrar, Reze para Sair" estavam frescas na nossa memória, graças às Sessões Corujão da época.

Eu ainda tenho que perguntar aos meus primos o que aconteceu com o Parque de Bombinhas e se ele ainda existe naquele terreno baldio, sendo comido pelo vento e maresia.

Não duvido nada que ainda esteja lá, desafiando crianças a rir em seu interior.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

TOP 5: As Cinco Magias mais terríveis dos Mythos de Cthulhu


E quando ninguém espera, aqui está mais um infame artigo de TOP 5, trazendo o que há de pior e mais aterrorizante no Universo Lovecraftiano devidamente pesado, medido e colocado em ordem de grandeza e importância.

Hoje temos algo especialmente tenebroso e assustador, algo cuja simples menção é capaz de deixar o mais destemido dos investigadores do Mythos apavorado.

Estamos falando de Magia Negra, Feitiçaria, Bruxaria, Malefício, das artes obscuras e ciências proibidas.

O Universo do Mythos de Cthulhu contempla uma enorme variedade de medonhos feitiços dominados por cultistas degenerados e cruéis feiticeiros. Alguns obtiveram essas magias por intermédio de tomos ancestrais, transbordando com sabedoria arcana inominável, outros aprenderam segredos milenares com mentores severos que lhes passaram um conhecimento quase esquecido, outros ainda, comungaram com entidades inumanas e criaturas obscuras que lhes instruíram na mais Negra das artes.

Aqui estão as cinco mais terríveis magias do Mythos:

Quinta Posição:

 Promessa Indizível (Unspeakable Promise)



"Roger sempre temeu que esse dia chegasse! Em seu íntimo ele sempre soube que Hastur viria cobrar a sua promessa solene.

Mas fazia tanto tempo que ele havia prometido seu corpo e alma ao Senhor de Carcosa, e tolamente chegou a pensar que de alguma forma estaria livre do acordo... Mas ele estava errado! E quando aquela derradeira noite chegou, a carne de Roger Acroft se rebelou. Seu corpo derreteu e fundiu-se em uma nova forma, seus ossos se partiram, em suas costas surgiram asas membranosas, de sua face brotou uma cascata de tentáculos. 

No fim da dolorosa transformação ele não era mais Roger Acroft,  não era sequer humano. Ele era um instrumento de Hastur e dali em diante cumpriria sua parte na barganha." 

*     *     *

Magia Negra e Feitiçaria em Chamado de Cthulhu são ferramentas para realizar e obter coisas normalmente inatingíveis. Feiticeiros são capazes de burlar as leis da natureza e conseguir recompensas inacreditáveis. Mas é claro, existem aqueles que querem mais, que transformam sua obstinação em obsessão e fazem o que estiver ao seu alcance para atingir seus objetivos.

Promessa Indizível é uma espécie de Pacto Diabólico. Ele é firmado entre um feiticeiro e Aquele que não deve ser nomeado. Através dessa pérfida barganha, o feiticeiro obtém algo que deseja e que não poderia conseguir exceto pela intercessão de Hastur. Conhecimento blasfemo, saber profano, rituais esquecidos, poder sem limite, vida eterna... seja lá o que ele pleiteia é providenciado de uma forma ou de outra. Por um momento, a barganha parece incrivelmente vantajosa, afinal, não há nenhum custo imediato. 

Mas como sempre, existe uma contra-partida.

A cada ano que passa, sempre na data em que o pacto foi firmado, Hastur pode vir até seu pactuante e exigir sua parte do acordo: a Promessa Indizível.

Através desse contrato solene, Hastur pode reclamar o corpo e a alma do pactuante, transformando-o em uma de suas criaturas, que para sempre irá servi-lo, atendendo suas ordens e caprichos. A monstruosa transformação arranca do pactuante qualquer resquício de humanidade: seu corpo é transfigurado dolorosamente, destruído em sua essência e então reconfigurado na forma de algo que atende ao senso estético e às necessidades do Senhor de Carcosa. A transformação é profunda e irreversível, resultando no surgimento de um horror inenarrável, que um dia foi um ser humano.

Quarta Posição:

Transferência de Mentes (Mind Transfer)


"Os olhos da bruxa a encaravam sem parar. No início Lydia tentou resistir, mas havia algo de estranhamente magnético naquele olhar maligno. Ela não conseguia desviar os olhos e deixar de encará-la. 

De repente, a bruxa arreganhou os lábios em um sorriso dantesco e recitou algumas palavras sem sentido. E no instante seguinte... horror! Lydia não estava mais amarrada naquela mesa, ou estava? Era uma situação tão surreal que ela não conseguia entender. Ela podia ver a si mesma ali, presa. Era como se tivesse saído de seu próprio corpo por um instante e estivesse vendo a cena de uma outra perspectiva. Ela estava de pé, no exato local onde estava a feiticeira... e só então, ela compreendeu. E seus joelhos fracos, condizentes com os de uma anciã, não suportaram o peso da revelação e ela desmaiou. 

A última coisa que ouviu antes de perder os sentidos foi uma gargalhada que vinha de sua própria garganta!

*     *     *

Transferir mentes é uma daquelas magias cruéis, usadas apenas pelos piores e mais malignos bruxos e feiticeiros que dominam as artes negras.

Através desse feitiço a mente do realizador é forçada a ocupar o corpo de outra pessoa, enquanto a consciência dessa vítima é catapultada para dentro de seu corpo. A magia funciona imediatamente ,bastando uma troca de olhares e, em seguida, recitando algumas palavras mágicas. Num passe de mágica, a pobre vítima acorda no corpo de outra pessoa, enquanto o seu próprio corpo é roubado pelo inescrupuloso feiticeiro.

Essa é uma das magias mais assustadoras em suas implicações.

Ela representa o supremo roubo de identidade, uma das formas mais pérfidas de adquirir saúde e juventude, ao mesmo tempo que condena um pobre diabo a uma existência em um corpo que não é seu, geralmente fraco e doente. Especialmente tenebrosa se lançada por uma bruxa medonha ou por um feiticeiro à beira da morte, esse feitiço não raras vezes resulta em loucura e morte.

Terceira Posição:

Devorar Aparência (Consume Likeness)


"Mandy não era capaz de explicar, mas ela sabia que aquele não era seu noivo. A aparência era de Peter, mas havia algo muito estranho nele. Algo que ela não conseguia exprimir em simples palavras. Os olhos, a expressão facial, o corpo... tudo estava correto. Ela o conhecia bem, conhecia cada detalhe dele. Como explicar aquilo?


Certa noite, Mandy resolveu visitar o noivo. Ela usou sua chave para entrar pelos fundos, já que Peter não estava.

Mandy não resistiu e começou a vasculhar a casa, buscava qualquer coisa que afastasse suas suspeitas e que provasse que sua desconfiança era infundada. Na cozinha encontrou algo estranho, uma pequena poça de sangue que havia escorrido do interior da geladeira. Ao abrir o compartimento, deparou-se com vários sacos plásticos e embalagens contendo tenros pedaços de carne fresca. Mas seu noivo não era vegetariano?

A mente de Mandy buscava explicações, mas quando conseguiu focar sua atenção em um embrulho no fundo da geladeira tudo ficou ainda mais estranho. A embalagem contendo fatias vermelhas estava bem embalada e com uma etiqueta onde alguém havia escrito: "Peter Green". Havia outros nomes também: de amigos, de conhecidos e de outras pessoas de quem ela jamais havia ouvido falar. Todos eles escritos na mesma caligrafia em etiquetas identificando cada embalagem com um nome.

Nesse momento, a porta da frente se abriu e Peter entrou assoviando.

*     *     *

Devorar Semelhança é uma magia criada pelo atávico Povo Serpente. Esta raça milenar de criaturas meio homem-meio réptil, segundo a mitologia ancestral, viveu há milhões de anos e construiu um poderoso Império que governou boa parte do mundo conhecido. Seus membros detinham um profundo conhecimento, tanto de magia, quanto de ciência. Em algum momento de sua história, o Império entrou em decadência e o Povo Serpente foi forçado a se esconder das hordas de humanos que os detestavam e que proliferaram em grande número.

Eventualmente, os últimos membros do Povo Serpente tiveram de se refugiar em esconderijos ocultos. Uma vez que vagar entre os homens era extremamente perigoso. Eles desenvolveram um disfarce perfeito que lhes permitia andar entre os humanos sem chamar a atenção. Apesar dos homens serpente terem dominado com maestria esse feitiço em especial, ele acabou sendo descoberto e copiado em tomos esotéricos com o macabro nome "Devorar Semelhança".

O feitiço permite que o utilizador assuma a forma perfeita de outra pessoa. Até aí, nada de mais. Contudo, não é a magia em si que torna "Devorar Semelhança" assustadora, e sim como ela precisa ser  realizada.

A magia exige que o feiticeiro mate a pessoa que deseja personificar através de um elaborado ritual no qual a garganta é cortada. Não bastasse o horror do assassinato ritualístico; para concluir o feitiço e assumir a aparência do indivíduo, torna-se necessário consumir porções de sua carne. Feiticeiros que promovem esse ritual costumam desmembrar e preservar (seja salgando ou mais recentemente congelando) bocados da carne de suas vítimas para que a magia possa ser usada repetidas vezes. Para completar o horror, alguns compêndios de magia negra constam com sugestões de como preservar, dispor e até mesmo preparar repastos de carne humana. 

Um último detalhe que torna essa magia ainda mais bizarra é que a despeito da transformação física, a sombra do feiticeiro não acompanha a mudança. Ou seja, se uma luz forte incidir sobre alguém usando essa magia, a sombra original poderá ser vista.

Segunda Posição:

Roubar Vida (Steal Life)



"O que você quer?" perguntou o mendigo apavorado. 

"Você tem algo que eu necessito" respondeu o ancião com enorme determinação. Sua voz não vacilava ou fraquejava. Seus passos eram decididos e encurtavam a distância entre eles.

"Eu não tenho nada! Juro... o que você pode querer de mim". perguntou o sujeito cada vez mais aterrorizado.

"Sua juventude" disse o velho e nesse exato momento seus olhos faiscaram com um brilho azulado.


*     *     *

A vida eterna é uma das buscas mais antigas da humanidade. O desejo de perpetuar a existência indefinidamente é um sonho acalentado desde o início dos tempos. Juventude, saúde, beleza e vigor são atributos almejados por todos, mas apenas os mais cruéis feiticeiros aprendem um feitiço que permite extrair esses elementos de outras pessoas.

Roubar Vida é uma magia especialmente perversa descrita em tomos muito poderosos como o Necronomicom. Ela está ligada a entidades devotadas a entropia como Tulzcha, Hastur e Abhoth. Através dela, o utilizador experimenta um rejuvenescimento gradual a medida que a força vital de outra pessoa é drenada e transferida para seu corpo. Isso significa dizer que ao mesmo tempo que o mago parece remoçar, sua vítima envelhece, seca e ganha um aspecto velho e doente.

É especialmente desconcertante ver uma pessoa rejuvenescendo, quase uma traição das leis da natureza, mas é ainda pior assistir um indivíduo, no auge de sua juventude, ganhar idade e ficar alquebrado pelos efeitos danosos desse malefício. O processo concede ao feiticeiro um suprimento de vigor que o deixa "reabastecido" por semanas, já da vítima, não havendo interrupção, tudo que resta será uma casca vazia e seca prestes a se desfazer em poeira como uma múmia ancestral. 

O horror de sofrer esse tormento não pode ser descrito, aqueles que passam pela experiência e sobrevivem simplesmente enlouquecem ou se tornam tão traumatizados que sequer conseguem lidar com sua nova condição.

Primeira Posição:

Magia da Morte (Death Spell)


Harold gritou em desespero! Algo estava muito errado, mas ele não conseguia entender o que estava acontecendo. As palavras daquele velho charlatão não poderiam afetá-lo de tal maneira... ou poderiam?

Foi então que ele sentiu o calor que vinha de dentro de seu próprio corpo. Incrédulo, ele sentiu como se centenas de pontas de cigarro estivessem tocando sua pele ao mesmo tempo. A dor lancinante fez com que ele se jogasse no chão tentando apagar chamas imaginárias, mas não havia como conter a onda devastadora de calor que vinha de dentro. Os cabelos se incendiaram, as roupas foram consumidas imediatamente pelo fulgor, o fedor de carne queimada se espalhou com uma fumaça escura. Bolhas causticantes brotaram na sua carne, derretendo sua pele e as camadas adiposas como se ele fosse uma vela de cera. O sangue em suas veias fervia e o líquido de seu corpo sublimava. Tecidos e músculos arderam em queimaduras medonhas de terceiro grau. Harold gritou quando sua carne se desprendeu dos ossos e estes surgiram envoltos por chamas ferozes de um laranja vivo. Por fim, os ossos também se despedaçaram, partindo-se em pedaços calcinados diante da temperatura abrasadora. Eles se dispersaram em uma explosão de poeira escura.

E então, não restou nada a não ser uma silhueta enegrecida no chão, retorcida pela extrema agonia de seus momentos finais.

*     *     *

Essa na minha opinião vai para o trono como a magia mais terrível dos Mythos!

Através desse feitiço tenebroso, o utilizador literalmente destrói uma pessoa fazendo com que uma onda de calor irrefreável cause uma conflagração completa em seu organismo. O efeito se assemelha a ser atirado em um rio de lava ou ter o corpo imerso por compostos químicos cáusticos, mas com um importante diferencial: as chamas vem de dentro para fora. Alguns teóricos dos mythos acreditam que essa magia envolve um acordo com Cthugha, chamado de a Chama Viva. O corpo da vítima é aquecido a uma temperatura que incêndio algum poderia equiparar e durante todo o processo, por alguma razão que não pode ser explicada, a vítima mantém sua consciência até o fim.      

Alguns podem argumentar que a morte ao menos é rápida, mas pense na extrema agonia de ser cremado de dentro para fora. Nesse ínterim, cada segundo equivale a um tormento interminável. Por fim, nada resta da vítima, ela literalmente deixa de existir em uma explosão de ossos enegrecidos que se desfazem como poeira.

Não por acaso, a lendária Magia da Morte é o feitiço que demanda o maior custo de sanidade daqueles que invoca seu efeito dantesco. Não raramente os que presenciam essa conflagração adquirem um pavor profundo ou um fascínio indescritível pelo fogo sendo extremamente difícil não ser afetado por esse feitiço. Quanto à vítima, nada pode salvá-la de sua obliteração, a chama voraz não pode ser dispersada depois que tem início e seu destino será queimar até não restar nada. 

Outro detalhe adicional a respeito dessa magia é que após a destruição não resta nada. Nem mesmo no campo espiritual! Não há como trazer o sujeito de volta via Ressurreição, não há como se comunicar com seu fantasma, não existe forma de contato espiritual. Nada! É como se o fogo queimasse não apenas o corpo, mas a própria alma da vítima. De fato, existem boatos que a Magia da Morte tem esse agravante: obliterar com o tempo até mesmo a lembrança de que a pessoa existiu. Com o passar do tempo, a memória do indivíduo é apagada e em pouco tempo ninguém mais consegue se recordar de quem ele foi ou detalhes sobre sua existência. 

E finalmente, eu gosto desse GIF do filme Exterminador do Futuro II que na minha opinião mostra exatamente o que acontece no estágio final da Death Spell:


Então? Concordam com a lista? Discordam? Acham que faltou algo?

Fiquem à vontade para comentar e dar sua opinião. 

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Palácio das Maravilhas - A incrível Casa dos Sonhos de Guilhermo Del Toro


Baseado no artigo de Monica Almeida (New York Times)

Para essa entrevista eu me preparei antecipadamente!

Coloquei uma trilha sonora sinistra e tentei ao máximo ignorar o sol brilhante da Califórnia do lado de fora. Toquei a campainha da tranquila casa suburbana, ansiosa pelo que iria encontrar lá dentro. Confesso que do lado de fora, nada chamava muito a atenção: o jardim era bem cuidado e nada parecia quebrar a tranquilidade da vizinhança.

Com o canto do olho consegui ver poucos antes da porta ser atendida uma placa de bronze na parede, onde era possível ler "Bleak House" em letras góticas.

A porta abriu e fui convidada a entrar pelo próprio Dono da Propriedade. 

As paredes do hall eram pintadas de vermelho e um enorme cão infernal (a versão do mitológico Cerbero vista em Hellboy) me saudou. Uma enorme cabeça de Frankenstein flutua no ar, suspensa no corre mão da escadaria. Os quadros atraíam minha atenção, obras de extremo bom gosto de pinturas renascentistas. Na biblioteca H.P. Lovecraft consultava uma estante de livros à procura de algum tomo de raro saber esotérico enquanto. Num confortável sofá vitoriano um boneco aterrorizante lançava seus olhos malignos sobre um gárgula de bronze maciço. 

Bem vindo ao Palácio dos Sonhos construído por Guilhermo del Toro.


Bleak House é como o Sr. del Toro, o cineasta mexicano conhecido pela assustadora obra prima de fantasia "O Labirinto de Pã" e pelos sucessos "Hellboy" e "Círculo de Fogo", chama sua morada, que serve como Santuário para sua fértil imaginação.

É lá que ele escreve seus roteiros, tem suas idéias de produção e reúne os artistas responsáveis pelos assustadores efeitos especiais e impressionantes figurinos e direção de arte. Del Toro sorri e concorda: "É aqui onde surgem as melhores ideias. Na maioria das vezes é aqui onde eu sento e escrevo sem parar" Cada seguimento de filmagem é detalhado como em uma animação.

Na casa há uma imensa biblioteca com um vasto acervo reunindo mais de 9 mil livros versando a respeito de Ocultismo, Horror, Contos de Fadas, História Antiga, Mitologia, Folclore, Anatomia e Romances Góticos. Os livros nas prateleiras são inspiração para incontáveis roteiros rabiscados e ideias para filmes: 

"Guilhermo tem uma imaginação e um rigor que eu não vi em nenhum outro diretor com quem trabalhei" contou o ator Tom Hiddleston, que Del Toro dirigiu em sua última produção "A Colina Escarlate". "Ele encontra beleza nas sombras e nas coisas estranhas", completou maravilhado com a coleção reunida em Bleak House.

Del Toro é claro, acredita em fantasmas, e moldou sua casa meticulosamente para refletir seus gostos peculiares como se ela fosse uma clássica Casa Assombrada.


Há mais de 700 peças originais de arte em Bleak House, trabalhos que incluem desde obras apavorantes de R. Crumband e H.­R. Giger, até peças originais dos Estúdios Disney para os clássicos "Fantasia" e "A Bela Adormecida", todos eles escolhidos cuidadosamente por Del Toro. O lugar parece bem pouco uma "Men Cave", está mais para um Museu de Bizarrice, onde podemos ver cenas de crucificação e modelos de anatomia usadas em universidades vitorianas, lado a lado com posters de filmes orientais do diretor Miyazaki. Há uma infinidade de esculturas, muitos itens de cenografia, personagens obscuros de desenhos animados dos anos 1930, cartazes, peças usadas por atores famosos, fotografias antigas emolduradas e outras maravilhosas excentricidades que preenchem cada espaço onde você pousa seus olhos. 

"Eu comecei a colecionar essas coisas quando era criança. Eu guardei tudo que comprei desde então. Eu sou um fã de monstros. Eu amo fantasia, eu amo ler. Eu tenho essa casa para mim. Na minha casa eu mantenho uma biblioteca de horror, uma de história, uma dedicada a arte. É aqui que guardo meus livros. Tenho passagens secretas atrás das estantes. Tenho uma sala onde sempre ouço o som de chuva. Essa é a casa que eu sempre sonhei em ter quando era criança, um sonho que realizei ao completar cinquenta anos".

Del Toro completa seus pensamentos:

"Isso acontece a todos nós: Nossa casa reflete aquilo que somos. Mesmo quando as pessoas dizem para não julgar um livro pela capa, nós somos aquilo que nos pertence. Eu sei que a diferença entre colecionar e acumular é muito pequena. Um sujeito que acumula coisas, meramente junta tudo de forma compulsiva enquanto um colecionador admira seus objetos, seus livros, cada item tem um significado. É isso que eu sou: um colecionador". 


Del Toro mostra alguns objetos que chamam mais a atenção:

"Eu tenho fotografias originais que pertenceram a Arthur Conan Doyle, quando ele estava investigando a existência de fadas" conta Del Toro mostrando algumas fotos em sépia adornando a parede atras de si. "Estes são os últimos retratos do pai de Conan Doyle, Charles: Ele foi internado em um manicômio por acreditar na existência de fadas".

Durante a visita é inevitável fazer perguntas como "O que você guada dentro desse caixão?" e "De onde vieram essas cabeças humanas decepadas?". Essas questões surgem naturalmente enquanto nós adentramos os cômodos repletos de objetos incomuns.

Del Toro não mora nesse endereço, sua esposa e filhas acham o lugar muito assustador, então preferem residir em uma casa na vizinhança, uma "casa normal" como diz sua mulher. Para ele, no entanto, Bleak House é um refúgio para onde ele pode escapar e apreciar sua coleção. Quando sua família não está por perto ele aproveita para dar uma escapada afim de escavar em meio aos seus tesouros.

"Se nós andarmos pela casa é possível ver mais do que peças de filmes que eu já fiz. Aqui estão peças de filmes que eu ainda pretendo fazer!" ele salienta, "Aqui está tudo que consegui acumular na minha cabeça enquanto ainda era jovem, e isso está saindo lentamente".


É claro, parte do contra-cheque de Del Toro é usado para sustentar seu vício em objetos únicos da sua coleção. Ele perdeu a conta de quantos comprou nos últimos tempos e diz que não pretende parar tão cedo.

Entre os seus tesouros está uma coleção de valiosos objetos ligados a carreira de Alfred Hitchcock: roteiros anotados, réplicas e objetos de cena originais, muitos cartazes e até mesmo uma cadeira de diretor usada pelo próprio Hitchcock em um de seus filmes e uma máscara funerária.

O interesse de Del Toro pela sua coleção é contagiante. "Eu vou lhe mostrar algumas coisas rapidamente," ele diz, a medida que exploramos Bleak House, "se você não for um completo geek como eu, pode ficar entediada rapidamente".

De modo algum, como ficar entediado diante de tudo isso?  

Abaixo, algumas fotos da vasta coleção:



Del Toro é um fã ardoroso de Frankenstein e em seu escritório ele mantém dezenas de peças que remetem ao clássico original de 1931. Várias das peças a respeito do filme são originais, tendo sido usadas durante as filmagens. Além é claro uma estátua em tamanho natural do monstro.


"A criatura de Frankenstein na minha opinião sempre foi um monstro ao mesmo tempo tocante e belo, sem falar que a interpretação de Boris Karloff era belíssima". Ele espera um dia adaptar a estória para o cinema: "Frankenstein é um belo livro, escrito por uma adolescente e por isso carregado com uma raiva quase palpável".

Del Toro possui uma estátua em tamanho natural baseada em uma famosa fotografia tirada em 1931, na qual o ator Boris Karloff bebe chá enquanto recebe a maquiagem do monstro, feita por Jack Pierce


Pierce foi um lendário maquiador da Era de Ouro do cinema e responsável pelo conceito de vários monstros entre os quais Frankenstein e Drácula.

Uma parte da peça foi modelada pelo ganhador do Oscar Rick Baker, considerado um mago da maquiagem: "Rick veio aqui e me ajudou com essa peça! Ficou excelente"

Del Toro tem muito carinho pelos seus filmes e contou que sempre dá um jeito de levar para casa uma lembrança retirada do set de filmagem. 

Acima podemos ver a máscara original usada durante as filmagens de Blade II que representa os estranhos vampiros cuja boca se abre de forma bizarra.


"Eu tenho a arma usada por Helboy no primeiro filme, eu comprei assim que as filmagens terminaram, concordei em emprestar para o segundo filme, desde que eles em troca me dessem alguns props", conta mostrando a arma guardada em um display de vidro.

"Eu empresto a arma, mas vocês terão que me dar um desses ovos mecânicos gigantes", ele conta se divertindo. "É assim que minha coleção cresce".

O trabalho de arte dessas peças é notável, eles parecem realmente peças únicas moldadas a partir da imaginação do cineasta.


Del Toro conta que costuma dormir no sofá vermelho, ao lado do gramofone (também usado no primeiro filme Hellboy). Ele costuma colocar alguns discos antigos e relaxar. Mas quando quer algo mais familiar, simplesmente aciona um sistema de som que repete continuamente o som de chuva, trovões e tempestade.

"O sofá é ótimo para tirar uma soneca!  Uma coisa que aprendi é que você tem que trabalhar em um lugar onde pode descansar e tirar uma soneca quando necessário."

As estantes de madeira do escritório são em estilo vitoriano, remetendo às antigas bibliotecas das mansões assombradas dos romances góticos que ele tanto ama. Nas prateleiras abarrotadas há inúmeros livros e edições caprichadas de clássicos do horror e da fantasia. Muitos deles, primeiras edições. As antologias incluem o título "Best Horror Stories" comprado por Del Toro quando criança em 1971. Esse foi o seu primeiro livro de horror e o início de sua imensa biblioteca.

"Forrest Ackerman (autor de estórias fantásticas e de horror) era um dos meus heróis. Quando eu era criança sonhava em ser adotado por ele. Meu pai encontrou uma carta em que eu pedia isso! Ele ficou furioso e me deu uma surra" conta gargalhando da lembrança.

Ah sim... o "bibliotecário" dessa coleção não é outro senão H.P. Lovecraft, ou melhor uma estátua perfeita em tamanho natural do autor, consultando um livro que parece ter acabado de remover da estante.
 

"Pedi que o artista fizesse Lovecraft como se ele estivesse consultando os livros em busca de inspiração para uma de suas estórias".

Na sala de estar, uma outra estátua perfeita de Edgar Alan Poe lê descompromissadamente um grande tomo encadernado com couro. Ele parece satisfeito em nos fazer companhia, sentado em uma das poltronas de couro vermelho.

"Esses dois retratos sobre a lareira foram feitos por um artista chamado Michael Deas. Ele é o sujeito que faz todos os selos comemorativos do Correio Norte Americano. Foi ele quem pintou o quadro de James Dean anos atrás e um selo dedicado a Poe. Pedi a ele que fizesse um quadro com o mesmo estilo, retratando Poe e Lovecraft", conta orgulhoso.


Eu sento com ele na sala de estar e não consigo tirar os olhos da estátua de Poe. Ela é tão perfeita, tão detalhada, tão real que eu não consigo evitar de perguntar se ele costuma conversar com ela:

"Eu costumo sentar aqui na sala aproveitando a companhia de Poe e Lovecraft. Adoro a ideia de tê-los ao meu redor, pessoas que eu admiro. Mas eu não falo com eles. Eu não sou louco - ainda" ele responde se divertindo com a minha pergunta.

Sobre uma mesinha de cabeceira está uma reprodução da Cama do Capitão que estava no brinquedo "Piratas do Caribe" na Disneyland. "Eu tirei várias fotografias pois queria um idêntico na minha coleção".

Del Toro não sabe ao certo quantos esqueletos ele possui em sua coleção, "Provavelmente são mais de 100. Eu gosto de pensar neles como belos objetos de arte."


Mas quando pergunto se há algum esqueleto de verdade ele assume uma postura mais séria:

"Eu não quero ter algo assim na minha coleção. Não quero ter um crânio que pertenceu a uma pessoa no passado. Isso me dá arrepios. Eu não gosto de nada com sangue verdadeiro, violência de verdade saída do mundo real. Como mexicano, eu vi coisas estranhas na minha cultura, mas eu não gosto disso na minha casa". Del Toro deixa claro que prefere a visão de artistas.

"Esse esqueleto por exemplo é do brinquedo da Disney "Haunted Mansion" (Mansão Assombrada). Ele é original, comprei alguns anos atrás. Me pergunto quantas pessoas essa peça assustou ao longo de décadas".  diz mostrando outra de suas peças de estimação. 

No canto de um aposento nos deparamos com outra estátua em tamanho natural, ou quase.


"Esse é Jonny Eck, um ator que nasceu sem a parte de baixo do corpo. Ele apareceu no clássico "Freaks" de Todd Browning, de 1932" ele conta se aproximando da peça disposto a falar a respeito dela como bom colecionador.

"Eck era um sujeito bonito. Essa escultura é notável! Você pode perceber as veias de sua têmpora inchadas pelo fato dele estar de ponta cabeça e o sangue ter descido. Ela é incrível em todos os detalhes, cada fio de cablo foi colocado individualmente com uma agulha".

Não há nada melhor do que visitar uma coleção com uma pessoa apaixonada.

Para aqueles que ficaram maravilhados (como eu) pela belíssima coleção, Del Toro confirma que suas peças estarão ao alcance do público em uma exibição no Museu de Arte de Los Angeles (LACMA), e depois serão apresentados em Minneapolis, Toronto, Cidade do Mexico, Barcelona, Paris e por último Nova York. 

É uma oportunidade única de conhecer a paixão e dedicação de um verdadeiro colecionador capaz de transformar o mundo em um lugar surpreendente e inesquecível. 

Update:

Para quem ficou curioso em ver mais detalhes sobre Bleak House, aqui está um video em que o dono da casa serve de anfitrião e mostra orgulhoso alguns dos seus incríveis tesouros:

domingo, 17 de julho de 2016

A Prisioneira de Poiters - A Trágica vida de Blanche Monnier



No mês de Maio de 1901, o Advogado Geral da cidade de Paris recebeu uma carta anônima descrevendo acontecimentos sinistros em uma casa isolada nos arredores de Poiters. De acordo com a carta, escrita à mão em bom vocabulário e caligrafia, uma mulher estava sendo mal tratada na tal casa. A carta não explicava muito, apenas informava que alguém deveria fazer algo e que as autoridades precisavam ser alertadas já que essa situação já vigorava há mais de 25 anos. 

O conteúdo da carta era o seguinte:

"Senhor Advogado Geral: Tenho o dever de lhe informar de uma séria ocorrência. Eu me refiro a uma velha senhora que é mantida prisioneira na Casa de Madame Monnier em Poiters. Ela está faminta, esfarrapada e vivendo em meio a sua própria sujeira pelo último quarto de século. Algo deve ser feito". 

A tal "Madame Monnier" era uma viúva de 75 anos de idade chamada Louise Monnier Demarconnay. Para muitos, ela era uma cidadã acima de qualquer suspeita. Residia em uma vizinhança próspera em uma mansão, na companhia de seu filho, Marcel. Seu falecido marido, Emile, era o diretor da faculdade local de arte. Marcel de 50 anos, era um advogado e almejava o cargo de professor na Comuna de Puget-Théniers. Para todos os efeitos era uma família normal e com uma vida tranquila, não chamavam a atenção e eram respeitados, ainda que considerados muito reservados.

Foto de um jornal da época mostrando a Mansão Monnier
As autoridades estavam céticas a respeito das alegações contidas na carta. Ainda assim, alguém lembrou que a filha dos Monnier, a jovem Blanche, havia sumido misteriosamente. Blanche era conhecida como uma jovem mulher "alegre e bem disposta" com uma "beleza marcante e expressivos olhos azuis". 

Talvez a carta fosse apenas uma brincadeira de mau gosto. O tipo da coisa que pessoas com tempo livre e coração de pedra faziam. Mas e se não fosse?

Dois policiais acompanharam o Assistente do Advogado Geral, um homem chamado Giroud que bateu a porta do número 21 da rue de la Visitation, em Poiters. Depois de muita insistência, uma mulher, a criada da casa, abriu a porta pedindo desculpas pela demora, disse que estava atarefada e que era a única empregada da família. A mulher pareceu assustada com a presença dos homens, sobretudo dos policiais uniformizados que exigiam ver sua patroa. O lugar estava estranhamente desarrumado e sujo, mas isso não surpreendeu os homens que foram conduzidos a uma sala privada onde deveriam aguardar Madame Monnier.

A mulher surgiu cerca de meia hora depois, amparada pela criada. Ela relatou que não compreendia o sentido da carta e que aquilo não passava de tolice. Os policiais estavam convencidos, mas o assistente pediu para inspecionar a casa alegando que haviam algumas infrações quanto a instalação elétrica. Madame de Monnier disse que ele poderia inspecionar a casa desde que não entrasse nos quartos para não perturbar a tranquilidade e que fosse acompanhado pela criada.

Giroud andou pela casa, observando cada canto enquanto os guardas aguardavam na entrada. Enquanto inspecionava um dos corredores no segundo andar, sentiu um cheiro desagradável que vinha de uma ala da enorme mansão que se encontrava trancada. Ele ordenou que a criada abrisse a porta e essa se negou, avisando que iria chamar a patroa. Giroud foi mais rápido e segurou a mulher exigindo que ela contasse o que estava acontecendo já que parecia claramente esconder alguma coisa. Ela se limitou a olhar para a porta e dizer que não tinha culpa do que acontecia lá dentro. O assistente chamou os policiais e estes derrubaram a porta que estava firmemente trancada.

Ao abrir a passagem o fedor transbordou de dentro e quase os fez perder os sentidos. Eles seguiram o odor até uma escada que levava ao sótão e que também estava barrada. Quando arrebentaram o cadeado encontraram um aposento escuro e apertado. Havia uma única janela coberta por uma pesada cortina que impedia totalmente a entrada de luz.

Eles afastaram a cortina e assim permitiram que o sol adentrasse aquela sala esquecida. Uma chocante revelação então veio à tona:

No canto mais escuro do aposento, coberta por um lençol imundo, havia uma mulher esquelética encolhida, descrita como "pele e ossos" pelos policiais. Ela estava completamente nua, deitada sobre um colchão de palha, ensopado de urina e coberto de fezes. O cheiro era insuportável. Fragmentos de carne, vegetais e pão formavam uma crosta de detritos ao redor do corpo. Ela estava presa a uma corrente de ferro no tornozelo com grilhões rebitados na parede. A pele em carne viva pelo longo contato com o metal. Ao ver os homens ela gritou enlouquecida, assustada pela presença humana depois de tanto tempo isolada.

Apesar de toda a ruína física e mental, o assistente reconheceu os olhos azuis de Blanche Monnier.

Com 49 anos de idade, ela pesava meros 24 quilos.  



Um dos policiais desmaiou no momento que viu as condições da pobre mulher. O Assistente Giroud e o policial restante, trataram de libertá-la, a envolveram num lençol limpo e correram para o Hôtel-Dieu o Hospital mais próximo em Paris. Madame Louise, enquanto isso, permaneceu em seu aposento. Ela foi encontrada horas depois fazendo um lanche de torradas e chá, vestindo uma confortável camisola de seda e chinelos de veludo. Fazia frio na cidade e havia uma lareira acesa. Quando os policiais deram voz de prisão ela apenas pediu que seu filho fosse chamado.

Marcel já havia sido detido na escola onde pretendia dar aula. Ele foi escoltado até a casa em Poiters onde o Advogado Geral começou a fazer um interrogatório.

Foi então que a perturbadora história de Blanche Monnier começou a ser revelada.

Quando tinha aproximadamente vinte anos, Blanche se apaixonou por um homem mais velho - um comerciante com recursos financeiros limitados. A família era contrária a esse relacionamento e exigiu que Blanche abandonasse qualquer esperança de casamento. Segundo rumores, ela tencionava fugir e se casar com seu amado em Marselha onde pretendiam se estabelecer. Outros rumores afirmavam que seu envolvimento havia resultado em uma criança ilegítima que foi abortada por exigência da família. Percebendo que Blanche estava irredutível e que nada poderia ser feito para evitar o enlace Madame Monnier e seu filho, colocaram em ação um plano hediondo.  

Certa noite, Blanche foi drogada com láudano e carregada para o sótão da casa. Quando despertou, foi informada pela mãe que a porta ficaria confinada no pequeno aposento até que aceitasse romper o relacionamento e desposar quem eles indicassem. Certamente, na opinião de Madame Louise, seria questão de tempo até Blanche desistir.

Mas Blanche não desistiu!

E assim, Madame Louise manteve a própria filha como prisioneira no sotão de seu casarão em Poiters. Após uma tentativa frustrada de fuga, Blanche passou a ser presa em um grilhão de ferro. Ela era espancada regularmente por Marcel que subia ao sótão semanalmente com um chicote de cavalo, objeto usado para disciplinar a irmã. Quando ela foi libertada haviam cicatrizes e marcas de abuso em todo seu corpo. 

Fotografias de revistas e semanário franceses da virada do século
Ferida e doente ela quase morreu várias vezes. Alimentada com restos de comida recebidos através de uma passagem no assoalho, ela foi perdendo peso e diminuindo. Ratos a aterrorizavam noite e dia, surgindo dos cantos do sótão para disputar sua comida. Ela usava um escoamento rudimentar que entupia frequentemente e a deixava coberta de dejetos. Por semanas ninguém a visitava e como ninguém respondia aos seus pedidos de socorro, ela parou de implorar por ajuda.

O comerciante com quem ela desejava casar morreu em 1885.

Os Monnier não podiam mais esconder a ausência de Blanche. Eles contaram a todos que ela havia deixado Paris para viver com parentes. Depois inventaram que ela havia casado com um importante juiz de outra província. Finalmente, depois de vários meses surgiram com a estória de que ela havia desaparecido em Marselha após um suposto sequestro. Os Monnier simplesmente inventavam desculpas para o fato dela ter sumido repentinamente. Ninguém desconfiava de nada. Os empregados foram mandados embora e apenas uma governanta de confiança ficou responsável por cuidar das tarefas diárias. A casa foi se deteriorando: a fachada descascada, o pátio sujo, o jardim coberto de ervas daninhas... a aparência era de um castelo assombrado ou uma casa assombrada. Apesar disso, ninguém se importava com o que acontecia lá dentro. Madame Monnier não recebia visitantes ou parentes, amigos não pareciam existir.  

Madame Louise e Marcel foram detidos após o resgate de Blanche. Ela foi transferida para uma prisão enfermaria depois que descobriram que ela sofria de problemas cardíacos. Quinze anos mais tarde, ela morreu em sua cama.

Acusado de cumplicidade, Marcel foi julgado sozinho; o processo começou em outubro de 1901. Ele alegou que sua irmã Blanche era insana e que era necessário ela ficar isolada de tudo e de todos. Testemunhas chamadas pela corte contrariaram sua defesa. Dezenas de pessoas que conheceram Blanche afirmaram que ela se comportava como alguém perfeitamente são antes de seu desaparecimento. Vizinhos disseram ter ouvido gritos em algumas oportunidades, mas que jamais imaginaram que se tratasse de uma mulher prisioneira. Ninguém suspeitava que pudesse ser Blanche. 

Quatro dias após o início do julgamento, Marcel foi declarado culpado e sentenciado a (apenas) 15 meses de prisão. Ele apelou de sua sentença no início de novembro. Com amigos e conhecidos nos tribunais, obteve um perdão especial - uma aberração jurídica jamais inteiramente explicada. Para desgosto da opinião pública, ele deixou a prisão como um homem livre. Após ser hostilizado nas ruas de Paris, Marcel se mudou para Nice.

Em vida foi um homem estranho, tinha prazer em processar as pessoas e recomendar penas pesadas. Em 1910 ele se envolveu em um caso de corrupção na cidade que decidiu abraçar e foi condenado a um ano de prisão na Ilha do Diabo. Dizem que era um homem sádico, envolvido entre outras coisas com magia negra e ocultismo. Mas é possível que essas alegações tenham sido inventadas pelos seus detratores. Ninguém sabe ao certo, mas dizem que ele morreu em um incêndio menos d euma semana após a morte da irmã.

Um jornal de Paris noticia o terrível acontecimento em Poiters.
O prognóstico inicial pra Blanche Moonnier era pessimista: a morte parecia iminente e  a recuperação improvável. Além dos danos causados pela má-nutrição e doença, ela não conseguia suportar a luz e seus olhos não se ajustavam a claridade já que ela havia vivido tanto tempo no escuro.

Mas como por milagre, o estado físico de Blanche melhorou, tratada por médicos voluntários que desejavam cuidar de seu delicado quadro. Blanche recebeu apoio de indivíduos ricos de toda Europa: celebridades, presidentes e até Monarcas enviaram para ela presentes. O governo da França ofereceu uma casa em Paris onde ela poderia passar seus últimos dias, além de uma pensão mensal.

Contudo, apesar de melhorar fisicamente, ela jamais recuperou sua sanidade. Blanche foi tratada por psiquiatras ilustres, entre os quais o próprio Doutor Sigmund Freud que estava em início de carreira. Ela nunca superou o trauma sofrido, acordava aos gritos frequentemente acreditando que estava de volta a escuridão do confinamento, devorada pelos ratos e coberta de sujeira.

Blanche Monnier viveu mais 13 anos. Faleceu tranquilamente em um hospital psiquiátrico de Paris em 1914.

A identidade do autor da carta anônima que possibilitou sua libertação jamais foi descoberta.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Mais Mitos do Japão - Fantasmas, espíritos e monstros bizarros do folclore japonês

E concluindo a nossa série de Espíritos, Fantasmas e Monstros do Folclore Japonês, mais sete criaturas que você não quer encontrar na Terra do Sol Nascente.

8) Kekkai


Outro elemento recorrente no mundo sobrenatural do Japão é a presença de bebês assustadores e/ou monstruosos. Há algo nos mistérios da concepção e do nascimento que é realmente assustador, mas na Cultura Nipônica não são poucos os fantasmas e demônios que assumem a forma de recém nascidos. Os fantasmas desse grupo são comumente chamados de Sanke, sendo o Kekkai o pior deles.


O Kekkai é uma criança nascida com sangue diabólico correndo em suas veias. Por vezes, a criatura manifesta uma pequena peculiaridade: orelhas pontudas, olhos de gato ou feições caprinas, em casos extremos pés de bode, chifres, pinças de caranguejo e pelos negros podem surgir tornando o bebê uma abominação medonha.

O mais temido Kekkai não pode sequer ser identificado como um bebê humano. Ele se forma no útero como uma massa disforme de carne e cabelo escuro do tamanho de uma bola de basquete que mais parece um tumor do que uma criança. Não obstante, essa coisa ao nascer chora como uma mulher desesperada causando uma onda de pânico em todos que ouvem seus uivos agudos. Não raramente médicos e enfermeiros ficam paralisados de medo e a coisa age livremente matando a mãe e escapando para algum lugar escuro onde possa crescer.

Não por acaso, essa assombração aterroriza especialmente mulheres. A crença de que o Kekkai surge a partir de relações sexuais espúrias ou proibidas foi muito disseminada no Japão sobretudo em áreas rurais onde a iniciação sexual é um tabu. Inúmeros abortos clandestinos foram realizados por mulheres temerosas de que seus filhos não desejados poderiam se tornar Kekkai.

Não é de se admirar que a taxa de natalidade no Japão esteja em queda.

9) Oshiroibaba

Uma das muitas, muitas assombrações demoníacas que parecem uma bruxa velha e que vagam pelo Japão. A Oshiribaba é uma das entidades mais temidas e assustadoras.

A princípio ela pode parecer apenas uma velha feia e de modos desagradáveis como uma risada estranha e movimentos desconjuntados. Em algumas variantes, a bruxa tem os cabelos grisalhos repletos de piolhos, uma corcunda, dentes acavalados ou algo que a torna especialmente desagradável aos olhos da maioria. A bruxa se apresenta para mocinhas, em especial aquelas que tem uma aparência acima da média.

Ela oferece a elas produtos de beleza, pó compacto, baton, rouge ou seja lá o que for. A Oshiribaba promete que seus produtos são maravilhosos e que vão realçar a beleza da pessoa escolhida. Por algum motivo, o espírito parece ter um poder de convencimento enorme, pois se não fosse isso, como explicar que alguém aceitaria de uma velha medonha produtos de beleza?

Seja como for, os produtos parecem funcionar muito bem. A pessoa constata que eles são muito bons e que de fato a tornam mais atraente e desejada. Tudo isso, é uma grande ilusão! Embora a mulher se veja cada vez mais linda e jovem, inclusive nos espelhos, todos os outros cada a vêem cada vez mais feia e enrugada. No fim, elas acabam se tornando tão aterrorizantes e deformadas quanto a Oshiribaba que lhes ofereceu a chance de serem lindas.

Um dos termos usados para mulheres feias no Japão, ao longo dos séculos é Oshiribaba, um termo pejorativo, usado entre adolescentes para designar aquelas colegas com poucos atrativos e predicados físicos.

10) Ittan-Momen

Mas nem só de coisas feias e assustadores vive o submundo do sobrenatural japonês. Tem outras coisas que são menos apavorantes e simplesmente... esquisitas.

Tomemos como exemplo o Ittan-Momen que sequer parece assustador. Ele é basicamente um grande pedaço de tecido de algodão que por alguma razão foi possuído por um espírito. Soa meio sem graça, não é?

O problema é que o Ittan-Momen é incrivelmente maligno e tem a desagradável habilidade de voar por aí e se enrolar ao redor da cabeça das pessoas que estão dormindo ou por alguma razão inconscientes - bêbados e drogados, nos últimos tempos parecem vítimas ideais. Uma vez envolvendo a cabeça, ele começa a apertar de tal maneira que a pessoa se vê incapaz de removê-lo, morrendo asfixiada. O Ittan-Momen parece um sádico filho da mãe, mas não é apenas isso.

Em algumas versões, a entidade seria capaz de entrar pela boca de suas vítimas com o objetivo de fazê-las engasgar e sufocar, Em outras, ele se envolve ao redor do pescoço e puxa o pobre diabo até estrangulá-lo. De todos os ângulos essa toalha de algodão do mal é um calhorda assassino.

É curioso como os japoneses associam os espíritos malignos ao seu dia a dia. Algumas pessoas ainda hoje associam o tratamento básico de esterilização de ferimentos com o mito do Ittan-Momen, temendo que tecidos sejam colocados sobre si, mesmo que esse seja um procedimento comum em Centros Cirúrgicos de todo mundo. Em algumas lugares do Japão, colocar um pano sobre a cabeça de uma pessoa é um mau agouro, algo evitado por todos.

11) Isonade

O Folclore japonês é cheio de seres marinhos mitológicos, o que não é exatamente surpreendente uma vez que o Japão é uma Ilha. Além disso, marinheiros e pescadores são supersticiosos em todas as partes do mundo.

O Isonade é um terror marinho. Para alguns ele é interpretado como um animal estranho e perigoso, mas muitos acreditam que ele seja algo mais: uma entidade fantasmagórica pavorosa. Imagine um tubarão, grande e assustador vivendo em qualquer lugar com água, não necessariamente água salgada, o que inclui rios, lagos e pequenos reservatórios de água. Agora imagine que esse tubarão mata pelo prazer de matar e não para se alimentar ou preservar seu território. O Isonade é um bicho cruel com inteligência sobrenatural e motivação para fazer o mal.

Além disso o bicharoco possui barbatanas que são afiadas como um ralador de queijo, sendo que ao invés de queijo ele costuma ralar pessoas. O isonade utiliza essas barbatanas para filetar suas vítimas cortando-as em pedaços que são então devorados por todos azarados o bastante para encontrar um deles cara a cara.

Tubarões são temidos onde quer que seja, mas só a possibilidade de haver um tubarão inteligente caçando por esporte deve ser uma sensação incômoda, sobretudo quando você vive do mar. Muitos marujos japoneses fazem oferendas para tubarões antes de entrar na água esperando ganhar assim uma espécie de salvo-conduto. O costume existe até hoje e inclui é claro um pedido especial para manter o Isonade bem longe deles.

12) Bake-Kujira



Outro terror marinho, o Bake-Kujira diz respeito a um espírito que assume a forma de uma ossada gigante de baleia.

Os japoneses possuem uma longa e polêmica tradição como baleeiros e arpoadores. A maioria das nações modernas diminuiu ou baniu de vez a prática de predação de baleias em virtude do risco de extinção dos animais, mas no Japão, a caça à baleias continua sendo praticada. Apesar do clamor público da própria população, pesca de baleias ainda é uma atividade aceitável.

Talvez em face de toda polêmica, a Bake-Kujra se tornou um espírito popular nas últimas décadas. Segundo o mito, quando uma baleia é morta injustamente ela pode retornar como uma criatura vingativa que existe com o propósito único de afundar barcos e punir aqueles que a mataram. Baleias prenhas, que são abatidas de forma cruel ou cuja pesca é injustificada, são as que mais frequentemente podem retornar.

O Bake-Kujira é uma visão aterrorizante. Uma enorme criatura formada por imensos ossos de baleia colados por cartilagens. Ela é extremamente inteligente e vingativa, abarroando quaisquer embarcações que encontra pela frente e levando marinheiros às profundezas. Aqueles que participaram de sua morte são punidos de maneira ainda mais terrível, os marujos são engolidos e ficam aprisionados no interior do leviatã como mortos vivos pela eternidade.

No Japão, as pessoas consideram ver uma baleia um sinal de boa sorte, mas encontrar um Bake-Kujira é motivo de desespero e pânico. Em vilarejos pesqueiros, os ossos de baleias eram enterrados muito longe, queimados ou pulverizados para que não retornassem como espíritos vingativos. Monges shintoístas abençoavam os restos para que eles não voltassem. O mero rumor da presença dessas entidades avistados em alto-mar já era suficiente para lançar populações em uma onda de desespero e fazer com que pescadores sequer cogitassem sair para trabalhar.

13) Hyosube

O Hyosube faz parte do vasto rol de pequenos duendes malignos do folclore nipônico.

Não são poucos os monstrinhos que fazem parte dessa categoria, contudo o Hyosube parece ser o pior deles. Não é pelo tamanho, já que ele não é mais do que um anão cabeçudo, de corpo compacto e coberto de pelos escuros e crespos.

O problema de cruzar o caminho de um Hyosube é que tradicionalmente avistar uma dessas criaturas está associado a um azar crônico que acaba levando a pessoa a uma morte trágica. Esses duendes não tentam se esconder, eles ficam felizes em transmitir sua má sorte e sentenciar seus desafetos (basicamente qualquer pessoa!) a acidentes fatais. Na lista de acontecimentos trágicos há espaço para atropelamentos, ataques de animais selvagens, afogamento e até queda de raios.

A única coisa que pode evitar o acidente é deixar uma oferenda para o Hyrosube que o amaldiçoou, de preferência frutas que devem ser esmagadas e abandonadas em  um jardim. Nesse caso, a criatura será atraída ao local, comerá tudo, destruirá toda plantação e partirá podendo ou não remover seu mau olhado. Berinjelas são a comida favorita deles e portanto as melhores chances de conseguir o favor deles é oferecendo essa iguaria.

Pode parecer bobagem, mas no interior do Japão ainda hoje é costume deixar berinjelas espalhadas pelos campos para que os Hyosube saciem sua fome e deixem as pessoas em paz. Outro detalhe curioso é que até o século XIX, anões eram mau vistos no Japão pois alguns acreditavam que eles eram de alguma forma ligados a essas criaturas. Na sociedade japonesa, crianças nascidas com nanismo por vezes eram afogadas por parteiras e enterradas em caixas com pedaços de berinjela, um costume bizarro que ainda hoje teima em acontecer em regiões isoladas e supersticiosas.

14) Kuchisake-Onna



Outro monstro dos tempos modernos, cuja origem não foi determinada.

A Kushisake-Onna é uma mulher que vaga pelas ruas movimentadas das metrópoles usando uma máscara no rosto semelhante a usada por milhares de cidadãos para se proteger da fumaça e poluição. Ela parece uma pessoa normal e não se preocupa em se misturar a população.

A criatura tende a procurar crianças ou adolescentes, aproximando-se deles e fazendo perguntas como se estivesse perdida. Depois de receber as informações desejadas, ela escolhe uma das crianças e pergunta a ela se a acha bonita. Se a criança responder que sim - porque em geral ela parece bonita, a Kushisake-Onna remove a máscara mostrando sua face horrivelmente retalhada por um corte nos dois lados da boca. Nesse momento, ela pergunta novamente se ela ainda é bonita. Se a criança disser que não, o espírito agarra a criança e a mata de uma maneira violenta, em geral estrangulando ou mordendo sua garganta. Se a criança responde que não, a Kushisake-Onna poupa sua vida, mas transforma a criação em uma réplica dela mesma, produzindo horríveis cortes nos cantos de sua boca.

Pode parecer uma lenda urbana boba, algo criado com o intuito de meramente assustar crianças e impedir que elas falem com estranhos, contudo o temor desse espírito causou uma epidemia no Japão na década de 1970. Crianças e até adultos desconfiavam de mulheres vestindo máscaras e temiam tanto que elas pudessem ser a Kushisake-Onna que evitavam falar ou prestar ajuda. 

O temor chegou a tal ponto que uma campanha foi veiculada na televisão para conscientizar as pessoas que a entidade não existia. Antes disso, um projeto de lei chegou a ser votado em algumas regiões do Japão para impedir mulheres de usar máscara. Se isso não demonstra um medo palpável, que tal o fato de uma mulher ter sido apedrejada até a morte por crianças nos arredores de um colégio em Osaka? Tudo isso por que ela vestia uma máscara cirúrgica e tinha uma deformidade de palato. O medo por resultar em situações muito estranhas, especialmente se as pessoas forem confrontadas com o objeto de seu terror.